Artículos de reflexión
Artesãs de Aritapera/PA: técnicas e processos em uma perspetiva Etnomatemática
Craftswomen of Aritapera/PA: techniques and processes in an ethnomathematical perspective
Artesãs de Aritapera/PA: técnicas e processos em uma perspetiva Etnomatemática
Revista Latinoamericana de Etnomatemática, vol. 9, núm. 2, pp. 180-201, 2016
Universidad de Nariño
Recepção: 13 Dezembro 2015
Aprovação: 19 Abril 2016
Resumo: Este estudo discute aspetos relativos a aprendizagens informais, evidenciadas em um grupo de mulheres artesãs, residentes na cidade Santarém/PA, Região do Aritapera, e de que forma estas aprendizagens e saberes informais se interconectam com a perspetiva do Programa Etnomatemática. Suas práticas sociais, refletidas no artesanato regional, mostram particularidades, envolvendo a transmissão e produção de saberes, organização de comunidades de práticas e trocas simbólicas evidenciadas, durante o trabalho de elaboração das cuias ornamentais. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta investigação foram organizados de acordo com uma abordagem etnográfica, a partir da observação e inferência dos processos de construção e incisões de registros nas superfícies que compõem as cuias regionais. Os resultados da investigação indicam que a iconografia refletida nas cuias, aponta motivações especialmente relacionadas com representações sociais evidenciadas na dinâmica da comunidade e das relações comerciais envolvidas. As interações sociais possíveis e existentes no meio permeiam, assim, um fluxo de trocas permanentes de conhecimentos multifacetados diversos. A produção e ornamentação das cuias estão muito relacionadas com uma espécie de saber instrumental e técnico, mais geral, o qual envolve a comunidade, como um todo. Ao mesmo tempo, agrega elementos particulares às práticas das artesãs, de forma estreitamente conectada com a natureza revelando um saber dinâmico integrado e equilibrado com o meio ambiente, sem desconsiderar o fato de que qualquer alteração ambiental coloca em risco a prática cultural, ou seja, traz mudanças nos modos de produção.
Palavras-chave: Práticas socioculturais, Saberes informais, Etnomatemática, Representações simbólicas, Mulheres artesãs.
Abstract: This study discusses aspects of informal learning, evidenced in a group of women artisans living in the city Santarém / PA, Aritapera region, and how these learning styles and informal knowledge interconnect with the perspective of the Ethnomatematics Program. Their social practices, reflected in their regional craft, show particularities involving the transmission and production of knowledge, organization of communities of practice and evidenced symbolic exchanges during the preparation work of ornamental gourds. Methodological procedures used in this research were organized, according to an ethnographic approach, from observation and inference of construction processes and incisions recorded on surfaces that create the regional gourds. Research results indicate that the iconography reflected in bowls, indicate motivations especially related with social representations evidenced in the community dynamics and commercial relations involved. Possible social interactions existing in this context thus permeate a permanent flow of diversified multifaceted knowledge exchange. The production and ornamentation of gourds are closely related to a kind of technical and instrumental knowledge, which involves the community as a whole. At the same time, it adds particular elements to the practices of the artisans, closely connected with nature, revealing a dynamic knowledge integrated and balanced with the environment, without disregarding the fact that any environmental alteration threatens the cultural practice, bringing changes to its modes of production.
Keywords: Socio-cultural practices, Informal knowledge, Ethnomathematics, Symbolic representations, Craftswomen.
1. INTRODUÇÃO
Evidências empíricas de práticas sociais e culturais são objeto de discussão em diversos trabalhos e investigações realizadas em Etnomatemática. Processos, técnicas e dinâmicas culturais são descritos, compreendidos e entendidos a partir de diferentes processos informais de aprendizagem (Chamoux, 1978; Dasen, 2004; De Vargas, 2009; Greenfield, 1999; Lave & Wenger, 1993). Processos e saberes estão presentes na produção artesanal de diferentes comunidades[1], assim como muitas pesquisas de base etnográfica, realizadas anteriormente forneceram desdobramentos iniciais em termos de experiências educacionais[2].
A maior parte das pesquisas e estudos iniciais relacionados com a Etnomatemática aproxima-se da etnografia e abordam saberes e fazeres de grupos culturais identificáveis, independente da natureza local, temporal ou geográfica, capaz de caracterizá-los. Com o crescimento e amadurecimento das pesquisas em Etnomatemática, as suas concepções e compreensões formuladas inicialmente pelo principal teórico brasileiro desta área, Ubiratan D’Ambrosio, passaram a ser reavaliadas e ampliadas. O Programa Etnomatemática (D’Ambrosio, 1990), refere-se ao estudo dos fazeres/saberes dos diferentes grupos e da dinâmica cultural intrínseca a eles, contemplando aspetos cognitivos, filosóficos, históricos, sociológicos, políticos e naturalmente educacionais.
Em que pese os distintos caminhos epistemológicos e distintas bases teóricas as quais o Programa possa vir a se organizar, os estudos de natureza etnográfica de diferentes grupos socioculturais firmaram-se e consolidaram-se como característicos e singulares para a dinâmica de difusão dos trabalhos e pesquisas elaboradas. Esses estudos predominaram por muitos anos na produção desta área de pesquisa, porém, verificamos que este quadro vem se modificando nos últimos anos. Ao se analisar as informações relativas dos trabalhos apresentados nos quatro Congressos Brasileiros de Etnomatemática (CBEm) já realizados (Fantinato, 2013), pode-se ver como a representatividade do eixo temático “Educação matemática em diferentes contextos culturais” (predominante nos congressos de 2004 e 2008) é equivalente apenas com o eixo “Etnomatemática e prática pedagógica”, o qual teve uma concentração maior de trabalhos no ano de 2000 e em 2012.
Portanto, apesar de serem característicos da pesquisa original em Etnomatemática, os estudos etnográficos vêm se tornando cada vez menos frequentes e cada vez mais cedendo lugar para pesquisas voltadas para aplicações pedagógicas imediatas de ideias etnomatemáticas. Dos oito artigos sobre Etnomatemática publicados pela revista Bolema entre 2006 e 2010, Costa (2012) encontrou cinco artigos voltados para temáticas educacionais, sendo que apenas um abordava ideias matemáticas presentes em práticas sociais de diferentes grupos.
Todavia, acreditamos na vitalidade dos estudos etnográficos, na perspectiva da Etnomatemática. Mesmo os estudos que estejam voltados para aplicações pedagógicas – e aqui entendemos serem estas aplicações importantes a titulo de reflexões e resultados – possibilitam mostrar elementos de base social e antropológica relevantes para o Programa Etnomatemática. Assim, teríamos investigações etnográficas, que precederiam as aplicações ou desdobramentos educacionais, para quem deseja realizar uma ação pedagógica com base do Programa Etnomatemática.
Perspetivas transdisciplinares (Vergani, 2009) que envolvam uma análise de dados empíricos, configuram uma alternativa muito rica para um diálogo entre saberes diversos existentes em contextos socioculturais outros. Tal atitude transdisciplinar, move-se para um pensamento etnomatemático com características de inventividade, gerando “possibilidades de lançar outros sentidos, abrir perspetivas outras para a cognição e para a aprendizagem” (Clareto, 2009, p. 130). Acreditamos, como Dasen (2004) que:
Todas as sociedades, sejam elas do Norte ou do Sul, têm uma forma de transmitir sua cultura de geração em geração, fora da instituição particular representada pela escola. [...] um bom conhecimento da educação informal pode servir para que os sistemas escolares fiquem mais adaptados aos contextos culturais nos quais eles se situam (Dasen, 2004, p. 23)[3]
Nesse sentido, este estudo procura discutir algumas particularidades relacionadas às aprendizagens informais, emergentes das naturezas social e antropológica, evidenciadas em um grupo de mulheres artesãs, residentes na cidade Santarém/PA. Seu oficio de desenvolver práticas culturais refletidas no artesanato de elaboração de cuias regionais, mostra uma particularidade especial, no sentido de entender e projetar possibilidades de discussão e abstração sobre estas práticas. Além disso, nos ajuda a entender alguns elementos relacionados com a educação informal e suas conexões com a proposta de pesquisa do Programa Etnomatemática, mais especificamente as conexões existentes entre os saberes informais e as ideias matemáticas associadas, como uma ponte de disseminação de propostas educacionais para o trabalho envolvendo características intrínsecas ao saber matemático, tais como: o estudo de métricas, cálculo mental e o desenvolvimento de padrões geométricos e simetrias.
2. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
A investigação foi desenvolvida (Mafra & Fantinato, 2015) nas comunidades ribeirinhas da região do Aritapera[4], localizadas às margens do rio Amazonas, a três horas de barco da cidade de Santarém, estado do Pará, no norte do Brasil. As regiões de várzea como as do Aritapera, sofrem transformações geográficas permanentes, decorrentes da dinâmica hidrológica da região. O período de enchente/vazante do rio Amazonas, alterna-se entre os períodos de cheia, durante o primeiro semestre do ano, ou períodos de seca, durante o segundo semestre, conforme podemos observar na Figura 1. As populações ribeirinhas vivem, fazem parte e interagem com esta dinâmica da sazonalidade em suas muitas atividades de subsistência: pesca, agricultura, pastoreio, cuidados domésticos e ofícios artesanais.
Dentre os muitos ofícios artesanais existentes na região, a produção de cuias artesanais[5] é uma antiga prática tradicional das mulheres desta região, especialmente comum durante o período de enchente (Maduro, 2013).
A coleta das cuias – que são extraídas da árvore da cuieira Crescentia cujete - assim como as demais etapas de sua produção - corte, raspagem, tingimento, riscagem – são desenvolvidas tendo por base os recursos naturais existentes no entorno das residências e não afetam o equilíbrio ecológico da região. São utilizadas para diferentes finalidades de uso cotidiano dessas comunidades: beber líquidos, armazenar água ou alimentos, ornamentação ou decoração, tomar banho, verter a água em excesso da canoa etc.. A atividade de comercialização desses artefatos culturais, embora já existisse desde o século 18 (Costa, 2013), desenvolveu-se muito no contexto de urbanização da região amazônica, quando então as cuias “[...] se consagraram e adquiriram visibilidade como recipiente obrigatório do tacacá, prato da culinária regional que ganhou as ruas e os circuitos turísticos, fixando-se no imaginário nacional como um dos mais eloquentes signos identitários do Pará” (Carvalho, 2011, p.25).
As artesãs da região que integram as comunidades do Aritapera se reúnem com frequência para o desenvolvimento de ações instrumentais relacionadas a produção destas cuias. Organizadas em forma de Associação, a ASARISAN – Associação das Artesãs Ribeirinhas de Santarém, formada em 2003, congrega integrantes residentes nestas comunidades, e tem como finalidade principal a disseminação e divulgação do saber fazer artesanal refletido nas representações indicadas nas cuias. Entre as diferentes iniciativas de apoio, foi realizada a impressão de um Almanaque com um levantamento documental de padrões ornamentais de cuias, a partir de pesquisas em museus brasileiros e na própria comunidade. Assim, foi possível fornecer subsídios para reconhecer a existência de muitas representações simbólicas e imaginárias, até certo ponto, esquecidas no tempo:
Esse trabalho serviu, primeiramente, ao objetivo de incentivar a prática de decoração das cuias a partir da reconstituição da memória e da difusão de um rico repertório iconográfico que, à época da implantação do projeto Cuias de Santarém, esvaía-se num contexto de desvalorização da ornamentação com incisos, num mercado que privilegiava cuias lisas ou parcamente decoradas, às quais correspondiam baixos preços de venda (Carvalho, 2011, p.14).
Na comunidade de Aritapera, a ASARISAN, trouxe nova organização do trabalho das artesãs: de um trabalho isolado, passou a ser mais coletivo, pelos núcleos de cada comunidade. A produção cresceu e a ornamentação das cuias passou a se sofisticar mais, porque as finalidades também se diversificaram. A ASARISAN trouxe também transformações nos padrões de ornamentação e na classificação das peças, para atender à demanda do mercado nacional e das exposições culturais, caracterizando assim, mudanças, mesmo que não sejam profundas, nos aspetos culturais e de seu comportamento social. As artesãs, por exemplo, passaram a utilizar um instrumento de medida para classificar as cuias de acordo com distintos tamanhos crescentes, quando estas são comercializadas, para fins decorativos.
A organização das artesãs na Associação também teve consequências na distribuição das tarefas de subsistência familiares. Os homens passaram a assumir quase que exclusivamente as atividades de pesca, agricultura e criação de gado. As mulheres continuaram com as funções mais domésticas e de criação dos filhos, alternando com a produção das cuias. Essa produção - como podemos ver na Figura 2 - torna-se mais intensa na época das cheias e que contribuiu efetivamente para fortalecer a identidade feminina nessas comunidades ribeirinhas.
Nesta pesquisa, o estudo envolveu uma descrição detalhada das atividades laborais do grupo, os procedimentos utilizados, técnicas instrumentais e características intrínsecas ao saber/fazer do grupo. Os procedimentos metodológicos utilizados envolveram elementos da pesquisa etnográfica, tendo em vista a busca por uma descrição densa dos eventos relacionados na investigação (Geertz, 2008). A investigação tomou como base de pressuposto principal, a imersão do pesquisador no ambiente no qual o objeto de estudo reside (Bogdan & Biklen, 1994), indicando o pesquisador-observador como instrumento principal na recolha e posterior análise dos dados. Ela foi realizada em diferentes momentos: dez/2014; jan. fev. e ago/2015. As técnicas de coleta de dados utilizadas foram a observação com anotações em diário de campo, a entrevista livre, a fotografia e a filmagem.
3. PROCESSOS INFORMAIS DE APRENDIZAGEM ENTRE ARTESÃS E A DINÂMICA SOCIAL ENVOLVIDA
Do ponto de vista social e antropológico, as etapas de produção das cuias envolvem muitos saberes, que podemos inferir analiticamente, tendo em vista organizar elementos para uma discussão, do ponto de vista etnomatemático. Neste artigo, nosso foco estará nos processos informais de aprendizagem e de transmissão desses saberes e das trocas simbólicas elementares evidenciadas, durante o trabalho de elaboração das cuias ornamentais, entre as artesãs de Aritapera.
O desenvolvimento dos processos envolvidos na produção e ornamentação das cuias está muito relacionado com uma espécie de saber instrumental e técnico, mais geral, o qual envolve a comunidade, como um todo, mas ao mesmo tempo envolve elementos bastante particulares, em relação aos modos de produção (ou etapas) durante o processo elaboração das cuias. Mesmo a generalização (as etapas ou momentos dos processos envolvidos), cede espaço para uma espécie de particularidade (Chamoux, 1978) relativa ao grupo das mulheres do Aritapera. Nas comunidades distribuídas ao longo da Região do Aritapera a qual tivemos oportunidade de acompanhar as atividades laborais das artesãs, foi possível verificar como a diversidade de processos, estratégias e eventos relacionados com saberes particulares estão muito relacionados com aspetos bem pessoais e próprios (uma espécie de singularidade) das artesãs. Mesmo durante a troca de informações e aprendizagens situadas ao longo das reuniões de trabalho frequentes, podemos verificar o jogo diverso, proveniente do fluxo e da dinâmica de trabalho operacional e evidenciada quando ocorre a necessidade de opiniões, manipulação ou utilização de materiais, referenciais de marcações e estratégias de acerto e “aparo” de pontas, cantos, bases ou bordas das cuias.
Nesse sentido, entendemos que as artesãs de Aritapera estão muito organizadas como uma comunidade de prática (Wenger, 1998). Elas compartilham um repertório de saberes e práticas multifacetadas, em que estilos de trabalhos pessoais e elementares interagem com elementos mais gerais e complexos, interligados, em função dos propósitos e objetivos definidos a priori. São saberes que estão imersos e fazem parte desta comunidade de prática e são organizados e disseminados, de acordo com seus afazeres, em que a busca de objetivos comuns (no caso a produção do artesanato) está diretamente conectada com as atividades desenvolvidas de forma coletiva e assim, engendra um sentido de identidade para o grupo e o interconecta com as atividades adjacentes ou relacionadas com o dia-a-dia das comunidades.
A vinculação das atividades desenvolvidas na produção do artesanato, aos modos e processos evidenciados ao longo das etapas de elaboração do mesmo, implica em verificarmos a capacidade de interação das artesãs, especialmente as mais novas, em termos de aprendizado gradual das técnicas e processos vinculados - em direção a uma plenitude mais acentuada – aos conhecimentos, representações e significados, refletidos nas cuias elaboradas. Nesse sentido, um conceito importante o qual indicamos para pensar os eventos relacionados a aprendizagem dos elementos que caracterizam e constituem o saber/fazer das cuias artesanais como constructos sociais, está na Participação Periférica Legitimada[6], conforme Lave & Wenger (1993).
Para Lave e Wenger, a Participação Periférica Legitimada, fornece elementos discursivos para:
[…] to draw attention to the point that learners inevitably participate in communities of practitioners and that the mastery of knowledge and skill requires newcomers to move toward full participation in the sociocultural practices of a community. “Legitimate peripheral participation” provides a way to speak about the relations between newcomers and old-timers, and about activities, identities, artifacts, and communities of knowledge and practice[7] (Lave & Wenger, 1993, p. 29).
Tal concepção nos mostra como comunidades de prática são estruturadas em função da organização social e relações estabelecidas entre seus integrantes, capazes de gerar, manter e disseminar formas de aquisição de conhecimentos, aprendizagens espontâneas e adquiridas coletivamente. Também fornece um indicador importante para a dinâmica de trabalho estabelecida na comunidade: a capacidade de inserção gradual de aprendizes e jovens, no meio daqueles que são mais experientes e de mais idade, tendo em vista uma espécie de legitimação ou “ingresso” ao grupo de trabalho, de forma gradativa e permanente.
Em nossa concepção, o contexto da comunidade das artesãs, em que ocorre a dinâmica de construção dos artefatos artesanais, vinculados ao processo de transmissão dos saberes, acontece por meio da Participação Periférica Legitimada - PPL. Evidenciamos que, as jovens aprendizes, residentes nas comunidades, vão se juntando ao grupo de artesãs de forma gradativa, realizando primeiramente algumas atividades iniciais, previstas nos processos de elaboração das cuias, para depois – com o passar do tempo – serem atribuídas a elas, tarefas ou ofícios mais complexos ou de maior dificuldade. Por exemplo: a coleta inicial e raspagem das cuias fervidas – é considerada de fácil realização. A pintura com tintura e a incisão (risco) dos padrões na superfície das cuias – consideradas etapas da produção de cuias, mais complexas - nem todas realizam, o que indica uma suposição de que, para as artesãs, há o desenvolvimento de habilidades mais relacionadas a algumas etapas, do que em outras.
Um exemplo desta distribuição de tarefas pôde ser observado entre as artesãs localizadas na comunidade de Carapanatuba: Maria não risca. Sônia faz apenas traçados tapajônicos[8], enquanto Carmen é muito boa em riscar padrões florais. Em outra evidência de aproximação com a concepção de participação periférica legitimada, envolvida em uma comunidade de prática, com um grupo de artesãs da comunidade da Enseada do Aritapera, pudemos presenciar como ocorre a relação social estabelecida no momento de produção das cuias, especialmente no que se refere a instruções e comandos de estratégias realizadas pela artesã mais experiente, como mostra a Figura 3.
No trabalho de Fantinato & Mafra (a aparecer, p. 05) é possível percebermos aspetos que nos levem a pensar sobre tais características, envolvendo as artesãs Laís e Maria. Durante o trabalho desenvolvido,
[...] claramente, Laís assumiu a postura de mestre. Maria trabalhava com um facão, construindo uma base de apoio para uma fruteira, fazendo ajustes gradativos na peça em formato de uma secção esférica. Num dado momento, Laís pegou a peça que Maria estava produzindo e fez um teste, colocando a fruteira em forma de uma semiesfera sobre a peça trabalhada por sua colega, para ver se ficava equilibrada. Mostrou o conjunto para Maria, que observava atentamente sua companheira e mestre, enquanto aquela indicava com o dedo onde era necessário fazer ajustes. Após sua demonstração, Laís entregou as duas peças para Maria, que por sua vez inseriu o facão nos pontos que precisavam ser ajustados, enquanto olhava para sua colega mestre. Logo depois de obter sua confirmação verbal, deu continuidade à sua atividade de raspagem com o facão. Minutos depois, Laís pediu a Maria que lhe desse a peça que fora ajustada e fez o mesmo teste de equilíbrio com a cuia fruteira e seu apoio, dizendo:
L: Olha Maria, olha.
M: Hum, hum.
L: Só uma coisinha lá,
para ajustar por aqui, mas tu baixa por aqui. Tá vendo?
Maria pega um facão para
amolar o outro com o qual estava trabalhando e comenta:
M: Ou escangalha ou
acerta [...]
E Maria deu continuidade
a seu trabalho de raspagem com o facão.
Fonte: (comunicação pessoal, 4 de agosto de 2015)
Os saberes relacionados às incisões, ou o ato de riscar as cuias podem ser considerados, portanto, saberes técnicos particulares, conforme Chamoux (1978). É razoável supor que tais saberes dependam de algumas habilidades específicas, seja ela inata, adquiridas com o tempo ou com o convívio com as artesãs de mais idade. As meninas e as novatas aprendem por impregnação, processo que, segundo Chamoux (1978, p. 63) supõe duas condições:
Em primeiro lugar, ela se apoia sobre um treinamento corporal comum a todos os membros do grupo da aldeia: gestos, posturas, modos de percepção da matéria, linguagem... Este treinamento está vinculado ao que geralmente chamamos de cultura do grupo. Em segundo lugar, ela implica na repetição da observação de diferentes técnicas e na experimentação dos gestos[9].
Entretanto, esta mesma autora lembra que se uma dessas duas condições não é preenchida, a impregnação não acontece por si só, neste caso é necessário um mestre para que o saber-fazer seja transmitido. No contexto da comunidade de prática das artesãs, este papel de mestre pode ser exercido por uma mãe, uma avó, ou mesmo uma colega mais experiente.
Além disso, as atividades instrumentais organizadas e disseminadas, pelas artesãs, a partir de seu convívio social e natural diário, nos oportunizou pensarmos como diferentes aspetos situados, em práticas organizadas e legitimadas, pelos integrantes da comunidade, se mostram presentes e influenciam diretamente a organização do trabalho desenvolvido, conforme discutiremos a seguir.
4. O SABER-FAZER NA PERSPETIVA DA ETNOMATEMÁTICA À LUZ DE ELEMENTOS DA ANTROPOLOGIA
Durante as etapas de elaboração e produção de cuias, pudemos observar a reunião de diferentes manifestações de conhecimento e não apenas aquelas relacionadas aos aspetos matemáticos. Como bem ressalta D’Ambrosio (2001, p. 44), “a etnomatemática raramente se apresenta desvinculada de outras manifestações culturais, tais como arte e religião. Ela se enquadra, perfeitamente, numa concepção multicultural e holística”, em que diferentes ações e interações são organizadas, de forma conectada, no momento em que ocorrem os processos de atividades laborais, caracterizando uma dinâmica ou holística de comportamentos. Ações e percepções organizadas em função do trabalho realizado (ou a ser realizado) convergem para pensarmos elementos de significação e representação, sob uma perspetiva antropológica do conhecimento.
Ao realizarmos o trabalho de campo, foi possível observar muitas situações e eventos de interação entre as artesãs. Era possível perceber a troca de informações e identificar um fluxo de conhecimentos, tendo como base, ideias matemáticas, elementos de aproximações, características técnicas e procedimentais, entre outros. Aspetos externos a comunidade eram utilizados[10], de tal forma que pudemos perceber como os mesmos se apresentam adaptados ao saber local, de forma dinâmica, conforme diálogo abaixo, com a artesã Sara:
Sara: É um rapador (colher). Pego a gilete para tirar
esta casquinha aqui (superfície externa da cuia).
Sara: Dai faço marcações
(utilizando referenciais visuais e instrumentos de metal específicos), de
distribuição de incisos nas cuias.
Pesquisadores: Usa a folha para
limpar, por dentro?
Sara: A folha é para ela ficar bem
macia.
Pesquisadores: como é o nome?
Sara: folha de embaúba. O primeiro
momento é com a escama e depois finaliza com a folha pra ela ficar bem macia.
Pesquisadores: As marcações vc. faz
todas visualmente?
Sara: é
Pesquisadores: usa algum
instrumento?
Sara: não, a gente calcula. Às
vezes não dá bem certo (mostrando a forma de cálculo e usando a base de madeira
para riscar cuias).
Fonte: Metade-metade, no olho nu. (comunicação pessoal, 04 de
agosto de 2015)
Os saberes tradicionais da arte de fazer as cuias passam, portanto, a interagir com saberes “de fora da comunidade” e aprendidos por meio de ensino mais formal[11]. Por sua vez, os saberes novos em relação aos traçados tapajônicos foram reincorporados pelas mulheres no exercício de sua prática, e novos saberes foram gerados, inclusive em relação aos padrões indígenas, originando padrões de ilustrações alternativos e muito variados. Ao longo do trabalho realizado pelas artesãs, foi muito perceptível verificarmos como as mesmas manejam elementos qualitativos envolvendo o trabalho com medidas aproximadas, às vezes com apoio dos dedos, outras vezes com a localização de referenciais nas próprias cuias ou utilizando instrumentos de manejo muito conhecido, como o compasso. Tal prática certamente envolve elementos do cálculo mental
Leia: Cada uma aqui no nosso ponto
tem um tipo de [...] (confeção de cuia). A Laís (referindo-se a outra artesã,
de outra comunidade) conhece tudinho, pela pinta. Ela já conhece aqui quando eu
que faço, é diferente. Ela ainda não tinha visto eu fazer esse tipo.
Pesquisadores: A Sra é
especialista...
Leia: Tá igual (a outra cuia)?
Pesquisadores: De jeito nenhum
Leia: Com minha mãe, naquele tempo
já apareceu porta cartão, [...] (outros tipos de peças) ai tinha que usar o
compasso, para marcar.
Pesquisadores: A Sra usa o compasso
quando? Ou não usa mais?
Leia: ainda uso, sempre. Ainda
faço.
Leia: [...] Vou fazer essa aqui...
(realizando traçado com o compasso)
Pesquisadores: A Sra usa sempre
(muito) o compasso?
Leia: Eu uso sempre. Elas pedem
assim para fazer um xaxim, outra coisa, sempre eu vou inventado uma coisa.
Fonte: (comunicação
pessoal, 5 de agosto de 2015)
A relação entre a escolha dos padrões utilizados, em um momento dado, durante a atividade de produção - ao que parece - se dá por aspetos de inspiração das artesãs e também em menor grau, em função do formato da cuia. Trata-se de uma atividade que envolve um elemento de aspeto artístico, mas que está muito conectado seja em grande ou pequena escala, a elementos de decisão relacionados com o formato ou dimensão das cuias a serem produzidas: ornamentos decorativos, cuia, um vaso, um copo, etc.
A última etapa da produção das cuias, antes de iniciar o ciclo de comercialização das mesmas, é a riscagem, momento em que as mulheres utilizam pequenas facas para realizar marcas na superfície negra das cuias, já pintadas com a tinta do cumatê[12]. A ornamentação com motivos tapajônicos, conforme mostra a Figura 4, e com motivos florais, indicada na Figura 5, representa uma tradição artesanal mista, “fundada na combinação da técnica indígena de pigmentação como rococó europeu, [e que] se preservou e transmitiu na memória coletiva das artesãs” (Costa, 2013, p. 41).
No processo de produção foi possível identificar como ocorrem as etapas de decoração ou incisão de padrões em cuias regionais. A primeira etapa da marcação das cuias é caracterizada pelas incisões de traçados de origem tapajônica, através da marcação de duas circunferências paralelas na base mais larga das cuias, e que serve como limites de referências para a riscagem dos padrões geométricos, dentro do espaço delimitado entre as circunferências. Todavia, identificamos uma variação muito forte de padrões, considerados geométricos, refletidos em elementos simétricos, o qual se torna objeto de pesquisa posterior, em resposta a muitas questões, tais como a organização de uma tipologia matemática para os tipos característicos de simetrias e a identificação (ou não) de um padrão recorrente utilizado pelas artesãs, nos incisos realizados.
As ornamentações realizadas com o aspecto floral e adornos floridos são outra característica marcante nos registros incisos das cuias. Os padrões florais fornecem elementos figurativos e floridos que remetem a aspetos e lembranças históricas ou familiares, possibilitando uma perspetiva de permanência de registro e de memória artesanal da região. Os padrões florais são gravados nas superfícies das cuias, de tal forma que sua configuração espacial é dimensionada, pela artesã, utilizando-se de referenciais indicados nas próprias cuias. Além disso, fica perceptível que o processo de incisão das “flores” é organizada, a partir da relação entre o tamanho da cuia e o tamanho dos incisos.
Ao refletirmos sobre as atividades laborais evidenciados em comunidades de prática, podemos inferir sobre os elementos e configurações envolvidas na dinâmica cultural evidenciados nesta investigação e de que forma, seus elementos característicos podem ser relevantes para pensarmos uma correlação com a proposta do Programa Etnomatemática.
Do ponto de vista das práticas evidenciadas na comunidade do Aritapera, fica claro que o conhecimento que emerge destas práticas fornece uma abrangência muito mais relacional do que o conhecimento formal de técnicas e processos apenas matemáticos. Os processos informais, como, por exemplo, as atividades relacionadas ao preparo inicial das cuias, tal como mostra a Figura 6 e o processo final de ornamentação, através dos incisos e marcações, observadas na Figura 7, fazem parte desta abrangência e se revestem de práticas instrumentais e de representações, de tal forma que os conhecimentos difundidos, em conjunto com os saberes elencados e intrínsecos ao grupo de artesãs, estão em permanente transformação.
Um exemplo para o que foi afirmado acima é evidenciado quando verificamos as variações na forma de apropriação e transmissão dos saberes da ornamentação das cuias, na comunidade das artesãs de Aritapera. A artesã Rita declarou ter aprendido os padrões tapajônicos em um curso, o que sugere o aprendizado em uma situação formal. Todavia, retransmitiu os saberes e aprendizados do curso, para sua colega Ana de maneira informal, ou seja, durante a convivência diária e laboral, característico das comunidades ribeirinhas, o que faz nos pensar como processos e aprendizagens são passiveis de mudanças e transformações com o tempo, tal como Greenfield (1999), pondera, ao afirmar que as culturas, assim como seus modos de aprender e difundir conhecimentos, também, mudam com o tempo, a partir de diversos fatores, sejam eles locais ou mais globais ou complexos.
5. FINALIZANDO: TECENDO ALGUNS PONTOS NA COMPLEXA REDE DE CONHECIMENTOS
Os saberes das artesãs em relação aos traçados nas cuias revelaram-se, portanto, dinâmicos. Seus saberes tradicionais da arte de fazer as cuias, e das ornamentações florais, passaram, portanto a interagir com saberes trazidos de fora e aprendidos por meio de ensino mais formal. Por sua vez, os saberes novos em relação aos traçados tapajônicos foram reincorporados (ou reinventados) pelas mulheres no exercício de sua prática, e novos saberes, registros, representações e significados foram gerados e que, por sua vez, foram incorporados ao repertório do imaginário coletivo e da memória das artesãs que residem nas comunidades que compõe a região do Aritapera. A criação de padrões variados, sem seguir modelos impressos mostra uma dinâmica livre e intensa, durante o desenvolvimento da produção das cuias. As palavras de Rita resumem este processo criativo: [...] vai fazendo, vai criando, [...] a imaginação (comunicação pessoal, 5 de agosto de 2015) tal como uma relação característica de um saber técnico particular por gênero (Chamoux, 1978) da produção e ornamentação das cuias.
O processo de valorização da atividade das mulheres artesãs, não só dentro do contexto familiar e comunitário, mas também do ponto de vista social e de repercussão além do regional, nos mostra elementos singulares para o sucesso e permanência das tradições relativas ao artesanato local. Em que pese as dificuldades, limitações de trabalhos e a perda gradual de integrantes do grupo que compõe a prática efetiva do artesanato, mostram o quanto o trabalho realizado envolvendo a produção das cuias, se tornou uma força viva e permanente nas tradições que compõem o conjunto de aspetos relativos a prática artesanal.
Nesse sentido, entender como se desenvolvem os processos não formais de aprendizagem ajuda a compreender a produção/transmissão dos saberes de comunidades de prática, como a das artesãs de cuias de Aritapera, possibilitando a construção de conexões com aspectos matemáticos e de aprendizagem em ambientes escolares, nos quais estes saberes não formais são produzidos, projetados em uma perspectiva de educação etnomatemática. Ao longo do tempo, fatores sociais, ambientais, a dinâmica cultural dos encontros, assim como a globalização da economia mundial, exercem influência nas práticas consideradas tradicionais. Greenfield (1999) constatou que em sociedades tradicionais que estão em processo de mudança, a transmissão dos saberes vai gradativamente deixando de ser realizada por etapas ou momentos específicos, enquanto que processos de criação, por tentativa e erro passam a exercer uma predominância gradativa em círculos de aprendizagem envolvendo comunidades.
As artesãs de Aritapera não vivem isoladas, interagem com pessoas dos grandes centros urbanos, adequam sua produção às demandas destes centros e – consequentemente - interagem de forma permanente reelaborando constantemente seus saberes, independente da dimensão ou aspecto social relacionado, o que torna esse aspecto inevitável, do ponto de vista do encontro das culturas. Podemos falar de um continuum informal/formal no processo de transmissão dos saberes da produção e ornamentação das cuias, ocasionado assim, um fluxo permanente de troca de saberes, incorporação difusa e elaboração permanente de aspetos abstratos. Os saberes, relacionados à riscagem dos padrões tapajônicos os quais foram introduzidos na comunidade por processos formais ou informais, levanta uma questão interessante: pelo fato de a prática da ornamentação ter sido aprendida no passado por impregnação ou por participação periférica legitimada - mesmo que tenha havido uma situação de ensino posterior mais formalizada - os conteúdos novos (padrões tapajônicos) foram repassados às jovens artesãs, mas por processos de educação informal, como originalmente essas práticas teriam sido aprendidas?
Muitas vezes estes trabalhos são realizados apenas em contexto escolar, desconhecendo a complexidade do contexto das comunidades de prática de onde são retirados e adaptados para o currículo, de modo superficial, através de exemplos somente relacionados a saberes matemáticos. Não se pode esquecer que a finalidade da aprendizagem na escola é predominantemente propedêutica, muito diferente das finalidades de sobrevivência e transcendência (D’Ambrosio, 2001) que mobilizam a produção de saberes em contextos da vida profissional e doméstica. Será que esta ponte fica mais difícil na escola pela artificialidade do contexto? Se o professor atentar para uma visão mais social e antropológica sobre mecanismos de aprendizagens formais e informais, esses mecanismos forneceriam subsídios para entender melhor esta ponte? Atentar para os processos de aprendizagem e transmissão dos saberes tradicionais nos estudos etnográficos em Etnomatemática pode contribuir para aprofundar essa discussão.
Consideramos importante evitar adotar, nas pesquisas em Etnomatemática, um olhar etnocêntrico e legitimista, que só procura ver apenas manifestações daquilo que se entende como matemática, e que acaba por tratar os saberes dos grupos socioculturais como exóticos. Uma visão transdisciplinar, holística, é fundamental, para poder-se perceber as múltiplas relações entre aspetos quantitativos e relacionais, a partir dos elementos e características envolvidas nas práticas socioculturais das artesãs. Práticas essas, que integram o seu contexto social, cultural, econômico, geográfico e histórico, oportunizando a investigação futura de experiências educacionais que incorporem no currículo escolar, não apenas elementos de educação etnomatemática, tais como o cálculo mental e o estudo sistemático dos padrões e simetrias registrados nas incisões das cuias. Também, é necessário, contribuições de discussões e estudos sobre a permanência e a revitalização dessas práticas e dos seus saberes tradicionais, o que certamente demandará discussões e investigações envolvendo diferentes áreas de conhecimentos.
Fica evidente, pelo trabalho desenvolvido com as artesãs de Santarém/PA, que a produção das cuias artesanais parece estar muito vinculada ao somatório de movimentos simultâneos e periféricos, caracterizados por elementos físicos, conhecimentos, representações e pensamentos, como acréscimo e inovação, característicos da transcendência, conforme D’Ambrosio discute (1993), do ponto de vista holístico. A interligação entre esses movimentos e sua vinculação com os valores, crenças e imaginário coletivo e social permite elencar uma série de deslocamentos ou dinâmica de ações, para além do simples ato de produzir cuias.
As informações abstraídas ao longo da pesquisa realizada puderam fornecer subsídios para o entendimento do saber-fazer das práticas socioculturais desenvolvidas pelo grupo de artesãs. A perspetiva etnomatemática assumida e pautada em pressupostos de estudos sociais e antropológicos, quando do desenvolvimento desta pesquisa, permitiu uma abstração significativa tendo em vista uma compreensão sobre o saber-fazer das atividades instrumentais localizadas e de como sucessivas ações ocorrem, a partir das mesmas.
Entendemos, portanto que, a manifestação dos diferentes conhecimentos ou eventos, do ponto de vista da produção proposta pelas artesãs, se configura como uma espécie de rede, tecida, por meio de fios (princípios) e que estão interconectados, caracterizando uma espécie de “holística local”, cuja conexão com os meios externos às comunidades é inevitável e inerente a uma caracterização de foco transdisciplinar.
O Programa Etnomatemática atende a estes princípios, pelo fato de se contrapor a uma única perspetiva ou corrente de pensamentos, seja ela de elementos teóricos ou metodológicos. A natureza das informações técnicas, estratégias e processos obtidos, o local da pesquisa, a organização social e antropológica dos envolvidos, seja ela estrutural ou mental, além dos fatos evidenciados na dinâmica de produção do conhecimento, parecem ser uma base de construção de inferência teórica, capaz de refletir e configurar movimentos existentes, a partir de cada particularidade.
O trabalho com as artesãs do Aritapera mostrou indicativos e indícios de elementos procedimentais para pensar como investigações na perspetiva social e antropológica podem ser conduzidas. Os aspetos envolvidos - durante os desdobramentos das ações instrumentais realizadas – mostraram elementos alternativos para pensarmos como práticas sociais estão conectadas com a busca de significados aos envolvidos, especialmente aqueles que desejem organizar elementos para a pesquisa educacional.
6. REFERÊNCIAS
Bogdan, R. C., & Biklen, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto.
Carvalho, L. G. (2011). Apresentação. In L. G. Carvalho Et al., (Ed.), O artesanato de cuias em perspectiva: Santarém (pp.13-47). Rio de Janeiro: IPHAN/CNFCP
Carvalho, L. G. (2012). Materialidade e imaterialidade na “cultura do patrimônio cultural” em Santarém. In L. G. Carvalho, & B. A. Mileo (Orgs.), Patrimônio cultural e direitos culturais na Amazônia (pp. 17-40) Santarém: UFOPA.
Chamoux, M. N. (1978). La transmission des savoir-faire: un objet pour l’eth-nologie des techniques? Techniques et culture. Bulletin de l’équipe de recherche, 191, 3, 46-83.
Clareto, S. M. (2009). Conhecimento, Inventividade e experiência: Potências do pensamento Etnomatemático. In M. C. C. B. Fantinato (Ed.), Etnomatemática, novos desafios teóricos e pedagógicos (pp.125-134). Niterói: Editora da UFF.
Costa, W. N. G. (2012). Imagens da Etnomatemática em periódicos brasileiros. Unión Revista Iberoamericana de Educación Matemática, 32, 165-180.
Costa, A. G. M. (2013). Iconografia atualizada das cuias do Aritapera. In A. M. S. Santos & L. G. Carvalho (Eds.), Terra, água, mulheres & cuias: Aritapera, Santarém, Pará, Amazônia (pp. 40-48). Santarém: UFOPA.
Dasen, P. R. (2004). Education informelle et processus d’apprentissage. In P. R. Dasen, & A. Akkari. Pédagogies et Pédagogues du Sud (pp. 23-52). Paris: L’Harmattan, 2004.
De Vargas, S. (2009). Estratégias não-escolares de ensino-aprendizagem e formação de professores da EJA. In M. C. C. B. Fantinato (Ed.), Etnomatemática: novos desafios teóricos e pedagógicos (pp. 193-201). Niterói: Editora da UFF.
D’Ambrosio, U. (1990). Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Editora Ática.
D’Ambrosio, U. (1993). A transdisciplinaridade como acesso a uma história holística. In P. Weil, U. D’Ambrosio, & R. Crema (Orgs.), Rumo à nova transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento (pp. 76-124). São Paulo: Summus.
D’Ambrosio, U. (2001). Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Editora Autêntica.
Fantinato, M. C. (2004) Reflexões sobre o processo de pesquisa em etnomatemática: análise de uma experiência em contexto urbano. Horizontes, Bragança Paulista, 22, p. 43-51.
Fantinato, M. C. (2013). Balanço da produção acadêmica dos congressos brasileiros de Etnomatemática. Unión Revista Iberoamericana de Educación Matemática, 33, 147-161.
Fantinato, M. C., & Mafra, J. R. (a aparecer). Aritapera's Craftswomen: Informal Learning Processes In An Ethnographic Study In Ethnomathematics, 01-08.
Geertz, C. (2008). A Interpretação das culturas. 1.ed. 13. reimp. Rio de Janeiro: LTC.
Greenfield, P. M. (1999). Cultural change and human development. In E. Turiel (Ed.), Development and Cultural Change: Reciprocal Processes. New Directions in Child Development, 83, 37-60. San Francisco: Jossey-Bass.
Lave, J., & Wenger, E. (1993). Situated learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press.
Maduro, R. G. A. (2013). A cuia nossa de cada dia. In A. M. S. Santos, & L. G. Carvalho (Eds.), Terra, água, mulheres & cuias: Aritapera, Santarém, Pará, Amazônia (pp. 32-38). Santarém: UFOPA.
Mafra, J. R. (2003). Artesãs e louceiras: a forma e a vida sob a ótica da etnomatemática. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil.
Mafra, J. R. S., & Fantinato, M. C. (2015). Um estudo de propriedades topológicas evidenciadas em processos de elaboração de incisões em superfícies curvas: uma leitura etnomatemática. Anais do 4o Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática. Bahia, Brasil.
Vergani, T. (2009). A criatividade como destino: transdisciplinaridade, cultura e educação. São Paulo: Editora Livraria da Física.
Wenger, E. (1998). Communities of Practice: Learning, Meaning and Identity. New York: Cambridge University Press.
Notas
Autor notes
jose.mafra@ufopa.edu.br