Artigo Original

Acesso de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais às Unidades Básicas de Saúde da Família

Access by lesbians, gays, bisexuals and transvestites/transsexuals to the Basic Family Health Units

Geane Silva Oliveira
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Jordana de Almeida Nogueira
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Gilka Paiva Oliveira Costa
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Francisca Vilena da Silva
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Sandra Aparecida de Almeida
Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Acesso de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais às Unidades Básicas de Saúde da Família

Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 19, e3295, 2018

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 05 Dezembro 2017

Aprovação: 11 Junho 2018

Objetivo: compreender o acesso de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais às Unidades Básicas de Saúde da Família.

Métodos: pesquisa qualitativa, realizada com 54 usuários(as). Utilizou-se entrevista semiestruturada e o teste de associação livre de palavras. Os dados foram processados pelo software IRaMuTeQ® e submetidos à técnica de Análise de Conteúdo na modalidade temática.

Resultados: emergiram seis categorias: Silenciamento quanto à orientação sexual e identidade de gênero - o acesso é facilitado desde que não se revelem; Invisibilidade e indiferença aos marcos políticos legais- antagonismo entre o paradigma pensado e executado; Manifestações homofóbicas e efeitos no acesso - uso restrito do serviço; Constrangimento e distanciamento - afastamento e busca por serviços privados; Práticas des(humanizadas) e antiéticas - falta de sensibilização, sigilo; e Estigma e acesso - permanência de estigmas entre Síndrome de Imunodeficiência Adquirida e homossexualidade.

Conclusão: o acesso desta população aos serviços de saúde é limitado, permeado por intolerância, constrangimentos e posicionamentos aéticos e excludentes.

Palavras chave: Acesso aos Serviços de Saúde+ Saúde da Família+ Minorias Sexuais e de Gênero.

Abstract: Objective: to understand the access of lesbians, gays, bisexuals and transvestites/transsexuals to the Basic Family Health Units. Methods: qualitative research held with 54 patients. A semi-structured interview and the free association test were used. The data were processed by the software IRaMuTeQ® and submitted to the technique of Content Analysis in the thematic modality. Results: six categories emerged: Silencing regarding sexual orientation and gender identity – access is facilitated as they do not reveal themselves; Invisibility and indifference to legal political references - antagonism between the paradigm thought and executed; Homophobic manifestations and effects on access - restricted use of the service; Embarrassment and distancing - removal and search for private services; Des (humanized) and unethical practices - lack of awareness, secrecy; and Stigma and access - permanence of stigmata between Acquired Immunodeficiency Syndrome and homosexuality. Conclusion: the access to health services is limited with intolerance, constraints, exclusionary and aerial positions.

Descriptors: Health Services Accessibility, Family Health, Sexual and Gender Minorities.

Introdução

Desde a implantação do Sistema Único de Saúde Brasileiro, dispositivos técnicos-administrativos e organizacionais foram viabilizados no sentido de promover maior equidade no acesso e integralidade do cuidado em saúde. Investiu-se no fortalecimento dos serviços da Atenção Básica e consolidação da Estratégia Saúde da Família como porta de entrada do sistema de saúde. Portanto, estes serviços desempenham um papel central na garantia de que a população tenha acesso a uma atenção à saúde de qualidade, devendo produzir um cuidado integral que considere o sujeito em sua singularidade e seja sensível às especificidades/diversidades socioculturais, étnicas, religiosas e sexuais(1).

Com o compromisso de promover a inclusão e reduzir as desigualdades de acesso de grupos específicos, como é o caso da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, o Ministério da Saúde instituiu em 2011, através da Portaria nº 2.836, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, reforçando, assim, sua importância e seu caráter histórico frente às necessidades de uma população invisível e violentada em seus direitos(2).

Esta política reconhece os efeitos da discriminação e da exclusão no processo de saúde-doença destes grupos sociais estabelecendo proposituras concretas a serem implementadas em todas as esferas de gestão do Sistema Único de Saúde. Visa também reduzir o preconceito institucional e assegurar o respeito às diferenças, fomentar o acesso aos diferentes pontos da rede de serviços de saúde, garantir uma assistência de qualidade e resolutiva, promover iniciativas voltadas à redução de danos, garantir o uso do nome social e legitimar a participação social desta população em Conselhos e Órgãos Deliberativos de instâncias de cunho social e de saúde(2).

Ainda que se percebam avanços importantes no contexto brasileiro, observa-se ainda que o acesso deste grupo aos serviços de saúde é permeado por obstáculos. Estudos identificaram dificuldades no processo de comunicação, escuta seletiva, rejeição, reações discriminatórias, ofensas verbais e barreiras simbólicas(3-4).

Todavia, ressalta-se que elementos culturais advindos do padrão heterossexual influenciam de modo subjetivo o atendimento dos profissionais da saúde a essa população. Logo, as transformações no modus operandi da rede de atenção à saúde na perspectiva de promover um cuidado mais qualificado também dependem das mudanças no modo de pensar e de agir desses profissionais(5). Sabe-se que as situações de discriminação e preconceito institucional bem como o despreparo, a falta de conhecimento sobre identidade ou expressão de gênero e orientação sexual, somados ao completo descaso e a ignorância formam o cerne da questão e que muito precisa ser feito para reverter minimamente os efeitos de anos de exclusão e invisibilidade(6).

Dessa forma, este estudo torna-se importante pela visão que os (as) próprios (as) usuários (as) possuem ante suas especificidades e acesso aos serviços públicos de saúde no Brasil, especialmente em uma cidade do interior do estado da Paraíba. Pauta-se, ainda, no fortalecimento para ressignificação das ações de saúde voltadas a esse grupo, no sentido de fomentar estratégias para minimizar o impacto das lacunas identificadas. Sendo assim, questiona-se: como ocorre o acesso de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais aos serviços de saúde da Estratégia Saúde da Família? Para responder a essa questão, objetiva-se analisar sob a ótica de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais seu acesso aos serviços de saúde das Unidades Básicas de Saúde da Família.

Métodos

Estudo qualitativo, realizado em uma associação de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais de Cajazeiras-PB, Brasil. A definição da amostra partiu da base populacional dos 32 associados e os demais, identificados pelo método bola de neve (snowballsampling). Caracterizou-se, portanto, em uma amostra não probabilística, que utilizou cadeias de referência linear, onde cada participante indicou um possível participante até a repetição de indicações e esgotamento das possibilidades de participações(7). Após a aplicação desse procedimento e sua saturação, chegou-se a um quantitativo de 54 entrevistados. Como critérios de inclusão, considerou-se: autodeclarar-se lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais, com idade acima de 18 anos. Foram excluídas pessoas com diagnóstico de transtornos psiquiátricos e não alfabetizadas.

A coleta de dados ocorreu no período de março a junho de 2016, mediante agendamento. Para obtenção dos dados, foram utilizados: 1) formulário estruturado contendo informações sociodemográficas (idade, sexo, gênero, raça/cor, renda, escolaridade, orientação sexual), 2) entrevista semiestruturada que contemplou questões inerentes ao acesso aos serviços de saúde, 3) Teste de Associação Livre de Palavras utilizando como estímulo indutor a seguinte frase: quando eu digo acesso aos serviços das Unidades Básicas de Saúde da Família para lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais, diga-me cinco coisas que imediatamente vêm à sua cabeça. A partir das evocações livres oriundas do Teste de Associação Livre de Palavras, elaborou-se o dicionário lexicográfico, o qual foi encaminhado a dois experts para determinação da palavra raiz e suas palavras derivadas. Após devolutiva dos experts, foram feitas as substituições de palavras derivadas pelas palavras-raiz.

Com os resultados das 54 entrevistas transcritas na íntegra e do dicionário lexicográfico, elaborou-se o banco de dados para processamento no software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Operacionalmente, este software efetua a Classificação Hierárquica Descendente, com o objetivo de classificar os segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, repartindo-o com base na frequência das formas reduzidas, além de permitir uma análise lexográfica do texto, apontando o surgimento de contextos (classes), categorizadas segundo os segmentos de textos partilhados(8).

Após a leitura do material arquivado, construiu-se o modelo analítico composto pelas classes de palavras geradas pelo software IRaMuTeQ. A análise interpretativa do corpus se deu pela Técnica de Análise de Conteúdo na modalidade temática(9).

O corpus contém as seguintes variáveis: faixa etária: id_1 idade entre 25-36 anos, id_2 idade entre 37-48 anos, id_3 idade acima de 49 anos; sexo: sex_1 feminino, sex_2 masculino. A classificação das faixas etárias foi feita a partir da menor e da maior idade dos sujeitos do estudo.

As categorias geradas representaram o ambiente de sentido das palavras: acesso ou exclusão de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais aos serviços das Unidades Básicas de Saúde da Família. Foi elencada a letra U para relacionar as falas dos usuários (as) nos segmentos de falas descritos.

Este estudo seguiu todos os requisitos formais presentes nos padrões regulatórios nacionais e internacionais para pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob nº 1.382.819.

Resultados

Os resultados obtidos mostram a caracterização sociodemográfica dos usuários participantes desta pesquisa e suas percepções sobre o acesso aos serviços de saúde.

Verificou-se na amostra pesquisada que 44 (81,5%) do(as) participantes se autodeclararam homens, sendo 41 (75,9%) do gênero masculino, três (1,2%) pertencentes ao gênero feminino e 38 (70,3%) com orientação homossexual. As participantes que se autodeclararam mulheres, corresponderam a 10(18,5%). Houve predomínio na faixa etária de 18 - 24 anos, representada por 35 (64,8%). A raça/cor parda foi autodeclarada por 32 (59,2%), 23 (42,5%) cursaram até 12 anos de estudo e 34 (62,9%) informaram renda mensal entre 1 a 3 salários mínimos (62,9%).

Através dos fragmentos de falas dos usuários, emergiram as partições do corpus pelo software IRaMuTeQ gerando as seguintes categorias: Silenciamento quanto à orientação sexual e identidade de gênero; Invisibilidade e indiferença aos marcos políticos legais; Manifestações homofóbicas e efeitos no acesso; Constrangimento e distanciamento; Práticas des(humanizadas) e antiéticas; e Estigma e acesso.

Categoria 1: Silenciamento quanto a orientação sexual e identidade de gênero

A categoria 1 compreende 13,0% do corpus, composta pelo sexo masculino e idade entre 18 e 36 anos. Observa-se que os fragmentos de falas apontam o acesso à Unidade Básica de Saúde da Família livre de entraves, desde que não revelem real orientação sexual/identidade de gênero ou algum indício que leve a essa associação: Quando busco a unidade de saúde, não tenho problema, pois me visto como a sociedade dita como normal (U01). É totalmente diferente com uma travesti, uma lésbica masculinizada ...as dificuldades são inúmeras e a principal delas é de expor a orientação sexual (U11). Nunca cobraram gênero na unidade, mesmo vendo o cabelão ou outros traços... se disser minha orientação sexual, aí, sim, as coisas mudariam, por causa do preconceito (U15).

Categoria 2: Invisibilidade e indiferença aos marcos políticos legais

A categoria 2 compreende 11,9% do corpus é composta com maior representatividade do sexo masculino e idade entre 18 e 25 anos. Verifica-se a falta de divulgação da existência da política, uma vez que não é exercida pelos profissionais da equipe saúde da família, como mostram os fragmentos de falas abaixo: Ouvi falar de uma política que ajuda na orientação da saúde sexual, mas essa não é exercida ... esperamos pelos direitos (U05). Existem políticas públicas para propagar os direitos, só que não são divulgadas (U15). As políticas públicas estão aí, resta a sociedade e os profissionais da saúde conscientizarem-se, colocando-as em prática e ofertando direitos iguais para melhorar o acesso (U48).

Categoria 3: Manifestações homofóbicas e efeitos no acesso

Representando 17,3% do corpus, esta categoria composta por ambos os sexos e idade entre 25 e 36 anos aponta que devido às manifestações homofóbicas o acesso é restrito, resumindo-se à realização de exames e busca de preservativos: As pessoas não estão preparadas para atender esse público, vivo a homofobia diariamente... esperamos que, com a política, tratem-se bem as pessoas travestis... as mulheres masculinizadas... temos o direito a ter igualdade na saúde (U29). Os profissionais não me chamam pelo nome social... o acesso na Unidade Básica de Saúde da Família não é integral; já fui buscar esse serviço só para fazer exames e pegar preservativos... (U45).

Categoria 4: Constrangimento e distanciamento

A categoria 4 é composta por 24,3% do corpus, do sexo masculino e idade entre 18 e 36 anos. Estes participantes percebem a indiferença e o constrangimento no atendimento, causando barreiras e excluindo-os da Unidade Básica de Saúde da Família: É constrangedor, quanto ao modo de agir e de entender a pessoa (U26). Desrespeito, má preparação dos profissionais... prefiro procurar um serviço privado, sinto-me mais à vontade (U14). O constrangimento já acontece na recepção; deveriam ter um conhecimento maior sobre sexualidade para diminuir ou abolir problemas (U15). Há olhares diferentes, piadas, risadinhas, que interferem no atendimento... enfermeiros, quando veem o jeitinho, a voz, o olhar, já soltam piadinha (U21). O jeito das pessoas olharem constrange-nos muito ... ouço insultos, piadas, palavras sem graça só porque gosto do mesmo gênero que o meu, escuto ainda que isso tudo é porque nunca fiquei com um homem que me fizesse mulher (U10). Chamam-me de viadinho, mulherzinha (U16). ...veem-nos como se fôssemos palhaços, comediantes, ...ouço piadas bestas que me deixa mal (U18). Quando a gente chega na unidade, há os olhares e, quando procuro, sou mal-atendida (U30).

Categoria 5: Práticas des(humanizadas) e antiéticas

Compreende 17,5% do corpus, formada pelo sexo masculino e idade entre 25 e 48 anos. Essa categoria mostra que a experiência vivenciada nos espaços de saúde não remete a uma assistência humanizada e ética, devido à falta de sensibilização e sigilo ético dos trabalhadores da Unidade Básica de Saúde: ...A maioria dos trabalhadores da equipe de saúde é desprovida de compreensão ou sensibilidade (U19). Falta o preparo, sensibilidade, informação, humanização (U20). O sigilo profissional no atendimento é quase inexistente; falta ética, conduta profissional, punição para esses profissionais (U42, U46).

Categoria 6: Estigma e acesso

A categoria 6 corresponde a 17,8% do corpus, composta por usuários unicamente do sexo masculino e idade entre 25 e 36 anos. Os conteúdos evidenciam a permanência de características estigmatizantes que associavam a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS) à homossexualidade. A discriminação social, existente hoje, pode estar associada às particularidades atribuídas à doença, onde as pessoas vivendo com aids, no passado, em sua grande maioria, eram homossexuais: Fui procurar a unidade para realizar um teste rápido da AIDS e sífilis, olharam-me diferente porque o olhar que os profissionais de saúde têm a nosso respeito é esse (U06). Se emagrece, está com AIDS, se é gay, tem AIDS... uma vez na doação de sangue, identifiquei-me como gay e o profissional de saúde disse que não poderia doar porque era gay, afirmando que os índices mostram que as doenças sexualmente transmissíveis são bem maiores nessa população (U13). Ao chegar a uma instituição de saúde, eu disse a opção sexual, então os profissionais foram logo fazendo o teste rápido (U48).

Discussão

Ainda que a sociedade brasileira seja historicamente estratificada e permeada por profundas desigualdades sociais, as assimetrias orientadas por marcadores sociais da diferença, tais como: gênero, orientação sexual, etnia/raça, classe social, convergem e se articulam produzindo vulnerabilidades econômicas, culturais e políticas consideráveis para determinados grupos sociais(10). Em se tratando da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, a confluência destes marcadores acentua a discriminação, reforça a exclusão e dificulta o acesso à educação, ao trabalho e aos cuidados em saúde.

Neste estudo, o perfil sociodemográfico da população investigada retrata predominância de pessoas jovens, de cor parda, economicamente vulneráveis e com baixa escolaridade. Tais características determinam e contribuem para o acesso inadequado à educação, moradia, trabalho, saúde, serviços públicos e oportunidades financeiras. Pesquisa conduzida em área carente na cidade do Rio de Janeiro, envolvendo 45 pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, verificou que 50,0% abandonou os estudos, 57,0% dependiam de auxílio financeiro de familiares, parceiros ou amigos e apenas 39,0% estavam empregados, a maioria com baixa remuneração(10).

É necessário considerar que, para além da desqualificação profissional e das limitadas oportunidades para acessar o mercado de trabalho, a discriminação e a violência que este segmento populacional sofre repercutem diretamente nas necessidades de cuidado com a saúde: pressão alta e ansiedade pelo medo de doenças e violência, alcoolismo, infecções sexualmente transmissíveis, efeitos colaterais de hormônios, complicações cirúrgicas, depressão e tentativa de suicídio(11).

Contudo, ainda que nas instâncias do Sistema Único de Saúde venham sendo implementadas medidas concretas para enfrentamento das iniquidades e desigualdades em saúde desta população, sua efetivação requer aperfeiçoamento e sensibilização dos profissionais de saúde para reconhecer e acolher as demandas e necessidades deste grupo(2).

A partir dos relatos, observou-se que o acesso aos serviços de saúde é assegurado aos os usuários que silenciam sua orientação sexual ou identidade de gênero. No entanto, quando revelada, o acesso à Unidade Básica de Saúde pode variar de restritivo à excludente, gerando constrangimento, sofrimento psíquico, exclusão social e agravo físico.

Estudo realizado nos Estados Unidos recrutou 1014 pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais residentes em zona rural para investigar o impacto da exclusão e estigma na utilização de serviços de saúde. Do total da amostra, 37,0% não utilizavam os serviços. Entre os que frequentavam, 43,0% informaram que sua orientação sexual ou identidade de gênero não afetava sua saúde e 27,0% disseram que esta informação não interessava aos profissionais de saúde. Maiores escores nas escalas de estigma estiveram associados com menor utilização de serviços de saúde para o grupo transgêneros. No geral, 50,0% da amostra apresentou sintomas que podem indicar um quadro depressivo, sendo que entre os transgêneros esta taxa alcançou 65,0%. Aproximadamente um terço dos entrevistados foi diagnosticado com uma ou mais doenças crônicas e 14,0% preencheram os critérios para o consumo abusivo de álcool. Como potencialidade para o aumento da utilização de serviços de saúde, destacou-se a necessidade ampliar as competências dos profissionais de saúde para prestar cuidados individualizados(12).

Interessante notar que, programas e/ou projetos que, na prática, traduzem uma orientação e uma decisão política previamente tomadas, não garantem sua execução e ou implantação. Dependem, sobretudo, de como são percebidas e tratadas no cotidiano dos serviços. Os participantes desse estudo solicitam que tenham a mesma visibilidade de outros usuários, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. A omissão e o desconhecimento sobre a realidade intrínseca e particular do(a) usuário(a) pode propiciar um (des)cuidado assistencial e repercutir na pessoa de maneira a patologizar e/ou medicalizar sua sexualidade e ou identidade de gênero(11).

Por outro lado, os participantes mencionaram que a revelação da orientação sexual ou identidade de gênero causou constrangimento durante o atendimento pelos próprios profissionais, exatamente por não conhecerem ou negarem a possibilidade das diversidades sexuais e de gênero, principalmente, para as travestis, transexuais e lésbicas masculinizadas.

A mudança de algo que seja destoante dos padrões socioculturais, religiosos e educacionais resulta em ações que podem determinar posturas, práticas e discursos e interferir negativamente no processo de trabalho dos profissionais da saúde, desconsiderando os preceitos éticos(6,13). Compreende-se, portanto, que as equipes de saúde necessitam de capacitação e sensibilização no atendimento à essa população, a fim de não gerarem barreiras na utilização dos serviços(14-15).

O processo de humanização implica em uma conversão no processo de pensar e agir do usuário e do profissional da saúde, a fim de manter o respeito e reconhecer as distintas possibilidades da vivência da sexualidade(13). A mudança subjetiva de comportamento conota na conscientização da equipe, em que a humanização é utilizada com a finalidade de assistir o usuário integralmente, valorizando, ainda mais, o nível de qualidade do cuidado que é oferecido e prestado. Porém, mesmo que prevaleça a capacidade técnica, deve-se respeitar os direitos desta população nas suas singularidades(16).

Contudo, esse direito é violado quando o usuário detecta que o profissional adota postura contrária às condutas éticas, na disseminação de informações obtidas durante a prática de saúde. O sigilo profissional está atrelado a questões éticas que perpassam a técnica. Essas despertam os dilemas do exercício profissional incentivando uma postura reflexiva da realidade, para que possam ultrapassar atos burocráticos/técnicos, por meio de ações éticas não preconceituosas(17).

Conclusão

Sob a perspectiva de lésbicas, gays, bissexuais e travestis/transexuais, evidenciou-se que o acesso aos serviços de saúde ainda é pontual, permeado por constrangimentos e ausência de posicionamentos éticos. Sensações de desamparo, exclusão, omissão e rechaço permanecem na assistência apesar da existência de Políticas Públicas específicas e formação para profissionais e usuários dos serviços de saúde.

Referências

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Autor notes

Colaborações

Oliveira GS contribuiu para a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo. Nogueira JA e Costa GPO contribuíram na análise dos dados e redação do artigo. Silva FV contribuiu com a análise e interpretação dos dados e redação do artigo. Almeida SA contribuiu na redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

Autor correspondente: Geane Silva Oliveira. Rua Ernesto de Sousa Diniz, 409, Jardim Oásis – CEP: 58900-000. Cajazeiras, PB, Brasil. E-mail: geane1.silva@hotmail.com

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