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Por um Triz: ordem social, vida cotidiana e segurança ontológica na crise relacionada à pandemia de COVID-19
Por um Triz: ordem social, vida cotidiana e segurança ontológica na crise relacionada à pandemia de COVID-19
O Social em Questão, vol. 23, núm. 48, pp. 53-74, 2020
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo: O ano de 2020 será lembrado pelo modo como as diferentes sociedades delinearam o seu quadro de referências para lidar com a pandemia de COVID-19. Esse estudo sociológico focaliza o contexto brasileiro de produção de sistemas de sentidos e de práticas referentes ao problema. Identifica elementos da ordem social que subjazem aos estranhamentos mútuos e desencaixes nas relações triangulada entre comunidades socialmente fragilizadas, grupos sociotécnicos e autoridades governamentais. Os conceitos de crise e de tempo são problematizados até constituírem uma síntese que ancora a análise sobre os desbalanços interpretativos e os descompassos de providências públicas adotadas. Conclui apontando para a persistência do desencontro do povo brasileiro com as vozes dominantes que têm condições de influenciar o seu trágico destino.
Palavras-chave: Crises Pandemia. Ordem Social. Conflitos Sociais. Planejamento de Emergências..
Por um Triz: ordem social, vida cotidiana e segurança ontológica na crise relacionada à pandemia de COVID-19
Norma Valencio1
Resumo
O ano de 2020 será lembrado pelo modo como as diferentes sociedades delinearam o seu quadro de referências para lidar com a pandemia de COVID-19. Esse estudo sociológico focaliza o contexto brasileiro de produção de sistemas de sentidos e de práticas referentes ao problema. Identifica elementos da ordem social que subjazem aos estranhamentos mútuos e desencaixes nas relações triangulada entre comunidades socialmente fragilizadas, grupos sociotécnicos e autoridades governamentais. Os conceitos de crise e de tempo são problematizados até constituírem uma síntese que ancora a análise sobre os desbalanços interpretativos e os descompassos de providências públicas adotadas. Conclui apontando para a persistência do desencontro do povo brasileiro com as vozes dominantes que têm condições de influenciar o seu trágico destino.
Palavras-chave
Crises. Pandemia. Ordem Social. Conflitos Sociais. Planejamento de Emergências.
On the Edge: social order, ordinary life and ontological security during the crisis related to the COVID-19 pandemics
Abstract
The year of 2020 will be remembered by the way different societies defined their framework to deal with the COVID-19 pandemics. This sociologic study focuses the Brazilian context of production of systems of meanings and practices referring to this issue. It identifies elements of the social order underlying the mutual strangeness and unfitting in the triparty relations between socially fragilized communities, sociotechnical groups, and government authorities. The concepts of crisis and time are problematized until becoming a synthesis that anchors the analysis about the interpretative unbalances and discrepancies of public measures adopted. It concludes indicating the persistence of a mismatch of the Brazilian people and the dominant voices that have the conditions of influencing their tragic destiny.
Keywords
Crises. Pandemics. Social Order. Social Conflicts. Emergency Planning.
Artigo recebido em março de 2020
Artigo aceito maio de 2020
Introdução
A manutenção das bases institucionais, que legam condições objetivas para o fluir das rotinas da vida cotidiana de um povo é, mais do que um propósito que move a maquinaria do Estado, um dos pilares da segurança ontológica dos cidadãos. Enquanto a vida cotidiana diz respeito ao esteio espacial e material da sociabilidade corriqueira (MARTINS, 2000), a segurança ontológica é o seu termômetro existencial (GIDDENS, 1991). Assim, ambas, a vida cotidiana e a segurança ontológica, embora perpassadas por uma certa ideia de autonomia de transcurso de tempo, deveriam ser consideradas em sua articulação com as engrenagens institucionais e vice versa. O tempo é algo que parece sob relativo controle dos sujeitos em imediata interação social, ou seja, esses creem possuir um dado grau de autodeterminação para concatenar seus esforços práticos na tarefa do viver e constituir seu correspondente sistema de sentidos essenciais. Porém, quando há desencontros entre a maquinaria institucional com os ritmos e sentidos da coletividade a qual atende, as tensões aumentam. A coletividade também é passível de inspecionar suas engrenagens e colocá-la sob suspeição, caso perca a credibilidade nela.
Conforme advertiu Elias (1998), as circunstâncias da modernidade muito incisivamente vêm confrontar crenças de autodeterminação de indivíduos, grupos sociais e mesmo de Estados nacionais. Isso ocorre, segundo o autor, não apenas porque haja um aumento do ritmo e da escala dos contatos e interações sociais e institucionais – os quais são passíveis de apresentar diferentes racionalidades, com concatenações em risco de choque e que exigem contínuas pactuações –, mas também porque as ilusões de abundância material que a popularização dos gadgets tecnológicos imprime, escamoteiam as descompensações sociais, econômicas, políticas e ambientais que os viabilizam. Tais disjunções são peças fundamentais para a compreensão de uma ideia mais geral de crise, como sendo a desestabilização de uma ordem constituída nalguma escala de relações sociais, e de uma ideia mais sociológica de pandemia, como sendo resultado de um desajuste socioambiental que permite o espraiamento incontido de um organismo suscetível a causar doença de difícil combate, tomando extensões geográficas e demográficas consideráveis que desdenham das fronteiras nacionais.
É possível supor que, quão mais salientes sejam as crises pelas quais uma dada coletividade tenha que passar, constituindo experiências compartilhadas de sofrimento social, mais resilientes estas possam se tornar. Aqui, deploramos o sentido de resiliência ancorando na perspectiva neoliberal – o qual, desafortunadamente, é o que se difundiu junto ao meio sociotécnico atuante em emergências e que, malthusianamente, naturaliza a responsabilização individual pelas desigualdades sociais e pelas distintas condições de enfrentamento de um elenco crescente de ameaças (VALENCIO e VALENCIO, 2017) – e invocamos, na direção oposta, a noção de resiliência radical (JON e PURCELL, 2018), aquela que desindividualiza o sofrimento e privações materiais para reassumi-los como referência coletiva que potencializa a vocalização política em prol de processos restaurativos coletivos. Nessa última chave, quanto mais altos forem os níveis de sofrimento social e de privações experenciados coletivamente, mais plausível é considerar que surjam convergências entre os tempos e sentidos intersubjetivos de seus membros e esses estejam mais dispostos e disponíveis a acionarem mecanismos de colaboração em busca de estratégias de reorientação das ações institucionais voltadas à recuperação ou ao melhoramento de seu bem-estar coletivo. Portanto, a antítese da resiliência radical é o mal-estar coletivo, aquele no qual a máquina pública opera para institucionalizar violências; no qual o meio social é subsumido a tempos e lógicas que lhes são alheios ou perversos; no qual a máquina pública opera em prol de interesses particularizados; no qual há reinterpretações da base legal para reassentar privilégios; por fim, no qual, os discursos de autoridades seguem infensos à ojeriza que causem aos que buscam resguardar valores de justiça social. Tudo somado, mal-estar cujo intento é o de estraçalhar a segurança ontológica dos cidadãos. Assim tomada, a ideia de resiliência radical equivale ao esforço de desvelamento das várias camadas de opressão social que impedem o bem-estar coletivo. Num contexto de pandemia, esse tipo de resiliência apontaria para a necessidade imperiosa de se produzir novos filtros valorativos para prover a oportuna distinção entre medidas precaucionarias e libertárias que andam com sinais trocados quanto ao compromisso com a preservação da vida humana.
Enfim, estamos aqui a considerar que, quão mais profundas sejam as crises pelas quais uma coletividade atravessa, mais intensa e dual é a experiência social, do nível subjetivo e intersubjetivo ao nível político-institucional. Nada mais será como antes, disso todos sabemos, porém, o que importa notar é a dupla face que aparece nos mecanismos de coesão social que são acionados por aquilo mesmo que vem no sentido de negá-los ou desmantelá-los, constituindo tensões dinâmicas nos quais as articulações e desarticulações e os encaixes e desencaixes entre as partes vão recompondo os sentidos do jogo social em diferentes escalas espaciotemporais.
É a problematização dessa face dupla da ordem e da dinâmica social que, centralmente, abordaremos nas linhas abaixo. Isso faremos apoiados numa literatura das ciências humanas e sociais, cujas reflexões mais centrais sobre tempo e crise são tomadas como base para um exercício sociológico de interpretação de aspectos dos desencontros e tensões entre as narrativas e práticas hegemônicas e subalternas de enfrentamento da pandemia de COVID-19 no contexto brasileiro. Longe de sinalizarmos para uma tensão de fácil resolução, o propósito aqui é refletir sobre a dinâmica de desencaixes que vai revelando, no médio prazo, um jogo sem ganhadores no terreno da vida vivida, resultando em riscos de desestabilização institucional. É dizer, a crise desencadeada pela pandemia desperta e potencializa elementos basilares de conflitos sociais precedentes e mal equacionados, assim como suscita a instauração de outros tipos de crises e tem a capacidade de pôr em xeque a ordem instituída.
Crises avultadas e tempos hierárquicos
A literatura das ciências humanas e sociais sobre crise é muito vasta e, nesse curto espaço que temos, nos interessa trazer um compósito sucinto de reflexões que forneçam mais claridade para a compreensão das especificidades da crise que atualmente enfrentamos, a crise sanitária, a qual se manifesta em diferentes escalas geográficas e temporalidades e é entrecruzada por outras crises. De fato, ao se falar de crise, as indagações usuais são: ‘quando?’, remetendo a um tempo cronológico de entendimento comum; ‘onde?’, considerando que os acontecimentos assentam-se numa base territorial e ‘com quem?’, supondo que há dois ou mais atores envolvidos numa situação estressante ou de tensão; mas, usualmente a indagação ‘quem é o responsável?’ escapa, permitindo a naturalização de acontecimentos os quais, contudo, têm forte componente social. Assim tem sido com os desastres ditos naturais, no qual as crises habitacionais, de saneamento, de emprego e renda são insistentemente acobertados por narrativas técnico-governamentais e científicas que aludem às chuvas, ou a falta dessas, como sendo o motivo fundante das calamidades; não o bastante, culpabilizam os pobres pela incapacidade de enfrentamento das perdas e danos que sofrem, além de desmerecerem e desqualificarem todo o esforço profissional e científico que queira trazer à tona os elementos sociais da crise (VALENCIO, 2012; DUTRA, 2018). Essa visão hegemônica, baseada na teoria dos hazards, foi reforçada na problematização do contexto de pandemia.
Tal como a chuva, um fenômeno atmosférico, é vista como um elemento causal de calamidades, agora é o coronavírus SARS-CoV-2 o elemento causal natural focalizado, de tal sorte que os fatores socioambientais que o trouxeram ao convívio com humanos, os fatores tecno-políticos, inaptos na contenção dos perigos, os fatores econômicos, que inviabilizaram as condições infraestruturais de enfrentamento do problema, e os fatores sanitários, cujo desprezo recorrente expôs desproporcionalmente a vida de milhões de indivíduos, foram relegados como fatores igualmente causais da crise. Esse desbalanço na construção de um problema, que deveria ser tratado como tendo causas multifatoriais, é refletido no desbalanço dos recursos de voz dos diferentes atores sociais implicados, das lideranças comunitárias ao meio científico e competências técnicas que atuam dentro das instituições públicas. As impossibilidades de construção de consensos para responder às questões supramencionadas são parte constitutiva da própria crise e, essa por seu turno, é parte constitutiva de um processo histórico.
Em Metamorfoses do Espaço Habitado, Milton Santos rememorou ao leitor que “A história é sem fim, está sempre se refazendo. O que hoje aparece como resultado é também um processo (...) O processo é um permanente devir. Somente se pudéssemos parar a história é que teríamos um estado, uma situação permanente” (SANTOS, 1996, p.95). Essa rememoração não era algo despropositado já que, no período em que o eminente geógrafo fez tais ponderações, assistíamos ao ápice do neoliberalismo, ocasião na qual havia intelectuais que afirmavam que nos deparávamos com o fim da história (FUKUYAMA, 1992). Na mesma época, as ciências sociais recuperaram o seu fôlego, procurando ressituar a Teoria Social no contexto de euforia trazida pelas promessas da globalização e, em sua vertente crítica, o debate em torno do tema dos riscos ganhou relativa centralidade. O tema não era exatamente novo, tendo sido acalentado décadas antes por estudiosos dessa e de outras áreas de conhecimento afins, mas ganhava novas roupagens. Catástrofes ou calamidades são riscos concretizados, tenham eles sido previstos ou não, e o horror desses acontecimentos de grande expressão social e política, assim como das tragédias miúdas, que passam desapercebidas no cotidiano, mereceram a atenção de grandes expoentes da área.
Tome-se, como exemplo, os quase cem anos desde que o proeminente sociólogo russo P. Sorokin, em seu célebre livro Man and Calamity (1942), ponderou sobre os graves efeitos sociais provocados por pandemias. Dentre outros aspectos relevantes, o referido autor advertiu que, ao longo da história da civilização ocidental e, especialmente, nas primeiras décadas do século XX, tais circunstâncias críticas foram usadas como alegações irrecorríveis – ou meros pretextos – para que houvesse a expansão do controle governamental sobre as relações sociais de cunho privado. Quando o contexto sanitário de isolamento e de distanciamento social, que justificava tal controle, já tinha sido superado, o anseio de recuperação de liberdade, por parte dos indivíduos, não era correspondido. Ao lado de outras crises, nas quais o povo fora condicionado a se resignar, obedecendo a ordens e slogans – como nas guerras, na fome generalizada ou durante colapsos econômicos –, as pandemias também eram ocasiões das quais as burocracias autoritários se valiam para avançar sobre os direitos individuais assim como para redesenhar o tecido institucional numa orientação igualmente supressora de direitos sociais. Longe de desconsiderar o mérito das recomendações sanitárias disponíveis nos momentos agudos das crises sanitárias, Sorokin alertou para quão estreitos e escorregadios poderiam se tornar os limites entre os melhores propósitos de bem-estar coletivo e o processo de barbárie na lógica operativa das instituições públicas.
Assim como ocorreu no século passado, as décadas iniciais do século XXI parecem igualmente sinalizar que predisposições autoritárias e favoráveis para com a barbárie ainda testam a solidez do ambiente institucional em bases democráticas, tal como ocorre no Brasil. A democracia, a nosso ver, é uma possibilidade histórica favorável a um terreno político plural onde a garantia e a ampliação dos direitos da pessoa humana poderiam florescer. Se a democracia se deixa abalar, um ambiente de disseminação de medos coletivos se instaura e fica mais propício ao entrecruzamento de diferentes tipos de crise, como entre pandemias e xenofobia, genocídio e fome, pragas e guerras, tal como há muito advertiu Sorokin, quando concluiu que as calamidades são muito instrutivas quando permitem que a sociedade refaça a imagem que tem de si mesma. E, eventualmente, se disponha a criar parâmetros mais elevados – de mobilidade econômica, de sistemas valorativos, de dinâmicas organizacionais, de escolhas políticas – para detectar antecipadamente os vícios que semeiam a barbárie e alimentam os déspotas.
Pandemias são crises que produzem um quadro ampliado de incertezas e alteram muito rapidamente os modos correntes de sociabilidade. Desconexões sociais inesperadas fragilizam comunidades e indivíduos, acentuam as práticas de exclusão social e impregnam a sociedade com uma mentalidade apocalíptica. Ainda que a ciência seja anunciada como o caminho iluminado para nos livrar dessas e outras assombrações correlatas (SAGAN, 1996), também é oportuno dessacralizá-la e advertir sobre os seus usos para obscurecer os horizontes civilizacionais, uma vez que desafortunadamente já se tenha prestado às mais obtusas finalidades (DUARTE, 2000), incluso genocídios, o que não nos orienta a desprezá-la, mas nos convoca a considerá-la em sua pluralidade e campo de disputas (BOURDIEU, 2004a, 2004b).
Pandemias perturbam sobremaneira a vida cotidiana, colocam várias temporalidades em confronto, o que desorienta o homem simples, em sua vida ordinária, e o torna inseguro acerca de como construir ou adotar marcos interpretativos válidos para pautar a contingência. Testemunha ele o falecimento ou adoecimento de entes queridos de sua convivência, membros da sua família nuclear, familiares próximos ou distantes, pessoas de sua rede primária de suporte, vizinhos ou membro da rede extensa de convivência, concidadãos ligados por laços de identidade comunitária ou nacional. Além disso, a perda inesperada de uso ou funções de bens materiais e serviços, dos recursos financeiros e impossibilidade de exercício regular de suas atividades econômicas, de restrições de circulação e alterações involuntárias nos seus modos de sociabilidade passaram a abrir simultâneas frentes de batalha, que o acuam. Interpreta que, repentinamente, o controle que supunha ter sobre o tempo lhe é retirado das mãos e se encontra em mãos alheias, na de pessoas que estão acima e fora de sua capacidade de acesso e de interlocução. Agora, já se encontra sob a intervenção de um outro, que lhe é estranho, e que passa a definir prazos desencontrados e meios, por vezes, impossíveis, para ajustar o seu comportamento social, as suas necessidades e suas formas de interação àquilo que é correto para evitar a ameaça do vírus.
No contexto brasileiro, nas primeiras semanas em que pululavam especialistas (epidemiologistas, infectologistas, virologistas e afins) sob os holofotes da grande mídia televisiva e virtual, para prover orientações para as massas atemorizadas com o ‘inimigo invisível’, a recomendação de lavar bem as mãos era repetida insistentemente, a despeito dos milhões de famílias sem acesso à água potável; por vezes, seguido de um novo timing, o do ‘parabéns pra você’ cantado duas vezes seguida. Duplo constrangimento para uma parte de sua audiência, sem acesso à água potável e, menos ainda, para vê-la escorrer por suas mãos e antebraços pelo tempo longo estipulado para a sua higiene adequada.
Para os especialistas que emitiam tais recomendações, o cenário ao fundo, com estante inundada por livros que indicavam a sua competência no assunto, parecia faltar algo para ser ainda mais convincente, estabelecendo maiores condições de fazer um julgamento quase moral do público que lhe assistia. A distância entre peritos e leigos, de quem mandava e quem obedecia, já parecia ter ido longe o bastante, ao atravessar a ponte do materialmente impraticável a muitos dos que ansiavam obedecer e não tinham os meios práticos para fazê-lo. Mas, avançou ainda mais. Por vezes, o cenário da vida privada dos especialistas ficava exposto, num deliberado enquadramento de sua posição social. Aos livros, vinham somar as peças de arte, a decoração esmerada; ao corpo, somavam-se o vestuário refinado e adereços caros (relógios brincos, colares), conjunto que progressivamente tomava o lugar do espaço impessoal de laboratórios de pesquisa e do uso profissional de discretos jalecos. Ali, já não eram mais peritos assentados em narrativas meramente técnicas, mas sujeitos que situavam tais narrativas numa performance de classe e, desde aí, demonstravam recorrente desconhecimento de uma parcela significativa do Brasil real, aquela que não compartilhava das mesmas condições econômicas que as suas, algo entre a ignorância e a perversidade. Num canal televisivo de sinal aberto, num programa destinado a prover orientação ao público sobre como se proteger do coronavírus SARS-CoV-2, a jornalista dirige aos especialistas convidados as perguntas vindas dos que o assistem virtualmente. Para a pergunta de uma dona de casa, que indaga se colocar as roupas ao sol para secar poderia ser uma atitude recomendável para se proteger do coronavírus, a especialista responde que nada poderia dizer sobre isso, que desconhecia estudos científicos no tema, mas que o recomendável seria, se pudesse, colocar a roupa limpa numa secadora com função de esterilização. Sem demérito quanto a eficácia da medida sugerida, o que estava em jogo não era isso. Era a posição de classe. Ao dizer à telespectadora, na simplicidade da questão proferida e do alento que esta buscava, que a providência acessível, roupas ao sol, provavelmente era inútil, também apontou que a providência efetiva exigia uma condição econômica abastada. Provavelmente, isso possa ter soado como uma declaração de morte, ao lado de muitas outras, como: não ande em aglomeração no transporte urbano (mas tenho que trabalhar fora, porque meu patrão assim o solicita), não utilize papel-moeda (mas sou compelido a ir ao banco para sacá-lo e pagar contas em dinheiro), utilize álcool em gel frequentemente (minha renda impossibilita adquiri-lo na quantidade necessária a esse asseio regular) e assim por diante. O conjunto de recomendações não vem acompanhado da solidariedade social correspondente dos especialistas. Esses, por exemplo, não estão mobilizados para exigir políticas públicas de aquisição de secadoras de roupa com função de esterilização, cujo funcionamento exigiria, ademais, o regular acesso à água encanada e energia elétrica. À certa altura, uma especialista mais bem colocada no gabinete de crise, instada sobre que providências adotar para com os que transitam nas ruas, é incisiva em dizer que aquilo teria se tornado problema de segurança pública e que a polícia deveria intervir. Aqui, o ‘caso de polícia’ se refere ao encontro do Estado com as massas desobedientes.
Especialistas advertem sobre a necessidade de isolamento dentro de casa a membro do grupo familiar com suspeitas de contágio, recomendam que fique num cômodo à parte, no uso exclusivo de um toilette ou que seja o último a fazê-lo, no final do dia, higienizando-o para a segurança dos demais. Desconsidera-se, de cima a baixo, as características socioespaciais de moradias em aglomerados urbanos subnormais para além daquela paisagem construtiva desoladora visualizada à distância. Lá, moradias de menos de 50m2 são altamente adensadas, cujos membros se esbarram o tempo todo, ainda mais devido ao confinamento que se lhes foi imposto; são obrigados a compartilhar de talheres a copos, de banheiros a telefones; o sofá velho, no qual todos se sentam para assistir à televisão, é também a cama de um ou mais membros do grupo domiciliar; o banheiro precário é utilizado constantemente e indivíduos com suspeita de contágio podem ter episódios de diarreia que não lhes permite esperar serem os últimos a utilizar o sanitário; por fim, sequer o provimento ao material para a sua higienização pessoal e a higienização do local é regular e suficiente naquelas circunstâncias críticas. Salvo raras e honrosas exceções, o desfile de especialistas veio jogar reiteradamente sobre os ombros dos indivíduos a responsabilidade pelo asseio pessoal, desconsiderando que a ameaça real, de fundo, não era invisível, de tamanho microscópico, tampouco desconhecida. Trata-se de um Estado que, em diferentes níveis, descurou de suas responsabilidades para com o cumprimento de metas sucessivas de cobertura sanitária e de combate às desigualdades sociais enquanto orientou a sua agenda de investimentos para outras prioridades de estímulos à concentração de riqueza. Na maioria dos casos, para aqueles que vivem às margens do Estado (DAS e POOLE, 2008), não foram os especialistas os seus interlocutores privilegiados, mas a própria comunidade, sobretudo quando suas lideranças locais se davam conta de que o centro do problema não era apenas o vírus. Agregaram parceiros para construir soluções próprias de contingência, desde levar itens de higiene e comida para as famílias em situação de miséria a prover equipamentos dentro da comunidade, com serviços providos por seus próprios membros, para que aqueles com suspeita de contágio ou contágio confirmado e sintomas mais leves pudessem ser acolhidos e bem assistidos sem perder a sua vinculação com o lugar. Alívio simultâneo nas pressões de convivência no ambiente domiciliar, alívio psicossocial do atendido, manutenção dos vínculos sociais entre esses, a comunidade resguardando seus membros abatidos ao invés de expulsá-los, eis algo que experiências como a ocorrida na favela de Paraisópolis, na capital paulista (CHIARA e AMARO, 2000), vinham ensinar a especialistas e gestores públicos.
Assim, durante o período em que vigoram medidas técnico-governamentais de adoção de diferentes níveis de isolamento social, as posições de classe se esbarraram. Os conflitos se expressaram pelo desbalanço entre o modo recomendado e o modo possível de enfrentamento da pandemia. Os conflitos também ficaram visíveis pelos tempos desconjuntados, nos quais uma parcela da sociedade parecia apenas enfadada em permanecer em casa, inventando distrações passíveis de serem desfrutadas nos espaços amplos de sua moradia, enquanto a outra parte vivia a temporalidade do desespero, nas fricções constantes de seus membros num espaço exíguo, sem meios próprios suficientes de obtenção de seus provimentos vitais, pressionada a ir para a rua obter esclarecimento de acesso a benefícios sociais emergenciais ofertados pelo governo federal, cujos requerimentos legais que o autorizavam e os caminhos virtuais para obtê-lo ofereciam inúmeros e persistentes obstáculos. Nesse particular, a letargia institucional pública do executivo, associado à indiferença dos demais poderes, só fez incrementar o quadro de desespero dos segmentos marginalizados. Tudo parecia indicar não se tratar apenas de impossibilidades técnicas, no âmbito da máquina pública, em assimilar as disparidades existentes entre a capacidade de atendimento dos incluídos e dos marginalizados a requerimentos formais – nas margens se encontravam pelo muito que suas vidas já orbitavam fora da lógica de controle burocrático intersistemas, com checagem de coerência de situação civil, eleitoral, tributária, de trabalho e afins –, mas da adoção de mecanismos lentos de ação burocrática para subsumir ainda mais as camadas subalternas, ou seja, uma biopolítica (FOUCAULT, 2000). Estavam se sentindo ludibriados, os pobres e miseráveis, a irem atrás dos meios de sobrevivência e, no caminhar, serem expostos de forma vexatória junto à opinião pública. Os gestores não se redimiam, nem eram cobrados a fazê-lo. A grande mídia se prestou mais a denunciar as aglomerações na porta de agências bancárias e no transporte coletivo – para reafirmar malthusianamente que os pobres são culpados por suas desgraças – do que em denunciar a letargia no atendimento a esse público e na redução dos meios de mobilidade urbana. Também ludibriados seguiam, pelas vozes que incansavelmente lhes pediam para ficar em casa, enquanto os afluentes expunham-se nas lives em suas exuberantes áreas de lazer privadas ou trafegavam despreocupados em seus exercícios diários ao ar livre, transitando na orla de praias badaladas ou em bikes importadas nos bairros abastados. Esses não eram ‘caso de polícia’. Tudo parecia indicar que as ruas e calçadas precisariam estar apenas livres dos grupos marginalizados, para possibilitar o tráfego tranquilo da chamada gente de bem. É fato que parte desses especialistas estão em frentes de atendimento nos equipamentos de saúde, dali também se expondo a ameaças equivalentes, e outra parte tenha retornado aos laboratórios científicos em ritmo frenético de trabalho. Mas isso, por si só, não os credencia a aviltar simbólica ou moralmente, uma parte dos interlocutores que buscam os seus conhecimentos.
A ordem social como um castelo de cartas (e o vento batendo forte...)
Nas últimas décadas, além de prestigiados autores das ciências sociais que redesenharam o debate sobre riscos na Teoria Social – dos quais se destacam Giddens (1991), Douglas (1992) e Beck (1999) –, outros dessa área e de áreas correlatas se preocuparam em prover análises críticas sobre o desenrolar de crises sociais. Não raro, focalizando o entrecruzamento de crises distintas, como na relação entre pestes e guerras, fome e desemprego, pragas e êxodos.
Tuan (2005), desde o olhar da geografia humana, foi um deles, dedicado a refletir acerca de como o medo coletivo de pandemias, e em diferentes episódios ao longo da história, contribuiu para aguçar a percepção social das comunidades afetadas sobre os indícios materiais prévios do processo de deterioração do mundo ao derredor. Tais indícios – como o abandono de moradias na vizinhança (em virtude do falecimento dos moradores ou da súbita mudança de endereço da família para uma localidade afastada, por receio de riscos de contaminação), o fechamento do comércio local, a imundície progressiva das ruas e praças, atestando o abandono de serviços de limpeza pública, entre outros – passavam a ser considerados como um sinal concreto de ameaça à integridade do seu próprio corpo. O mal parecia espreitar em suas múltiplas formas, mas eram as próprias reações sociais aquilo que o confirmava quando suscitava a rápida deterioração das relações comunitárias convencionais, explica o autor. Espreitava, o mal, quando pequenos gestos de altruísmo logo eram substituídos por desconfianças mútuas. Se preocupações com os riscos de escassez de bens vitais se confirmavam, isso não alçava apenas significados econômicos, mas passava a ser visto como algo transcendental, um mau presságio. O que, não raro, viria a justificar ondas de intolerâncias de toda a espécie, banalizando a deflagração de hostilidades de todos contra todos, sobretudo quanto mais remota parecesse ser a cura. Além disso, e no que é fundamental no propósito do presente texto, Tuan advertiu que agravamentos de tensões na convivência social durante crises pandêmicas tendiam a acentuar a predisposição coletiva a adotar preconceitos de toda a espécie para definir quem era o sujeito “estranho”, portanto aquele que deveria ser preterido no direito às parcas medidas de proteção disponíveis. Além disso, continua o autor, o assentimento subserviente aos extraordinários poderes que as autoridades governamentais passavam a exercer sobre os corpos e consciências brutalizadas fazia os homens sentirem que “o próprio cosmos poderia ruir” (TUAN, 2005, p 94). É dizer, os indivíduos sujeitados percebiam que o processo de desintegração de sua humanidade chegava a um estágio no qual a sua segurança ontológica esboroava-se, já nem a vida nem a morte alcançavam sentido algum ante um mundo desfazendo-se em mesquinharias e sem horizontes.
Autores da sociologia, como Bauman (2005), detiveram-se sobre as crises crônicas, e insistentemente invisibilizadas, como aquelas oriundas da adoção de modelos econômicos que favoreciam a progressiva concentração de riqueza enquanto abatiam, no varejo, aqueles reduzidos à condição de refugo humano. O autor chamou a atenção para os mecanismos de produção da indiferença social frente ao desemprego estrutural, à miséria, à falta de moradia, aos refugiados num contexto em que a soberania do Estado deixou-se ser erodida por grandes corporações, pelo descaso público perante à superfluidade da vida humana e banalização da morte na sociedade do espetáculo (BAUMAN, 2005).
Trazendo isso para o contexto pandêmico no Brasil, testemunhamos um foco midiático nauseante em curvas diárias de notificação de casos de contaminação, de adoecimentos e de falecimentos associados ao coronavírus Sars-CoV-2, para incrementar o interesse social pela discussão sobre a situação crítica massiva. Porém, em um quadro de entorpecimento social, os números crescentes não geram mais estupefação. Vão, ao contrário, provocando fadiga social, extenuando psicologicamente aos que os acompanham. Os espetáculos de mortes a roldão já não impressionam a ninguém. De um lado, esse efeito de relativa apatia, onde poderia haver reações comportamentais de precaução ou mesmo de mobilização para acelerar as medidas mitigadoras, se dava pela própria ideia de espetáculo que, para cativar continuamente o público, precisaria ser continuamente renovado. O público se exauria face a uma notícia que, a cada dia, parece repetida. E, de outro, havia dificuldade de calibração discursiva jornalística para identificar elementos estruturantes da crise, isso é, em compreender que os fatores epidemiológicos disruptivos teriam outros encadeamentos sociais, políticos e econômicos a que conviria examinar. A imagem cruzada do desamparo social (MENEZES,2006) e dos negócios próspero de fármacos, equipamentos e insumos de saúde poderia ter sido um deles, na melhor revelação da face dual da crise, a do ‘quanto pior, melhor’.
No aspecto econômico, dedicaram-se a examinar crises nacionais e globais recentes importantes autores da sociologia e da economia. Touraine (2011), por exemplo, analisou o modo como uma crise econômica de caráter global, a deflagrada em 2008, foi ao longo dos anos interferindo na vida social através do modo como as autoridades nacionais a recodificaram na forma ilusória de problemas internos, ainda que sabedoras que, nessa grade, suas causas não seriam manejáveis. Isso era feito para fazer perdurar uma lógica de acumulação insustentável, que faria romper novas bolhas especulativas nos anos vindouros. A crise relacionada à pandemia não nos livrou desse risco uma vez que a lógica de financeirização da economia sequer foi questionada e está se adaptando aos novos tempos do mercado global. Por seu turno, a relação simbiótica entre uma economia predatória e instituições públicas sujeitas a servir preponderantemente a interesses particulares, que resulta em falhas sistêmicas no combate ao desemprego, à epidemias, à corrupção e outros males sociais similares, foi objeto do estudo Chayes (2015) e, antes dessa, de Acemoglu e Robinson (2012). Os últimos examinaram a história de diferentes nações, entre elas, o Brasil, vendo naquele momento sinais promissores de avanço na maturidade institucional e no desenvolvimento econômico-social; sinais que, contudo, desapareceram desde então. Isso trouxe rebatimentos não apenas nas incapacidades financeiras das instituições públicas, para proverem os meios materiais necessários para lidar com a emergência em saúde, mas, sobretudo, na deslegitimação das arenas participativas que poderiam subsidiar as deliberações governamentais num rumo mais adequado às demandas populares por proteção à sua dignidade humana.
Enfim, nesse breve e modesto recorte, o intento foi o de ilustrar como as ciências humanas e sociais têm algo a dizer sobre crises. Ao nos depararmos com uma nova pandemia, essas ciências nos ensinam que precisamos estar um passo além das explicações epidemiológicas strictu sensu para compreender as suas conexões com um sem-número de outras crises de natureza diversa. Seria oportuno fazê-lo devido ao fato de que, diante a COVID-19, e embora a justificada atenção que se deva ter às interpretações epidemiológicas sobre o problema, os aspectos socioeconômicos e políticos não são de menor valia, seja na discussão científica, no subsídio à mobilização social ou, ainda, nas discussões acaloradas ora travadas nas arenas institucionais em diferentes escalas de poder e de atuação. Das Nações Unidas às pequenas cidades interioranas, passando pelas preocupações de lideranças comunitárias e de gabinetes de autoridades governamentais regionais e nacionais, o enfrentamento da crise relacionada à COVID-19 se caracterizou centralmente como uma emergência em saúde pública, sanitária. Entretanto, crescem as expectativas da sociedade para que a gestão pública lhe apresente ações integradas, em diferentes frentes urgentes de atuação, porque a vida humana é vivida em sua integralidade.
Conclusões
Conforme vimos, crises são, ao mesmo tempo, situação e processo. Isto é, caracterizam-se por acontecimentos disruptivos na vida rotineira, os quais inviabilizam a continuidade das rotinas da vida social nas bases em que essas se sentiam, até então, asseguradas. Contudo, tais rupturas não se desvinculam de dinâmicas sociais mais amplas, referidas às engrenagens institucionais de movimentação lenta, onde os fios de multifacetados componentes sociais, políticos, culturais e econômicos são entremeados, produzindo um tecido de qualidade duvidosa, o da precária normalidade que assenta o projeto de nação.
Ocorre que, quando o tecido apresenta tramas frágeis, com enodoamentos assimétricos e sem reforços, abrem-se nele rombos fáceis, a estampa vai apresentando prematuro descolorido e fiapos são soltos para todos os lados. Se o tecido serve como cobertor à nação, torna-se quente e abundante para alguns e cobertor curto para outros. Todos esses, ingredientes para que o mau-acabamento e as descontinuidades arrebentem não só o tecido, na disputa de todos por suas parcas malhas, mas também ameace destruir a máquina mal azeitada que o produz.
Em que pesem os esforços legítimos, múltiplos e geograficamente pulverizados de solidariedade social, com os inúmeros exemplos de um voluntariado que rapidamente se articula e se dispõe a acorrer àqueles que apresentem mais explícitas incapacidades de provimento autônomo de seus mínimos vitais, há que se ter em conta que a configuração de encontro entre provedores eventuais e receptores humilhados não alcança a potência necessária para recompor o tecido e prover novos encaixes das engrenagens da máquina institucional. É dizer, não adquire a força necessária para uma repactuação social que enfrente as desigualdades sociais de fundo e, inadvertidamente, podem servir ao seu justo oposto, qual seja, o de agirem como mecanismo de endosso e resignação defronte a condições díspares de sobrevivência e proteção contra ameaças crescentes, sendo a desigualdade social a maior ameaça entre todas. Aos que doam, as práticas de atenuação circunstancial de injustiças protelam que os abandonados se rebelem à beira do abismo de onde estão sendo lançados. Aos que recebem, testam se as amarras que se lhes estão sendo oferecidas são forte o bastante para evitar novos empurrões que os façam despencar de alturas consideráveis e desprotegidos.
Uma crise repentina e avultada, tal como a que se refere à pandemia de COVID-19, descortinou a catástrofe anterior, que cozinhava em fogo lento, a do trágico desencontro do povo brasileiro com os que manejam as instituições do Estado respaldados por vozes dominantes, insensíveis socialmente, mas que têm condições de influenciar o destino da coletividade. A essa revelação duplamente amarga, não cabem remédios fracos, que amenizem as condições de retomada da vida cotidiana ao custo da perenização de injustiças sociais, posto que essas bases, aparentemente cordiais, avançam ferozmente para níveis de barbárie inaceitáveis para uma democracia.
Assim, aquilo que está em causa nessa sinergia de tragédias, que desoladoramente funde temporalidades distintas de desumanizações praticadas em diferentes gradações de interações sociais e de respaldos institucionais, é a disposição que o conjunto da sociedade tenha para lutar por outro projeto nacional, ancorado em bases renovadas de civilidade, justas o suficiente para permitir renovações de condições sociais, culturais, políticas e econômicas que amparem a segurança ontológica dos cidadãos. Isso implicaria mobilizações massivas para que os lugares onde o abandono social, a miséria, as violências cotidianas, os inacessos às infraestruturas essenciais, deixem de alvo de caridades eventuais, para se tonarem efetivamente o centro de partida da recostura da nação e dos pactos de construção de cidadania.
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