Resumo
Objetivo: avaliar as propriedades psicométricas do Negative Acts Questionnaire - Revised (NAQ-R), instrumento para detecção do assédio moral, e investigar a correlação entre as dimensões do assédio moral e as variáveis satisfação no trabalho e saúde autorreferida de acordo com o sexo.
Métodos: estudo transversal com análise fatorial de uma amostra de 677 servidores estaduais da saúde. Os dados foram coletados por entrevista individual com o auxílio de um questionário contendo as características sociodemográficas e ocupacionais, além das 22 questões do NAQ-R.
Resultados: duas dimensões, ou variáveis latentes, foram identificadas: assédio moral pessoal e assédio moral relacionado ao trabalho. A dimensão assédio moral relacionado ao trabalho esteve correlacionada, entre os homens, com saúde autorreferida (rho=0,33; p=0,02). A mesma situação com o assédio moral pessoal, que apresentou correlação com saúde autorreferida entre os homens (rho=0,39; p<0,01) e satisfação no trabalho (rho=0,28; p=0,05). Entre as mulheres, a única dimensão encontrada compatível com assédio moral pessoal correlacionou-se com satisfação no trabalho (rho=0,37; p<0,01) e saúde autorreferida (rho=0,19; p<0,01).
Conclusão: o NAQ-R possui um desempenho aceitável para detectar o assédio moral no trabalho, demonstrando habilidade em identificar os atos negativos que caracterizam esse tipo de abuso.
Palavras-chave: assédio moral, violência no trabalho, coleta de dados, inquéritos e questionários..
ARTIGO
Características psicométricas do Negative Acts Questionnaire para detecção do assédio moral no trabalho: estudo avaliativo do instrumento com uma amostra de servidores estaduais da saúde
Recepção: 06 Novembro 2015
Revised document received: 26 Julho 2016
Aprovação: 05 Agosto 2016
A violência no local de trabalho vem se constituindo em um fenômeno preocupante na sociedade moderna ante a situação de insegurança, revolta e insatisfação da população em relação ao atendimento de suas necessidades básicas. No setor de serviços, como saúde e outros órgãos públicos, não são raros os episódios envolvendo trabalhadores e, quase sempre1, usuários que, insatisfeitos com o atendimento que lhes é oferecido, expressam de modo agressivo, com violência direta e visível, o seu descontentamento2. Entretanto, o fenômeno nem sempre se manifesta de maneira tão perceptível. Por vezes, descortina-se entre os próprios trabalhadores um tipo de relação, com características antagônicas, marcada pela violência psicológica ou perseguição, denominada de assédio moral.
Apesar de frequente, a prevalência do assédio moral no trabalho costuma apresentar resultados distintos nos diversos estudos realizados nacional e internacionalmente. No Japão, a prevalência foi de 9,0% entre servidores públicos3; na Itália, encontrou-se uma prevalência de 15,2% em uma amostra composta por mais de 3 mil trabalhadores dos setores públicos e privados4; um estudo realizado na Bélgica obteve resultados diferenciados que dependem da avaliação que foi feita em relação ao assédio: grave 3% e 17% menos grave5. No Brasil, um estudo realizado em Fortaleza com 218 trabalhadores escolhidos aleatoriamente nas filas de seguro-desemprego e orientação trabalhista, da Delegacia Regional do Trabalho, detectou 25,2% de pessoas que se consideravam vítimas do assédio moral6.
Essas variações nas prevalências encontradas resultam do modo como o assédio é entendido e das diferentes medidas e critérios utilizados5. Dois métodos distintos costumam ser utilizados para medir ou identificar o assédio moral no trabalho. Um deles, denominado critério subjetivo, consiste em perguntar diretamente aos entrevistados, após apresentar-lhes uma definição do fenômeno, se eles se veem vítimas de assédio moral.
Os que utilizam essa modalidade acreditam que o critério subjetivo permite ao entrevistado distinguir mais facilmente entre comportamentos que são tolerados e não tolerados4), (7. Para esses autores, a maneira como a pessoa reage a uma ação é que vai determinar a sua gravidade. Isso significa que o ato praticado somente será considerado negativo e, consequentemente, assédio moral, caso a vítima assim o declare.
Entretanto, o respondente se enxergar vítima de assédio em vista de um comportamento que não é desejado e que pode ser prejudicial não é suficiente para tipificar tal comportamento. Neste sentido, não se trata apenas de saber se o ato é ou não tolerado, mas definir, neste caso, se o que está ocorrendo é ou não assédio moral. Assim, em países onde o fenômeno ainda é pouco conhecido, esse método apresenta limitações, motivo pelo qual muitos estudos têm se valido de um procedimento mais objetivo, ainda que utilize concomitantemente o método subjetivo8.
Deste modo, outra forma de investigação consiste em saber a frequência com que os participantes são expostos a diferentes atos ou comportamentos negativos que caracterizam o assédio moral, sem necessidade de mencionar esse termo. De acordo com o critério operacional definido por Leymann9, o assédio ocorre quando pelo menos um ato negativo é mencionado pela vítima semanalmente ou diariamente e por um período de pelo menos seis meses10. Todavia, alguns autores preferem ampliar para dois, em vez de um, o número de atos a serem computados, seguindo a sugestão de Mikkelsen e Einarsen4), (11.
Assim, devido às limitações na definição do assédio e nas formas de identificá-lo, torna-se cada vez mais relevante o desenvolvimento de instrumentos válidos e confiáveis, uma vez que as diferentes formas de lidar com o problema criam dificuldades na identificação e estimativa da prevalência do fenômeno, que acaba sendo confundido com outras práticas humilhantes e também prejudiciais.
Alguns instrumentos têm sido criados com o intuito de oferecer um diagnóstico mais preciso acerca da ocorrência do assédio moral no trabalho. Um desses instrumentos é o Negative Acts Questionnaire versão revisada (NAQ-R), desenvolvido por Einarsen e Raknes5. Sua versão inicial era composta de 48 questões, passando a 22 itens depois de revisada. Seus itens referem-se a determinados comportamentos negativos sem fazer referência ao termo assédio moral. As pesquisas com o uso deste questionário têm mostrado que sua dimensionalidade parece convergir para duas estruturas fatoriais, sendo que o primeiro fator inclui ações hostis com respeito à pessoa - assédio pessoal -, enquanto o segundo fator engloba os atos de hostilidade que estão direcionados ao trabalho da pessoa - assédio moral relacionado ao trabalho4. Outros estudos, porém, têm identificado três ou mais estruturas fatoriais além dessas, como desqualificação pessoal e profissional e intimidação física3), (12.
No Brasil, o NAQ-R foi testado e validado por Maciel e Gonçalves8 com duas amostras, uma composta de trabalhadores de vários setores e outra exclusivamente de bancários. O coeficiente de confiabilidade obtido por meio do Alpha de Cronbach a partir da combinação das duas amostras (n=1.026) foi de 0,90, resultado que mostra uma excelente consistência interna. Além desse procedimento, foi observada a correlação entre a somatória dos 22 itens da escala e uma pergunta sobre assédio subjetivo, cujo resultado foi um Coeficiente de Correlação de Pearson de 0,49 (p<0,01), o que indicaria que “sentir-se assediado” está relacionado ao relato da frequência de atos negativos.
Com base nesses resultados, as autoras concluíram que o NAQ-R possui validade de constructo, uma vez que as duas formas de avaliar o assédio (objetivo e subjetivo) estariam correlacionadas de forma positiva. Entretanto, Martins e Ferraz13 argumentam que os procedimentos adotados pelas autoras não seriam provas suficientes para confirmar a validade do instrumento, o que justificaria a realização de outros estudos, inclusive com outras categorias, para avaliar não somente as características psicométricas do instrumento, mas também estimar a prevalência do fenômeno.
Acredita-se que as características individuais e laborais possam ter relação com conflitos no trabalho, sendo importante utilizar alguns conceitos para entender esses fenômenos, dentre os quais o gênero se destaca. Ainda que homens e mulheres estejam sujeitos a assédio moral, supõe-se que haja diferenças, não em razão do determinismo biológico, mas em decorrência dos diferentes papéis que lhes são atribuídos. O fenômeno é considerado um dos tipos de violência laboral que mais afeta as mulheres. Segundo Fontes et al.14, apenas pelo fato de serem mulheres, trabalhadoras seriam assediadas e marginalizadas de forma estratégica, a fim de que não alcancem posições com maior responsabilidade. De acordo com O’Donnell e Macintosh15, as construções e expressões de gênero podem influenciar a vulnerabilidade e exposição ao assédio moral no trabalho, bem como as consequências e a gravidade do fenômeno para a saúde, o que pode variar de acordo com o sexo.
A discussão em torno do assédio moral também tem início na compreensão do seu impacto não só nas relações profissionais e sociais do sujeito, mas nas implicações negativas à saúde16. Acredita-se que a vitimização pelo assédio moral produza efeitos nocivos para a saúde mental de suas vítimas. Nielsen et al.17 conduziram um estudo longitudinal com 1.846 trabalhadores da Noruega e encontraram associação entre o assédio moral e ideias suicidas.
No estudo de Fontes et al.14 são identificadas diversas consequências do assédio moral, que vão desde manifestações psicossociais até fisiológicas, com predomínio de dores de cabeça e queixas gastrintestinais, sendo a diminuição da satisfação no trabalho mais uma das consequências do assédio moral. A satisfação no trabalho é entendida como o sentimento em relação ao próprio trabalho18, e o melhor instrumento para avaliá-la ainda não é um consenso nem foi bem explorado. Um dos aspectos mais importantes relacionados a esse sentimento diz respeito às relações com colegas e chefias e às condições físicas do ambiente em que o trabalho é realizado.
Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar as propriedades psicométricas do NAQ-R em uma amostra de servidores estaduais da saúde, mensurar a prevalência do fenômeno nesta população e investigar a correlação entre dimensões do assédio moral e as variáveis satisfação no trabalho e saúde autorreferida de acordo com o sexo.
Trata-se de um estudo de corte transversal que incluiu 679 servidores estatutários lotados no nível central e nas unidades de saúde sob gestão direta da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), localizadas no município de Salvador. Para definição do tamanho amostral, foi calculada uma amostra probabilística do tipo aleatória simples. Assumiu-se uma prevalência de 33,0%, um erro aceitável de 5% e um poder de 80%, ficando a amostra definida em 676 servidores, mas ampliada para 800 pessoas, ao considerar possíveis perdas. A seleção foi feita mediante sorteio eletrônico a partir da lista de servidores fornecida pelo órgão. Ao final, 679 pessoas concordaram em participar da pesquisa, porém duas não estavam aptas a responder o instrumento utilizado para investigação do assédio moral.
Os dados foram produzidos por entrevista face a face com o auxílio de um questionário que trazia, em primeiro plano, questões sobre as características sociodemográficas e laborais. Para investigar o assédio moral foi utilizado o NAQ-R12 composto de 22 questões objetivas referentes a atos negativos, com possibilidade de cinco níveis de respostas (nunca, de vez em quando, mensalmente, semanalmente e diariamente). Como se trata de um instrumento autoaplicável, que neste estudo foi apresentado durante entrevista sobre violência no local de trabalho, alguns cuidados foram adotados no sentido de assegurar que todos os participantes respondessem sob a mesma condição. Para tanto, contou-se com entrevistadores devidamente treinados que fizeram uso de cartões de resposta que eram entregues aos respondentes a medida que as perguntas eram feitas.
Para investigar os aspectos relacionados à saúde autorreferida, fez-se uso de uma questão do instrumento sobre qualidade de vida Medical Outcomes Study 36 - SF-36, que investigava as condições de saúde a partir da percepção do próprio indivíduo. Perguntava-se: “De um modo geral, em comparação a pessoas da sua idade, como o (a) senhor (a) considera sua saúde?”, com cinco alternativas de resposta (excelente; boa; regular; fraca; e muito fraca). Para fins de análise, as respostas foram dicotomizadas, tendo excelente/boa como referência.
Da mesma forma, a satisfação no trabalho foi medida com uma única questão “Como o (a) Sr. (a) se sente em relação ao seu trabalho neste lugar?”, com possibilidade de cinco opções de respostas: muito satisfeito, razoavelmente satisfeito, pouco satisfeito, insatisfeito e muito insatisfeito. Ao serem agregadas, as respostas ficaram reduzidas a duas alternativas, tendo muito satisfeito/razoavelmente satisfeito como categoria de referência.
À medida que as entrevistas eram realizadas, os dados iam sendo digitados utilizando-se o programa Epi Data (The Epi Data Association, Dinamarca).
Com o uso do programa Stata versão 10.0 (Stata Corp College Station, Estados Unidos), realizou-se uma análise fatorial estratificada, por sexo, do NAQ-R. Inicialmente foi feito o cálculo da matriz de correlação dos itens do instrumento a fim de verificar o grau de associação entre eles. Visando testar a aplicação da análise fatorial, utilizou-se o teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) de medida de adequação da amostra, tomando como parâmetro para a sua interpretação os seguintes critérios: igual ou maior a 0,80, admirável; entre 0,79 e 0,70, mediano; de 0,60 a 0,69, medíocre; de 0,59 a 0,50, ruim; e abaixo de 0,50, inaceitável19. A consistência interna do instrumento foi verificada por meio do Alpha de Cronbach, considerando como satisfatório valor próximo a um. Para identificação da estrutura e das dimensões presentes no conjunto de variáveis analisadas, fez-se uso do método de extração dos componentes principais por considerar que os dados não eram contínuos e não seguiam uma distribuição normal. Foram aplicados os critérios: KMO maior e igual a 0,50, autovalores (eigenvalues) iguais ou superiores a uma unidade e análise do scree plot. Para confirmar o número de fatores a serem extraídos, realizou-se a análise paralela, por meio do aplicativo RanEigen versão 2.0, desenvolvido por Enzmann. Desta forma, de acordo com o teste, os fatores selecionados foram aqueles cujos autovalores empíricos eram superiores aos autovalores aleatórios20. Foram, também, observados os valores das comunalidades a fim de avaliar eventual remoção de itens do instrumento durante as análises realizadas. Para a interpretação dos fatores, utilizou-se a rotação varimax ortogonal, levando em conta cargas fatoriais iguais ou maiores que 0,40. Adotou-se a rotação ortogonal em virtude do pressuposto de que os fatores ou constructos não eram correlacionados. A fim de testar a validade externa do constructo, foi investigada a correlação entre as dimensões identificadas no instrumento e as seguintes variáveis: satisfação no trabalho e saúde autorreferida. A correlação tetracórica foi adotada após a recategorização das variáveis em binárias, com ponto de corte no segundo quartil. Para estimação da prevalência de assédio moral no trabalho, considerou-se a ocorrência de pelo menos um ato semanal, segundo o critério de Leymann21. Também foi utilizado um critério mais conservador, considerando o relato de dois atos negativos em vez de um, de acordo com o critério de Mikkelsen e Einarsen11.
Atendendo aos princípios éticos que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos, o projeto foi previamente analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, Parecer nº 378/2009. Por meio do consentimento livre e esclarecido, buscou-se a anuência dos servidores que foram informados sobre os objetivos, métodos e possíveis benefícios do estudo. Ao mesmo tempo, garantiu-se confidencialidade e privacidade das informações.
Dos 679 servidores que participaram da pesquisa, duas pessoas não responderam ao NAQ-R por se encontrarem afastadas nos seis meses imediatamente anteriores ao estudo, tempo definido como um dos critérios para caracterizar a ocorrência do fenômeno. Assim, foram consideradas para o estudo 677 pessoas. Desta população, 81% eram mulheres e 19% homens.
A maioria de homens e mulheres residia na capital, porém 9,3% viviam em cidades do interior do estado, sendo que a mais distante estava a 494 km da capital; a mediana de idade foi de 48 anos (IIQ: 40; 54) para homens e mulheres; a população era composta, na sua maioria, de pretos e pardos (negros), sendo 88,9% entre os homens e 80,9% entre as mulheres. Em relação ao nível de escolaridade, 50,7% das mulheres possuíam nível superior, mas entre os homens o percentual caiu para 45,7%. No que se refere à situação conjugal, 54,2% das mulheres eram casadas ou tinham companheiro; entre os homens, este percentual foi de 67,4%.
Entre os homens, a medida de adequação da amostra KMO apresentou um resultado total de 0,66 para os itens da escala. Com exceção dos itens 18, “Sofreu supervisão excessiva do seu trabalho” (0,39), 15, “Pessoas com as quais você não tem intimidade lhe aplicaram pegadinhas” (0,34), e 22, “Foi ameaçado de violência ou abuso físico ou foi alvo de violência real” (0,32), todos os demais valores do KMO para os itens, individualmente, foram iguais ou maiores que 0,57. O resultado do Alpha de Cronbach foi igual a 0,79. Inicialmente, pelo critério de Kaiser, os resultados apontaram para a existência de três fatores, o que foi confirmado pela análise do scree plot. Entretanto, a análise paralela mostrou a existência de apenas dois fatores, cujos autovalores empíricos eram superiores aos autovalores aleatórios (Tabela 1).

Ao observar a Tabela 2, nota-se que o primeiro fator composto por oito itens (3, 4, 7, 12, 13, 14, 19 e 21) refere-se ao assédio moral relacionado ao trabalho; o segundo fator com cinco itens (1, 2, 5, 10 e 17) ao assédio moral pessoal. No fator 1, o item que apresentou maior carga foi o item 3, “Foi obrigado a realizar um trabalho abaixo do seu nível de competência” (0,75); no fator 2, a maior carga foi para o item 5, “Espalharam boatos ou rumores sobre você” (0,87). Nenhum item apresentou carga elevada em mais de um fator. O alfa de Cronbach para cada um dos fatores foi respectivamente 0,76 e 0,78. No modelo final, o fator 1, assédio moral relacionado ao trabalho, apresentou um autovalor de 3,29, explicando 33,1% da variância, enquanto o fator compatível com assédio moral pessoal, autovalor igual a 2,80, foi responsável por 28,2% da variância. Em relação às comunalidades, variaram de 0,01 a 0,77. O item que apresentou o valor mais elevado foi o item 5, “Espalharam boatos ou rumores sobre você”. Já os itens 17, “Pessoas com as quais você não tem intimidade lhe aplicaram pegadinhas”, e 22, “Foi ameaçado de violência ou abuso físico ou foi alvo de violência real”, foram os que apresentaram menor comunalidade. Entretanto, optou-se por manter os itens mesmo com baixa comunalidade porque a remoção ou a retenção produziu resultado muito próximo para o Alpha de Cronbach (0,80).

Na amostra de mulheres, o resultado do teste de adequação da amostra, KMO, foi igual a 0,84. O maior valor foi para o item 14, “Suas opiniões e pontos de vista foram ignorados” (0,90), enquanto o item de menor valor foi o 15, “Pessoas com as quais você não tem intimidade lhe aplicaram pegadinhas” (0,62). Os demais itens apresentaram valor igual ou maior que 0,72. No que se refere ao teste de confiabilidade do instrumento, encontrou-se um alfa de Cronbach de 0,82. Foram identificados dois fatores que atendiam ao critério de Kaiser, resultado também confirmado pelo scree plot. Diferentemente, a análise paralela demonstrou a existência de apenas um fator com autovalor empírico superior ao autovalor aleatório (Tabela 1). Na Tabela 2, é mostrado que o fator encontrado explica 67,9% da variabilidade. O fator compõe-se de 14 itens (1, 2, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20). O item que apresentou a maior carga fatorial foi o 17, “Foram feitas alegações contra a senhora”, com carga fatorial igual a 0,64. O alfa de Cronbach para o fator foi de 0,83. No modelo final, a dimensão encontrada apresentou um autovalor igual a 4,72, sendo responsável por 67,9% da variabilidade. Ao levar em conta o uso de cargas fatoriais iguais ou maiores que 0,30, apenas os itens 15, “Pessoas com as quais você não tem intimidade lhe aplicaram pegadinhas”, e 22, “Foi ameaçado (a) de violência ou abuso físico ou foi alvo de violência real”, apresentaram carga fatorial abaixo desse valor.
Com relação às comunalidades, variaram de 0,03 a 0,45, sendo que o item 17, “Foram feitas alegações contra a senhora”, apresentou o maior valor, enquanto o item 15, “Pessoas com as quais você não tem intimidade lhe aplicaram pegadinhas”, o menor valor. Do mesmo modo que na amostra de homens, os itens com baixa comunalidade foram mantidos, visto que, mesmo excluídos, o resultado do Alpha de Cronbach permaneceu igual (0,82).
Na Tabela 3, o resultado obtido mediante a matriz de correlação tetracórica mostrou que, entre os homens, a dimensão assédio moral relacionado ao trabalho está correlacionada com saúde autorreferida (rho=0,33; p=0,02); quanto ao assédio moral pessoal, observou-se correlação com saúde autorreferida (rho=0,39; p<0,01) e satisfação no trabalho (rho=0,28; p=0,05). Na amostra de mulheres, a única dimensão identificada, assédio moral pessoal, demonstrou correlação com satisfação no trabalho (rho=0,37; p<0,01) e com saúde autorreferida (rho=0,19; p<0,01).

Das 677 pessoas que responderam ao NAQ-R, 62,4% (IC95%: 58,2-66,4) das mulheres referiram algum dos comportamentos negativos nos últimos seis meses, enquanto entre os homens a prevalência foi de 58,1% (IC95%: 49,1-66,7). Quando o critério operacional de Leymann foi usado, a prevalência do assédio moral entre as mulheres foi de 11,5% (IC95%: 8,9-14,4), e entre os homens 6,2% (IC95%: 2,7-11,8). Entretanto ao considerar o critério de Mikkelsen e Einarsen, a prevalência do assédio moral foi de 4,0% (IC95%: 2,5-6,0) entre as mulheres e de 2,3% (0,4-6,6) entre os homens.
O instrumento mostrou boa consistência interna, sendo tal resultado, mais favorável na amostra de mulheres. Isso pode ser justificado pelo baixo poder amostral entre os homens. Ainda assim, considerando os critérios de Hair et al.19 baseados no tamanho amostral, observou-se que os valores das cargas fatoriais encontradas em cada um dos fatores apresentaram boa correlação entre os itens do NAQ-R e seu fator. Os itens “Foi obrigado(a) a realizar um trabalho abaixo do seu nível de competência” do Fator I (assédio moral relacionado ao trabalho) e “Espalharam boatos ou rumores sobre você” do Fator II (assédio moral pessoal) na amostra de homens apresentaram valores elevados, revelando que esses atos são os mais adequadamente mensurados. Entre as mulheres, sobressaiu o item “Foram feitas alegações contra a senhora”.
Constatou-se que a extração dos fatores por sexo apresentou resultados distintos, o que pode apontar para a sensibilidade do instrumento em detectar diferenças de gênero. Enquanto entre os homens foram identificados dois fatores diversos, compatíveis com assédio moral relacionado ao trabalho e assédio moral pessoal, entre as mulheres foi identificada uma única dimensão, mais relacionada com assédio moral pessoal. Esse resultado pode estar associado ao modo como homens e mulheres são tratados pela sociedade, sendo que atos abusivos contra as mulheres têm por objetivo principal a sua desqualificação pessoal, sustentada por sua condição de mulher. Embora possam existir críticas ao trabalho dos homens, os atos criticados não são justificados por terem sido realizados por um homem.
As dimensões identificadas na amostra de homens, assédio moral pessoal e assédio moral relacionado ao trabalho, estão consistentes com aquelas encontradas em outras pesquisas que fizeram uso do NAQ-R4), (10. Entretanto, não foram localizados trabalhos que tenham realizado análise por sexo, a fim de comparar se as diferenças aqui identificadas são compatíveis com outras populações de homens e mulheres. Não obstante, a literatura tem mostrado a existência de uma distribuição desigual de poder que produz diferenças marcantes entre homens e mulheres, com incontestável desvantagem para as mulheres22.
O resultado na amostra de mulheres levanta o pressuposto da unidimensionalidade do instrumento quando aplicado na população feminina, ao considerar que todos os itens estejam medindo um único constructo.
Com alguns itens apresentando cargas fatoriais muito baixas, acredita-se que algumas questões do instrumento precisam ser revistas e até mesmo avaliadas quanto à permanência na escala. Um exemplo disso é o item 22, “Foi ameaçado(a) de violência ou abuso físico ou foi alvo de violência real”. Na Itália, Giorgi et al.4) optaram em utilizar uma versão reduzida composta de 17 itens, pois segundo os autores, cinco itens foram considerados inapropriados para a realidade local. Considerando a definição de Hirigoyen23), (24 acerca do fenômeno e a sutileza com que o assédio moral acontece, tornar-se alvo de violência real significa que o comportamento abusivo já não permanece na invisibilidade, pondo em risco até mesmo a integridade física da vítima, não se tratando, talvez, de assédio moral. Em determinadas culturas, esse tipo de comportamento pode até mesmo ser considerado um crime com conotações mais severas3. Entretanto, apesar desse e de outros itens terem apresentado baixas comunalidades, optou-se em mantê-los na análise, pois a exclusão não acarretou diferenças no teste de confiabilidade.
Este estudo também não considera o NAQ-R um instrumento exaustivo; assim, podem existir outros comportamentos que caracterizam o assédio moral e que não são contemplados pelo questionário. Essa posição também é defendida por Salin25, que entende que nem todos os comportamentos têm a mesma gravidade.
Ao verificar a validade externa, o teste de correlação tetracórica mostrou como as dimensões do NAQ-R correlacionam-se com os constructos investigados. Entre os homens, significa que sofrer assédio moral relacionado ao trabalho está associado a pior saúde autorreferida, resultado que se repete em relação ao assédio moral pessoal, dimensão igualmente correlacionada à insatisfação no trabalho. Da mesma forma, entre as mulheres, a dimensão encontrada associa-se com pior saúde autorreferida e insatisfação no trabalho.
Este resultado é compatível com estudo sobre assédio moral no trabalho e sua associação com a qualidade do ambiente de trabalho26. É, do mesmo modo, corroborado pelo estudo de Sales27 com trabalhadores de limpeza. A autora constatou que 50% dos que se disseram vítimas de assédio moral também estavam insatisfeitos no trabalho.
Fiabane et al.28 investigaram trabalhadores em avaliação por problemas psicológicos, possivelmente associados ao assédio moral. Foi observado que os indivíduos que haviam sofrido assédio moral no trabalho e que continuaram trabalhando no mesmo local apresentaram níveis mais elevados de disfunção social e menor nível de satisfação no trabalho do que aqueles que tomaram a iniciativa de mudar de emprego.
Não houve registros de problemas na compreensão das questões do instrumento por parte dos entrevistados, minimizando a possibilidade de um viés de informação. O uso dos cartões de resposta certamente facilitou a escolha da alternativa que melhor refletia a situação vivenciada pelo sujeito em relação à frequência dos comportamentos abusivos.
A prevalência de assédio moral encontrada neste estudo ao utilizar o critério adotado por Leyman está compatível com os resultados encontrados por outros pesquisadores. Tsuno et al3, utilizando o mesmo instrumento e o mesmo critério com uma amostra de servidores públicos no Japão, encontrou uma prevalência de 9,0% de assédio moral no trabalho. Neste estudo, apesar dos resultados serem pouco precisos em relação às diferenças entre homens e mulheres, alguns autores consultados confirmam que as mulheres sofrem mais assédio moral do que os homens29), (30. Além de serem vítimas com mais frequência, o assédio contra as mulheres diferencia-se por ter, frequentemente, conotação sexual ou machista31.
Ante os resultados, acredita-se que o NAQ-R possua um desempenho aceitável a fim de detectar o assédio moral no trabalho, demonstrando habilidade em identificar os atos negativos que caracterizam esse tipo de abuso.
Ao professor e pesquisador do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz (Fiocruz - Salvador/Bahia) Dr. Carlos Antonio de Souza Teles Santos, pela assessoria na análise dos dados.
Contato: Iracema Viterbo Silva E-mail: iviterbos@yahoo.com.br


