Resumo
Introdução: a determinação do nexo causal do acidente de trabalho/doença ocupacional é de suma importância, pois sua análise envolve fatores ideológicos, éticos, humanísticos e legais, sendo realizada nos âmbitos trabalhista, previdenciário e cível.
Objetivo: identificar e sistematizar atos normativos legais para subsidiar a compreensão interpretativa do nexo causal entre o sinistro laboral e o trabalho, nos âmbitos trabalhista, previdenciário e cível.
Métodos: ensaio crítico-reflexivo, com base em levantamento e sistematização da legislação trabalhista brasileira que dá suporte ao estabelecimento do nexo causal no acidente do trabalho pelos atores sociais legalmente responsáveis por sua determinação.
Resultados: são identificadas três modalidades de nexo causal: trabalhista, pelos Serviços Especializados de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT); previdenciário, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); e cível, pela Justiça do Trabalho. A Lei nº 8.213/1991 é referência comum para as três instituições; outros atos legais normativos são específicos no âmbito de cada instituição: as Normas Regulamentadoras do Trabalho (SESMT); a Instrução Normativa 31 (INSS) e o Código Civil (Justiça do Trabalho).
Conclusão: o uso correto da legislação facilita o estabelecimento do elo entre o acidente e o trabalho, auxiliando na sua compreensão, padronização, diminuição de conflitos e aumento da notificação.
Palavras-chave: acidentes de trabalho, saúde do trabalhador, legislação trabalhista..
Abstract
Introduction: determining the causal nexus of occupational accidents/diseases is very important, because its analysis involves ideological, ethical, humanistic, and legal factors, and it takes place in the occupational, social security, and civil law spheres.
Objective: to identify and systematize normative legal acts to support the interpretive understanding of the causal nexus between occupational accidents and work, in the occupational, social security, and civil law spheres.
Methods: critical-reflective essay, based on gathering and systematization of the Brazilian labor law that gives support to the establishment of the occupational accidents causal nexus by the social actors who are legally responsible for its determination.
Results: three types of legal causal nexus were identified: job-related, by the Specialized Services in Safety Engineering and Occupational Medicine (SESMT); social security, by the National Institute of Social Security (INSS); and civil law, by the Labor Court. Law No. 8,213/1991 is the common reference for the three mentioned institutions; other normative legal acts are specific within each institution: the Occupational Regulatory Standards (SESMT); the Normative Instruction 31 (INSS), and the Civil Code (Labor Court).
Conclusion: the correct use of the law may help to establish the relationship between accident and work, assisting in its understanding, standardization, in reducing conflicts and increasing notifications.
Keywords: occupational accidents, occupational health, labor legislation..
Ensaio
Pluralidade do nexo causal em acidente de trabalho/doença ocupacional: estudo de base legal no Brasil
Plurality of the causal nexus in occupational accidents/diseases: a legal basis study in Brazil
Recepção: 20 Outubro 2016
Revised document received: 20 Fevereiro 2017
Aprovação: 24 Fevereiro 2017
O acidente de trabalho e a doença ocupacional representam um sério problema de saúde pública e para a economia de uma nação1. No Brasil, sua análise previdenciária está contemplada principalmente na Lei de Benefícios da Previdência Social nº 8.213, de 24 de julho de 19912, e Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 20153.
A análise do nexo ou liame causal no acidente de trabalho envolve na sua determinação uma série de fatores de ordem ideológica, ética, legal e humanística e três elementos são essenciais: 1) o diagnóstico do agravo à saúde, doença, ou sequela com dano físico ou mental; 2) a presença no ambiente de trabalho de riscos ocupacionais capazes de causar o agravo à saúde; e 3) o estabelecimento da relação entre o agravo apresentado e o ambiente de trabalho, ou seja, o nexo causal4.
Embora se fale genericamente em nexo de causalidade com o trabalho, ao se analisar a relação de um acidente ou doença laboral com o trabalho, devem ser considerados diferentes e sucessivos nexos parciais5:
Nexo entre a “atividade e a exposição ao risco”: exige que se demonstre que determinada atividade expõe o operador a determinado risco;
Nexo entre o risco e a lesão: deve-se demonstrar que determinado risco causa determinada lesão;
Nexo causal entre a lesão e a alteração funcional: deve ser analisada a compatibilidade entre a lesão e a alteração funcional (quando a lesão causa alteração funcional específica).
Tendo por referência a legislação brasileira, o nexo entre o sinistro laboral e o trabalho deve ser estabelecido com base no artigo 19 da Lei 8.213/1991, atendendo primeiramente a três critérios: subordinação (serviço efetivo pelo exercício do trabalho a serviço da empresa), dano (lesão ou distúrbio) e incapacidade funcional5.
Nesse contexto, ainda precisam ser consideradas as situações/ocorrências de equiparação e aquelas que são descartadas como acidente do trabalho. Ao se constatar a doença ocupacional, o estabelecimento do nexo com o trabalho envolve, além disso, o conhecimento técnico da patologia em questão, a identificação do respectivo risco laboral e a possibilidade da exposição ao risco de produzir tal patologia. Assim, pressupõe-se uma sustentação técnico-científica de ambos, patologia e risco, amalgamados entre si pela legislação brasileira, resultando na união indissolúvel técnico-legal, representada pelo nexo causal6.
Na análise da causalidade no acidente de trabalho é possível identificar especificidades na determinação de nexos causais conforme a instituição que o determina, da seguinte forma: nexo trabalhista, estabelecido pelos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT); nexo previdenciário, determinado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); nexo cível, realizado pela Justiça do Trabalho6), (7.
O nexo trabalhista é de natureza qualitativa, pois resulta do registro ou o não da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao INSS, sendo uma atribuição do SESMT8.
O nexo previdenciário, também de natureza qualitativa, pode ser positivo ou negativo, dependendo da homologação da CAT, sendo de atribuição exclusiva da perícia médica do INSS, concedendo um benefício acidentário quando positiva2), (6), (7), (9), (10.
O nexo cível é de natureza quantitativa, visto que, além de positivo ou negativo, tem como base o Código Civil. Necessita, para seu estabelecimento, da presença da culpa e do dano e é dada uma sentença com fixação de um valor arbitrado pelo magistrado, o que, para sua definição, envolve a análise de outros fatores, como: a capacidade financeira do empregador; a definição de um valor justo e adequado para o reclamante e que não proporcione enriquecimento ilícito; e o caráter educativo da indenização6), (11), (12), (13.
Neste ensaio defendemos que podem ocorrer divergências na análise de acidente de trabalho/doença ocupacional, conforme seja visto no foco trabalhista, previdenciário ou cível. Embasamos nossas ponderações pela experiência no ensino no exercício e na pesquisa de temas referentes à saúde coletiva e ocupacional dos autores deste trabalho, particularmente do primeiro autor, como médico do trabalho.
Notamos que, no estabelecimento da causalidade do acidente de trabalho, as divergências ocorrem dependendo da perspectiva de qual dos três “atores sociais” o determina: se o SESMT, responsável pela saúde e segurança do trabalhador acidentado; se o INSS, responsável pela concessão de benefícios ao segurado; ou se o Judiciário, responsável por julgar as causas oriundas das relações de trabalho7.
Parte-se do pressuposto de que a análise e comparação entre os fragmentos espalhados pela legislação trabalhista que dão suporte ao estabelecimento do nexo causal no acidente do trabalho pelos três atores sociais, SESMT, INSS e Judiciário, facilitaria na identificação dos seus fatores determinantes e das semelhanças e contradições entre eles. Entendendo que as três atuações são dependentes da conclusão da positividade ou negatividade do nexo causal, pretende-se que este ensaio possa contribuir para minimizar discussões desnecessárias, geralmente geradoras de retrabalho para os já assoberbados três atores sociais, desonerando, dessa forma, o chamado Custo Brasil.
Ante o exposto, este estudo tem como objetivo identificar e sistematizar atos normativos legais para subsidiar a compreensão interpretativa do nexo causal entre o sinistro laboral e o trabalho, nos âmbitos trabalhista, previdenciário e cível.
A finalidade é facilitar a análise do nexo causal pelo SESMT no foco de caracterização “técnico-legal”, pelo INSS na decisão previdenciária de conceder o benefício “de natureza acidentária” e no proferimento da sentença da Justiça do Trabalho, de forma a garantir os direitos e deveres de todos os envolvidos.
Este ensaio é de natureza crítico-reflexiva, com base em levantamento e análise da legislação trabalhista brasileira. Foi realizado um estudo comparativo entre os fragmentos dispersos na legislação trabalhista que dão suporte ao estabelecimento do nexo causal no acidente do trabalho pelos três atores sociais considerados: SESMT (nexo trabalhista), INSS (nexo previdenciário) e Judiciário (nexo cível). Buscou-se identificar fatores que determinam semelhanças e contradições entre eles.
Os nexos trabalhista, previdenciário e cível têm em comum a Lei 8.213/19912 como base para o seu estabelecimento. No entanto, embora existam fatores comuns a todos, cada um se torna único, por apresentar características exclusivas, razão pela qual podem às vezes ser coincidentes e, às vezes, contrários, gerando conflitos6), (7), (11), (12), (13), (14), (15), (16. Com base nas particularidades de cada nexo é possível compreender as eventuais divergências entre eles.
O nexo trabalhista (SESMT) é o que mais se encontra próximo do acidente e do ambiente laboral, sendo o primeiro dos três nexos a ser estabelecido, resultando na emissão, ou não, da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT).
O nexo previdenciário (INSS) tem como referência a Instrução Normativa 316 que determina a existência de três espécies de nexo técnico previdenciário: o nexo técnico profissional ou do trabalho14; o nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho ou nexo técnico individual, ou nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP); e o individual, sendo este realizado sem a visita ao local do acidente, avaliando o acidentado geralmente dias ou semanas após a ocorrência, resultando na concessão ou não do benefício acidentário.
Já o nexo cível se baseia no Código Civil11, também muitas vezes sendo realizado sem a visita ao local do acidente e com avaliação do acidentado geralmente semanas, meses ou, às vezes, anos após a ocorrência. As avaliações suportam a sentença do juiz, se procedente ou improcedente a ação, determinando ou não indenização6), (7), (13.
Com base na comparação entre os nexos trabalhista, previdenciário e cível, como já mencionado, busca-se neste ensaio apontar as semelhanças e evidenciar as diferenças entre eles, assim como estudar os fatores que determinam essas diferenças e que caracterizam cada um dos três nexos como entidade única e bem definida. Esses fatores que caracterizam os três nexos determinam as razões pelas quais podem às vezes ser coincidentes, concordantes, complementares ou mesmo destoarem frontalmente, visto que cada um é estabelecido por determinado ator social (SESMT, INSS ou Justiça do Trabalho) com uma respectiva legislação a ser seguida.
Assim, observa-se no Quadro 1 a legislação principal e complementar utilizada pelas instituições responsáveis para determinar cada um dos respectivos nexos causais entre sinistro laboral e trabalho. Como se pode notar, a Lei 8.213/1991 é uma referência2 comum às três instituições (SESMT, INSS e Justiça do Trabalho), portanto com tendência a gerar conclusões similares nos três nexos, nos focos trabalhista, previdenciário e cível. É, portanto, a legislação complementar utilizada por cada uma das instituições que pode gerar eventuais diferenças na análise, definição e conclusões desses nexos causais.

O referencial normativo e a análise de cada nexo causal são apresentados de forma sintética e sistematizada para cada nexo, nos enfoques trabalhista (Quadro 2), previdenciário (Quadro 3) e cível (Quadro 4).



O SESMT (Quadro 2) julga com base nas NRs8, sendo a sua própria existência institucional devido, aliás, à obrigatoriedade de uma dessas normas, a Norma Regulamentadora 04 - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), que determina a sua responsabilidade pela saúde, segurança e integridade do trabalhador nas corporações, além da geração da documentação trabalhista pertinente, inclusive da emissão da CAT. Portanto, o SESMT avalia o acidente do trabalho com base nas características do ambiente laboral, já que conhece previamente os riscos ambientais. A conclusão da sua análise é o registro, ou não, da CAT, ou seja, se conclui pelo nexo causal positivo, registra a CAT, ou se conclui pelo nexo negativo, a CAT não é registrada10.
O julgamento do INSS (Quadro 3) é subsidiado pela Instrução Normativa 318, avaliando o acidentado com base em três parâmetros nela estabelecidos, porém sem visitar o ambiente laboral. Os parâmetros são:
Nexo técnico profissional ou do trabalho, fundamentado nas associações entre patologias e exposições constantes das listas A e B do Anexo II do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 19999;
Nexo técnico individual, por doença equiparada a acidente de trabalho, decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele relacionado diretamente, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei 8.213/19912;
Nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP), aplicável quando houver significância estatística da associação entre o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) e o da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), na parte inserida pelo Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 200715, na lista B do Anexo II do Decreto 3.048/19999. A sua conclusão final é a concessão do benefício de natureza acidentária ou não acidentária, ou seja, se conclui pelo nexo causal positivo, concede um benefício acidentário, ou se conclui pelo nexo negativo, concede um benefício não acidentário.
A Justiça do Trabalho (Quadro 4) é competente na apreciação e no julgamento das demandas de indenização por dano moral ou patrimonial originados da relação de trabalho16. Baseia sua análise no Código Civil11, conforme os artigos 186, 187, 188, 927, 932, 949 e 950, que estabelecem a obrigatoriedade em reparar danos ilícitos causados a outrem. A sua conclusão final é a sentença judicial procedente ou improcedente, ou seja, se conclui pelo nexo negativo, a sentença resultará em improcedente, ou, ao contrário, se conclui nexo causal positivo a sentença, resultará em procedente, arbitrando uma indenização de valor variado (quantum indenizatório).
No Quadro 5 são descritos e comentados a instituição responsável por realizar o julgamento do acidente de trabalho, o produto final do julgamento, a proximidade com o acidente, a natureza do julgamento, as influências para notificar ou não o acidente e o embasamento legal para cada tipo de nexo causal (trabalhista, previdenciário e cível), evidenciando a lógica e as conclusões deles.

Embora se fale indistintamente do nexo causal no acidente do trabalho como se fosse o único, na verdade, “nexo causal” é um homônimo que remete a três conclusões que podem ser ora coincidentes, ora complementares, porém, às vezes, até contrárias. Isso ocorre, por um lado, pela existência de leis comuns a todos, por outro, por haver leis específicas para a atuação de cada instituição, levando cada uma a agir seguindo a sua própria “cartilha”.
Nesse sentido, observa-se a necessidade da realização de um trabalho conjunto e conciso, que possibilite a interação entre tais instituições, de modo a evitar julgamentos incoerentes e contrários uns aos outros. Para tal, a utilização de um sistema de informação interligado poderia colaborar para o registro e o julgamento das informações relacionadas ao/à acidente de trabalho/doença ocupacional.
A sistematização das informações relacionadas ao nexo causal contidas neste ensaio pretendeu trazer maior subsídio à análise e discussão do tema, diminuindo a grande dificuldade de compreensão e, consequentemente, de prejuízos, em especial para o acidentado, mas também para os demais “atores sociais” envolvidos, como o empregador, o INSS, o SUS (Sistema Único de Saúde), o MTb (Ministério do Trabalho), o MPT (Ministério Público do Trabalho) e o Judiciário.
Contato: Lenz Alberto Alves Cabral. E-mail: lenzcabral@yahoo.com.br




