Resumo
Objetivos: analisar a associação entre o estresse no trabalho, segundo o modelo de desequilíbrio esforço-recompensa (DER), e a hipertensão arterial (HA), assim como investigar o papel modificador de efeito do excesso de comprometimento (EC) e do sexo.
Métodos: análise seccional de dados de trabalhadores(as) ativos que participaram da segunda onda de coleta de dados (2012-2014) do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). O estresse no trabalho foi mensurado pela versão brasileira da escala de DER, composta por três dimensões: esforço, recompensa e EC. A HA foi definida como níveis de pressão arterial sistólica/diastólica ≥ 140/90 mmHg ou uso de medicamento anti-hipertensivo. Empregou-se regressão logística, bruta e ajustada por potenciais fatores de confusão. As interações multiplicativas foram investigadas.
Resultados: participaram 9.465 servidores, 51,9% do sexo feminino. A prevalência de HA foi de 34,9%. No modelo ajustado, associações limítrofes foram identificadas entre o DER (razão>1) e maior EC com maiores chances de HA (OR: 1,11; IC95%: 1,00; 1,24; e OR: 1,13; IC95%: 1,01; 1,26, respectivamente). A análise de interação indicou que sexo e EC não são modificadores de efeito.
Conclusão: DER e EC associaram-se a maiores chances de HA, após ajuste. Sexo e EC não foram modificadores de efeito.
Palavras-chave: Hipertensão, condições de trabalho, estresse psicológico, desequilíbrio esforço-recompensa, estudos transversais, saúde do trabalhador.
Abstract
Objectives: to evaluate the association between job stress, according to the effort-reward imbalance (ERI) model, and hypertension (HTN), as well as to investigate the effect modifier role of overcommitment (OC) and sex.
Methods: cross-sectional analysis of data from active workers who participated in the second data collection wave (2012-2014) of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Job stress was measured by the ERI scale - Brazilian version, comprising three dimensions: effort, reward, and OC. HTN was defined as systolic or diastolic blood pressure levels ≥ 140/90 mmHg or antihypertensive medication use. Associations were estimated by logistic regression, crude and adjusted for potential confounding factors. Multiplicative interactions were investigated.
Results: a total of 9,465 civil servants participated in the study, 51.9% females. HTN prevalence was 34.9%. The adjusted model identified borderline associations between ERI (ratio > 1) and higher OC with higher odds of HTN (OR = 1.11, 95%CI = 1.00; 1.24; and OR = 1.13; 95%CI = 1.01; 1.26, respectively). Interaction analysis indicated no differences in associations according to sex and OC.
Conclusion: results show that ERI and OC are associated with higher odds of HTN after adjustment. Sex and OC were not effect modifiers.
Keywords: Hypertension, working conditions, psychological stress, effort-reward imbalance, cross-sectional study, occupational health.
Artigo de Pesquisa/Dossiê Epidemiologia, Saúde e Trabalho
O desequilíbrio esforço-recompensa está associado à hipertensão arterial entre servidores públicos brasileiros? Resultados do ELSA-Brasil
Is the effort-reward imbalance associated with arterial hypertension among Brazilian civil servants? Results from the ELSA-Brasil Study
Recepção: 30 Maio 2022
Revised document received: 15 Fevereiro 2023
Aprovação: 22 Março 2023
A hipertensão arterial (HA) é um dos principais fatores de risco cardiovascular, atingindo quase um terço da população mundial1, com maior impacto sobre os países de baixa e média renda, comparados aos de alta renda2. Juntamente com as demais doenças cardiovasculares, está entre as principais causas de mortes no Brasil3, com sérios prejuízos à saúde pública, havendo totalizado cerca de R$ 2 bilhões de gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) entre hospitalizações, procedimentos ambulatoriais e medicamentos, em 20184. A HA impacta a qualidade de vida e trabalho, levando a limitações para a realização das atividades diárias devido ao agravamento da doença e lesões de órgãos-alvo3),(4.
O estresse no trabalho, um dos fatores apresentados como potencial promotor de prejuízos à saúde do trabalhador, está associado a um maior risco de doenças cardiovasculares e de HA5. Vários estudos5)-(8) têm se debruçado sobre esse tema, principalmente nos países ocidentais desenvolvidos - na Europa e América do Norte -, em que há um maior corpo de evidências científicas que permitem associar o estresse no trabalho com a saúde.
No entanto, no que se refere à associação entre o estresse no trabalho e o aumento da pressão arterial, os estudos têm obtido resultados divergentes entre si, muitas vezes devido a diferenças metodológicas, como desenho e população de estudo, instrumentos utilizados para aferição do estresse no trabalho, métodos de aferição da pressão arterial, variáveis de confusão consideradas e modificação de efeito por múltiplos fatores, como sexo/gênero, por exemplo7),(8. Sobre esse último aspecto, estudos têm apontado associações mais consistentes entre o estresse psicossocial do trabalho e a HA entre os homens, quando comparado às mulheres7. Explorar os efeitos diferenciados por sexo/gênero se justifica pelo fato de as mulheres apresentarem trajetórias ocupacionais, em geral, diferentes dos homens e acumularem sobrecarga de responsabilidades familiares aos fatores psicossociais do trabalho7.
Dentre os instrumentos amplamente utilizados para avaliar o estresse no trabalho, destacam-se os Modelo Demanda-controle (MDC) (9 e o Desequilíbrio Esforço-Recompensa (DER) (10, ambos com vantagens e desvantagens na captação do constructo estresse no trabalho e abrangência de diferentes aspectos do ambiente ocupacional e seus impactos sobre a saúde, além de terem versões devidamente validadas ao contexto brasileiro11)-(13. O MDC9) considera interações entre dois componentes que promovem o desgaste no trabalho: demandas psicológicas e controle, que podem ser potencializados pelo baixo apoio social percebido pelos trabalhadores. Seu uso tem sido questionado em relação à sua aplicabilidade em determinadas ocupações (sobretudo em setores de serviços). Trata-se de modelo idealizado no final da década de 1970, no contexto das organizações industriais, e com ênfase nas características das tarefas de trabalho, sem levar em consideração as recentes mudanças na natureza do trabalho relacionadas à economia global, que agregaram outros fatores, como precariedade (insegurança no trabalho), rápidas mudanças organizacionais e poucas perspectivas de promoção12.
O modelo de Desequilíbrio Esforço-Recompensa (DER) (10 foi desenvolvido mais recentemente e pressupõe que a falta de reciprocidade nas relações de trabalho entre esforços despendidos e recompensas recebidas - em relação a aspectos financeiros, oportunidades, estabilidade profissional e reconhecimento - pode trazer graves consequências à saúde. Além disso, o modelo DER considera um terceiro elemento intrínseco, o excesso de comprometimento (EC), que reflete um padrão de esforço exagerado associado ao forte desejo de reconhecimento e estima, que tem sido considerado um modificador de efeito do estresse no trabalho e desfechos de saúde10),(14),(15.
No Brasil, poucos estudos analisaram os impactos do estresse no trabalho sobre a saúde a partir do modelo DER6),(11),(12 e, até onde foi possível avaliar, não foram encontrados estudos que tenham utilizado o modelo e investigado sua associação com a hipertensão ou níveis pressóricos. Os estudos identificados mostraram associação do estresse, a partir do Modelo Demanda-Controle (MDC), e desfechos relacionados aos níveis pressóricos, com alguns demonstrando associação positiva e, outros, ausência de associação13),(16)-(18.
Dada a intensa transformação do mercado de trabalho no Brasil, caracterizada por precarização do emprego, com aumento da informalidade e insegurança no trabalho19, torna-se importante conhecer como o estresse no trabalho se relaciona à HA na população trabalhadora brasileira, especialmente a partir do modelo DER, que reflete aspectos centrais do mercado de trabalho atual15.
Nesse contexto, o número limitado de publicações sobre o tema no Brasil, as inconsistências nos resultados dos estudos internacionais, o uso predominante do MDC, além da gravidade e a magnitude da HA na população adulta, reforça a necessidade de mais pesquisas sobre a relação entre o modelo DER e a HA, assim como a compreensão do seu papel modificador de efeito do sexo e excesso de comprometimento no trabalho. A compreensão dos fatores ocupacionais relacionados à ocorrência da hipertensão arterial entre os trabalhadores pode subsidiar políticas e estratégias voltadas à sua prevenção e controle, uma vez que o ambiente de trabalho é o local em que estratégias preventivas podem ser implementadas.
Este estudo objetivou analisar a associação entre o estresse no trabalho, segundo o modelo DER e a HA, e investigar o papel modificador de efeito do excesso de comprometimento e do sexo.
Este estudo seccional utilizou dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), uma coorte multicêntrica, realizado em instituições de ensino superior e pesquisa localizadas em seis capitais brasileiras: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Belo Horizonte e Salvador. O principal objetivo do ELSA-Brasil é investigar o desenvolvimento de doenças crônicas, principalmente diabetes e doenças cardiovasculares ao longo do tempo20.
A linha de base (onda 1) ocorreu entre 2008 e 2010, nela participaram 15.105 voluntários, servidores públicos ativos e aposentados, com idade de 35 a 74 anos e das referidas capitais. Os critérios de exclusão foram: intenção de abandonar o emprego, gestantes (exclusão temporária), capacidade cognitiva e de comunicação comprometidas, e aposentados residentes fora da área metropolitana dos centros de investigação. A onda 2 ocorreu no período de 2012 a 2014, com a participação de 14.014 servidores voluntários.
O tamanho da amostra do estudo ELSA-Brasil foi calculado considerando a incidência dos dois principais desfechos de interesse: diabetes tipo 2 e infarto do miocárdio, nível de significância de 5%, poder de 80%, prevalência de exposição de 20% e um risco relativo de 2,0. A amostra foi estimada em aproximadamente 6.400 indivíduos. Com o objetivo de realizar análises específicas por sexo e compensar possíveis perdas de acompanhamento, o tamanho de amostra foi definido com um total aproximado de 15.000 pessoas. Mais detalhes estão disponíveis em Aquino et al20.
A variável de estresse no trabalho foi avaliada por meio da versão brasileira21 do instrumento desenvolvido por Siegrist para avaliar o modelo DER14. O questionário utilizado contém 23 itens divididos em duas dimensões extrínsecas - esforço (6 itens) e recompensa (11 itens) - e uma intrínseca - EC (6 itens). A recompensa possui três subdimensões, a saber: estima (5 itens), perspectivas de promoção e salário (4 itens) e segurança no trabalho (2 itens). Cada item é pontuado numa escala de 1 a 4. Porém, o item “tenho pouca estabilidade no emprego” foi removido do questionário do ELSA-Brasil, tendo em vista que a coorte é composta por servidores públicos cuja relação de trabalho lhes confere alta estabilidade funcional6. A versão brasileira do modelo DER apresentou consistência interna satisfatória (Alpha de Cronbach igual a 0,68 para esforço e 0,78 para recompensa e EC) (21.
Os escores totais de cada uma das dimensões foram calculados por meio do somatório dos escores de cada questão, resultando em uma variação de 6-24 pontos para esforço, 10-40 pontos para recompensa e 6-24 pontos para EC, quanto maior a pontuação, maiores os níveis de esforço, recompensa e EC, respectivamente. O DER foi calculado pela fórmula e/(r*c), representada pela razão entre a soma dos escores do esforço (e) e o produto da soma dos escores da recompensa (r) com um fator de correção (c=0,6), usado para compensar a diferença entre o número de itens de cada dimensão6),(14.
Para este estudo, comparamos diferentes formas de operacionalizar a variável de exposição propostas na literatura6),(10),(22),(23. Além da análise por meio da razão, cada dimensão do modelo de DER foi analisada isoladamente (esforço, recompensa e EC). As dimensões e a razão foram categorizadas em quartis e comparou-se cada quartil com o primeiro, sendo este a categoria de referência. Adicionalmente, foi feita a comparação entre o quarto quartil e os demais (categoria de referência), e a razão categorizada a partir do ponto de corte ≤ 1 e > 1.
A pressão arterial foi aferida no centro de investigação, no período da manhã, em um ambiente silencioso e climatizado (20oC a 24oC), após esvaziamento vesical e repouso de pelo menos 5 minutos, com o participante sentado, com os pés apoiados no chão e o braço apoiado na altura do coração. Foram realizadas três medições no braço esquerdo, com intervalos de dois minutos entre cada, utilizando aparelho oscilométrico validado (Omron HEM 705CPINT). O perímetro do braço determinou o tamanho do manguito a ser usado. A pressão arterial foi definida pela média entre as duas últimas medições. Foram considerados hipertensos os participantes que apresentavam pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg, pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg ou que faziam uso de anti-hipertensivo3.
As covariáveis consideradas como potenciais confundidoras foram: idade (contínua em anos completos), raça/cor da pele (preta, parda, branca, amarela e indígena), escolaridade (até o 1º grau/ensino fundamental completo, 2º grau/ensino médio completo e universitário/ensino superior completo) e jornada semanal de trabalho (até 40 horas e mais de 40 horas). Estas foram selecionadas mediante a elaboração de um diagrama acíclico direcionado (DAG, do inglês directed acyclic graph), usando o programa DAGitty (Figura 1). Hábitos de vida não saudáveis (alimentação inadequada, sedentarismo, assim como o uso de álcool e tabaco) e excesso de peso não foram considerados fatores de confusão, porque atuam como potenciais mediadores da relação estudada7. Da mesma forma, o histórico familiar de HA não foi incluído como fator de confusão nas análises, porque não há evidências para apoiar uma associação com a variável de exposição. As variáveis sexo (masculino e feminino) e EC foram avaliadas como modificadoras de efeito. A variável idade foi categorizada (35-44, 45-54, 55-64, 65-74 anos) para o cálculo da prevalência de hipertensão.

Legenda: Os símbolos ▶ e ▮ denotam as variáveis de exposição e desfecho, respectivamente. Os círculos rosas representam as variáveis que simultaneamente antecedem a exposição e o desfecho, e os azuis indicam as variáveis que antecedem somente o desfecho. As linhas verdes representam os caminhos causais (mediadores) e as linhas rosas indicam os caminhos que potencialmente enviesam as estimativas da associação estudada (confundidores). HA, hipertensão arterial.
Na análise descritiva, foram calculados a média e o desvio-padrão para a variável idade contínua. Frequências absoluta e relativa e o teste qui-quadrado de Pearson foram calculados para as variáveis categóricas.
A associação entre os componentes do modelo DER (dimensões e razão) e a HA foi analisada por meio da regressão logística binária. Foram estimados modelos brutos e ajustados pelas variáveis de confusão indicadas pelo DAG (idade, sexo, raça/cor da pele, escolaridade e jornada semanal de trabalho), e os resultados foram apresentados como odds ratio (OR ou razão de chances), seguidas dos seus intervalos de confiança de 95% (IC 95%). A qualidade do ajuste dos modelos foi avaliada usando o teste de Hosmer e Lemeshow, considerando o nível de significância de 5%.
Finalmente, investigou-se o EC e o sexo como possíveis modificadores de efeito sobre a associação em questão, utilizando-se escala multiplicativa, mediante a inserção de um termo de interação no modelo. A não significância do termo de interação indica ausência de modificação de efeito.
As análises foram realizadas por meio do software R 4.0.5.
O ELSA-Brasil foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep - nº 13065) e pelos comitês de ética em pesquisa de cada uma das instituições envolvidas. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nas ondas 1, 2 e 3 do estudo.
Para este trabalho, que consistiu em uma análise transversal dos dados da onda 2 do ELSA-Brasil, foram considerados apenas os participantes ativos (N=10.034). Além disso, houve exclusão de 569 participantes com dados faltantes nas variáveis do estudo, resultando em uma amostra final de 9.465 servidores públicos.
A proporção de participantes do sexo feminino era relativamente maior (51,9%). A idade média dos participantes do estudo foi de, aproximadamente, 52 anos, com desvio padrão igual a 6,7 anos. Pessoas de raça/cor da pele branca representaram 51% da amostra, seguidos de pardos e pretos, com, respectivamente, 29,3% e 16,3%. Em torno de 59% possuíam ensino universitário/superior completo e quase a metade (49%) relatou trabalhar mais de 40 horas semanais (Tabela 1).

A prevalência global de HA foi de 34,9%, com maiores proporções entre indivíduos do sexo masculino (39,6%), com idade acima de 65 anos (53,7%), raça/cor da pele preta (47,9%), escolaridade até o 1o grau/ensino fundamental completo (49,9%) e que trabalham até 40 horas semanais (38,5%). Maior prevalência de HA foi verificada no 1o quartil de esforço (37,6%), EC (37,1%) e DER (38,5%) (Tabela 1).
Para os componentes esforço e EC, foi encontrada associação inversa para todos os quartis no modelo bruto. Porém, após o ajuste por idade, sexo, raça/cor da pele, escolaridade e jornada semanal de trabalho, não houve associação estatisticamente significante. Observou-se, também, associação positiva no modelo bruto entre recompensa e HA apenas no 3º quartil (OR = 1,13; IC95% = 1,01;1,27). Porém, essa associação não foi mantida após o ajuste (Tabela 2).

Quanto maior o DER, menor a chance de HA no modelo bruto para todos os quartis investigados (2º quartil: OR = 0,82; IC95% = 0,73; 0,92; 3º quartil: OR = 0,81; IC95% = 0,72; 0,91; e 4º quartil: OR = 0,80; IC95% = 0,71; 0,90). Entretanto, essa associação não foi mantida após o ajuste (Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta os resultados da análise de regressão que comparou o quarto quartil das dimensões com os demais quartis juntos (categoria de referência) e o DER como ponto de corte o valor 1. Evidenciou-se que estar no quartil mais alto de EC foi associado à maior chance de HA no modelo ajustado (OR = 1,13; IC95% = 1,01; 1,26). Observou-se, também, uma associação estatística positiva limítrofe entre o DER > 1 e a HA, mesmo após o ajuste (OR = 1,11; IC95% = 1,00; 1,24).

Na análise de interação multiplicativa, o EC não demonstrou ser modificador de efeito na associação entre DER, categorizado usando ponto de corte ≤ 1 e > 1, e a HA (p-valor para o termo de interação = 0,85). O mesmo resultado foi encontrado para a interação entre sexo e DER (p-valor para o termo de interação = 0,95). Nas demais formas de categorização do DER, foram obtidos resultados similares.
Os resultados apontaram que o DER (razão > 1) e o EC se associaram ao aumento nas chances de HA, após ajuste por potenciais confundidores, apesar das associações terem sido limítrofes. Além disso, sexo e EC não foram modificadores de efeito da associação investigada.
Similarmente aos achados deste estudo, pesquisas realizadas em diferentes países encontraram associação positiva entre DER e HA5),(7),(24. Yong et al. (23 observaram, em investigação com trabalhadores na China, que o DER (razão > 1) foi associado a um aumento de 203% (OR=3,03; IC95%= 1,66;5,52) nas chances de HA. Entretanto, os resultados dos estudos sobre o tema são divergentes. Faruque et al. (25 verificaram que o DER foi associado à maior pressão arterial diastólica, mas não à pressão arterial sistólica e HA, entre 63.800 trabalhadores holandeses. Por sua vez, em uma coorte prospectiva em que foram realizadas três avaliações do DER ao longo de cinco anos, observou-se que as mulheres que passaram a ser expostas ao DER durante o acompanhamento apresentaram um aumento na pressão arterial sistólica, mas não foi observada associação com a incidência de HA26.
Tem sido sugerido que o estresse no trabalho contribui para o aumento da pressão arterial por meio de mecanismos neuroendócrinos, como a ativação do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenocortical e do sistema nervoso simpático, provocando alterações vasculares estruturais em longo prazo27. Além disso, pode atuar por mecanismos indiretos, por meio da exposição a hábitos de vida não saudáveis, como consumo excessivo de álcool28, pior qualidade da dieta29 e inatividade física30, além de maior adiposidade corporal31.
Neste estudo, foram exploradas variadas formas de categorizar o DER, o que se baseou nas diferentes propostas encontradas na literatura, como a distribuição em tercis11, binariamente, tendo como ponto de corte valores superiores a um23, ou em quartis6. Entretanto, associação estatisticamente significativa, ainda que limítrofe, foi observada apenas considerando o ponto de corte originalmente proposto para o modelo DER, o qual assume uma razão superior a 1, e reflete uma situação de desequilíbrio em que há maior esforço e menor recompensa, gerando frustrações e sentimento de injustiça10. Diferentemente, outros autores, que compararam formas distintas de operacionalizar a razão DER em participantes da coorte GAZEL, composta por trabalhadores da companhia de eletricidade da França, observaram associação significativa com a saúde autorreferida quando a exposição foi categorizada de quatro maneiras diferentes, a saber: razão com ponto de corte acima de um, quartis, razão contínua e razão transformada em log22. Assim, destaca-se a necessidade de mais estudos que comparem as diferentes formas de operacionalização da variável DER, de modo a fornecer uma compreensão ampliada sobre sua relação com diferentes desfechos, como neste estudo.
Outro aspecto explorado por esta pesquisa foram as associações independentes entre as dimensões do modelo DER e a HA. Nesse sentido, foi identificada associação positiva entre o EC e a HA, em consonância com o modelo teórico proposto por Siegrist et al. (10),(14, que considera que este componente intrínseco, mesmo sem a presença do DER, se relaciona a um maior risco para a saúde, pois pode resultar em esforços exagerados e, como consequência, recompensas decepcionantes. Em linha com nossos achados e de outros autores7),(24),(32, uma metanálise com a inclusão de 22 estudos, com o objetivo de analisar a associação entre o modelo DER e índices de saúde cardiovascular, verificou associação positiva entre o excesso de comprometimento e a HA5.
Quanto ao esforço e à recompensa, nosso estudo não verificou associações com a HA nos modelos ajustados, semelhantemente a outras pesquisas que avaliaram o efeito independente dessas duas dimensões33),(34. Estudos têm demonstrado associações distintas para as diferentes dimensões do modelo DER em relação aos desfechos em saúde, a depender do uso das dimensões independentes ou da razão entre as duas dimensões. Por exemplo, foi observado que alto DER (razão entre as duas dimensões) e baixa recompensa tiveram efeitos sobre doença arterial coronariana, ao contrário do esforço, que não teve resultado significativo35. De modo semelhante, outros autores mostraram que tanto o DER quanto a baixa recompensa estavam associados com a HA, mas não o esforço36. Por sua vez, estudo realizado com trabalhadores administrativos do Sri Lanka encontrou que o DER e o esforço foram positivamente associados às chances de HA, mas não foram observadas associações significantes para a recompensa24. Assim, mais estudos são necessários para elucidar os efeitos combinados e individuais das dimensões do modelo DER.
Neste estudo, o sexo não se mostrou um modificador de efeito na relação entre o estresse no trabalho, medido pelo modelo DER, e a HA, apesar de haver evidências desse potencial, como encontrado em uma revisão sistemática de 74 estudos, em que 12 usavam o modelo DER7. Nesta pesquisa, que teve o intuito de investigar a associação entre aspectos psicossociais do trabalho e pressão arterial/HA, foram encontradas associações mais consistentes para homens em relação às mulheres7. No entanto, uma metanálise sobre a associação entre o estresse no trabalho e doença arterial coronariana, que envolveu dados individuais de 13 coortes europeias e 197.473 trabalhadores, verificou efeitos similares entre os sexos37, similarmente aos nossos achados.
Esse possível efeito diferencial do estresse no trabalho entre os sexos tem sido atribuído a diversos fatores, reforçando a necessidade de análises estratificadas por sexo/gênero. Primeiramente, sabe-se que o aumento da pressão arterial em mulheres ocorre mais tardiamente do que nos homens, fazendo com que associações sejam observadas apenas em idades mais avançadas7. Além disso, o menor impacto do estresse no trabalho sobre as mulheres pode ser decorrente da exposição complexa a outros fatores particularmente importantes para o sexo feminino, como responsabilidades familiares, conflito trabalho-família e múltiplos papeis sociais7),(38. Assim, estudos futuros que avaliem diferenças de idade entre mulheres na associação entre estresse no trabalho e HA, bem como que considerem a exposição combinada a estressores externos, os quais podem intensificar os efeitos deletérios dos fatores ocupacionais sobre a saúde, são necessários para elucidar tais aspectos.
O EC também não se mostrou um modificador de efeito da relação entre DER em nosso estudo, contrariando a hipótese de interação do modelo DER acerca desse componente intrínseco14. Poucos estudos, até o momento, exploraram essa hipótese de interação em relação à pressão arterial/HA7 e, assim como neste estudo, outros também não observaram efeitos significativos39. No entanto, em pesquisa com trabalhadores chineses de diferentes ocupações que investigou os efeitos independentes do DER e do EC, bem como sua interação, observou-se que a prevalência de HA foi significativamente maior quando alto EC e alto DER foram combinados (índice de sinergismo = 5,85 e termo de interação multiplicativa < 0,001) (32.
As forças deste estudo incluem o rigor metodológico na coleta dos dados, o tamanho da amostra, a análise de interação com o EC, ainda pouco explorada pelos estudos, e o fato de ser a primeira investigação, em âmbito nacional, a avaliar a associação entre o estresse no trabalho e a HA a partir do modelo DER. O uso do DAG também foi um forte auxílio para a seleção de potenciais confundidores da relação estudada, pois reduz vieses na estimação de medidas de efeito.
Dentre as limitações, encontra-se a natureza transversal das análises, que não permite assegurar a temporalidade das associações estudadas. Além disso, quando a amostra é composta por voluntários, existe o risco de não representar a população alvo, sendo difícil estimar a direção de seus efeitos. Por essa razão, o ELSA-Brasil realizou algumas estratégias, no momento do recrutamento, com o intuito de minimizar esse potencial viés. Foram recrutadas proporções semelhantes de homens e mulheres, bem como proporções pré-definidas de faixas etárias e categorias funcionais, foi também incluído um percentual de participantes ativamente recrutados, a partir de listas de funcionários ordenadas aleatoriamente20. Outro aspecto a ser destacado é que o uso da medida casual da pressão arterial pode representar uma limitação, por retratar o comportamento dos níveis pressóricos em único momento, trazendo a possibilidade de imprecisão na classificação de HA3. Foi utilizada apenas a escala multiplicativa para avaliar a interação entre DER, sexo e EC na associação com a HA. Porém, a interação também pode ser avaliada na escala aditiva6. Finalmente, o uso do modelo DER também pode ter sido limitado por ele não medir demandas psicológicas e contemplar poucas perguntas sobre relacionamentos sociais no ambiente de trabalho, e a utilização combinada com o modelo demanda-controle na avaliação de diferentes desfechos em saúde relacionados ao estresse no trabalho tem sido sugerida11),(12),(40.
Os achados deste estudo mostraram que o DER, decorrente de altos esforços, em contraponto com recompensas insatisfatórias, está associado a maiores chances de HA. Além disso, o EC mostrou-se associado a maiores chances desse desfecho. Sexo e EC não foram considerados modificadores de efeito na associação entre DER e HA. O uso do modelo DER foi relevante por abordar aspectos atuais relativos aos estressores no ambiente de trabalho e como estes se inter-relacionam e se associam à HA.
Os resultados apontam a necessidade de mais estudos para a continuidade das discussões sobre esse tema, explorando diferentes abordagens que possam complementar o modelo DER, bem como outros potenciais modificadores de efeito da associação estudada, como a idade e as responsabilidades familiares. Além disso, contribuem para a elaboração de políticas de saúde pública e intervenções preventivas no âmbito da saúde cardiovascular.
Contato: Aline Araújo Nobre E-mail:aline.nobre@fiocruz.br

Legenda: Os símbolos ▶ e ▮ denotam as variáveis de exposição e desfecho, respectivamente. Os círculos rosas representam as variáveis que simultaneamente antecedem a exposição e o desfecho, e os azuis indicam as variáveis que antecedem somente o desfecho. As linhas verdes representam os caminhos causais (mediadores) e as linhas rosas indicam os caminhos que potencialmente enviesam as estimativas da associação estudada (confundidores). HA, hipertensão arterial.


