Resumo
Introdução: a subnotificação da Perda Auditiva Induzida por Ruído (Pair) relacionada ao trabalho é um problema que contribui para a invisibilidade e falta de prioridade deste agravo nos programas de Saúde do Trabalhador (ST). Logo, ações de educação permanente voltadas ao planejamento estratégico-situacional podem contribuir para o enfrentamento desta realidade.
Objetivo: apresentar e discutir a experiência de uma intervenção educativa com técnicos da ST de uma macrorregião de saúde do estado da Bahia, Brasil, sobre o uso do Planejamento e Programação Local em Saúde (PPLS) como ferramenta para ampliação da notificação da Pair relacionada ao trabalho
Métodos: a intervenção consistiu em uma oficina estruturada em cinco etapas, as quais proporcionaram discussão sobre a Pair, conhecimento do PPLS, prática do PPLS, socialização dos resultados e avaliação do evento.
Resultados: a prática do PPLS, a partir de um problema real, viabilizou o delineamento de ações concretas de enfrentamento da subnotificação da Pair a serem implementadas nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e no estado como um todo.
Conclusão: a experiência mostrou-se bem-sucedida ao fomentar a tomada de consciência e mobilização dos técnicos para enfrentamento da subnotificação da Pair, ao tempo que propiciou qualificação em PPLS dos participantes.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador, perda auditiva provocada por ruído, notificação de doenças, planejamento em saúde.
Abstract
Introduction: underreported occupational noise-induced hearing loss (ONIHL) is an issue that increases the invisibility and lack of priority of this condition in occupational health (OH) programs. Hence, permanent education actions focused on strategic-situational planning may help address the situation.
Objective: to present and discuss the experience of an educational intervention in OH technicians of a larger health region in the state of Bahia, Brazil, approaching the use of the Local Health Planning and Program (PPLS, in Portuguese) as a toll to increase reports of ONIHL.
Methods: the intervention had a workshop structured into five stages, which approached ONIHL discussions, PPLS knowledge, PPLS practice, result socialization, and event evaluation.
Results: real-problem PPLS practice made it possible to outline concrete actions to address underreported ONIHL, which can be implemented in Occupational Health Reference Centers (Cerest) and other settings statewide.
Conclusion: the experience proved to be positive, raising technicians’ awareness of underreported ONIHL and mobilizing them to address the underreporting of ONIHL, while also effectively training participants to use PPLS.
Keywords: Occupational health, hearing loss noise-induced, disease notification, health planning.
Relato de Experiência
Enfrentamento da subnotificação da perda auditiva induzida por ruído relacionada ao trabalho: a experiência de uma oficina educativa em planejamento e programação local em saúde do trabalhador
Addressing underreported occupational noise-induced hearing loss: the experience of an educational workshop on local occupational health planning and program
Recepção: 12 Abril 2022
Revised document received: 24 Abril 2023
Aprovação: 19 Julho 2023
A notificação compulsória é definida como a comunicação obrigatória à autoridade de saúde sobre a suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de Saúde Pública, presentes na lista nacional de doenças e agravos de notificação compulsória 1 – que inclui alguns itens relacionados ao trabalho 1,2. Tal notificação permite identificar as causas de adoecimento e óbito dos trabalhadores, associar esses dados aos ramos de atividade e aos processos de trabalho e, assim, obter o conhecimento real da situação de saúde dos trabalhadores necessário à adoção de medidas de intervenção oportunas 3-5.
A despeito da importância da notificação compulsória, verifica-se que a subnotificação das Doenças e Agravos Relacionados ao Trabalho (DART) é uma realidade que impede o conhecimento da real magnitude dos problemas de saúde 6. A escassez dessas informações compromete as decisões das autoridades de saúde quanto às prioridades das políticas públicas, o planejamento de ações em Saúde do Trabalhador (ST), bem como sua implementação, desfavorecendo a melhoria das condições de vida e trabalho 7.
Dentre os agravos de notificação compulsória está a Perda Auditiva Induzida por Ruído (Pair) relacionada ao trabalho, que tem sido objeto de alguns estudos 8-13. Devem ser registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) todos os casos de Pair caracterizados pela diminuição gradual da acuidade auditiva, decorrente da exposição continuada ao ruído, associado ou não a substâncias químicas no ambiente de trabalho 14. Segundo dados do Sinan, no período de 2011 a 2020 foram notificados 7.337 casos de Pair no Brasil. Apesar de estar incluída na lista de notificação compulsória desde 2004, o número de casos ainda é pequeno 8-12,15,16.
Vários fatores influenciam a notificação das Doenças e Agravos Relacionadas ao Trabalho 8,10-13. Há os que estão relacionados à gestão local do Sistema Único de Saúde (SUS), a exemplo da rotatividade de profissionais nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) 8. Outros, às instâncias estaduais, regionais e locais específicas de Saúde do Trabalhador 17,18, pois dizem respeito ao conhecimento dos profissionais da Rede de Atenção à Saúde sobre essa área e suas práticas, tais como: desconhecimento da ficha de notificação, falta de capacitação na área, receio de notificar ou considerar a notificação desnecessária, dificuldades quanto à percepção da Saúde do Trabalhador como uma área transversal incluída nas atribuições do serviço de saúde, entre outros. A identificação de tais fatores, divulgados pela literatura científica, pode subsidiar a implementação de intervenções que favoreçam a notificação da Pair no Sinan 8,10-13.
Neste ínterim, é importante ressaltar que o planejamento de ações deve levar em consideração as assimetrias de cada território: situação de saúde, indicadores, recursos disponíveis e assim por diante 19. Ante o exposto, é imprescindível que os Cerest e as Referências Técnicas em Saúde do Trabalhador (RTST) possuam instrumentos de gestão adequados para o planejamento de ações personalizadas à sua região. Ademais, esses instrumentos devem ser baseados no enfoque estratégico-situacional, que reúne um conjunto de métodos e articula diferentes realidades e atores, desde os níveis governamentais até a comunidade organizada em torno de propostas concretas na busca de soluções 19,20.
Dentre as várias propostas de planejamento fundamentadas no enfoque estratégico-situacional 21, o Planejamento e Programação Local em Saúde (PPLS) tem sido muito utilizado no Brasil como instrumento de gestão local 22,23, prática de processos formativos 24-26 e prática das equipes de saúde 27,28. O PPLS é uma proposta metodológica que permite a negociação entre os diversos participantes interessados, com capacidade de agir em uma determinada situação 29. Essa variedade de atores proporciona uma explicação abrangente da situação, bem como sobre as formas de intervir nos problemas, de modo que sejam resolvidos ou controlados 20.
O PPLS é estruturado em cinco momentos de planejamento: Análise de Situação de Saúde; Definição de Objetivos; Definição de Ações, Análise Simplificada de Viabilidade e Desenho de Estratégias de Ação; Elaboração da Programação Operativa; Acompanhamento e Avaliação da Programação Operativa 29. Trata-se de uma metodologia com potencial de instrumentalizar as RTST e as equipes de saúde dos Cerest no planejamento de ações para o enfrentamento da subnotificação da Pair em seus territórios. Por conseguinte, incluí-la nas atividades de Educação Permanente em Saúde 30 voltadas a esse público é fundamental para a ampliação da notificação da Pair e de outras doenças relacionadas ao trabalho.
Devido à escassez de literatura específica sobre o uso do enfoque estratégico-situacional no planejamento de ações para o enfrentamento da subnotificação da Pair relacionada ao trabalho, consideramos importante a disseminação de informações sobre esta temática. Sendo assim, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir a experiência de uma intervenção educativa com técnicos da ST de uma macrorregião de saúde do estado da Bahia, Brasil, sobre o uso do PPLS como ferramenta para ampliação da notificação da Pair relacionada ao trabalho.
Este relato refere-se a uma experiência proposta e desenvolvida por uma fonoaudióloga durante o Curso de Especialização em Saúde Coletiva, sob forma de Residência com concentração em Planejamento e Gestão em Saúde, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Trata-se de uma intervenção educativa realizada em novembro de 2021, no âmbito da Diretoria de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador (Divast), campo de prática da residente, vinculada à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
A iniciativa foi motivada pelo conhecimento dos quatro agravos relacionados ao trabalho mais subnotificados no território a partir da leitura do panorama da Vigilância em Saúde do Trabalhador contido no Plano Estadual de Saúde 2020-2023 da Sesab. O estado da Bahia, Brasil, no período de 2011 a 2020, notificou apenas 149 casos de Pair, segundo o Sinan. Diante deste cenário de subnotificação das doenças relacionadas ao trabalho no estado, a residente buscou aplicar o conhecimento sobre planejamento em saúde adquirido durante o programa de residência, a fim de contribuir com a mudança desta realidade. Dentre os quatro agravos mais subnotificados, a Pair foi escolhida como tema da intervenção pela afinidade do agravo com área de formação da residente: Fonoaudiologia.
A intervenção foi realizada presencialmente, sob forma de oficina. Em razão da pandemia da Covid-19, foi reduzido o número de participantes. Sendo assim, profissionais de apenas uma das nove macrorregiões de saúde do estado foram convidados. Os critérios para escolha desta macrorregião, que possui três Cerest regionais, foram: a proximidade com o local de realização da oficina e a macrorregião ter em seu território o Cerest que mais notificou, bem como o que menos notificou Pair relacionada ao trabalho, de 2011 a 2020. Os públicos-alvo foram os técnicos dos Cerest, RTST dos Núcleos Regionais de Saúde (NRS), RTST das Bases Regionais de Saúde (BRS) e técnicos da Divast responsáveis pelo apoio técnico e institucional em ST, totalizando 15 sujeitos participantes ( Tabela 1) .

Utilizou-se o formato metodológico e condução adaptados do PPLS proposto por Vilasbôas 29. A adaptação teve como propósito possibilitar a realização da oficina em um único encontro, com carga horária de 8 horas. O objetivo geral da oficina foi qualificar os participantes para o desenvolvimento de práticas de planejamento em saúde em seus processos de trabalho. Os objetivos específicos foram: dar visibilidade à Pair relacionada ao trabalho, frente à grande subnotificação no estado; sensibilizar os profissionais acerca da necessidade de medidas para o enfrentamento do problema; e promover o uso do PPLS para proposição de ações que ampliem a notificação da Pair.
A oficina foi estruturada em cinco etapas: discussão, exposição, prática, socialização e avaliação. A primeira etapa, discussão, consistiu na apresentação de uma breve animação sobre a rotina de um trabalhador exposto ao ruído no seu ambiente de trabalho durante 20 anos, que, apesar do uso diário do seu equipamento de proteção individual (EPI), adquiriu a Pair. A animação foi de elaboração própria e composta por três cenas: trabalhador usando o EPI em sua rotina laboral de exposição ao ruído, passagem ilustrativa dos anos (sequência de folhas de calendário) e trabalhador apresentando dificuldades para escutar os colegas durante uma conversa. Após a exibição do vídeo, foi aberta a discussão para compartilhamento de percepções e comentários.
A etapa de exposição compreendeu uma apresentação de curta duração sobre: os efeitos da exposição ao ruído; definição de caso de Pair no Sinan; situação da notificação da Pair no estado entre 2011 e 2020; e breve explanação sobre planejamento em saúde (o que é planejar, por que planejar, como planejar e enfoque estratégico-situacional).
A apresentação da situação da notificação da Pair foi baseada em um infográfico ( Figura 1) produzido pela residente. Os participantes receberam uma versão impressa. O infográfico sobre a situação da notificação da Pair foi elaborado com base nos dados coletados no Sinan e apresentou as seguintes informações do período de 2011 a 2020: número total e percentual de regiões de saúde notificantes; número total de casos notificados no período; número total de estabelecimentos de saúde notificantes; número total e percentual de Cerest notificantes; número total e percentual de estabelecimentos notificantes oriundos da rede privada; percentual de notificações com campo da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) em branco/ignorado; e as dez ocupações de maior ocorrência entre os casos notificados.

Após a abordagem do infográfico, foi apresentado um slide contendo informações sobre todas as atividades econômicas presentes nas notificações que possuíam o campo CNAE preenchido.
O PPLS foi apresentado na etapa de exposição. Sua abordagem foi dividida em duas partes, a fim de ser intercalada com a prática: na primeira parte, foram apresentados os três primeiros momentos do PPLS, e na segunda, foi concluída com a apresentação do quarto e quinto momento. Durante a explanação deste último momento, reservou-se alguns minutos para esclarecimentos sobre indicadores (o que são, como apresentá-los e exemplos).
A etapa da prática( Figura 2) foi caracterizada pela execução do PPLS. Primeiramente houve a divisão dos participantes em grupos, de forma que, em cada um, houvesse representação de cada instância convidada: Cerest, NRS/BRS e Divast. Esta etapa também foi segmentada em duas partes, com o intuito de alternar com a exposição teórica: a primeira etapa da prática foi executada após a exposição dos três primeiros momentos do PPLS e a segunda após a exposição dos momentos finais.

Para a prática do planejamento, foram elaboradas duas matrizes ( Figura 3) baseadas nos cinco momentos do PPLS. As matrizes foram impressas e entregues para cada grupo.
Além disso, foi disponibilizado um material de apoio impresso com o conteúdo dos slides explicativos sobre os momentos do PPLS, apresentados na etapa de exposição.

A análise da situação de saúde refere-se ao momento em que os problemas são identificados, formulados, priorizados e explicados.
A identificação do problema consistiu na apresentação do conteúdo sobre Pair apresentado no Plano Estadual de Saúde 2020-2023. O problema identificado foi: baixa frequência da notificação da Pair relacionada ao trabalho entre 2010 e 2018. Para a prática da formulação do problema, foi solicitado aos grupos que o reescrevessem do modo mais preciso e completo (indicando o que é, onde ocorre, quem é atingido e quando ocorre). Em seguida, deveriam classificá-lo como um problema do estado de saúde da população ou do sistema de saúde.
Por não haver uma lista de problemas identificados (apenas um), a prática da priorização do problema não foi realizada. Esta prática foi substituída pelo detalhamento do processo de priorização: apresentação e explicação de cada critério, modelo de matriz e uso de exemplos fictícios para demonstrar o processo. A explicação do problema, ou seja, o levantamento das causas e consequências da subnotificação da Pair, foi feita previamente à oficina. Para a coleta destas percepções, foi aplicado um questionário eletrônico a todos os 15 Cerest regionais do estado e realizadas reuniões com os técnicos da Divast responsáveis pelo apoio institucional e técnico. As respostas ( Quadro 1) foram sistematizadas e apresentadas aos participantes da oficina, junto à imagem de uma árvore. O uso da árvore teve como objetivo ilustrar a representação das causas como as raízes do problema da subnotificação e suas consequências como os galhos e folhas. Por conseguinte, foi possível reforçar a ideia de que, assim como uma árvore enfraquece ou morre ao ter suas raízes removidas, o planejamento de ações para atuar sobre as causas de um problema pode mitigá-lo ou eliminá-lo de forma efetiva.

No momento da definição, são determinados o objetivo final (a partir do problema priorizado) e os objetivos específicos (a partir das causas do problema).
Foi solicitado que cada grupo definisse o objetivo final e, em seguida, escolhesse uma das causas do problema, a qual pudesse intervir, para definir um objetivo específico.
Neste momento, são definidas as ações necessárias para o cumprimento dos objetivos específicos, bem como são identificadas as facilidades e dificuldades para a execução dessas ações. O momento é finalizado com o desenho de estratégias para aproveitar as facilidades e superar as dificuldades.
A cada grupo, foi solicitado indicar uma ação necessária para cumprir o objetivo específico. Após a escolha, deveriam listar as facilidades e dificuldades para a realização desta ação e, por fim, definir meios para fazer uso das facilidades e transpor as dificuldades.
A elaboração da programação operativa é o momento no qual são identificadas as atividades necessárias para execução das ações, nomeando os respectivos responsáveis e estabelecendo prazos.
Para a prática desse momento, os grupos foram requisitados a identificar as atividades necessárias para executar a ação escolhida. Em seguida, deveriam nomear os respectivos responsáveis e estabelecer prazos para finalização de cada atividade.
Neste momento, são escolhidos indicadores para medir o grau de cumprimento das ações, estabelecidas suas fontes de verificação, periodicidade da coleta e formas de divulgação dos resultados.
Foi solicitado aos grupos que escolhessem um indicador para acompanhar o cumprimento da ação. Para auxiliar a escolha, sugeriu-se uma pergunta orientadora: “Que medida eu posso usar para acompanhar o avanço da execução desta ação?”. Em seguida, deveriam eleger uma fonte de verificação, ou seja, como obter a informação necessária para alimentar o indicador. Na sequência, determinariam a periodicidade da coleta desses dados e, por fim, as formas de divulgação dos resultados.
Para cada tarefa solicitada aos grupos, determinou-se um tempo para a conclusão. Durante a prática, os participantes de cada grupo discutiram entre si e as facilitadoras (residente e preceptora) estavam à disposição para dúvidas. Ao final desta etapa prática, os grupos deveriam estar com as matrizes preenchidas.
A etapa da socialização caracterizou-se pela apresentação das programações operativas (planos de ação) desenvolvidas por cada grupo. Os participantes foram informados do recolhimento dos planos de ação para posterior digitação, revisão e devolução, com possíveis sugestões via e-mail.
A etapa final, avaliação, consistiu em cada participante expor suas impressões sobre a atividade. Foi solicitado o preenchimento de uma ficha de avaliação indicando os aspectos positivos, negativos e sugestões para a oficina.
Durante toda a oficina, o público foi muito participativo. A etapa de discussão se desenvolveu de forma enriquecedora, pois as dúvidas, percepções, contribuições e comentários abrangeram várias temáticas relacionadas à Pair e Saúde do Trabalhador, a saber: escolha e uso do EPI; medidas de proteção coletivas; audiometria como instrumento de monitoramento da Pair; culpabilização do trabalhador; iniciativa das empresas perante o trabalhador adoecido; importância da vigilância de ambientes e processos de trabalho; invisibilidade da Pair; olhar sobre o trabalho informal; políticas públicas para a Pair; impacto social da Pair; perda auditiva causada pela exposição a substâncias químicas; campanhas educativas para a rede assistencial e trabalhadores em geral; diversidade de ambientes de trabalho com elevados níveis de pressão sonora; conhecimento dos profissionais que trabalham diretamente com a audição quanto à notificação da Pair; e medidas de reabilitação para o trabalhador acometido por Pair.
A discussão, com a expressão de diversos pontos de vista e abordagem de variadas temáticas, durou quase o dobro do tempo planejado. O alto grau de interesse no tema pode ser justificado pelo comentário de um dos participantes, que revelou ser sua primeira participação em um evento sobre Pair em mais de uma década na área de Saúde do Trabalhador no estado. Tais fatos confirmam a invisibilidade da Pair perante outros agravos, sua falta de prioridade nas práticas de ST 9 e a necessidade de se abordar mais o tema junto a estes profissionais.
Uma das temáticas abordadas na discussão estava diretamente relacionada à notificação: conhecimento dos profissionais da área da audiologia quanto à notificação da Pair. Apesar desta notificação ser obrigatória a todos os profissionais de saúde 1, os otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos destacam-se, por serem aqueles que lidam continuamente com o público acometido pela Pair. Condizendo com a literatura, os participantes expuseram o pouco conhecimento que os profissionais possuem sobre a obrigação de notificar, sua pouca familiaridade com os documentos relacionados à notificação da Pair, além da escassez de profissionais com capacitação na área 11,31. Essas constatações demonstram a necessidade de intervenções educativas para este público, bem como revelam a falta que fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas fazem em espaços de planejamento em ST. Sendo assim, a prática do planejamento baseado no enfoque estratégico-situacional pelas instâncias específicas de ST, o qual pressupõe a participação de diversos atores sociais que fazem parte da situação-problema 19,20,29, é um instrumento indispensável no enfrentamento da subnotificação da Pair relacionada ao trabalho.
Ainda com relação aos profissionais da área da audiologia, um caminho adicional a ser considerado para potencializar o aumento da notificação da Pair é a presença de uma referência técnica especializada nas secretarias de saúde de cada estado. O fonoaudiólogo, inclusive, está entre um dos profissionais sugeridos (não obrigatórios) para compor a equipe mínima dos Cerest estaduais, regionais e municipais 18,32, todavia, sua presença é bastante restrita nesses serviços 32, situação que contribui, em alguma medida, para a subnotificação da Pair. Esta referência estaria dedicada a fomentar iniciativas, monitorar e avaliar a notificação do agravo, bem como as ações que estão sendo realizadas no território relativo à saúde auditiva dos trabalhadores. Também estaria envolvida em vários processos de trabalho da ST em geral, numa perspectiva interdisciplinar, fortalecendo, portanto, a vigilância deste agravo que é tão invisibilizado.
A etapa de exposição caracterizou-se como um ponto forte da estratégia, pois a apresentação dos diversos aspectos da situação da notificação da Pair no estado em período pregresso reafirmou a pertinência educativa da base da prática do PPLS ser um problema real e não uma situação fictícia. Além disso, a apresentação dessas informações permitiu que os participantes identificassem diversas possibilidades de intervenção para o enfrentamento da subnotificação.
Deste modo, a informação de que apenas 53% das regiões de saúde do estado haviam notificado pelo menos um caso de Pair em 10 anos, por exemplo, tornou evidente oportunidades de ação para que os 47% restantes comecem a notificar. O dado sobre a ausência de notificação de Pair por parte da rede privada revelou aos participantes uma grande necessidade de intervenções educativas junto aos profissionais dos serviços de saúde complementar e suplementar. Esta estratégia é justificada pelo papel da direção estadual e municipal do SUS em garantir a implementação, nos serviços públicos e privados, da notificação compulsória dos agravos à saúde relacionados ao trabalho 18,33.
A etapa prática foi conduzida de forma satisfatória. Os participantes não demonstraram dificuldades e compartilharam poucas dúvidas. Os questionamentos, em sua maioria, referiam-se ao momento 2 do PPLS (Definição de Objetivos), e estavam relacionados à necessidade da quantificação do objetivo geral, estabelecimento do prazo para o alcance dos objetivos e parâmetros a serem usados para estabelecer a meta do objetivo geral.
As adaptações da condução do PPLS nesta etapa constituíram-se como um ponto forte e um ponto fraco da estratégia. A escolha de realizar o processo de explicação de problemas em um momento prévio à oficina foi positiva. Esta decisão não teve apenas o objetivo de possibilitar a realização da oficina em apenas um encontro, como já mencionado, mas também apurar a percepção dos participantes quanto à amplitude de entendimento, que é possível obter ao conhecerem a concepção dos diversos atores sociais sobre a explicação do problema. Mesmo não sendo acessados os pontos de vista das representações dos trabalhadores expostos ao ruído ou das categorias profissionais que trabalham diretamente com a audição (fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas), foi possível tornar notória a importância desse movimento participativo. Assim, realizar previamente esta etapa não fragilizou o aprendizado, pois o que foi apresentado era a percepção dos próprios participantes acessadas de forma antecipada.
Já a decisão de não realizar a prática da priorização de problemas foi um ponto a ser aprimorado. Em uma possível replicação da estratégia, sugere-se a não substituição, ainda que não haja uma lista de problemas. Recomenda-se uma simulação da priorização de problemas. Tal recomendação justifica-se pela robustez que o exercício prático confere ao aprendizado.
Os planos de ação apresentados na etapa da socialização revelaram excelentes propostas para ampliação da notificação da Pair. Para alcançar este objetivo, cada um dos três grupos delineou ações, como: busca ativa de casos de Pair relacionada ao trabalho nos serviços especializados em saúde auditiva, clínicas de saúde ocupacional e setores de saúde ocupacional de empresas; desenvolvimento de ações de educação permanente sobre Pair relacionada ao trabalho; e instituição de plano de educação permanente sobre Pair relacionada ao trabalho para profissionais e gestores dos serviços de saúde. Tais propostas demonstram as diversas possibilidades de intervenção que podem ser planejadas, com o objetivo de ampliar a notificação deste agravo.
A vivência prática do PPLS proporcionou mais que o aprendizado de como planejar estrategicamente para a saúde, a fim de controlar ou solucionar um problema. Aprender a usar esse instrumento viabilizou o entendimento de que é possível se organizar e intervir de forma sistematizada para enfrentar o problema da subnotificação das doenças e agravos relacionados ao trabalho, em especial a DART. O planejamento, de fato, possibilita o pensar estrategicamente vislumbrando os rumos, caminhos possíveis, objetivos factíveis e seleção de ações concretas necessárias para alcançar o objetivo desejado 34. Mais que isso, identificar os problemas e os meios para superá-los eleva a consciência sanitária das pessoas e facilita sua mobilização 35.
Essa mobilização foi nitidamente visível nos participantes, não apenas pelo grande interesse na temática, nível das discussões entre os grupos e declarações de satisfação em participar do evento. O destaque desta mobilização durante a oficina esteve no fato de que, na etapa prática, embora tenha sido solicitada a escolha de apenas uma ação para a continuidade do planejamento (execução dos momentos 3, 4 e 5), todos os grupos finalizaram o processo desenvolvendo mais de uma. Além disso, tal mobilização extrapolou o momento da oficina, tendo sido observada referência ao compartilhamento do infográfico e aprendizados sobre a PAIR e o PPLS com os profissionais da Rede de Atenção à Saúde em encontro posterior de apoio institucional.
A oficina foi muito bem avaliada, tendo os participantes ressaltado a pertinência da iniciativa e a metodologia utilizada. De forma geral, consideraram como pontos fortes a ampliação do conhecimento sobre o tema e as experiências compartilhadas. Estas devolutivas reforçam a necessidade de se fomentar atividades que deem visibilidade à Pair relacionada ao trabalho. Além disso, apontam o quanto é fundamental incluir na programação das atividades educativas um momento de expressão dos participantes acerca do tema. Uma vez que a Educação Permanente em Saúde (EPS) destina-se a transformar as práticas profissionais e a organização do trabalho, é necessário transcender a simples transmissão de conhecimentos e saberes técnicos 36 e incluir o seu compartilhamento.
Outro ponto forte relatado pelos participantes foi a própria metodologia de planejamento utilizada: o PPLS. Eles mencionaram ser de fácil entendimento e prática. Alguns participantes relataram a intenção de incorporar a metodologia nos seus processos de trabalho, para o enfrentamento dos problemas de ST vigentes nos municípios de sua abrangência territorial.
Ressalta-se que é difícil incorporar o planejamento nos processos de trabalho, pelo fato deste ser hegemonicamente visto como uma atividade adicional não integrada à rotina dos profissionais. Planejar estrategicamente é uma atividade que requer tempo e compromisso, portanto, é necessário o incentivo à sua incorporação na cultura organizacional das instâncias da ST. Incluir a capacitação em Planejamento e Programação Local em Saúde nas atividades de educação permanente para os Cerest, Núcleos de Saúde do Trabalhador, RTST regionais e municipais poderá colaborar com a construção da cultura do planejamento estratégico.
Uma vez integrado às práticas destas instâncias, o planejamento tem o potencial de contribuir com a ampliação da notificação e da visibilidade das DART, com o aumento do conhecimento sobre a saúde do trabalhador pelos profissionais da rede de atenção à saúde, bem como o desenvolvimento do seu olhar quanto a relação entre a doença e o trabalho. Tais contribuições fortalecerão a implementação das políticas de saúde do trabalhador 17,33.
A avaliação dos participantes quanto ao ponto fraco da oficina incluiu a não participação dos demais atores da rede. Diante disto, recomendaram a realização da atividade com os Cerest e RTST das outras macrorregiões. Adicionalmente, sugeriram oficinas, no mesmo formato, que abordassem outras doenças e agravos. A presença de representantes de outras macrorregiões traria, de fato, enriquecimento adicional às etapas de discussão e socialização, com o acréscimo de mais pontos de vista, dúvidas, contribuições, comentários e planos de ação compartilhados. Porém exigiria uma quantidade maior de recursos e tempo que não estavam disponíveis durante a realização da oficina. De todo modo, a presença de participantes de apenas uma macrorregião não interferiu na conquista do objetivo, apenas restringiu seu alcance. Ante o exposto, recomendou-se desdobramentos da ação, de modo que esta fosse configurada como uma atividade piloto.
A experiência relatada mostrou-se bem-sucedida ao contribuir com a visibilidade da PAIR relacionada ao trabalho nos Cerest e entre os RTST regionais da macrorregião participante da oficina. Além disso, fomentou a tomada de consciência e mobilização dos técnicos para enfrentamento da subnotificação da Pair, ao tempo que propiciou efetiva qualificação em PPLS dos participantes, bem como o estímulo de sua incorporação nos processos de trabalho.
Com relação às limitações desde estudo, destaca-se a ausência de avaliação dos impactos da oficina no trabalho das RTST, devido ao processo de conclusão do estágio da residente logo após o evento; amostra reduzida levando em conta a não participação dos Cerest e RTST regionais das outras oito macrorregiões de saúde do estado; e a substituição da prática da priorização de problemas.
Ainda assim, parece legítimo afirmar que este trabalho poderá oferecer uma contribuição importante para o campo da ST, por trazer a qualificação em PPLS para os Cerest e RTST como estratégia para ampliar a notificação e dar visibilidade à Pair relacionada ao trabalho.
Santana FVN, Arce VAR. Enfrentamento da subnotificação da perda auditiva induzida por ruído relacionada ao trabalho: a experiência de uma oficina educativa em planejamento e programação local em saúde do trabalhador. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2024;49:e5. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-6369/10222pt2024v49e5
Vladimir Andrei Rodrigues Arce
José Marçal Jackson Filho
E-mail:vladimir.arce@ufba.br




