Editorial

Reflexões sobre a experiência do trabalho editorial

Reflections on the editorial work experience

José Marçal Jackson
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, Brasil

Reflexões sobre a experiência do trabalho editorial

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, vol. 49, eedfl2, 2024

Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO

Em 2005, assumi o compromisso e a atribuição de coordenar o processo editorial da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO), graças à sugestão de colegas da universidadeb, que vislumbravam como a revista poderia contribuir para o desenvolvimento do campo da Saúde do Trabalhador (ST).

Criada a partir de perspectiva tecnicista, a revista pouco considerou aspectos políticos e sociais que estão na essência do campo. Era preciso, além disso, expandir seu escopo e política editorial para além do viés individualizante e ou tecnicista, preocupado em especial com a prevenção e análise de riscos, predominantes na revista durante muitos anos e que ainda influenciam as práticas de pesquisa e profissional1.

A compreensão dos problemas de saúde dos trabalhadores não é possível se a análise não considerar o trabalho em situação, seus fatores organizacionais, relacionais e ambientais integrados às questões subjetivas e cognitivas dos trabalhadores2. Além disso, os efeitos à saúde dos trabalhadores resultam dos complexos jogos e relações entre os atores que caracterizam a economia política de cada país3.

Tendo esses dois pressupostos na base de minha prática, junto com os colegas do corpo editorialc, centramos nossos esforços na organização de dossiês temáticos por duas razões: para atrair autores reconhecidos no campo e para compor números que se tornariam referência obrigatória para os estudiosos desses temas. Assim, asseguramos regularidade e periodicidade nas publicações e sucessivas indexações até chegar à base SciELO1.

Não menos importante foram as ações visando a assegurar estrutura física e organizacional para o funcionamento da secretaria da revista4, atualmente denominada gestão editorial, assim como seu regimento, com nova versão publicada em fevereiro, a fim de garantir o suporte administrativo e a autonomia editorial necessários.

A revista pôde, assim, cobrir uma diversidade de temas: saúde e trabalho nas atividades de telemarketing; acidentes de trabalho e sua prevenção; exposição a produtos químicos; trabalho e saúde mental; as políticas de atenção à saúde do trabalhador; a questão da intervenção no âmbito da saúde do trabalhador; COVID-19 e a saúde dos trabalhadores; a contribuição da Epidemiologia no campo; entre outros. Um panorama das pesquisas no campo pode ser encontrado no dossiê referente aos 50 anos da RBSO, coberto por diversos artigos publicados por editores da revista.

De certo modo, nossa prática, contribuiu anonimamente com a redação de diversos estudos publicados, a partir da essência do trabalho editorial: leitura, busca documental, escolha de revisores, interações com colegas, análise crítica e redação de comentários, revisões sucessivas e sugestões.

Além disso, a consolidação da revista como lócus da produção acadêmica nesse campo5 necessitou de ampla construção social com diversos autores e pesquisadores da Saúde do Trabalhador (ST)6 e áreas afins.

A escolha de editores associados e, em especial, de editora-chefe pertencente à instituição externa à Fundacentrod sempre foi feita de forma extremamente cuidadosa, buscando pessoas engajadas com o campo e com a própria revista. Múltiplas interações e parcerias entre o corpo editorial e outros colegas da área foram feitas para atraí-los para o projeto da revista, enquanto editores associados e revisores, participando do processo de avaliação por pares, ou editores convidados para coordenar os diversos dossiês temáticos. Ademais, a presença física dos editores em eventos, como congressos, seminários e grupos de trabalho é fundamental para a inserção junto às comunidades de pesquisadores e ao campo da Saúde do Trabalhador, atraindo publicações que influenciem o desenvolvimento teórico, empírico e metodológico.

Embora o trabalho editorial, fundamental para a produção acadêmica, seja reconhecido atualmente nos grandes periódicos internacionais, que contratam pesquisadores de renome enquanto editores, no caso brasileiro, o trabalho editorial depende de movimentos e ações em fóruns e associações para influenciar órgãos de fomento e sociedades científicas a apoiar a publicação científica nacional e sua internacionalização. Daí a importância da presença do corpo editorial nesses espaços ao longo dos últimos 18 anos.

Embora eu me sinta realizado por ter participado ativamente desses desenvolvimentos, em especial dessa cuidadosa construção social, sei que inúmeros desafios teóricos, metodológicos e práticos se apresentam para a revista.

Do ponto de vista conceitual, parece importante à revista contribuir e responder às questões abaixo, colocadas à comunidade acadêmica:

Como apresentar e publicar estudos que considerem os novos contornos do trabalho, novos objetos e problemas7? Como produzir conhecimentos submetidos à influência das políticas neoliberais que possibilitem transformar positivamente as condições e relações de trabalho8? Como inserir nas agendas de pesquisa a reflexão e a produção de pesquisas a partir de situações concretas de intervenção ou sobre a própria intervenção9?

Associadas a elas, no âmbito da prática, é preciso manter o vínculo histórico com a comunidade profissional. O grande número de downloads de artigos publicados na RBSO mostra o impacto da sua produção junto aos profissionais da área de Segurança e Saúde do Trabalhador1.

Após 18 anos, deixo o cargo tranquilo, pois a coordenação da RBSO permanece em boas mãos, com a chegada de Leila Posenato Garcia que comporá, de agora em diante, junto a Ada Ávila Assunção e Eduardo Algranti, a editoria científica da Revista.

Agradecimentos

Agradeço a todas as pessoas que contribuíram com a revista ao longo desses anos, em especial aos colegas do corpo editorial e da secretaria da revista.

Referências

Jackson Filho JM, Algranti E, Saito CA, Garcia EG. Da segurança e medicina do trabalho à Saúde do Trabalhador: história e desafios da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Cienc Saúde Colet [Internet]. 2015 [citado em 4 abr 2024]; 20(7): 2041-51. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232015207.05812015

Guérin F, Laville A, Daniellou F, Duraffourg J, Keguelen A. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher; 2001.

Wooding J, Levenstein C. The point of production: work environment in advanced industrial societies. New York: Guilford Press; 1999.

Garcia EG, Jackson Filho JM. Sobre o projeto de reestruturação da RBSO. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2007 [citado em 4 abr 2024]; 32(116): 4-5. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0303-76572007000200001

Wünsch Filho V. A RBSO em perspectiva. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2011 [citado em 4 abr 2024]; 36(123): 6-7. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0303-76572011000100001

Lacaz FAC, Jackson Filho JM, Costa DF, Vilela RAG. Resultado da parceria entre a RBSO e o GT saúde do trabalhador da Abrasco. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2013 [citado em 4 abr 2024]; 38(127): 9-10. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0303-76572013000100002

Cordeiro R, Assunção AA. Saúde e trabalho: novos tempos, novos paradigmas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2024 [citado em 4 abr 2024]; 40:e00176323. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT176323

Assunção AA, Algranti E, Jackson Filho JM. Sociedade neoliberal, saúde e segurança no trabalho. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2023 [citado em 4 abr 2024]; 48:edcinq1. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-6369/00123pt2023v48edcinq1

Jackson Filho JM, Pina JA, Vilela RGA, Souza KR. Desafios para a intervenção em saúde do trabalhador. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2018 [citado em 4 abr 2024]; 43(Supl. 1): e13s. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369AP0141218

Notes

b Agradeço em especial às professoras Ada Ávila Assunção, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Julia Issy Abrahão, professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).
c Eduardo Garcia e Eduardo Algranti.
d A professora Ada Ávila Assunção da UFMG.

Author notes

Contato: José Marçal Jackson Filho. E-mail: jose.jackson@fundacentro.gov.br

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