Resumo
Objetivo: mensurar o impacto da pandemia de COVID-19 nas notificações de acidentes do trabalho (AT) no Brasil, por atividade econômica e ocupação.
Métodos: estudo ecológico que utilizou os casos de AT registrados entre 2015 e 2020 no Anuário Estatístico da Previdência Social. Os AT foram analisados por setor de atividade econômica, ocupação e códigos da 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Uma adaptação do p-score foi aplicada para comparar os casos de AT pré-pandemia com os do primeiro ano da pandemia.
Resultados: os p-scores variaram de -60,2%, para AT por nexo técnico epidemiológico, a -13,9%, para AT típico. As doenças do trabalho apresentaram p-score de 151,1%. Houve aumento notável nos casos de doenças ocupacionais dos capítulos I e X da CID-10. As notificações de AT diminuíram em todas as categorias de atividades econômicas, exceto nas de saúde humana e serviços sociais (p-score = 8,0%). Na maioria das categorias, os valores foram negativos, exceto nos subgrupos forças de segurança e profissionais de saúde de nível superior, técnico e gestores.
Conclusão: houve redução geral na notificação de AT durante a pandemia de COVID-19 no Brasil, que evidenciou desigualdades entre diferentes setores de atividades e ocupações, além de mudança no perfil de adoecimento dos trabalhadores.
Palavras-chave: Acidentes de trabalho, notificação de acidentes de trabalho, pandemias, vigilância em saúde do trabalhador, coronavírus, saúde do trabalhador.
Abstract
Objective: to assess the COVID-19 pandemic impact on Occupational Accident (OA) notifications in Brazil by economic activity and occupation.
Methods: an ecological study was conducted using OA cases recorded in the Statistical Yearbook of Social Security from 2015 to 2020. Accidents were analyzed by sector of economic activity, occupation, and ICD-10 codes. Pre-pandemic cases were compared with the first year of the public health emergency scenario caused by Sars-Cov-2 using an adapted p-score.
Results: p-scores ranged from -60.2% for technical-epidemiological Occupational Accidents to -13.9% for typical OA. Occupational diseases had a p-score of 151.1%. Cases of occupational diseases from ICD-10 chapters I and X showed a significant increase. OA notifications decreased in all CNAE sections, except for human health and social services activities (p-score = 8.0%). P-score values were negative in most CBO categories, except in subgroups such as security forces and high-level health professionals, technicians, and managers.
Conclusion: Brazil registered a general reduction in OA notifications due to the pandemic, which evinced inequalities in different sectors and occupations, as well as changes in the illness profile of workers.
Keywords: Occupational injuries, occupational accidents registry, pandemics, surveillance of the workers’ health, coronavirus, occupational health.
Artigo de Pesquisa
Como a pandemia de COVID-19 afetou a notificação de acidentes do trabalho em diferentes atividades econômicas e ocupações no Brasil? Um estudo ecológico usando o p-score
How did the COVID-19 pandemic affect occupational accident notification in different economic activities and occupations in Brazil? An ecological study using p-score
Received: 29 June 2023
Revised document received: 22 November 2023
Accepted: 24 November 2023
Os acidentes do trabalho (AT) representam um problema de saúde pública em todo o mundo, com um grande impacto social e econômico. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a cada ano ocorrem cerca de 160 milhões de AT no mundo e 2,3 milhões de pessoas morrem por acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho. Isso gera uma perda anual de, em média, 4% do produto interno bruto (PIB) dos países 1, além de prejuízos materiais e imateriais, expressos em: afastamentos do trabalho; perda da capacidade para o trabalho parcial ou total, temporária ou permanente; e sofrimento e transtornos mentais, com repercussão sobre a vida familiar e social 2,3
A pandemia de COVID-19 ocasionou mudanças importantes nos ambientes de trabalho, impactando a rotina diária e profissional dos trabalhadores 4. A literatura destaca que, a despeito da adoção de medidas de distanciamento social, houve um maior risco de sofrer algumas doenças relacionadas ao trabalho, em especial nos grupos de profissionais que enfrentaram maior exposição ao vírus SARS-CoV-2 no ambiente laboral 5-7.
Os estudos sobre o impacto da pandemia na saúde ocupacional são limitados, e os efeitos relatados não são consistentes. Uma pesquisa realizada na Áustria descreveu uma diminuição dos acidentes durante a pandemia 8, enquanto outras mostraram que, embora a ocorrência de AT tenha diminuído em alguns setores profissionais, aumentou em outros 9-11. Diferentes trabalhos evidenciaram que a pandemia de COVID-19 causou sofrimento psicológico, distúrbios do sono, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e drogas e ideações suicidas, particularmente em profissionais de saúde 12-14.
Embora os efeitos da crise sanitária na saúde humana tenham sido amplamente analisados no Brasil, poucos pesquisadores estudaram seu impacto nos AT. Ademais, iniciativas que visem quantificar o efeito da pandemia de COVID-19 nos AT em nível nacional permanecem escassas.
Considerando a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro, o aumento na demanda por certas atividades e as mudanças no comportamento da população, a pandemia de COVID-19 pode ter resultado em impactos que variaram entre os diferentes grupos de trabalhadores. Nesse contexto, torna-se necessário realizar uma análise mais detalhada da incidência de AT, com atenção para as desigualdades existentes.
Portanto, o objetivo deste trabalho foi mensurar o impacto da pandemia de COVID-19 nas notificações de acidentes e doenças ocupacionais no Brasil, segundo o setor de atividade econômica e a ocupação.
Trata-se de estudo ecológico envolvendo os casos de AT no Brasil, no período de 2015 a 2020.
O período de 2015 a 2019 foi utilizado para obter os valores esperados dos eventos analisados (período pré-pandemia), e o ano de 2020 foi usado para fins de comparação (período da pandemia).
Os casos de AT (com ou sem registro de Comunicação de Acidente do Trabalho) foram extraídos da base de dados do InfoLogo do Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) c, do Ministério da Previdência Social, em relação à população de trabalhadores em geral com a condição de segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Os dados foram extraídos em maio de 2023.
Os AT foram tabulados segundo setor de atividade econômica (Classificação Nacional de Atividades Econômicas, CNAE), ocupação (Classificação Brasileira de Ocupações, CBO) e capítulos da 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) d.
Para obter o valor da variação percentual, foi aplicada uma adaptação do p-score, considerando a seguinte equação: \begin{equation}p-score=\frac{(AT\ em\ 2020\ (ano\ pandêmico))-AT\ esperados\ em\ 2020}{AT\ esperados\ em\ 2020}\times100\end{equation}. Os AT esperados foram calculados como a média dos últimos cinco anos anteriores à ocorrência da pandemia de COVID-19 (ou seja, de 2015 a 2019), conforme adotado para o cálculo do excesso de mortalidade 15.
Os resultados foram expressos em porcentagens, de modo que valores positivos indicavam excesso de casos e valores negativos indicavam diminuição.
Esta pesquisa não incluiu dados relacionados a pessoa natural identificada ou identificável. O estudo utilizou exclusivamente dados disponíveis publicamente em fonte oficial (Ministério da Previdência Social), que não permitem a identificação dos sujeitos, e foram analisados de maneira agregada. Por tais razões, o projeto não foi submetido a um comitê de ética em pesquisa, conforme prevê o art. 1º, parágrafo único, §5º, da Resolução CNS nº 510, de 7 de abril de 2016.
A média dos AT totais notificados pelo RGPS no período de 2015 a 2019 foi de 587,701 casos por ano. Em 2020, o número de AT notificados foi consideravelmente menor, com um total de 445,814 casos.
A Figura 1 mostra que, comparando-se os registros do período de 2015 a 2019 (antes da pandemia) com os de 2020 (primeiro ano da pandemia), houve diminuição das notificações de acidentes típicos e de trajeto, incluídos os caracterizados pelo critério do nexo técnico epidemiológico (p-score variou de -13,9% a 60,2%). A exceção foi em relação às doenças relacionadas ao trabalho (p-score 151,1%).
A Tabela 1 apresenta os p-scores dos casos notificados de doenças ocupacionais por capítulos da CID-10. A maior parte do aumento foi observado no capítulo I (CID-10 A00-B99, p-score 9.696,6%), que compreende “algumas doenças infecciosas e parasitárias”, e no capítulo X (CID-10 J00-J99, p-score 1.678,2%), que inclui “doenças do aparelho respiratório”. Esses dois capítulos juntos representaram quase 95% do total.


No tocante às atividades econômicas, houve redução no número de notificações em todas as seções da CNAE, exceto na “Q”, que abrange atividades econômicas de saúde humana e serviços sociais, apresentando um aumento de 8% em relação à média de AT dos últimos cinco anos ( Figura 2).
A diminuição foi consistente com a análise de AT por CBO, que mostrou que a maioria dos grupos de ocupações apresentou valores de p-score negativo, com apenas quatro positivos: as forças de segurança (CBO 1-3), com um aumento de 3.031,0%; os profissionais das ciências biológicas, da saúde e de áreas afins, com um aumento de 47,7% (CBO 22); os técnicos de nível médio das ciências biológicas e da saúde, com um aumento de 18,7% (CBO 32); e os diretores e gerentes em empresa de serviços, que tiveram um aumento de 3,9% (CBO 13) ( Figura 2).
Este estudo utilizou o p-score para avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 na notificação de AT no Brasil, no período de 2015 a 2020. Buscou-se, com isso, verificar hipóteses relacionadas às diferenças no impacto provocado pelas medidas de contenção sanitária desses eventos, desagregados por atividade econômica e ocupação.
O p-score é uma medida que compara o número de casos notificados em um determinado período com o valor esperado, calculado a partir da média dos cinco anos anteriores à pandemia 15. Embora o indicador tenha sido originalmente criado como uma medida para permitir comparações entre o excesso de mortalidade pela COVID-19 entre países, também vem sendo utilizado para analisar taxas de morbidade e para medir o impacto da crise sanitária nas estratégias de controle de diversos agravos crônicos e transmissíveis no país, conforme demonstrado em estudos anteriores 16-19.
A pandemia de SARS-CoV-2 desencadeou mudanças importantes, tanto na esfera social quanto econômica no Brasil. Este estudo identificou uma redução de 24,1% nos AT totais e de 13,9% nos AT típicos, fenômeno que pode ser atribuído a diversos fatores. Entre eles, destaca-se a inegável diminuição da atividade econômica e, consequentemente, a diminuição da demanda por trabalhadores em diversos setores 20-22, o que pode ter levado a uma menor exposição de profissionais aos riscos ocupacionais. A implementação de medidas de distanciamento social, e a adoção de protocolos de segurança em ambientes de trabalho em setores cujas atividades foram consideradas essenciais (como o uso de equipamentos de proteção individual e a adoção de medidas de higiene 23, também podem ter contribuído para a redução evidenciada.


A redução dos AT de trajeto pode estar relacionada, em parte, à adoção do home office e do trabalho remoto por muitos setores e organizações como forma de prevenção à disseminação do vírus 24. Além disso, as medidas de distanciamento social adotadas em várias cidades e estados brasileiros, incluindo a suspensão de atividades não essenciais, restrições à circulação de pessoas e veículos, adoção de rodízios e horários diferenciados de funcionamento do comércio e serviços, lockdown, entre outras medidas restritivas, também podem ter influenciado nessa redução 25–27. Com menos trabalhadores se deslocando para o trabalho, naturalmente houve menor risco de acidentes de trajeto 28.
A notificação de AT por nexo técnico epidemiológico (ou seja, dos casos de incapacidade em que não houve registro de CAT, mas que foi estabelecida relação entre o adoecimento incapacitante e as condições de trabalho) também apresentou queda. Esse fenômeno foi inegavelmente afetado pelo fechamento das agências do Instituto Nacional do Seguro Social e pela suspensão das perícias médicas 29, que resultaram em um processo mais demorado e burocrático de reconhecimento dos AT pela perícia médica federal. É possível que, como resultado, muitos trabalhadores podem ter desistido de buscar o reconhecimento de suas doenças ocupacionais devido às dificuldades em obter atendimento e agendar perícias.
Embora as notificações de AT tenham diminuído durante a pandemia, este estudo destacou que grupos específicos de trabalhadores estiveram mais expostos à COVID-19. Observou-se um aumento de 8% no número de AT na seção Q da CNAE, que inclui atividades relacionadas à saúde e serviços sociais, como atendimento hospitalar e ambulatorial, complementação diagnóstica e terapêutica, entre outras. Além disso, houve aumento: de 3.031,0% em acidentes envolvendo membros das forças armadas, policiais e bombeiros militares (CBO 1-3); de 47,7% envolvendo profissionais de nível superior da categoria 22 da CBO, que inclui médicos, enfermeiros, cirurgiões-dentistas, fisioterapeutas, entre outros; de 18,7% em técnicos de nível médio (CBO 32), categoria que contempla os profissionais de enfermagem, radiologia e análises clínicas; e de 3,9% no grupo que inclui gestores de secretarias e serviços de saúde em geral (CBO 13). Essas ocupações, como regra, não puderam ser interrompidas em sua totalidade ou realizadas por meio do trabalho remoto.
Um estudo que analisou a mortalidade por COVID-19 nos trabalhadores brasileiros também identificou maior impacto da pandemia entre os membros das forças armadas, policiais e bombeiros militares, com um quarto dos óbitos proporcionais ocorridos em 2020 decorrente da COVID-19 nesse grupo de trabalhadores 30. Durante a pandemia, esses profissionais foram mobilizados para lidar com o cumprimento de medidas de segurança, aplicação de restrições e fiscalização das atividades em diferentes áreas, o que pode ter aumentado sua exposição ao risco de contágio.
Outro estudo, publicado em meados de 2020, analisou a exposição dos trabalhadores estadunidenses ao coronavírus. Nele foi observado que cerca de 10% da força de trabalho americana estava em ocupações em que estiveram expostos ao vírus mais de uma vez por semana. No entanto, quase 90% dos profissionais de saúde e profissionais de apoio foram expostos ao SARS-CoV-2 mais de uma vez por mês e 75% deles foram expostos mais de uma vez por semana 31. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em nota técnica, também reconheceu que a área da saúde foi uma daquelas cujo funcionamento se tornou mais essencial nesse período, exigindo grande esforço por parte de seus trabalhadores para o correto funcionamento dos equipamentos e instalações hospitalares, o que levou os profissionais à maior vulnerabilidade de contágio e a serem reconhecidos como um grupo de alto risco de infecção 30. Essa evidência é muito corroborada na literatura, que evidencia maiores riscos nos profissionais desse setor, além de maior prevalência de AT, o que é compatível com os achados deste estudo. 11,32-34.
A pandemia também alterou o perfil de adoecimento dos trabalhadores. Antes desse evento, as doenças do sistema osteomuscular eram responsáveis pela maior parte dos afastamentos do trabalho no Brasil 35,36. Neste estudo, o maior número de notificações de doenças ocupacionais pré-pandemia ratificou a expressiva presença do capítulo XIII (CID-10 M00-M99) nos AT, com registro médio anual de 6.640,2 casos de doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. No contexto da emergência em saúde pública pela COVID-19, em 2020, o maior número de notificações foi na categoria J00-J99, com 2.461 casos/ano de doenças do aparelho respiratório, do capítulo X (CID-10 J00-J99). Houve, ademais, aumento de quase 10.000% nos AT por doenças infecciosas, grupo no qual estão inseridas as contaminações pelo novo coronavírus.
Os resultados identificados vão ao encontro de um levantamento realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que também revelou aumento no número de afastamentos previdenciários e notificações de AT por CID B34 (Doenças por vírus, de localização não especificada) ou U07 (COVID-19, vírus identificado) na pandemia, em comparação com o período pré-crise sanitária. De 2012 a 2019, o levantamento do MPT aponta que foram registrados apenas 1.292 afastamentos previdenciários por essas condições, enquanto esse número saltou para 50.409 em 2020. Referente às notificações de AT por CID B34 ou U07, o número de registros de 2012 a 2019 foi de 113, mas houve um aumento para 20.797 37 em 2020. O uso do código B34, em especial B34.2 (Infecção por coronavírus de localização não especificada) e B34.9 (Infecção viral não especificada), era raro para essas finalidades, então o código U07.1 foi introduzido na CID-10 em 2020 pela OMS a fim de padronizar a codificação e notificação dos casos de COVID-19 em todo o mundo.
Essas descobertas reforçam que a COVID-19 e suas complicações, em situações em que a infecção ocorreu diretamente relacionada às condições de trabalho, devem ser consideradas como doenças ocupacionais 38,39. Tanto os achados deste estudo quanto o levantamento do MPT enfatizam o componente ocupacional das infecções virais durante a pandemia, notadamente pelo SARS-CoV-2. Esse posicionamento é enfatizado por Moreira et al. 5 e por Maeno 39, que destacam o reconhecimento da COVID-19 como doença relacionada com o trabalho como uma condição justa e necessária, principalmente pelo risco aumentado diante da necessidade de manter as atividades ditas essenciais durante a crise sanitária. Nesses casos, aplica-se o §2º do art. 20 da Lei nº 8.213/1991, que trata de doenças resultantes de condições especiais em que o trabalho é executado e que com ele se relacionam diretamente. Além disso, a infecção também pode ser considerada um AT por doença equiparada, quando o trabalhador for contaminado pelo SARS-CoV-2 durante o exercício de sua atividade profissional, conforme estabelecido pelo inciso III do art. 21 da mesma lei. Esse reconhecimento se torna importante para garantir a proteção social e a reparação dos danos sofridos pelo trabalhador em decorrência da infecção. Em dezembro de 2023, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 1.999, que atualiza a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), com a inclusão de 165 novas doenças, incluindo COVID-19 40. Ressalta-se que tal atualização foi a primeira, após 24 anos da instituição da LDRT.
É relevante destacar que este estudo foi baseado em dados secundários, extraídos de registro passível de subnotificação e incompletudes, o que pode acarretar limitações na interpretação de seus resultados. Apesar dessa consideração, os dados mencionados são provenientes de fonte oficial do Governo Brasileiro, e são amplamente utilizados em estudos que apoiam processos decisórios de gestores, profissionais e políticas públicas de previdência, trabalho e emprego no país. Este estudo é limitado também, pois contempla apenas dados de trabalhadores segurados pelo Regime Geral de Previdência Social, não incluindo os trabalhadores que não contribuem para a previdência e os servidores estatutários, por exemplo. É fundamental reconhecer, ainda, que diferenças na interpretação, registro e documentação médica por parte dos profissionais de saúde e peritos do Órgão Segurador podem introduzir uma fonte potencial de viés ou imprecisão na análise, notadamente no que refere aos diagnósticos de doenças ocupacionais segundo a CID-10. Portanto, os resultados apresentados devem ser interpretados levando em consideração essas limitações.
É importante ressaltar que uma das potencialidades do trabalho está no fato de utilizar o p-score, estatística reconhecida como uma medida flexível que pode ser usada em uma variedade de contextos da saúde pública para medir o impacto da pandemia, sendo também reconhecida como uma medida comparável entre os países 16. Além disso, até onde se sabe, este é primeiro estudo que aplicou esse método para avaliar a notificação de AT no Brasil, sendo igualmente o primeiro estudo brasileiro que mensurou o impacto da pandemia de COVID-19 nos AT segundo setores de atividade econômica e ocupações.
A pandemia de COVID-19 teve um grande impacto na notificação de acidentes do trabalho no Brasil. Os p-scores variaram de -60,2% para AT por nexo técnico epidemiológico a -13,9% para AT típico, com exceção das doenças do trabalho, que apresentaram um aumento de 151,1% nos casos notificados. Além disso, houve aumento nos casos de doenças ocupacionais dos capítulos I e X da CID-10, que tratam de condições infecciosas e parasitárias e de doenças do aparelho respiratório, respectivamente.
As notificações de acidentes reduziram em todas as seções da CNAE, em relação à média dos cinco anos pré-pandemia, exceto naquela que abrange as atividades econômicas de saúde humana e serviços sociais. A maioria das categorias da CBO também apresentou valores de p-score negativos, exceto nos subgrupos que se referem às forças de segurança e aos profissionais de saúde de nível superior, técnico e gestores, para os quais houve aumento.
Este estudo evidencia desigualdades na notificação de agravos relacionados ao trabalho, e sugere mudanças no perfil de adoecimento dos trabalhadores durante a crise sanitária no território nacional pela emergência da COVID-19. Seus resultados podem ajudar a orientar políticas públicas e ações preventivas no âmbito da saúde do trabalhador e da trabalhadora, visando reduzir desigualdades e proteger a saúde em contextos de situações de emergência sanitária.
Santos Júnior CJ, Antunes JLF, Fischer FM. Como a pandemia de COVID-19 afetou a notificação de acidentes do trabalho em diferentes atividades econômicas e ocupações no Brasil? Um estudo ecológico usando o p-score. Rev Bras Saúde Ocup [Internet]. 2024;49:e11. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-6369/09923pt-2024v49e11
Claudio José dos Santos Júnior
Eduardo Algranti
Os autores informam que o trabalho não foi apresentado em evento científico.
E-mail:claudiojunior@usp.br



