Carta
Received: 04 January 2024
Revised document received: 12 March 2024
Accepted: 14 March 2024
Cumprimentos aos autores1 do artigo “Notificação de covid-19 relacionada ao trabalho: estudo descritivo sobre o perfil sociodemográfico e ocupacional, Brasil, 2020 e 2021”, que aborda aspectos da covid-19 relacionada ao trabalho (RT), a partir de dados notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). O referido artigo engloba uma análise epidemiológica que abrange aspectos de “pessoa”, “tempo” e “lugar”. Esclarecimentos adicionais sobre os sistemas de informação em saúde aliados ao aperfeiçoamento dos argumentos epidemiológicos seriam benéficos para uma melhor compreensão do cenário de transmissão de covid-19 RT.
Primeiramente, vale esclarecer que a ficha de acidente de trabalho do Sinan é destinada à notificação dos acidentes típicos, de trajeto e por violências que ocorrem no ambiente de trabalho ou durante o exercício do trabalho. Seu uso excepcional para registrar casos de covid-19 RT teve a finalidade de garantir informações relevantes para a Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat)2.
Segundo, para aperfeiçoar a interpretação dos resultados, é útil informar que o estado do Espírito Santo (ES), em 2019, passou a utilizar o sistema e-SUS VS (Sistema Único de Saúde-Vigilância em Saúde eletrônico)3 para seu monitoramento epidemiológico. Isso permitiu uma maior facilidade em adequar as fichas de notificação/investigação do estado. As notificações de covid-19 RT foram feitas na ficha de covid-19 do e-SUS VS e contabilizaram cerca de 21 mil casos desde 2020, no estado.
No Brasil, registraram-se 46.193 casos em 2020, 39.841 em 2021, 36.318 em 2022 e 4.121 em 2023, até outubro (Total: 126.473) (Figura 1).

Cálculos de taxas de incidência, essenciais para uma interpretação mais profunda do risco entre trabalhadores, acrescentariam informações relevantes. Assim, taxa média (média anual de casos [2020–2022]/população economicamente ativa e ocupada [2022] * 100.000)4 de 2020 a 2022 foi de 41,0 casos/100.000 trabalhadores, dentre trabalhadoras, a taxa média foi de 65,0/100.000 e, dentre trabalhadores (sexo masculino), foi de 23,0/100.000.
Os autores1 destacaram um maior percentual de notificações relacionadas aos profissionais técnicos de nível médio (Grande grupo 3 da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO), seguidos pelos profissionais das ciências e das artes (Grande grupo 2). Porém, não destacaram quais foram as ocupações (famílias ocupacionais) com maiores frequências de notificações. No período aqui analisado, as famílias ocupacionais mais frequentes foram: técnicos e auxiliares de enfermagem (CBO: 3222), correspondendo a 26,2% das notificações do período, seguidos por enfermeiros e afins (CBO: 2235), contabilizando 10,4% das notificações (Figura 1B).
Apesar de o artigo1 abordar informações sobre ocupação, não se analisou a variável “Atividade Econômica” (Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE), também relevante para a Visat. Conhecer a atividade econômica contribui para a identificação de situações de exposição a riscos ocupacionais. Exemplificando-se, enfermeiros (CBO: 2235) podem exercer atividades em ambientes hospitalares (CNAE: 85111) ou em ambientes administrativos do setor público (CNAE: 75116). As diferentes naturezas de atividades implicam níveis de exposição distintos. As atividades econômicas mais frequentes foram: “Atividades de atendimento hospitalar” (CNAE: 85111) correspondendo a 19,9% das notificações e “Administração pública em geral” (CNAE: 75116) responsável por 7,5% das notificações (Figura 1C).
A Visat é fortalecida com informações qualificadas sobre ocupação, aliadas ao conhecimento sobre atividades econômicas, podendo direcionar ações de vigilância e subsidiar políticas de promoção, prevenção e atenção integral à saúde do trabalhador5,6.
É importante destacar a heterogeneidade entre os estados quanto à estruturação da Visat, com implicações sobre a capacidade de notificação. Embora o Sinan seja uma fonte valiosa de dados, a subnotificação não permite conhecer o cenário nacional real de covid-19 RT.
Outrossim, a incompletude da variável “Emissão de CAT”, além de revelar subnotificação dos casos, também pode estar relacionada ao crescimento da informalidade no mercado de trabalho e à falta de capacitação dos profissionais de saúde no preenchimento das fichas de notificação. A Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT é emitida apenas para trabalhadores com vínculo formal, segurados da Previdência Social.
Por fim, na conclusão do artigo, os autores mencionam a importância de compreender o ambiente de trabalho como uma fonte de transmissão do vírus SARS-CoV-2. Porém, vale lembrar que a responsabilidade pela vigilância é compartilhada entre diversas instâncias, merecendo destaque o papel dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e da população trabalhadora como atores ativos e vitais ao processo de vigilância.
Referências
Vieira VHJ, Hallal ALLC, Menegon FA, Ruiz RC, Hillesheim D, Menegon LS. Notificação de COVID-19 relacionada ao trabalho: estudo descritivo sobre o perfil sociodemográfico e ocupacional, Brasil, 2020 e 2021. Rev Bras Saude Ocup. 2023;48:e23. https://doi.org/10.1590/2317-6369/33522pt2023v48e23
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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual - PNADC/A: Tabela 7106. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2023 [citado 28 dez 2023]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7106
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Facchini LA et al. Sistema de Informação em Saúde do Trabalhador: desafios e perspectivas para o SUS. Cienc Saude Coletiva. 2005 dez;10(4):857-67 https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000400010
Author notes
Contato: Klauss Kleydmann Sabino Garcia; E-mail:klauss.garcia@saude.gov.br