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Erros estatísticos e metodológicos comuns em manuscritos rejeitados: o caso da RBSO
André Luis Santiago Maia
André Luis Santiago Maia
Erros estatísticos e metodológicos comuns em manuscritos rejeitados: o caso da RBSO
Common statistical and methodological errors in rejected manuscripts: the case of RBSO
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, vol. 50, e11, 2025
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - Fundacentro
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Resumo: A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) recebe uma série de manuscritos que relatam estudos que envolvem métodos quantitativos em Saúde e Segurança do Trabalhador (SST). Entretanto, muitos textos apresentam erros metodológicos e estatísticos, que comprometem sua aceitação. Falta de clareza nos resultados e uso inadequado de métodos estatísticos são falhas recorrentes. A descrição insuficiente das metodologias, análises estatísticas mal justificadas e a extrapolação indevida de resultados também são frequentes. Esta nota editorial discute erros comuns observados em manuscritos rejeitados pela RBSO, com o intuito de elevar a qualidade de publicações na área de SST.

Palavras-chave: Estatística como Assunto, Técnicas de Pesquisa, Saúde do Trabalhador.

Abstract: The Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) receives several manuscripts with studies involving quantitative methods in Occupational Safety and Health (OSH). However, many submissions present methodological and statistical errors that compromise their acceptance. Lack of clarity in results and inadequate use of statistical methods are recurring issues. Insufficient description of methodologies, poorly justified statistical analyses, and unwarranted extrapolation of results are also frequent. This editorial note discusses common errors observed in manuscripts rejected by RBSO, with the aim of improving the quality of publications in the OHS field.

Keywords: Statistics as Topic, Investigative Techniques, Occupational Health.

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Nota editorial

Erros estatísticos e metodológicos comuns em manuscritos rejeitados: o caso da RBSO

Common statistical and methodological errors in rejected manuscripts: the case of RBSO

André Luis Santiago Maia
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, Brasil
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, vol. 50, e11, 2025
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - Fundacentro

A cada ano, a Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) recebe uma série de manuscritos com estudos que refletem a diversidade e a complexidade de pesquisas em Segurança e Saúde do Trabalhador (SST). Quando envolvem metodologias estatísticas, os textos são encaminhados à avaliação preliminar pela assessoria estatística da revista. Nessa etapa, a análise criteriosa revela limitações recorrentes que, muitas vezes, comprometem a qualidade das potenciais publicações. Quando não atendem aos critérios exigidos nessa etapa inicial de avaliação, os manuscritos são rejeitados.

Dentre os principais desafios na avaliação de manuscritos submetidos à RBSO está a falta de clareza e coerência nos objetivos, métodos e resultados quantitativos. Textos que apresentam estrutura desalinhada, com ideias mal organizadas, dificultam a compreensão do parecerista. A apresentação de informações deve seguir uma sequência lógica que facilite o entendimento, com seções e parágrafos bem estruturados.

Uma revisão da literatura superficial, com lacunas significativas na contextualização do estudo e ausência de uma análise crítica de pesquisas anteriores, frequentemente resulta em uma fundamentação teórica frágil. A literatura deve ser revisada de forma exaustiva e crítica, situando o estudo no contexto da pesquisa e destacando sua contribuição original.

A revisão estatística tem particular atenção a erros no desenho do estudo, na análise dos dados, na interpretação e apresentação dos resultados.

A descrição dos métodos empregados é um ponto crítico. Quando os autores falham em detalhar os procedimentos de coleta de dados, levantam-se dúvidas sobre a validade dos resultados. É essencial que os métodos sejam bem descritos, permitindo a replicação do estudo por outros pesquisadores e garantindo a robustez dos achados.

Para aprimoramento do relato dos estudos, conforme as instruções aos autores da RBSO, é recomendado o uso de guias de redação científica. Uma fonte valiosa é o portal da rede EQUATOR – Enhancing the Quality and Transparency of Health Research (https://www.equator-network.org/), em que há uma biblioteca abrangente que possibilita o acesso a publicações relacionadas a guias de redação. Também são disponibilizados outros materiais de interesse, voltados, por exemplo, para a ética na publicação, e materiais de orientação para editores, revisores e autores.

A elaboração e a implementação de um plano de análise são importantes, de modo a evitar a apresentação de análises estatísticas sem a devida justificativa ou a utilização de métodos que não são os mais apropriados para o tipo de dados ou hipóteses em questão. A análise dos dados, quando insuficiente ou inadequada, compromete a interpretação dos resultados. Uma análise consistente combina a seleção criteriosa de métodos estatísticos com a interpretação cuidadosa dos resultados.

Um erro comum é a formulação de conclusões que não são suportadas pelos resultados quantitativos apresentados, ou seja, extrapolam os achados, sugerindo implicações que não são respaldadas pelos dados. As conclusões devem ser diretamente baseadas nos resultados, evitando generalizações indevidas e mantendo-se dentro dos limites do que foi realmente encontrado.

A confusão entre o nível de significância (α) e o valor de p é outro equívoco habitual. Embora estejam relacionados, eles têm conceitos distintos na estatística. Muitos manuscritos apresentam essas medidas de forma incorreta, sem diferenciá-las. α é um valor preestabelecido que representa a probabilidade máxima de rejeitar a hipótese nula (H0) quando ela é, de fato, verdadeira1. O valor de p, por sua vez, é obtido a partir da estatística de teste e representa a probabilidade de obter resultados tão extremos (ou mais extremos) quanto os observados, assumindo que H0 seja verdadeira2. Quanto menor o valor de p, menor a probabilidade de que os resultados observados tenham ocorrido ao acaso.

Também há uma tendência de concluir sobre associações entre variáveis com base apenas em coeficientes de correlação linear, sem considerar outras medidas que poderiam oferecer uma compreensão mais precisa. Muitas relações entre variáveis não são lineares, e o coeficiente de correlação linear não capta essas nuances. Um gráfico de dispersão pode revelar padrões não lineares que coeficientes de correlação não identificam.

O teste Qui-quadrado baseia-se em uma premissa fundamental a respeito das frequências esperadas3. Quando frequências esperadas em uma tabela de contingência são muito baixas, a distribuição do Qui-quadrado pode não ser precisa, comprometendo a validade dos resultados, levando a conclusões falsas sobre a associação entre as variáveis. A aplicação do teste sem respeitar essa premissa é outra falha comum em manuscritos submetidos à RBSO. É indicado explorar testes alternativos que sejam mais adequados às características específicas dos dados.

Quando o estudo envolve testes de hipóteses, é essencial descrever previamente as hipóteses que estão sendo testadas, além de esclarecer o método estatístico aplicado e os pressupostos para a validade do teste. Essa não é apenas uma questão de organização, mas sim uma prática essencial para garantir que os resultados sejam compreendidos corretamente pelos leitores.

O uso de amostras não probabilísticas em pesquisas com subsequente aplicação de técnicas de inferência estatística é o principal problema dos estudos reportados nos manuscritos. A distinção entre amostras probabilísticas e não probabilísticas é central na estatística. Amostras probabilísticas são selecionadas de forma que cada unidade da população tenha uma chance conhecida e diferente de zero de ser incluída na amostra4. Com elas, torna-se possível a generalização dos resultados obtidos para toda a população-alvo, que corresponde ao grupo que os pesquisadores estão querendo compreender5. Ainda que a maioria dos estudos seja conduzida com dados amostrais, a população-alvo deve ser identificada e descrita no manuscrito. Essa informação é essencial para que o parecerista possa julgar a validade externa do estudo.

Em métodos, por vezes é descrito que houve um esforço para calcular o tamanho da amostra baseado na teoria da amostragem probabilística, todavia, é ignorado o princípio da aleatoriedade e a amostra final é composta por voluntários. Trata-se de um exemplo clássico de amostragem por conveniência, o que pode introduzir vieses significativos, como o viés de seleção. Este tipo de viés pode ocorrer quando os indivíduos que se dispõem a participar do estudo têm características diferentes da população-alvo, o que pode distorcer os resultados6. Porta et al.7 trazem um exemplo do efeito estimado do tabagismo sobre doenças cardíacas. Segundo os autores, as estimativas serão tendenciosas se os participantes do estudo forem voluntários e a decisão de participar estiver influenciada pelo tabagismo e pelo histórico familiar de doenças cardíacas.

É essencial reconhecer as limitações de amostras por conveniência, evitando generalizações precipitadas para a população-alvo. O princípio da aleatoriedade é fundamental para a validade das técnicas da estatística inferencial baseadas na distribuição normal, como a estimativa de parâmetros populacionais e a construção de intervalos de confiança8. Estimativas oriundas de amostras não probabilísticas podem ser tendenciosas e não refletir com precisão os parâmetros populacionais. Ao analisar amostras não aleatórias, técnicas estatísticas de correção de vieses podem ser exploradas para minimizar alguns dos problemas associados9.

Destaca-se a importância de descrever claramente o procedimento de amostragem, ou seja, como foi feito o recrutamento e a seleção dos participantes incluídos, seja em uma amostra probabilística ou não probabilística. Tais informações são cruciais para a avaliação da pertinência dos métodos empregados, bem como para a análise de potenciais vieses do estudo.

Cumpre informar que amostras probabilísticas nem sempre são necessárias ou viáveis. Existem diversos desenhos de estudos que permitem investigar a ocorrência de doenças e lesões relacionadas a exposições ocupacionais. A escolha do desenho de estudo é orientada por fatores como: a natureza do desfecho de interesse, sua relação com as exposições estudadas, a frequência dos desfechos e das exposições, as características da população-alvo, os dados necessários para a realização do estudo, sua disponibilidade, ou a factibilidade de sua coleta10.

Em resultados, antes que o leitor se depare com uma tabela ou um gráfico, é crucial que ele entenda o que será apresentado e por que esse elemento é relevante. A descrição prévia fornece o contexto necessário para interpretar corretamente as estatísticas que serão mostradas e como elas se relacionam com as hipóteses ou conclusões do estudo. Por essas razões, a descrição detalhada não pode ser suprimida do manuscrito.

Muitos autores insistem em utilizar o símbolo “±” para representar o desvio-padrão (dp). Isso sugere erroneamente que existe um intervalo estatístico “média – dp” a “média + dp”, o que não reflete o verdadeiro significado do dp. A forma apropriada é apresentar o dp entre parênteses precedido pela média. Assim, evitam-se interpretações equivocadas.

Diversos manuscritos falham em fornecer detalhes sobre modelos de regressão empregados. A justificativa para a escolha do modelo específico e as informações sobre como ele foi construído devem estar descritas, assim como os pressupostos estatísticos do modelo. Os resultados para as estatísticas de avaliação da qualidade do ajuste devem ser apresentados.

As conclusões a partir dos modelos ajustados, algumas vezes, são superficiais ou incorretas, sem uma interpretação crítica dos coeficientes ou sem considerar as limitações do método. Essas deficiências comprometem a validade dos resultados obtidos a partir da análise de regressão e impedem uma avaliação estatística adequada.

Hosmer et al.11 é uma referência completa para o caso específico da regressão logística. Aborda a construção, a interpretação e a avaliação de modelos, apresentando os fundamentos e aplicações mais complexas.

Finalmente, a falta de revisão metodológica e de clareza na apresentação dos resultados são evidenciados em vários textos de análise quantitativa recebidos pela RBSO. É preciso compreender as técnicas estatísticas para avaliar a validade e a clareza dos resultados obtidos. A revisão metodológica deve ser tratada com rigor para assegurar que o texto esteja livre de erros ou lacunas que possam prejudicar a sua avaliação.

Espera-se que os autores possam utilizar essas reflexões para aprimorar seus futuros trabalhos, fortalecendo sua base metodológica. Acredita-se que essa iniciativa incentivará a comunidade científica a buscar cada vez mais o rigor estatístico em suas investigações e contribuirá para a elevação da qualidade de manuscritos que relatam pesquisas quantitativas em SST, em especial na RBSO.

Supplementary material
Referências
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Porta MS, Greenland S, Hernán M, dos Santos Silva I, Last JM, eds. A dictionary of epidemiology. 6th ed. Oxford: Oxford University Press; 2014. https://doi.org/10.1093/acref/9780199976720.001.0001
Casella G, Berger R. Statistical inference. Boca Ratoh: CRC Press; 2024.
Baker R, Brick JM, Bates NA, Battaglia, M, Couper,MP, Dever JA et al. (2013). Summary report of the AAPOR task force on non-probability sampling. J Surv Stat Methodol. 2013;1(2):90-143. https://doi.org/10.1093/jssam/smt008
Checkoway H, Pearce N, Kriebel D. Selecting appropriate study designs to address specific research questions in occupational epidemiology. Occup Environ Med. 2007 Sep;64(9):633-8. http://doi.org/10.1136/oem.2006.029967
Hosmer Jr DW, Lemeshow S, Sturdivant RX. Applied logistic regression. Hoboken: John Wiley & Sons; 2013.
Notes
Author notes

Contato: André Luis Santiago Maia. E-mail:andre.maia@fundacentro.gov.br

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