Resumo
Introdução: A vigilância do desenvolvimento configura-se como abordagem política e social que integra ações participativas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e das políticas públicas.
Objetivo: Apresentar o Índice Municipal de Território Saudável e Sustentável Rural (I-TSSR) para monitorar a influência deletéria do agronegócio no ambiente, no trabalho e suas repercussões na saúde, no estado de Mato Grosso (MT).
Métodos: Estudo ecológico com base em dados secundários de indicadores sociais, ambientais, sanitários e ocupacionais. Foi calculado um índice composto, a partir dos indicadores calculados e distribuídos espacialmente nos municípios, para o período de 1990 a 2022.
Resultados: O valor do I-TSSR variou de 3 a 25. A distribuição espacial no território permitiu identificar 34 municípios com maiores impactos de degradação ambiental e ocorrência de desfechos negativos em saúde, como intoxicações por agrotóxicos, acidentes de trabalho, malformações congênitas e câncer infantojuvenil (I-TSSR: 17,47-25,00), localizados nas regiões: Oeste, Médio Norte, Nordeste e Sul-mato-grossense.
Conclusão: A vigilância do desenvolvimento, através do I-TSSR, oferece uma abordagem inovadora para compreender os impactos do agronegócio. Ao integrar informações de saúde, ambiente e desenvolvimento social, esta abordagem promove uma visão ampla e participativa da situação de saúde e desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador, Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, Vigilância em Saúde, Saúde Ambiental, Estudos Ecológicos.
Abstract
Introduction: Development surveillance is a political and social approach that integrates participatory actions within the Unified Health System (SUS) and public policies.
Objective: To present the Municipal Index of Healthy and Sustainable Rural Territories (I-TSSR) to monitor the harmful influence of agribusiness on the environment, work and its repercussions on health in the state of Mato Grosso (MT).
Methods: Ecological study based on secondary data from social, environmental, health and occupational indicators. A composite index was calculated from the indicators calculated and spatially distributed in the municipalities for the period 1990 to 2022.
Results: The value of the I-TSSR ranged from 3 to 25. The spatial distribution in the territory allows us to find out 34 municipalities with greater impacts of environmental degradation and the occurrence of negative health outcomes, such as pesticide poisoning, accidents at work, congenital malformations and childhood cancer (I-TSSR: 17.47-25.00), located in the West, Mid-North, Northeast and South of Mato Grosso regions.
Conclusion: Development surveillance, through the I-TSSR, offers an innovative approach to understanding the impacts of agribusiness. By integrating health, environmental and social development information, this approach promotes a broad and participatory view of the health and sustainable development situation.
Keywords: Worker Health, Sustainable Development Indicators, Health Surveillance, Environmental Health, Ecological Studies.
Artigo de pesquisa/Dossiê Desenvolvimento Sustentável e Trabalho
Índice de território saudável e sustentável rural: uma proposta de vigilância em saúde, ambiente e trabalho
Healthy and sustainable rural territory index: a proposal for health, environmental and labor surveillance
Received: 03 July 2024
Revised document received: 20 December 2024
Accepted: 20 December 2024
A vigilância do desenvolvimento estuda como os diferentes modos de uso dos territórios se configuram e operam a partir do aparato político-social, intersetorial e hegemônico, interferindo nas decisões locais que impactam a saúde, o ambiente e o trabalho. Tal abordagem traz à tona, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e das políticas públicas, a necessidade de uma ação participativa e o debate sobre o processo de territorialização de ações institucionais e populares, fundamentadas na transformação das bases econômicas e sociais e do modelo de acumulação das cadeias produtivas do agronegócio. Em um diálogo mobilizado pela organização da informação advinda do território, na perspectiva emancipatória1,2, possibilita-se uma transição da vigilância do desenvolvimento ao se materializar a não delegação da saúde, apontada por Oddone3, ao envolver uma dinâmica popular na ação de informação para definir práticas e expressões culturais protetoras de uma vida saudável e plural.
A vigilância em saúde nos remete, em sua essência de informação para ação, a estratégias e atividades orientadas por modelos conceituais de estruturação da informação, para interação local/territorial e governança. Esse conjunto de estratégias inclui o desenvolvimento de indicadores e ferramentas de apoio a processos para o compartilhamento e a circulação de informações4.
Ao seguir esses pressupostos, pretende-se apresentar e problematizar indicadores que integrem a sociedade, o ambiente, a saúde e o trabalho, em um instrumento para avaliação de tendências municipais e regionais para ação de vigilância em saúde que expressem informações e nominações das dinâmicas de processos sociais, ambientais e impactos sanitários. Os indicadores possibilitam análises e reflexões sobre as perspectivas de um modo de vida saudável em sua perspectiva de realização cultural, produzindo movimentos de aproximação coletiva da informação de entendimento ecossanitário preventivo. Articula-se como materialidade da essência de um modelo de governança impulsionador de ações para além do setor saúde, mas, principalmente, de expressão fundamentada a partir dos modos de vida das populações e demandas dos movimentos sociais e populares.
Desse modo, o objetivo deste artigo é apresentar um indicador de vigilância em saúde, ambiente e trabalho e a organização de um método de integração de indicadores sociais, ambientais, sanitários e ocupacionais, de escala municipal, que identifiquem uma pressão do modo de desenvolvimento em regiões com protagonismo hegemônico do agronegócio, a fim de contribuir para ações de mobilização e participação social na definição de políticas públicas de promoção de territórios saudáveis e sustentáveis, redimensionando o desenvolvimento numa perspectiva de bem-viver.
Trata-se de estudo ecológico. O local de estudo é o estado de Mato Grosso, que se localiza na Região Centro-Oeste do Brasil. Segundo o último censo, do ano de 2022, sua população é estimada em 3.658.813 pessoas, com densidade demográfica de 4,05 h/km2, Índice de Desenvolvimento Humano (2021) de 0,736 e extensão territorial de 903.208,361 km2, contudo, somente 1.244,20 km2 (0,13%) de sua área é urbanizada, o que favorece os grandes latifúndios de plantação de commodities agrícolas5.
Os dados de registros de intoxicação aguda por agrotóxicos e tentativas de suicídio foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)6. Os dados dos óbitos por causas externas (acidentes de trabalho e homicídios), do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Os casos de malformações congênitas, assim como os registros de nascimentos, foram obtidos do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc)7. Os dados dos casos de câncer entre crianças e adolescentes residentes do estado de Mato Grosso foram obtidos no registro de câncer de base populacional (RCBP)8 do Instituto Nacional de Câncer (INCA), conforme dados cedidos pela Secretaria Estadual de Saúde do estado de Mato Grosso.
Os dados utilizados para o cálculo dos indicadores ambientais foram obtidos da plataforma de dados geográficos MapBiomas9-11. Para os indicadores socioambientais, as fontes foram o Sistema IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –, de Recuperação Automática (Sidra) e o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (INDEA/MT).
Foram calculados os seguintes indicadores sanitários e ocupacionais:
taxa de incidência de tentativa de suicídios (número de casos por município de residência/população do município x 100 mil habitantes), no ano de 2020,
taxa de incidência de acidentes de trabalho (número de acidentes/população geral x 100 mil habitantes), no ano de 2020,
taxa de mortalidade por homicídio (número de óbitos por homicídio segundo município de residência/população geral x 100 mil), no ano de 2020,
taxa de mortalidade por causas externas (número de óbitos por município de residência/população geral x 100 mil), no ano de 2020,
taxa de incidência padronizada de câncer infantojuvenil (número de casos de câncer – 0 a 19 anos/população de crianças e adolescentes x 1 milhão), entre os anos de 2013 e 2018, e
Prevalência de malformações congênitas (número de casos de malformações congênitas por município de residência/nascidos vivos x mil), no ano de 2020.
Os indicadores ambientais foram calculados pela média dos valores registrados de áreas de desmatamento, queimadas e redução da superfície hídrica, nos anos estudados. Calculou-se a média anual de hectares queimados e desmatados, além da perda de superfície hídrica entre os anos de 1990 e 2020, os quais foram agrupados e formaram um único indicador ambiental composto. Somando-se as quatro classes geométricas de cada um dos três indicadores (desmate, queimada e redução de superfície hídrica), obteve-se o número total da intensidade dos impactos ambientais em cada um dos 141 municípios de Mato Grosso.
Os indicadores socioambientais foram:
a porcentagem destinada à agricultura familiar em cada município de Mato Grosso, calculada a partir da comparação entre as áreas de agricultura familiar e não familiar do estado, disponibilizados pelo Censo agropecuário (IBGE-Sidra)12;
tamanho da área destinada ao plantio de soja em Mato Grosso, disponível a partir da base de dados de Produção Agrícola Municipal (IBGE/Sidra)13, e
massa por quilos de agrotóxicos, disponíveis no INDEA-MT14.
O cálculo dos três componentes, social, ambiental e sanitário foi distribuído segundo a magnitude dos padrões de uso do território e seus impactos. Foram propostos três blocos de indicadores, sendo o primeiro deles abstrato, e os outros dois concretos: 1. Abstrato Institucional/Exposição socioambiental, com a informação sobre políticas públicas do uso da terra, produção de alimentos e intensidade do uso de agrotóxicos; 2. Impactos Ambientais, com a informação da redução da biodiversidade e contribuição para escassez hídrica; e 3. Impactos Sanitários/Mediações socioambientais, em que se assentam os Cenários de Desigualdade das Situações de Saúde.
Esses componentes pressupõem a coleta, o armazenamento, tratamento e a disponibilização de dados secundários sobre processos, determinantes e impactos na saúde e sustentabilidade, relacionados ao território, reafirmando a dinâmica do território, em permanente processo de mudança, como um lugar de contradições, lugar de trabalho, de resistência, de trocas materiais e espirituais no cotidiano da vida15.
Nesse sentido, visando produzir informações para ação e vigilância do desenvolvimento em territórios do agronegócio, foi proposto um instrumento básico de monitoramento e vigilância popular e participativa da saúde, interconectado com o trabalho e com o ambiente. O Índice Municipal de Território Saudável e Sustentável Rural (I-TSSR) foi calculado como o somatório dos blocos de indicadores supracitados.
Todos os indicadores calculados foram seccionados em quatro categorias, seguindo o mesmo padrão de classificação, conforme gradiente da magnitude dos indicadores ou impacto: (0), médio-baixo (1), médio-alto (2) e alto (3). Para o cálculo de intervalos geométricos dos indicadores socioambientais e sanitários, bem como para a elaboração dos mapas temáticos, utilizou-se o aplicativo ArcGis 10.1 da Esri.
Este estudo, de natureza ecológica, utilizou dados secundários obtidos de bancos de dados disponíveis publicamente, à exceção dos dados sobre incidência de câncer infantojuvenil, cedidos pela Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso. A análise desses dados foi uma das partes integrantes dos projetos de pesquisa intitulados “Fatores associados ao Câncer infanto-juvenil: Análise de Registro Hospitalar e Populacional de Mato Grosso”, aprovado através do CAAE nº 42264420.6.0000.8124 em 18 de maio de 2021, e “Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis no Mato Grosso’’, através do CAAE nº 35803020.0.0000.8124, em 15 de dezembro de 2020. Ambos os projetos foram submetidos e aprovados pelos respectivos comitês de ética em pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso e financiados com recursos advindos do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso – Procuradoria Regional do Trabalho da 23ª Região.
O valor do I-TSSR variou de 3 a 25. Os indicadores acumulados (socioambiental, ambiental e sanitário/ocupacional), segundo gradientes de exposição e unidades de medidas, podem ser visualizados no Quadro 1.

Na Figura 1, observa-se a distribuição do I-TSSR nos municípios do MT. Os 34 municípios onde o I-TSSR foi mais alto (valores entre 17,47 e 25,00) podem ser visualizados nas áreas mais escuras no mapa, principalmente nas regiões: Oeste, Médio Norte, Nordeste e Sul-mato-grossense. Em 40 municípios, concentrados na região Norte do estado, foram observados valores mais baixos, 3 e 10,54%.

Fonte: elaboração própria.
No período de 1990 a 2020, no estado de Mato Grosso, a área de desmate foi de 19.998.972 hectares, o que representou 21,43% de toda a área predada no Brasil no período. Os dados também são alarmantes quando se consideram os indicadores referentes à ocorrência de queimadas no país, tendo em vista que o estado foi responsável pela queima de 121.924.553 hectares, o que corresponde a, aproximadamente, 24,42% de todo território nacional. Já no que concerne à redução dos recursos hídricos, observou-se a perda de 631.444 hectares de sua superfície hídrica, o que corresponde à subtração de 50,72% de sua área total.
A Figura 2 revela a respectiva influência e contribuição de cada município de Mato Grosso para o desmate, a queimada e a perda de superfície hídrica, no período de três décadas. Nota-se que o desmatamento se concentra, principalmente, entre aqueles municípios localizados no norte do estado, em áreas de mata densa, pertencentes ao bioma amazônico. Considerando a média anual de desmate entre os 141 municípios mato-grossenses, os que mais desmataram foram: Juara (18.864,9 ha), Brasnorte (15.628,19 ha), Nova Ubiratã (15.375,84 ha), Colniza (14.518,77 ha), Querência (13.868,55 ha), Villa Bela de Santíssima Trindade (13.614,68 ha), Gaúcha do Norte (13.425,03 ha), Paranatinga (13.187,26 ha), Sorriso (12.268,13 ha) e Cáceres (11.918,77 ha).

Fonte: elaboração própria, com dados do Projeto MapBiomas (2023).
O padrão de queimadas envolve uma distribuição semelhante àquela observada nas áreas de grande desmate em Mato Grosso, entretanto, diferencia-se por apresentar maior concentração nos municípios localizados na região nordeste do estado, seguindo em direção às áreas de fronteira com os estados do Pará e Tocantins. Os municípios que apresentaram maiores áreas de desmatamento foram: Cocalinho (196.591,1 ha), Ribeirão Cascalheira (166.955,32 ha), São Félix do Araguaia (166.332,03 ha), Tangará da Serra (163.715,06 ha), Paranatinga (148.150,1 ha), Luciara (122.463,45 ha), Gaúcha do Norte (113.337,45 ha), Novo Santo Antônio (101.184,26 ha), Campinápolis (96.705,16 ha) e Vila Bela da Santíssima Trindade (87.650,94 ha).
No que concerne à redução de superfície hídrica, os municípios localizados na região do Pantanal mato-grossense sofreram perda hídrica severa, quando comparados às demais áreas do estado. Destacam-se os municípios de Cáceres (307.369 ha) e Poconé (183.718 ha) que, juntos, foram responsáveis pela perda de 491.087 hectares, o que corresponde a 77,77% de toda a supressão da superfície hídrica do estado. A redução da superfície hídrica ainda foi alta nos municípios de: Barão de Melgaço (28.016 ha), Vila Bela da Santíssima Trindade (19.994 ha), Gaúcha do Norte (17.309 ha), Cocalinho (15.364 ha) e Querência (14.060 ha).
Com relação à área destinada ao plantio de soja nos municípios de Mato Grosso, as regiões que mais se destacam em produtividade são aquelas localizadas entre a porção centro-norte e noroeste do estado (Figura 3). Entre os 141 municípios do estado mato-grossense, aqueles que mais destinaram terras ao cultivo de soja durante o ano de 2022 foram: Sorriso (598.500 ha), Nova Mutum (397.000 ha), Diamantino (389.940 ha), Campo Novo do Parecis (387.800 ha), Sapezal (385.614 ha) e Querência (375.000 ha).

Fonte: produção agrícola municipal (PAM), 2017; Instituto de defesa agropecuária (INDEA-MT), 2022.
Os municípios que mais utilizaram agrotóxicos em Mato Grosso no ano de 2022 foram: Sorriso (8.552.669 kg), Sapezal (7.191.637 kg), Campo Novo do Parecis (6.297.607 kg), Diamantino (4.464.078 kg), Lucas do Rio Verde (4.406.738 kg), Nova Ubiratã (4.134.546 kg) e Campo Verde (3.798.389 kg).
Essa configuração fundiária concentradora parece estar situada, principalmente, nos municípios vinculados a uma produção expressiva de commodities agrícolas. Os menores percentuais de agricultura familiar em Mato Grosso foram observados nos municípios: Campos de Júlio (0,32%), Santo Antônio do Leverger (0,50%), Primavera do Leste (0,54%), Campo Novo do Parecis (0,56%), Cocalinho (0,60%) e Santa Rita do Trivelato (0,67%).
No componente sanitário/ocupacional, a prevalência de malformações congênitas, na maioria dos municípios (53%), é classificada como de médio alto impacto, com variação entre 5,48 e 10,08 casos a cada mil nascidos vivos. Observa-se que as maiores prevalências são observadas na porção sul mato-grossense, onde se encontram os municípios de São José do Povo (34,78/mil), São Pedro da Cipa (32,14/mil) e Tabaporã (22,73/mil).
Com relação às taxas de incidência de câncer infantojuvenil, quase a metade (48%) dos municípios apresenta valores de 37 e 145,55/1 milhão de crianças e adolescentes. Os municípios com maiores taxas localizam-se na porção médio-norte do estado: Nova Marilândia (612/1 milhão), Tapurah (369/1 milhão) e Santa Rita do Trivelato (349/1 milhão).
As taxas de mortalidade por homicídio predominaram na categoria médio baixo, com variação de 8,92 a 63,86 óbitos a cada 100 mil habitantes. Quanto à distribuição espacial, nota-se relativa homogeneidade no território mato-grossense, com maiores taxas na capital e em municípios de fronteiras, entre eles, Curvelândia (2678,67/100 mil), Santa Cruz do Xingu (2488,30/100 mil) e Torixoréu (1989,47/100 mil).
Na maioria dos municípios, as taxas de mortalidade por acidentes de trabalho fazem parte da categoria médio alto, com variação de 343,13 a 9.869,26 a cada 100 mil habitantes. Observa-se que esses municípios estão localizados a longas distâncias da capital do estado, Cuiabá. Não obstante, localizam-se principalmente em regiões de fronteiras com outros países como a Bolívia e com outros estados da região Norte, como Rondônia, Amazonas e o Pará. Fato esse pode ser observado no município de Confresa, onde a taxa encontrada foi de (283.553/100 mil).
As taxas de mortalidade por suicídio tiveram valores predominantemente baixos nos municípios mato-grossenses, variando entre 0 e 1,59. Tal achado pode ser justificado pela subnotificação de casos na declaração de óbito. A maior taxa foi de 60 óbitos por 100 mil habitantes, no município de Novo São Joaquim.
Outras taxas podem ser observadas na Figura 4 e no Quadro 1.

Fonte: Elaboração própria, com dados do Sistema de informação de nascidos vivos (Sinasc); do Sistema de informação de Mortalidade (SIM) e do Registro de Câncer de base populacional (RCBP).
O território de Mato Grosso é expoente de um paradigma de desenvolvimento socioeconômico assimétrico, que obedece às corporações monopolistas do agronegócio, acumulando riquezas, gerando desigualdades e socializando doenças, ampliando os impactos ambientais e sociais. Tratamos, aqui, de um modelo hegemônico gerador de modos de vida adoecedores, implicado na (re)produção de iniquidades em saúde, provocando contaminações no ambiente16-19, agravos à saúde humana, tais como as intoxicações por agrotóxicos20, os acidentes de trabalho21, o sofrimento social e mental de trabalhadores rurais22,23, o suicídio entre trabalhadores do agronegócio24, as malformações fetais25, as doenças respiratórias em menores de cinco anos26, os cânceres relacionados a exposição ambiental e ocupacional27, além da contaminação de alimentos e as consequências da soberania e segurança alimentar nos territórios28.
Uma série de transformações sociotécnicas foi responsável pela transição e modernização do cenário agrícola mato-grossense, conduzindo a passagem de um modelo de produção de base local para um novo molde produtivo que está subordinado às necessidades do capital internacional29. Os aparatos químicos, a mecanização, as políticas desenvolvimentistas e a precarização dos meios de fiscalização ambiental e das leis trabalhistas foram responsáveis por transformações profundas dos modos produtivos em todo mundo30, aumentando a eficácia e o rendimento, ao mesmo tempo que produziram consequências incomensuráveis para a saúde humana, para o ambiente e os modos de vida socioculturais locais.
Essas transformações sociais e econômicas, bem como a histórica distribuição desigual e concentração em latifúndios das terras agriculturáveis no Brasil e em Mato Grosso resultaram em uma baixa presença da agricultura familiar nos municípios pesquisados, além da invisibilização da agricultura indígena e quilombola. A maior proporção de área destinada à agricultura familiar entre os municípios mato-grossenses foi pouco superior a 5%. Essas informações evidenciam que a agricultura familiar brasileira continua marcada pela desigualdade socioespacial, pela distribuição desigual de renda, ausência ou insuficiência de políticas públicas de fomento à produção e comercialização, o que leva ao abandono das terras, disputas violentas pela terra e ameaças reproduzidas pelos grandes latifundiários, contaminação dos solos e das águas, gerando injustiças ambientais31.
Em MT, estão presentes os biomas Cerrado, Amazônia e Pantanal, com importante biodiversidade e nascentes de rios que formam e abastecem as bacias hidrográficas do Amazonas, do Paraguai e do Tocantins-Araguaia, com relevante contribuição para a recomposição e disponibilidade hídrica na América Latina32. No entanto, o projeto de desenvolvimento econômico do agronegócio tem interpretado a natureza enquanto fonte de recursos inesgotáveis, e o Mato Grosso, enquanto influente expoente desse modelo hegemônico, tem participado intensamente dessa exploração socioambiental. Durante as últimas três décadas (1990-2020), o estado, além de ter se consolidado como o maior produtor agropecuário do Brasil, também se tornou epicentro de um processo de degradação ambiental intenso que tem influenciado o desequilíbrio ecossistêmico do território. Nesse estudo, pode-se demonstrar tal processo por meio das elevadas ocorrência e abrangência de desmatamentos, queimadas e perda de superfície hídrica do estado33.
Ademais, as regiões de Mato Grosso que apresentaram os maiores índices do TSS-Rural e merecem atenção em decorrência do acúmulo da carga de degradações ambientais (desmatamento e queimadas), do uso intenso de produtos químicos e de problemas de saúde, como câncer infantojuvenil, são territórios com grandes produções do agronegócio. Tal fato se explica, por exemplo, pela relação intrínseca que se observa, em todo o Brasil, entre o avanço da fronteira agrícola e da pecuária com o desmatamento e as queimadas da vegetação nativa33,34.
O modelo de produção químico-dependente do agronegócio brasileiro baseia-se na utilização de insumos químicos, como os agrotóxicos e fertilizantes para o cultivo de commodities agrícolas, e na criação de gado bovino. Esse modelo chega a utilizar mais de 899 milhões de litros de agrotóxicos anualmente, sendo o Mato Grosso a unidade da federação que ocupa o primeiro lugar desse ranking, fazendo com que o estado carregue o título de celeiro nacional do agronegócio brasileiro35.
Nesse contexto, o índice de TSS-Rural apresenta-se como um instrumento de informação para ação de vigilância em saúde que agrega dados de diferentes fontes, que expressam dinâmicas de processos sociais, ambientais e impactos sanitários e possibilita análises e reflexões sobre as perspectivas de um modo de vida saudável, bem como movimentos de aproximação coletiva com um modelo de governança impulsionador de ações para além do setor saúde, integrando outros setores, mas, principalmente, de expressão fundamentada a partir dos modos de vida das populações e das demandas dos movimentos sociais e populares2. Assim, o índice de TSS-rural, na hipótese de seu uso intersetorial como instrumento de governança participativa no SUS, articula-se com a noção da vigilância do desenvolvimento como possibilidade de transformação crítica da sociedade, em conexão com modos de vida e projetos populares emancipatórios de outras formas de organização dos territórios, que aqui se expressaram em dados do estado de Mato Grosso, mas que podem ser incorporados e servir de ferramenta metodológica para aplicação em outros estados brasileiros.
As limitações do estudo perpassam o uso de fontes de dados secundários. Parte dos resultados, em particular os referentes a mortes por suicídios e acidentes de trabalho, à ocorrência de malformações congênitas e aos casos de câncer, deve ser interpretada com cautela devido à possibilidade de subnotificação. Essa limitação aponta para a necessidade de futuras pesquisas, incorporando métodos de correção da subnotificação, assim como a integração de métodos quali-quantintativos, através de entrevistas e questionários, como ações de vigilância popular dos indivíduos que residem nos territórios.
Nesse sentido, a vigilância do desenvolvimento em sua expressão do olhar de envolvimento integrador de política social intersetorial e participativa traz para o debate o processo de uma territorialização da ação institucional e popular fundamentada na transformação das bases econômicas e sociais do modelo de acumulação da cadeia produtiva do agronegócio, que possibilita um deslocamento de um modo de acumulação da produção para um modo de produzir direcionado a processos de territorialização saudáveis e sustentáveis. Trata-se da realização estrutural econômica e social de transposição do trabalho em sua dimensão de reprodução social, em que o cuidado nas dimensões dos indivíduos e das comunidades se articula com os modos de viver e produzir22.
A distribuição espacial do I-TSSR no território do MT permitiu identificar os municípios com maiores impactos de degradação ambiental e desfechos negativos em saúde, como intoxicações por agrotóxicos, acidentes de trabalho, malformações congênitas e câncer infantojuvenil, localizados nas regiões: Oeste, Médio Norte, Nordeste e Sul-mato-grossense.
Produzir informação para ação e vigilância do desenvolvimento em territórios do agronegócio, por meio do I-TSSR, configura-se como um instrumento básico de monitoramento, vigilância popular e participativa da saúde interconectada com o trabalho e com o ambiente.
Além disso, a vigilância popular-comunitária, aliada à informação, permite uma gestão mais participativa dos serviços de saúde. Essa abordagem pode ser articulada com políticas públicas de outros setores sociais, ambientais e econômicos, que influenciam as condições de vida e saúde da população. Isso é especialmente relevante em regiões de agronegócio, como o Mato Grosso, onde o “des-desenvolvimento territorial” impacta negativamente a saúde da população.
Contato: Mariana Rosa Soares E-mail:mariana.soares@sou.ufmt.br


Fonte: elaboração própria.

Fonte: elaboração própria, com dados do Projeto MapBiomas (2023).

Fonte: produção agrícola municipal (PAM), 2017; Instituto de defesa agropecuária (INDEA-MT), 2022.

Fonte: Elaboração própria, com dados do Sistema de informação de nascidos vivos (Sinasc); do Sistema de informação de Mortalidade (SIM) e do Registro de Câncer de base populacional (RCBP).