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Os primeiros passos rumo ao autoritarismo: aproximação da crítica de Carl Schmitt a democracia weimariana
The first steps toward authoritarianism: approximation of criticism of Carl Schmitt to weimariana democracy
Reflexión Política, vol.. 18, núm. 36, 2016
Universidad Autónoma de Bucaramanga


Recepción: 08 Febrero 2016

Aprobación: 21 Octubre 2016

Resumo: O objetivo principal deste trabalho é investigar alguns dos argumentos críticos de Carl Schmitt contra a democracia na República de Weimar. Para referenciar essa investigação analisamos alguns dos textos de Schmitt e, partindo de um método hermenêutico, a proposta desse trabalho é a de uma leitura histórica do texto schmittiano, a fim de uma compreensão inicial de para onde pode nos encaminhar sua produção intelectual, qual o sentido de suas apostas ideológicas e sua colaboração para a corrosão das instituições de Weimar, via crítica do liberalismo e da democracia.

Palavras-chave: Carl Schmitt, Decisionismo, Democracia, Liberalismo, Weimar.

Abstract: The main purpose of this work is to investigate some of the critical arguments of Carl Schmitt against democracy in Weimar Republic. The theoretical support consist this research we analyze some of Schmitt texts and, from a hermeneutic method, the purpose of this work is that of a historical reading of schmittian text, to an initial understanding of where forwards in his intellectual production, which sense of their ideological stakes and their collaboration to corrosion of Weimar institutions, by means of critique of liberalism and democracy.

Keywords: Carl Schmitt, Decisionism, Democracy, Liberalism, Weimar.

Uma democracia assediada: apontamentos sobre o contexto da República de Weimar

Em primeiro lugar, talvez caiba à pergunta: Por que falar a respeito de Weimar? De partida, o período histórico que se estende de 1918 a 1933 parece não ser apenas uma datação importante para a Alemanha, mas, também, para todos aqueles que em alguma medida se interessam por questões bastante intrincadas que envolvem a ideia de Estado, a Política e o Direito. A República de Weimar exerce certa fascinação muito pela forma como se desenvolveram as relações políticas; pela maneira como se deu a sua queda e, além disso, pelo período sombrio que a sucedeu, a saber: o advento do nacional-socialismo, com algumas questões de natureza fantasmagórica que podem ser projetadas para o nosso tempo de agora. Por conseguinte, é imaginável a quantidade de temas e problemas possíveis de serem investigados dentro dessa quadra da história alemã, consequentemente, não se admite como tarefa na presente investigação uma reconstrução pormenorizada do espaço temporal democrático weimariano, mas, apenas, apontar algumas questões que irão se ligar com um de seus mais mordazes detratores, o jusfilósofo Carl Schmitt.

Após a primeira guerra planetária, que exigiu o máximo das forças do povo alemão1, em 9 de novembro de 1918, caiu o governo imperial e, na cidade de Weimar, foi proclamada na Alemanha uma República Parlamentar, com o aparecimento de um documento constitucional que leva o nome da cidade da proclamação e ficam conhecidos como República e Constituição de Weimar. O processo político em que está inserida a ideia de uma república é bastante conturbado, uma vez que até aquele momento a Alemanha tinha uma cultura imperial de governo (período guilhermino), dessa maneira, a ideia de uma democracia não era consenso na tessitura social alemã. O contexto históricopolítico de eclosão da república weimariana se dá especialmente pela ruptura da aliança de forças que articulava a situação político-institucional e social arquitetada pelo “chanceler de ferro” Otto Von Bismarck (González, 1992, p. 318). De acordo com Franz Neumann:

Durante meio século ou mais, a história da Alemanha moderna girou ao redor de um problema central: a expansão imperialista por meio da guerra. Com a aparição do socialismo como movimento industrial e político que ameaçava a posição daqueles que detinham a riqueza industrial, financeira e agrícola, a política interna do império se viu dominada pelo medo de um ataque ao imperialismo2. (Neumann, 2005, p. 19).

Nesse horizonte de perspectiva, a República de Weimar e seu documento constitucional nascem em um contexto de quase guerra civil, com avanços e retrocessos do ponto de vista político; o ganhar força do pensamento de esquerda e da social-democracia; tumultos e derrotas, dessa forma, “os edificadores da república de Weimar, de frente a tarefa de construir depois da revolução de 1918 um novo estado e uma nova sociedade, trataram de expressar uma nova filosofia de vida e um novo sistema, omnicompreensivo e universalmente aceito, de valores” (Neumann, 2005, p. 25).

As dificuldades para o florescimento da democracia eram impostas não só pela questão política interna - essa última ligada a uma grande quantidade de alemães, em especial aqueles atrelados ao regime imperialista, que não aceitavam a forma de governo democrática-, mas, ao mesmo tempo, ao problemático acordo de paz documentado no Tratado de Versalhes3 e, além disso, a sociedade tinha de se reconstruir igualmente do ponto de vista econômico e contava agora com uma economia bastante fragilizada e instável, com o maior registro de inflação do período (Fulbrook, 2012, p. 170).

Não obstante, a democracia em Weimar sofrerá com duros golpes de ambos os lados do arco ideológico - serão lançadas críticas tanto de extrema esquerda quanto de extrema direita-, com tentativas de golpes de estado, invasão de território, em especial de sua zona industrial por franceses e belgas, até o período de dissoluções do parlamento e a derrubada legalizada dos princípios da república, de tal modo, é bastante comum uma divisão do período weimariano em três fases, a saber: a) a primeira de crise e busca da ordem política nos anos iniciais (1919-1923); b) um segundo momento de aparente estabilidade social, econômica e política (1924- 1928) e c) o reaparecimento de um período de crise e a queda da república (1929-1933).

O processo revolucionário desencadeado em 1918 - que conforme mencionado linhas atrás foi capitaneado pelos socialistas, mas não fora uma revolução socialista4-, mesmo com a derrubada do regime imperial, a estrutura política, institucional e socioeconômica da Alemanha pouco se modificou. Nas palavras de Mary Fulbrook:

A chamada revolução de 1918 não foi mais do que uma revolução política e constitucional, do Império à República, mas – de modo crítico – não conseguiu realizar mudanças radicais nas estruturas socioeconômicas da Alemanha, nem reformou as elites principais. As instituições do Exército, da burocracia, do judiciário, bem como as educacionais e religiosas, mantiveram suas posições de poder e influência – e as usaram para falar e agir principalmente contra a nova República. (2012, p. 173).

No que diz respeito ao documento constitucional surgido com a passagem para a democracia weimariana, para Neumann a constituição de Weimar tem por essência o estabelecimento de um compromisso colaboracionista entre todos os grupos sociais e políticos. Logo, a luta de classes deixa de existir e em seu lugar há necessidade de se reconhecer uma colaboração entre as classes, com o surgimento de uma teoria social pluralista que se opõe a ideologia da soberania estatal centralizada existente no império, organizando, de tal modo, os interesses conflitantes, uma vez que agora esse conflito se faria dentro do procedimento democrático parlamentar (Neumann, 2005, p. 26).

O que se buscava com a república de Weimar - de verniz parlamentar -, era uma possibilidade de coexistência de diferentes projetos de vida e visões políticas, o que marca um espaço político plural, exigido pela democracia. Para a co-habitação dessas cosmovisões parece necessária a existência de um pacto fundamental, um documento em que estejam presentes os termos desse grande acordo, o que será representado pela constituição de Weimar. De tal maneira, o documento constitucional surge como a base fundamental do acordo entre as forças sociais e políticas antagônicas, presentes na Alemanha de então (Neumann, 2005, p. 27).

O pacto supra referido irá se constituir como o artifício do pluralismo democrático que visa garantir a existência da democracia no período weimariano; significa dizer que existiram inúmeros pactos entre os grupos, com decisões importantes para os rumos da organização político-institucional do estado e sobre a vida política (Neumann, 2005, p. 27). Para Francisco Colom González:

A nova Constituição se estruturava em duas partes principais: uma primeira, referia-se a organização do Reich, e uma segunda que recolhia os direitos individuais e coletivos dos cidadãos com respeito ao Estado. Teóricos constitucionais de orientações tão distintas como Hermann Heller e Carl Schmitt chegaram posteriormente a coincidir na observação de que as partes do texto constitucional sobrepunham uma série de princípios contraditórios de caráter liberal esocialista, respectivamente. (1992, p. 323).

A proclamação da república e o advento da constituição de Weimar não extinguiram a insatisfação política, mas obscureceu a vista daqueles que lideraram a revolução de 1918. A esquerda alemã começou um verdadeiro gládio ideológico, com inúmeras rupturas do partido social-democrata (SPD) e aparição de novas agremiações partidárias como, por exemplo, o Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands (Partido Social-Democrata Independente da Alemanha – USPD) e o Kommunistische Partei Deutschlands (Partido Comunista da Alemanha – KPD), esse último conhecido por um grupo “espartaquista” cujas lideranças eram Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, assassinados em Berlim em 1919 por atividades do exército e dos Freikorps5, após a repressão a um levante que protestava contra algumas questões discutias no Parlamento sobre os rumos da Alemanha. Conforme Mary Fulbrook (2012, p. 175) “a divisão entre socialistas moderados e radicais sobreviveria até o colapso da democracia Weimar, quando os comunistas veriam os social-democratas como um mal maior até do que os nazistas”. Um grave erro de avaliação política que custará às liberdades e a democracia ao povo alemão.

Contudo, para além do conflito interno da esquerda, o ponto fundamental, de acordo com Franz Neumann, para as agressões a democracia, é o fracasso do partido-social democrata. Diz Neumann que:

Em que pese todas as explicações oficiais, o fato fundamental é o fracasso do partido social-democrata. Esse fracasso se deveu ao que o partido não se deu conta de que o problema central era o imperialismo do capital monopolista alemão, problema que cada vez se fazia mais urgente com o desenvolvimento contínuo do processo de monopolização. Quanto mais crescia o monopólio, mais incompatível resultava com a democracia política. (2005, p. 31).

A partir de tal ponto de vista se verificará um abismo entre a aposta no pluralismo democrático e os interesses do capital monopolista alemão, que irá se valer da gigantesca inflação do período para construir impérios econômicos e difundir uma ideologia de agressão ao regime democrático e a constituição de Weimar. Nessa linha, a fenda abismal será reforçada pelos ataques a democracia com a construção de um discurso unilateral que tinha pretensões de representar os interesses do “povo alemão”, o que se transformaria em verdadeiro nacionalismo com feições conservadoras e autoritárias. O quadro será agravado com a grande depressão, pois a crise econômica de 1929 “se traduz na Alemanha na busca de soluções antidemocráticas. A quebra da democracia estaria aparentada com a depressão dos anos trinta” (Espinosa, 1998, p. 288).

Cabe agora buscar as linhas de força de um dos autores mais críticos da democracia parlamentar de Weimar, a saber: Carl Schmitt. Dessa maneira, as aspirações que se seguem têm por objetivo inventariar alguns dos argumentos da crítica schmittiana ao liberalismo e, por consequencia, da democracia e da república de Weimar, assuntos esses que irão desencadear, igualmente, uma crítica da constituição e do constitucionalismo weimariano.

I. Primeiro passo: notas sobre o combate schmittiano ao liberalismo

A partir desse momento a investigação irá se concentrar nas reflexões de Carl Schmitt no contexto weimariano, fundamentalmente na análise de alguns aspectos de sua produção intelectual que se coloca de maneira crítica ao liberalismo e a democracia liberal, o que evidencia impactos para sua análise da Constituição e lançam as bases para formação de sua teoria do Estado, não se admitindo como tarefa da presente investigação a exposição pormenorizada de tal perspectiva que de acordo com Günter Maschke (s/d, p. 5) “atravessa toda a obra de Carl Schmitt”.

Preocupado com as circunstâncias históricas da Alemanha de seu tempo “Schmitt não hesitou em responder às suas vicissitudes, e para tanto ocupou-se prioritariamente do constitucionalismo liberal” (Bueno, 2014, p. 135), com o propósito de estabelecer uma reflexão e um diálogo combativo com a forma de organização do estado burguês de direito e com a sua representação dada na Constituição de Weimar.

O primeiro ponto que se coloca como objeto dessa análise é bastante conhecido, uma vez que Carl Schmitt pode ser considerado um dos críticos mais severos da ideologia política liberal. De qualquer maneira, pretende-se apenas uma aproximação das linhas de força de seus argumentos, evitando-se o reducionismo do rótulo de pensador nazi, por mais que não possamos efetuar uma separação do jurista Schmitt (e filósofo político) do homem que fez as escolhas político-partidárias que autorizariam a mencionada rotulação (Bueno, 2014, p. 133).

A geração de intelectuais alemães a qual pertence Schmitt foi forjada no clima de paz e segurança dos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, pensadores esses que cresceram em um ambiente de prosperidade. Segundo Ellen Kennedy:

Uma geração que nos anos que seguiram a guerra se rebelou, não só contra a nova República, senão também contra os pressupostos culturais e metafísicos que a sustentavam e que formavam o legado recebido do século dezenove: a crença no progresso e na tecnologia e na racionalidade instrumental (2012, p. 79).

Como visto, a doutrina política do liberalismo triunfa na Alemanha após a revolução de 1918 e a nova República irá encarnar para Schmitt e seus contemporâneos tudo aquilo que não era concretamente o espírito cultural do povo alemão, o que leva a concepção de que o contexto weimariano tem fundamentos políticos em falsos postulados, frágeis instituições e relações políticas superficiais (Kennedy, 2012, p. 79).

Já no prefácio à segunda edição de sua conhecida Teologia Política, nos diz Schmitt que o político deve ser compreendido como o total; toda dinâmica da vida social e cultural assume aspectos políticos e implicam em determinar o momento soberano da decisão. Essa última mesmo que se pretenda apolítica, representa uma decisão politicamente construída independe de quem atinge e que forma assume na sua justificação (Schmitt, 1996a, p. 84). Já mencionamos o assédio as instituições da democracia Weimar, também Schmitt irá atacálas, em especial, irá construir uma meditação acerca do parlamentarismo, com a defesa de certo controle sobre a instituição parlamentar com o fortalecimento da imagem da necessidade de um soberano que não esteja vinculado a ideia de limites institucionais impostos pelo Parlamento.

Roberto Bueno destaca que:

Deste modo, as maiorias parlamentares poderiam ser desconsideradas para fins de reforma constitucional, pavimentando o caminho para o regime autoritário em que toda legislação (e sua aplicação) fica à mercê da ação decisionista do soberano, pois realizava-se assim a passagem da teoria da representação (weimarianaparlamentar-liberal) para uma teoria da identidade (autoritária), entre governantes e governados. (2014, p. 135).

A ideia é de que a cultura germânica exigia uma representação identitária entre governantes e governados, uma identidade política que é negada no liberalismo e pelo Estado liberal. A representação parlamentar se apresenta como algo indireto e superficial no que diz respeito aos anseios políticos do povo e se liga ao individualismo das liberdades dos sujeitos. Nesse sentido, a representação é um conceito bastante importante para Schmitt e sua imagem parlamentar no liberalismo cumpre com sua função de neutralizar o movimento da ação política, desempenha a função de neutralização da política. Assim, a apreciação da diferença entre governantes e governados se constrói por uma identidade (autoritária) como critica política do liberalismo, oportunidade em que os governantes não são tidos como qualitativamente diferentes dos governados, mas estão no desempenho de funções que os diferenciam, contudo, não os colocam acima dos dirigidos pelo poder soberano, que se compreendem dentro de um contexto de homogeneidade política, ou seja, os governantes “identificam a sua ação com a vontade do povo” (Ferreira, 2004, p. 201).

Schmitt pensa o problema da representação a partir de uma análise do complexio oppositorum que é a instituição do catolicismo romano, a saber: a igreja católica. De acordo com Schmitt (1998, p. 22) não há nenhuma oposição que não seja compreendida pela igreja e “desde há muito que ela se glorifica por unir em si todas as formas de Estado e de governo, por ser uma monarquia autocrática cujo chefe é escolhido pela aristocracia dos cardeais”, no entanto, há democracia suficiente para que, se não considerarmos o estado e a providência, seu líder possa se tornar um soberano autocrático em que se reconhece a identidade entre o governante e os governados, então, a igreja é uma representação concreta que se exerce de maneira jurídica (Schmitt, 1998, p. 22). Nas palavras de Schmitt:

Mas ela só tem a força para esta forma, como para qualquer forma, porque ela tem a força da representação. Ela representa a civitas humana, ela apresenta a cada instante a união histórica entre o devir humano e o sacrifício de Cristo na cruz, ela representa o próprio Cristo, pessoalmente, o Deus que se tornou homem na realidade histórica. No representativo assenta a sua supremacia sobre uma época do pensar económico. (1998, p. 33).

Para Schmitt, o catolicismo romano ilustra no tempo presente a capacidade medieval de uma representação por identidade, a qual pode ser reconhecida nas figuras do imperador, do monge e do Papa, por exemplo; o que irá se perder na modernidade dado a substituição dessa figura pela ideia de uma atividade cientificista que pode ser reconhecida na pretensão de Augusto Comte em fundar uma religião positivista e, também, substituir os tipos representativos do medievo pelo cientista e o comerciante da modernidade (Schmitt, 1998, p. 33).

Schmitt diz que:

Na medida em que neste nada é enunciado senão a designação de uma delegação – a delegação dos indivíduos eleitores -, tal princípio não significaria nada de característico. Na literatura constitucional e na literatura política do último século é pensada, nesta palavra, uma delegação do povo, uma representação do povo diante de um outro representante, o rei; mas ambos – ou, quando a constituição é republicana, só o parlamento – representam “a nação” (1998, p. 39).

Conforme o jurista de Plettenberg essa representação como delegação do povo para se apresentar a outro representante (o soberano) é uma estratégia do liberalismo a fim de enfraquecer a ação política. Procede com uma cisão entre o representante e os representados, colocando em seu lugar a frágil efígie da participação procedimental no Parlamento, o lugar ao qual seriam canalizadas todas as tensões sociais para deliberação. A representação da igreja católica se oferece no olhar de Schmitt enquanto um exemplo publicista de representação, no entanto, a fundamentação liberal da representação estaria ligada apenas a interesses de ordem privada (Schmitt, 1998, p. 42).

Logo, a aliança tática entre liberalismo e democracia, que instituiria a justificação da legitimidade política do parlamentarismo só faz sentido para Schmitt quando há o combate contra a monarquia, essa união só é efetiva “quando há outra pessoa política (o Rei) frente ao que o Parlamento pode opor-se como o 'verdadeiro' representante do povo” (Sirczuk, s/d, p. 34).

O antiliberlismo de vestes teológicas de Schmitt se estrutura a partir de uma noção conflitiva do político cuja imagem é o dualismo amigo-inimigo, normalmente pensado a partir de Der Begriff des Politischen6. A referência a esse importante escrito se faz pela aspiração de se compreender que a crítica schmittiana ao liberalismo é feita por meio de uma meditação em torno do conceito do político que produz uma crítica de Schmitt direcionada ao Estado e ao constitucionalismo liberal que pretende refutar o antipolítico localizado, para Schmitt, no liberalismo (Herzog-Márques,1996, p. 151). Então, liberalismo e democracia não são sinônimos, pelo contrário, são conceitos estrategicamente aproximados, e pensar a partir da cisão de tais conceitos torna possível o diagnóstico de que as instituições do parlamentarismo liberal de Weimar não estão prontas para resolver concretamente os problemas políticos e da vida social, logo, esse aspecto oculta a crítica schmittiana ao positivismo jurídico formalista característico para Schmitt do liberalismo e que era personificado por Hans Kelsen (Bueno, 2014, p. 135).

Bernardo Ferreira argumenta que:

Segundo Schmitt, a associação que, no século XIX, pela via do parlamentarismo e da oposição às monarquias absolutas, teria se estabelecido entre democracia e liberalismo, não seria necessária. Pelo contrário, a emergência da democracia de massa tornaria evidente a natureza circunstancial dessa aproximação e estaria conduzindo à crise da ordem liberal-parlamentar. [...] Schmitt pensa a antítese entre liberalismo e democracia a partir do contraste – na verdade, um autêntico antagonismo – entre natureza política das ideias democráticas e a recusa do político no pensamento liberal (2004, p. 197).

A reflexão schmittiana antiliberal se coloca fortemente presente no texto Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus7, escrito em 1923, em cuja preocupação de Schmitt é refletir acerca da condição de possibilidade de uma relação entre liberalismo e sistema parlamentar como fundamentos da democracia. É importante notar que o objetivo de Schmitt neste escrito é indicar que a relação entre liberalismo e democracia é inviável, uma vez que a ideia de democracia é aproximada do liberalismo apenas com o fim de combater as monarquias absolutas (Schmitt, 1996b), porém, o liberalismo não é favorável a uma ação política concreta e uma esfera do político como espaço das lutas políticas. A objeção de Schmitt ao liberalismo se dá pelas pretensões desse último de despolitização da vida social e fortalecimento de mecanismos institucionais de mediação que não tem nenhuma efetividade do ponto de vista político e, ainda, “estruturas de mercado que, por trás, tinham atores judeus a formatá-las” (Bueno, 2014, p. 137).

Schmitt argumenta que o liberalismo e suas instituições estão destinados ao fracasso, seus fundamentos intelectuais (liberdade universal; deliberação pública; equilíbrio de poderes), bem como suas promessas que se ligam ao fim dos segredos de Estado e a limitação do poder soberano não correspondem à realidade quando se leva em consideração as necessidades da ordem concreta (Schmitt, 1996b). No fundo, para Schmitt, a Alemanha precisava se afastar de uma ideia de Estado pautada no relativismo liberal apontado como o caminho correto a seguir no contexto cultural e jurídico de Weimar (Bueno, 2014, p. 138) – em que um dos representantes de maior destaque era Kelsen-, todavia, na perspectiva schmittiana esse relativismo não passa de uma perversa ação política de impedimento do reconhecimento da identidade entre governo e sociedade, ou em termos schmittianos, a separação ou dualismo entre Estado e sociedade (Schmitt, 1996b). No diagnóstico de Schmitt o indivíduo burguês ao chegar ao poder dá prevalência aos interesses privados que tomam a figura de interesses públicos de maneira ideológica, dessa forma, o modelo de racionalização técnica do liberalismo preconiza a defesa do indivíduo privado burguês em detrimento do político, com a articulação das “despolitizações” e “neutralizações” feitas dentro do cenário da necessidade das discussões.

Nas palavras de Schmitt:

A democracia deverá abolir todas as distinções, todas as despolitizações típicas do século XIX liberal, e ao apagar a oposição Estado-sociedade (= o político oposto ao social) fará também desaparecer as contraposições e as separações que correspondem à situação do século XIX (1992, p. 47).

O político, para Schmitt, deve ser visto como o território do conflito, não sendo possível para o pensamento schmittiano imaginar uma harmonização feita através da discussão parlamentar. Schmitt, a fim de justificar seu ponto de vista e sua crítica a democracia e ao constitucionalismo liberal, vale-se da reflexão donosiana8, que afirmava ser a burguesia “uma classe que discute” (Schmitt. 1996a, p. 125). Dessa forma, deve-se atentar aos interesses e objetivos de Carl Schmitt quando observamos sua crítica à democracia no contexto weimariano. Há argumentos, a princípio, bastante sedutores, entretanto, sua reflexão pavimenta a estrada para um ponto de vista autoritário bastante presente no pensamento conservador alemão do período.

De acordo com Schmitt (1996a, p. 8) “a situação do sistema parlamentar tornou-se hoje extremamente crítica, porque a evolução da moderna democracia de massas transformou a discussão pública, argumentativa, numa simples formalidade vazia”. No entender de Schmitt um governo da discussão e um estado que garantem direitos e liberdades fazem parte do universo intelectual do liberalismo e não da democracia (Schmitt. 1996a, p. 10). Verifica-se que o liberalismo, ao alcançar o poder, aspira uma fusão com o conceito de democracia e modifica-se no sentido de afastar do político sua imagem contingente, propondo a necessidade e possibilidade de construção de um contexto pacífico de existência social, de um governo das leis e não dos homens, princípios que orientavam a nova República de Weimar. Para Schmitt a ambição do liberalismo é neutralizar o político, prende-lo a esfera da ética e subordinálo ao econômico (Schmitt. 1992, p. 88).

Destaca Schmitt:

O liberalismo decerto não negou radicalmente o Estado, mas por outro lado também não encontrou nenhuma teoria positiva do Estado e nenhuma reforma própria do Estado, mas procurou, isto sim, prender o político ao ético e subordiná-lo ao econômico; ele criou uma doutrina da divisão e do equilíbrio dos 'poderes', isto é, um sistema de obstáculos e controles do Estado que não se pode designar como teoria do Estado ou princípio de construção do político. (1992, p. 88).

Na percepção schmittiana o liberalismo almeja exercer o controle sobre o Estado, vincular o poder do Estado a sua esfera de atuação ou, além disso, criando barreiras que poderão servir aos seus interesses e, ainda, neutralizando o político com relação aos interesses dos negócios privados, de tal modo, “os pólos de ética e economia se enfrentam na política como âmbito da 'violência conquistadora' e o Estado se converte em mecanismo mediante o qual se devem garantir os direitos do indivíduo” (Sirczuk, s/d, p. 31).

De acordo com Roberto Bueno:

Na suposta invasão cultural estrangeira encontramos a máscara sob a qual ocultava-se a crítica radical ao direito positivado na Constituição de Weimar, criticado como incapaz de firmar valores (muito menos os genuínos alemães). A esta perspectiva era atribuída uma filosofia relativista que a nada mais conduziria do que a alguma versão do niilismo, acusação feita por Schmitt à teoria kelseniana do direito [...] bem certo e definido era para Schmitt (e para o conservadorismo alemão) que aquilo que até então era determinado como constitucionalismo não passava de uma nefasta herança jurídica estrangeira de corte anglofrancesa. (2014, p. 138).

Nesse horizonte de perspectiva, o liberalismo ambiciona uma supremacia dos eu individualismo sobre o político, deseja uma desconstrução do público, passando esse último a ser representado por sua imagem institucionalizada apenas. Então, no período weimariano Schmitt objetiva construir sua reflexão a partir da aceitável noção de ditadura comissária, uma figura justificável político-juridicamente, que nos remete ao modelo da magistratura da ditadura existente em Roma - surgida no período republicano -, dado sua natureza de governo de crise, significa dizer que o ditador comissário teria de aparecer em situações de crise da ordem ou de potencial abalo a estabilidade política (Schmitt, 1968).

Sirczuk afirma que para Schmitt:

A democracia tem como princípio uma série de identificações (estado e Lei, governantes e governados, dominadores e dominados) em que as decisões que se tomam no interior de uma comunidade política só tem valor para aqueles que formam parte dela e em que a Lei não representa outra coisa que a vontade do povo [...] Enquanto que a democracia parte do pressuposto da homogeneidade do povo que contém, como toda igualdade política em um sentido substancial, uma desigualdade com respeito aqueles que, por não pertencer a comunidade, são estrangeiros, o liberalismo supõe uma igualdade entre todos os seres humanos que, mais do que um conceito político, forma parte da concepção individualista e moral humanitária que este professa (s/d, p. 34).

Dessa maneira, a crítica schmittiana ao liberalismo se revela importante na medida em que é capaz trazer à luz o fato de que o procedimento neutro e despolitizado da democracia parlamentar pode se prestar como uma estratégica política de manutenção de poder (Schmitt. 1992, pp. 92-93). Todavia, há que se ter cuidado com o potencial impacto da linguagem febril da crítica de Schmitt ao liberalismo e ao parlamentarismo, tornando-se possível identificar as marcas autoritárias de um pensamento conservador, que se pretende revolucionário por compreender que a ordem weimariana é estranha ao espírito, aos costumes e a tradição do povo alemão. Doravante, almejase uma aproximação de outro importante argumento de Schmitt e de sua crítica a democracia Weimar, a saber: o problema da decisão.

II. Segundo passo: em torno ao decisionismo schmittiano e suas implicações para a crítica da democracia weimariana

Como se viu o pensamento schmittiano nutria-se na fé católica, preocupava-se com as questões acerca do poder, dos direitos, ultrapassando os temas de sua área de formação, para refletir sobre questões políticas e teológicas. No que diz respeito ao que se convencionou chamar de decisionismo, é fartamente conhecida à sentença de Schmitt que inaugura sua Politische Theologie, a saber: “soberano é aquele que decide sobre o Estado de exceção” (Schmitt, 1996a, p. 87). Como no primeiro movimento do texto, não se admite como tarefa nesta seção a reconstrução em por menores do pensamento schmittiano a respeito da decisão e do que veio a ser conhecido por decisionismo. As pretensões da presente investigação se ligam a uma aproximação e uma contextualização histórica de Schmitt dentro do período weimariano, com o fito de inventariar as linhas de força de seu pensamento e, nesse caso específico, do argumento acerca da decisão como não portadora de vínculos normativos. Por conseguinte, verificaremos uma questão bastante pontual dentro da reflexão schmittiana que envolve uma crítica ao Estado de direito burguês e mobiliza argumentos que irão contrapor decisionismo e normativismo e o positivismo jurídicos (Maschke, s/d, p. 5).

O diálogo de Schmitt nesse ponto será feito com Hans Kelsen, haja vista que para Schmitt a teoria normativa do estado de Kelsen era herdeira e representante do liberalismo apolítico existente na Alemanha após 1918.

De acordo com Carlos Herrera, Schmitt:

Em todo caso, considerava a 'teoria normativa do Estado' de Kelsen como a herdeira do liberalismo doutrinário logo das transformações de 1918 na Alemanha. Para Schmitt, inclusive a Constituição de Weimar, uma das primeiras expressões do constitucionalismo social como a mexicana de 1917, era uma “constituição póstuma”, que realizava os ideais do Estado de direito burguês do século XIX. (1998, p.202).

De início, parece que a interpretação schmittiana da soberania e do político baseia-se em sua compreensão – também bastante difundida -, de que as categorias conceituais da teoria do estado são conceitos teológicos secularizados (Schmitt, 1996a, p. 109). Quando se coloca o problema da decisão, a intenção de Schmitt é refletir acerca do fundamento do Estado, da ordem - tanto concreta quanto normativa -, e da forma jurídica, o que se expressaria na figura personalizada do soberano e, portanto, para Schmitt o elemento jurídico por excelência não poderia estar contido em uma norma, mas, sim, na decisão soberana, que diz respeito, também, a situação de normalidade (Schmitt, 1996a).

Ao colocar para o pensamento normativista o problema da situação limite e do caso de exceção, torna-se possível a Schmitt destacar o momento soberano:

A Constituição, no máximo, menciona quem pode tratar da questão. Se esse tratamento não se subordinar a nenhum controle, então não se distribuirá (como na prática da Constituição do Estado de direito) de alguma forma entre as diversas instâncias mutuamente restritivas e balanceadoras; assim se evidenciará claramente quem é o soberano. Ele não só decide sobre a existência do Estado emergencial extremo, mas também sobre o que deve ser feito para eliminá-lo. Ele se situa externamente à ordem legal vigente, mas mesmo assim pertence a ela, pois é competente para decidir sobre a suspensão total da Constituição. (Schmitt, 1996a, p.88).

Schmitt irá enfatizar que para se compreender a situação de normalidade é preciso partir do caso de exceção, significa dizer, refletir a respeito da situação limite. A exceção é aquilo que escapa a norma e não se assemelha ao caos ou a anarquia – em sentido jurídico a ordem continua existindo mesmo que não seja uma ordem jurídica -, e só a partir da situação de exceção torna-se possível uma melhor compreensão do que é a situação normal, uma vez que para Schmitt é a exceção que explica a regra (Schmitt, 1996a, p. 92).

Na compreensão de Schmitt o caso de exceção coloca a prova os dois elementos conceituais da expressão 'ordem jurídica'. Para o jusfilósofo de Plettenberg há um choque entre esses elementos que irá demonstrar a independência conceitual de ambos os termos (Schmitt, 1996a, p. 92). Diz, então, Schmitt:

Como no caso normal, em que o momento independente da decisão pode ser reduzido a um mínimo, no caso de exceção a norma é eliminada. Mesmo assim, o caso de exceção continua acessível ao reconhecimento jurídico, porque ambos os elementos, tanto a norma quanto a decisão, permanecem no âmbito jurídico. (1996a, p. 92).

Não se tem a pretensão aqui de ingressar no interessante ponto de vista do estado de exceção - uma temática que atravessa a produção schmittiana -, dado as limitações do presente estudo, mas se fazia necessário algumas linhas a respeito desse tema para melhor compreender a tese decisionista de Schmitt. Como a situação de exceção é aquela que escapa a norma é ela também que irá revelar “um elemento formal jurídico específico, em sua pureza absoluta que é a decisão” (Schmitt, 1996a, p. 92).

O argumento defendido por Schmitt apresenta a decisão ao âmbito jurídiconormativo como algo normativamente indeterminado, enquanto tese explicita da Teologia Política, mostra-se como momento autônomo do direito vinculado a uma realidade que o precede e a exige (ordem concreta), não sendo redutível a norma jurídica, dessa maneira, a decisão se manifesta “através da possibilidade de estabelecer uma decisão não normativamente determinada, isto é, uma decisão que possa abrir um “Estado de exceção” diante da norma” (Sá, 2013, p. 45).

Segundo Alexandre Franco de Sá:

Com uma tal tese, Schmitt expunha então uma posição decisionista, segundo a qual o direito enquanto ordem jurídica não poderia surgir como uma totalidade fechada sobre si. Para o decisionismo, o direito aponta sempre, como condição de possibilidade da sua efetivação como direito, para o âmbito não normativo, para o âmbito fáctico de uma decisão que, não lhe estando vinculada, pode estabelecer a ordem ou a “situação normal” em que este direito poderá vigorar. (2009, p. 5).

O surgimento do estado de exceção, de acordo com Schmitt, pode ser compreendido como a situação concreta que autoriza e expõe a separação entre os conceitos de ordem e ordem jurídica, o que se poderia pensar como uma objeção a perspectiva que reflete o ser (Sein) e o dever-ser (Sollen) em termos kelsenianos, uma oposição que é feita para demonstrar que o mundo do ser (Sein) não se trata apenas de uma situação em que impera a lei de causalidade dos objetos e fatos mundanos, mas, sim, espaço em que é preciso uma ordenação e essa última será feita pela autoridade soberana (o Estado), logo, “numa situação excepcional e urgente, a ordem e a condição da ordem (o Estado) tem uma prioridade sobre a ordem jurídica, e a decisão manifesta, dentro do âmbito jurídico, a sua irredutibilidade à norma” (Sá, 2009, p. 5).

Schmitt afirma que:

Não existe norma aplicável ao caos. A ordem deve ser implantada para que a ordem jurídica tenha um sentido. Deve ser criada uma situação normal, e soberano é aquele que decide, definitivamente, se esse Estado normal é realmente predominante. Todo direito é um direito 'situacional'. O soberano cria e garante a situação como um todo, em sua totalidade. Ele detém o monopólio dessa última decisão. É nisso que reside a essência da soberania estatal que, portanto, define-se corretamente não como um monopólio da força ou do domínio, mas, juridicamente, como um monopólio da decisão, em que a palavra 'decisão' é empregada num sentido genérico, passível de um maior desdobramento. O caso de exceção revela com maior clareza a essência da autoridade estatal. Nesse caso, a decisão distingue-se da norma jurídica e (formulando-a paradoxalmente) a autoridade prova que, para criar o direito, ela não precisa ter direito9. (1996a, p. 93).

Para Schmitt o caso de exceção é um problema insolúvel para teóricos do direito e do estado como Krabbe e Kelsen. Falando especialmente ao jurista austríaco na Politische Theologie, Schmitt assevera que Kelsen não poderia saber o que fazer com o estado de exceção, na medida em que sua teoria do direito anseia uma pureza metodológica que privilegia o âmbito do Sollen (dever-ser) e aspira retirar do âmbito do direito qualquer manifestação que provenha do domínio da vontade, da política, das ideologias e do poder (Kelsen, 1991). Assim, a norma surgiria a partir de um postulado científico-normativo, que torna o conhecimento do direito objetivo (científico), e irradia validade ao sistema jurídico, autorizando o reconhecimento da ideia de estado como sendo a própria ordem jurídica (Kelsen, 1991).

No entanto, segundo Schmitt:

Mas os racionalistas deveriam ver-se interessados também em saber que a própria ordem jurídica pode prever o Estado de exceção e 'suspender-se a si mesma'. O fato de uma norma, uma ordem ou um ponto de imputabilidade 'implantarse a si mesmo' parece ser uma suposição bastante fácil de imaginar, para esse tipo de racionalismo jurídico. Mas como a unidade e a ordem sistemáticas poderiam se autosuspender num caso concreto é algo difícil de conceber, e continua sendo um problema jurídico enquanto o Estado de exceção for distinto do caos jurídico de qualquer espécie de anarquia. A tendência do Estado de direito de regulamentar detalhadamente o Estado de exceção representa a tentativa de circunscrever o caso no qual o direito suspende a si mesmo. (1996 a, p. 93).

Para Schmitt a norma pressupõe a decisão como condição de possibilidade de sua efetivação, então, “a norma não pode encerrar dentro de si e esgotar a decisão, determinando-a originariamente no seu conteúdo, e a decisão não pode deixar de ser caracterizada, enquanto inesgotável pela norma como tendo origem em nada de normativo” (Sá, 2013, p. 45-46). É bastante conhecida a passagem da Teologia Política em que Schmitt afirma que a decisão surge do nada (Schmitt, 1996 a), argumento esse que tem causado alguns equívocos interpretativos. Schmitt não parece dizer que a decisão soberana surge de um nada do ponto de vista de espaço e tempo, mas, apenas, que do ponto de vista jurídico a decisão soberana não depende da norma como algo de conteudístico ou autorizador. A decisão, por ser soberana, não dependeria de uma observância da norma para que se reconheça sua autoridade, de tal modo, a própria decisão é a condição de possibilidade para a vigência da norma, isto é, a decisão soberana antecede e funda a norma jurídica (Sá, 2013, p. 46).

Dessa maneira, conforme Alexandre Sá:

Para Schmitt, ao invés do que Krabbe e Kelsen propunham, a norma constitutiva do direito não pode ser pensada senão a partir de sua efetivação, isto é, a partir de sua aplicação a uma situação existente e, cosequentemente, a partir da sua articulação com o poder capaz de decidir esta mesma aplicação. E se, sem a decisão que a efetiva, a norma nada é, se a norma, despojada do elemento decisório, é uma pura e simples abstracção, tal quer dizer que esta norma remete sempre para a decisão de uma autoridade que, nessa medida, não pode ser deslocada para fora do âmbito jurídico. É esta inevitável remissão da norma ao poder, à autoridade que decide sua aplicação, que Schmitt procura expressar através de seu decisionismo. (2009, p. 10).

Utilizando a soberania como o núcleo de sua concepção, Schmitt apresenta agora outro modelo de crítica à democracia Weimar, interessado, na realidade na defesa de um estado autoritário. Então, o Estado teria como pressuposto o conceito do político e todas as instituições observariam que a realidade política é o que importa. A constituição, portanto, só teria validade quando proveniente de uma decisão e passaria a se basear na realidade da ordem concreta; aplicar-se-ia a depender da situação existente, o que demonstra o caráter situacional do direito contrapondo-se a um direito ideal que reivindica pureza metodológica; e tal reivindicação constituiria uma ordem jurídica despojada de “qualquer contacto com a realidade efectiva”, com uma ideia de direito como “um puro e simples nada” (Sá, 2009, p. 10).

Ponto de polêmica na Constituição de Weimar dizia respeito ao seu famoso artigo 4810, que possibilitava certo decisionismo e permitia a utilização de medidas de emergência e até mesmo de suspensão de direitos fundamentais, a se considerar as circunstâncias fáticas, portanto, ao presidente se concedia poderes extraordinários de ação.

Roberto Bueno expõe que:

A proposta de Schmitt acerca da necessidade de fortalecer o poder do Reichspräsident não era uma resposta imediata à agudização da crise de fins dos anos 20, senão que vinha sendo construída desde o início da mesma, com ponto alto em sua Politische Theologie. As instabilidades de início dos anos 20 já o inspiraram a pensar na exceção como regime, não como ponto fora da curva a ser retomada na figura da normalidade. (2014, p. 150).

A interpretação de Bueno parece acertada quando pensa que não há uma ruptura no pensamento de Schmitt, algo que diga respeito a uma desconexão das propostas teóricas do início dos anos 20 e retomada de argumentos decisionistas e de reflexão acerca da exceção quando dos anos de crise no final da década, especialmente nos pós 1929. Com base no argumento da situação de exceção, Schmitt propõe que o soberano é aquele legitimado a tomar a decisão. O artigo 48 concedia poderes extraordinários e direitos que ficariam suspensos quando o próprio soberano entendesse a existência da desordem

A decisão de urgência não parte da decisão do povo. Em última análise, quem decide é o soberano, que detém o poder. As situações resultantes da suspensão de direitos indispensáveis aos cidadãos parecem consistir na suspensão da ordem jurídica e desprender-se do direito. Destarte, o guardião da ordem, sem diálogo ou discussão, pode utilizar seu poder para suspender a validade do direito colocando-se legalmente fora da lei.

Como diz Roberto Bueno:

Com isto, Schmitt coloca o soberano dentro e fora do sistema, pois ele já não é apenas encarregado de aplicar as medidas excepcionais, de gerir as circunstâncias de crise com o fito de restabelecer a normalidade mas, ainda muito mais, ele decidirá também quando as circunstâncias excepcionais cessam de existir e as instituições podem voltar à normalidade. Schmitt associa normalidade à ordem, e a contrapõe a crise e desordem. (2014, p. 151).

Nota-se que o pensamento schmittiano terá impactos não só como crítica da democracia liberal weimariana, mas, também, na teoria constitucional do período, justificando uma ação autoritária do soberano que atuaria “em foro préconstitucional, como se fora o povo atuando em espaço de criação da Constituição, conforme a previsão do artigo primeiro da Constituição de Weimar” (Bueno, 2014, p. 152). O artigo primeiro da Constituição de Weimar confirma a teoria da soberania popular, ou seja, de que todo poder emana do povo. No entanto, de acordo com Roberto Bueno, Schmitt coloca o Reichspräsident como um verdadeiro senhor da Constituição e não seu guardião. A partir do momento em que liberalismo e democracia são apresentados como categorias distintas e apenas ideologicamente aproximadas, não representando as estirpes do povo alemão, somado aos momentos de crise (fundamentalmente econômica) do estado germânico, está autorizada uma atuação decisionista do soberano.

Dirá, então, Roberto Bueno:

Em tal cenário o Reichspräsident deveria funcionar como tutor ou guardião da Constituição, mas talvez devamos dizer algo mais, ou seja, que para Schmitt deveria operar como uma genuína categoria teológica capaz de deter o caos eminente. Schmitt desloca o Executivo da função de mero guardião e lhe outorga a titularidade do poder soberano, pois para realizar a magnífica função a ele outorgada não poderia deparar-se com quaisquer resistências, que se houvessem, deveriam ser afastas como ilegítimas (em face do interesse do Estado) e ilegais (por obstar a ação do soberano) (2014, p. 152).

A Constituição, portanto, não pode ser um entrave à soberania e ao desenvolvimento do povo, existindo a necessidade de recorrer-se a autoridade soberana com poder de decisão, como àquele que, na interpretação de Schmitt, é o senhor da constituição, o qual irá dispor dessa como seja de interesse do Estado. Portanto, o soberano legitima e auto-referencia sua própria atuação, tendo em vista a outorga feita a autoridade estatal de poderes extraordinários para a tomada de decisão e ação, por consequencia, o soberano é quem decide a respeito da suspensão da Constituição, bem como quando a situação de exceção se encerra, retomando-se a normalidade, oportunidade em que a Constituição voltará a ser aplicada, destarte, “Schmitt entroniza o ditador soberano no lugar do povo, travestido de mero guardião da ordem constitucional” (Bueno, 2014, p. 153).

Desse modo, a previsão do dispositivo normativo do artigo 48 da Constituição de Weimar dá ensejo à atuação decisionista do ditador carismático, Schmitt ao interpretar tal dispositivo enxergava a possibilidade de ação do Presidente do Reich com amplos poderes por certo período de tempo, no entanto, como na República romana, o que se encontrava velado no argumento era a pretensão de um governo de linhagens autoritárias, havia a sombra do comissariado ditatorial, o que vincula o pensamento de Schmitt do fim a década de vinte com o do começo dessa quadra da história alemã, dessa forma, o governo de crise modifica a democracia, passando essa última a ser uma democracia anormal, que dependerá da decisão de um soberano que encontra-se livre de amarras para declarar a normalidade. Portanto, essa figura pode representar a sombra ameaçadora do extremo, daquele que ao invés de decidir pela restauração da ordem é a figura que governa pela anormalidade democrática.

Considerações finais

Diante do que restou dito até aqui, o que se titulou de alguns passos rumo ao autoritarismo teve por objetivo uma brevíssima apresentação de alguns temas e problemas bastante complexos que se vinculam as demandas feitas ao pensamento jurídico-político na contemporaneidade e quem dizem respeito às temáticas da democracia e do constitucionalismo.

Em um período em que se retoma o pensamento de Carl Schmitt, talvez seja importante também se perguntar com Atílio Borón qual a necessidade de se pensar criticamente a democracia com o inimigo, ou seja, se de fato Schmitt seria o melhor companheiro de caminha acerca de uma reflexão crítica da democracia e, por consequencia, do constitucionalismo. A tentativa foi de se aproximar de alguns dos conceitos e das críticas feitas por Schmitt à democracia alemã de Weimar, via seu antiliberalismo teológico e a construção de uma proposta decisionista que fortalece a figura do Presidente, desvinculando-o das amarras jurídico-institucionais.

Dessa maneira, parece uma boa a interpretação do pensamento schmittiano aquela que contextualiza sua reflexão nos períodos históricos supra e não perde de vista as escolhas político-partidárias feitas por Carl Schmitt nos anos de 1930.

Assim, é possível pensar Schmitt vinculado a uma diretriz teórica político-jurídica de chave conservadora e autoritária, que formula uma crítica antidemocrática a democracia. Portanto, as agressões à República de Weimar e ao seu documento constitucional objetivavam a caracterização de um período de crise em que se pudessem expandir os poderes do Executivo, mediante, em termos donosianos, a “satanização” de tudo o que o Parlamento poderia representar, a saber: a gewalt11 revolucionária, de tal modo, sua crítica ao sistema parlamentar não pode ser compreendida com ingenuidade - da ruptura temporal de seus escritos ou que certo normativismo de pureza metodológica poderia limitar um pensamento da ordem concreta -, a menos que se pretenda vislumbrar, mesmo com o fim da guerra, a possibilidade de um seu herói - sob a persona inicial do voluntário conforme Jünger -, que se metamorfoseou no mercenário nos anos pós-guerra e agora se pretende crítico da democracia. Em termos benjaminianos (2008, pp. 70-71), isso nos levaria à nação dos fascistas, que possui um rosto de esfinge e que não é responsável por nada e perante ninguém, nem ao menos diante de si mesma, constituindose em um novo mistério com marcado caráter econômico. Tomar consciência disso, eis a tarefa daqueles que prezam pela manutenção das liberdades e que pretendem resistir ao poder que se pretende incontrolável e ao autoritarismo, restando expostas em linhas iniciais algumas pistas dos perigos de se resgatar o inimigo, ou seja, da critica schmittiana à democracia.

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Notas

1. É curioso notar que para alguns a impressão inicial da guerra é de um grande entusiasmo, conforme se vê no relato de Ernst Jünger, no inicio de seu livro In Stahlgenwittern, em que relata “Havíamos deixado salas de aula, bancos de escola e mesas de trabalho e, em curtas semanas de treinamento, estávamos fundidos em um grande e entusiasmado corpo. Criados em uma época de segurança, todos sentíamos a nostalgia do incomum, do grande perigo. [...] Aguerra, por certo, nos proporcionaria o imenso, o forte, o solene. Ela nos parecia uma ação máscula, uma divertida peleja de atiradores em prados floridos e orvalhos de sangue” (Jünger, 2013, p. 7). Jünger será um pensador nacionalista de projeção no período weimariano e presente nas reflexões de Carl Schmitt.
2. As traduções são feitas de maneira livre pelos autores, salvo indicação em contrário.
3. Documento assinado para por fim a Primeira Guerra Mundial em que se exigia da Alemanha o reconhecimento de sua responsabilidade, impondo sanções de reparação a inúmeros Estados e, ainda, os termos impostos à Alemanha incluíam a perda de uma parte de seu território para certo número de nações fronteiriças, de todas as colônias sobre os oceanos e sobre o continente africano, bem como uma restrição ao tamanho de seu exército.
4. De acordo com Francisco González (1992, p. 321) “o teor dos acontecimentos, da denominada “revolução de novembro” consistiu mais em um colapso da monarquia e do poder ditatorial de seu último defensor, o general Ludendorff. Longe de culminar um processo revolucionário ao estilo bolchevique, o nascimento da república de Weimar foi fruto de um acordo entre as principais forças sociais e políticas que reconfigurou o equilíbrio do poder imperante na velha Alemanha guilhermina”.
5. Os “Corpos Livres”, grupos para-militares voluntários financiados pela indústria e treinados pelas forças armadas para suprimir os levantes políticorevolucionários (Fulbrook, 2012, p. 175).
6. O Conceito do Político.
7. Situação espiritual do sistema parlamentar.
8. Juan Francisco Donoso-Cortês (1809-1853), filósofo católico da contra-revolução e diplomata espanhol, bastante presente na reflexão schmittiana, especialmente acerca da ditadura.
9. Apassagem foi ligeiramente adequada pelos autores no que diz respeito à substituição do termo justiça pela expressão direito.
10. Dispõe o artigo 48 da Constituição de Weimar: Artikel 48 - Der Reichspräsident kann, wenn im Deutschen Reiche die öffentliche Sicherheit und Ordnung erheblich gestört oder gefährdet wird, die zur Wiederherstellung der öffentlichen Sicherheit und Ordnung nötigen Maßnahmen treffen, erforderlichenfalls mit Hilfe der bewaffneten Macht einschreiten. Zu diesem Zwecke darf er vorübergehend die in den Artikeln 114, 115, 117, 118, 123, 124 und 153 festgesetzten Grundrechte ganz oder zum Teil außer Kraft setzen.
11. Gewalt pode significar ao mesmo tempo violência e poder.


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