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Dinâmicas culturais da modernidade: um debate sobre identidades e política.
Cultural dynamics on modernity: a debate about identities and politics.
Reflexión Política, vol.. 20, núm. 39, 2018
Universidad Autónoma de Bucaramanga

Artículos


Recepção: 31 Março 2017

Aprovação: 15 Dezembro 2018

Resumo: O presente artigo debate as relações entre cultura e modernidade, a partir da epistemologia das ciências sociais e sua incidência nos atuais dilemas da filosofia política. Assim, procurase compreender se a noção de emancipação pode ser resgatada na análise das dinâmicas culturais, conforme a passagem da modernidade para a pós-modernidade desdobra-se em termos de novos sujeitos e fronteiras fluidas, desfazendo as noções de estrutura social, de território e de Estado. O texto reforça a necessidade de composição de um novo paradigma de reconhecimento que vá para além das prerrogativas críticas estabelecidas nas ciências sociais, ou seja, considerando as diferenças culturais como ponto de apoio. Entende-se que essa opção tende a assegurar tanto a identidade do sujeito subalterno como a possibilidade de construção de sua representação política.

Palavras-Chave: Cultura, Reconhecimento, Identidade, Estudos Culturais, Estudos Subalternos.

Abstract: This article aims to discuss the relations between culture and Modenity, from the epistemology of the social sciences and their impact on current dilemas of political philosophy. Thus, it seek to understand if the notion of emancipation can be redeemed in the analysis of cultural dynamics, as the passage from modernity to postmodernity unfold in terms of new subjects and fluid borders, undoing the notions of social structure, territory and State. In this regard, it reinforces the need for composition of a new recognition paradigm that goes beyond the critical prerrogatives already estabilished in the social sciences, in other words, considering the cultural differences as foothold. It is understood that this option tends to ensure both the identity of the subaltern subject, as the possibility of building its political representation.

Key words: Culture, Recognition, Identity, Cultural Studies, Subaltern Studies.

Introdução

Os lugares que conhecemos não pertencem sequer ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não passam de uma delgada fatia em meio às impressões contíguas que formavam nossa vida de então; a recordação de uma certa imagem não é mais que a saudade de um determinado instante; as casas, os caminhos, as avenidas, infelizmente são fugitivas como os anos -Marcel Proust

Desde o início do Pensamento Moderno, as preocupações com a cultura estiveram sempre presentes, não apenas como um fator isolado, mas como uma construção de base filosófica, a qual permitiu que a cultura permanecesse como uma disciplina de análise e teorização das mais diferentes áreas das ciências sociais e humanidades. Para a Modernidade, a separação entre as várias esferas da vida social tornou-se problemática na medida em que a unidade monadológica era considerada como normal e razoável, porque assim, poderiase estimar uma noção total da sociedade.

Conforme a emergência das ideologias nacionalistas e totalitárias, os limites da cultura foram estabelecidos pelas delimitações Estado-nação. Por outro lado, através de uma leitura de base econômica, a cultura foi subordinada ao desenvolvimento da sociedade capitalista, que por sua vez, era apenas entendida no conflito entre as sociedades desenvolvidas e as sociedades em desenvolvimento - separação que não contemplaria o colonialismo como sistema econômico e de poder/dominação vigente no mundo periférico.

Dito isso, o presente artigo procura responder a seguinte questão: quais as mudanças, presentes no pensamento social, que pautaram as concepções de cultura e quais os seus sentidos? Essa questão aponta para a relação entre cultura e política, pois se remetem às preocupações da cultura na filosofia política contemporânea, em torno de uma significação prática na construção conceitual da democracia, em sua perspectiva multicultural.

A hipótese a ser aqui trabalhada é de que a cultura e a política nunca estiveram separadas na prática, apenas na teoria social, e que, por isso, necessitam ser pensados novos caminhos políticos e culturais para que os desafios sociais que transladam em torno das configurações da democracia atual permitam o reconhecimento cultural a partir do "Outro", subalternizado nos processos de legitimação do poder.

1. A modernidade e a impossibilidade de conciliação das esferas sociais

Nenhuma definição na Modernidade é tão marcante quanto a de Kant, acerca do Iluminismo, "a saída do homem de sua menoridade", afirmando os princípios da supremacia da razão sobre qualquer outro fenômeno humano que não partisse da Razão (Vernunft). Essa concepção é apoiada pela própria noção fundante da Metafísica kantiana, através da ideia de que apenas o conhecimento humano é o único possível, dividido entre a sua aparência, ou seja, o fenômeno (Ersheinung) e, a coisa em si mesma, a essência (Schein), a qual não pode ser conhecida pelos princípios da Razão. Essa postulação da estrutura da Razão estabelece a formação (das Bildung) como o processo do qual ela deveria seguir linearmente e não admitir quaisquer contradições. A condição imanente da Razão e seu uso prático - a distinção entre Razão Pura e Razão Prática - significariam que o produto elaborado por seu conjunto seguiria uma permanente formação que levaria ao desenvolvimento do homem e de sua capacidade racional e oposição à barbárie, representando a saída do estágio primitivo ou sua menoridade, através daquilo que materialmente seria considerado como cultura.

O exemplo de Adorno e Horkheimer (1985) acerca de Ulisses revela que o Mito teria uma capacidade de estabelecer problemas à efetivação prática da Razão, da qual o "mítico" personagem revela sua destreza e uso daquilo que Hegel chamou de "astúcia da razão" (Die List der Vernunft), como forma de superação dessa dialética, através da máxima "perder-se para se conservar", o que significa a ameaça de perder a sua própria vida para se manter vivo, ou seja, a efetividade da razão instrumental. Essa noção apresenta o elemento central da Dialética Negativa da Teoria Crítica, da qual a Filosofia teria perdido a sua capacidade de realização em prol da continuidade de sua existência (Ribeiro, 1988). Esse uso da Razão é estabelecido tanto por um princípio de equivalência simbólica e linguística, como também pela necessidade de superação do mito e reconciliação das esferas subjetivas e objetivas, pois a astúcia "consiste em explorar a distinção, agarrando-se à palavra, para modificar a coisa", gerando a "consciência da intenção", da qual "a palavra idêntica pode atribuir coisas diferentes" (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 65).

Apesar do pessimismo teórico imputado pela Teoria Crítica, a percepção de uma relativa possibilidade de equivalência da concepção estética da Aufklãrung, contém o "Outro", enquanto sujeito recalcado pela Razão, mas não ausente de cogitar uma outra racionalidade ou uma "possibilidade utópica de reconciliação" (Ribeiro, 1988, p. 31). No entanto, o desenvolvimento da Teoria Crítica preferiu dar maior prioridade à noção totalizante de Indústria Cultural do que à relação da Modernidade com o "Outro", pois a primeira representaria um seguimento da Razão Instrumental em consonância com o desenvolvimento do capitalismo, conservando, portanto, a base marxiana da possibilidade de emancipação através do trabalho. Diante dessa dupla acessão, a Razão foi postulada como um desenvolvimento uníssono e universal que levaria o homem a afastar-se da barbárie e do mito, através da sua própria produção intelectual e material, necessitando, assim, da "astúcia", como guia de novos caminhos, marcando o definitivo afastamento da catástrofe e da violência.

Esse processo fundador da Modernidade Iluminista não se eximiria de sua incumbência, conforme a ideologia científica da Modernidade, o positivismo, construiria o "mito do progresso", através das leis universais - assim como presente em Saint-Simon e Auguste Comte - , noção que se disseminou tanto na cultura como na política. Exemplos disso, podem ser vistos pela distinção entre a alta cultura (marcada pela expressão máxima dos valores estéticos e racionais) e a cultura popular ou de massas (originária em irracionalidades míticas); e, no campo político, os grandes mitos do nazismo e da formação do estado Nazista como uma construção ideológica, com bases científicas que iriam assegurar a "reconciliação" cultural e política da sociedade alemã. Contendo essa impossível promessa, o nacionalismo tentou pelos meios de progresso e ciência efetivar essa conciliação, causando um problema cultural e político - a eliminação física de indivíduos para o bem de outros.

No entanto, a própria construção da Modernidade como conquista do esclarecimento revela o medo da irreconciliação, da qual um dos principais críticos, Max Weber, teorizou na concepção de afastamento da crença na ordem supra-mundana. Por conta disso, a prática social deveria estar voltada para a construção do mundo social e favorecendo a racionalidade econômica, pois, ao se constituir como um manto leve, na verdade, tornou-se uma "jaula de ferro" que aprisionaria o homem em sua própria criação. Assim, a modernidade cultural em Weber fundamenta-se na separação de reação substantiva, expressa na religião e nas visões de mundo metafísicas que agora seriam apenas capazes de serem conectadas formalmente.

A tentativa de resguardar a modernidade enquanto um processo ainda em seguimento, trouxe a mesma questão a Habermas (1998), considerando problemática a concepção cultural herdada do Iluminismo, do modernismo e do vanguardismo, pautada na construção de uma ciência objetiva, com moral e leis universais, e uma arte autônoma da realidade, com sua normatividade interna e estética. No entanto, a crítica à modernidade operada por Nietzsche foi de suma importância, ao estabelecer a centralidade das relações de poder em detrimento da racionalidade científica moderna:

Nietzsche deve o seu conceito de modernidade, desenvolvido numa perspectiva de teoria do poder, a uma crítica desmascaradora da razão que se coloca a si própria fora do horizonte da razão. Esta crítica dispõe de uma certa sugestividade, pois apela, pelo menos implicitamente, a padrões bebidos nas experiências fundamentais da modernidade estética. [...] Daí que as desocultações da teoria do poder se enredem no dilema de uma crítica autorreferencial, tornada total, da razão. [...] Por um lado, Nietzsche sugere a possibilidade de uma contemplação artística do mundo realizada com meios científicos, mas numa atitude antimetafísica, antirromântica, pessimista e céptica. [...] Por outro lado, [afirma] a possibilidade de uma crítica da metafísica que desenterre as raízes do pensamento metafísico, sem contudo renunciar a si própria enquanto filosofia (Habermas, 1998, p. 101).

O posicionamento em torno de uma teoria do poder ensejou, sobremaneira, as perspectivas em torno de uma nova cognição crítica, baseada em uma noção cultural mais ampla que não negaria a arte e a filosofia - assim como fez a ciência positivista moderna, a qual também aceitou a imposição da racionalidade econômico-instrumental da sociedade capitalista. A crítica de Habermas à Adorno/Horkheimer, em relação à priorização e redução de aspectos culturais da Modernidade através da Indústria Cultural, trouxe a necessidade de reconstrução da Teoria Crítica, fugindo da insensibilidade à Razão Comunicativa e observando núcleos de irracionalidade que fogem dos critérios performativos, juntamente com a revalorização do local e do particular, traços que revelariam a incompletude da Modernidade.

No entanto, pensando nesse momento de viragem do Século XX, em uma possível passagem de uma Modernidade para uma Pós-modernidade, é de se questionar como esse projeto propõe-se a resolver o seguinte problema: como conciliar as esferas da vida social de maneira que não haja uma sobreposição política sobre a cultura, ou mesmo que as ideias de progresso sejam afastadas para que haja uma continuidade social e o afastamento por completo da barbárie? É possível aceitar a separação entre subjetividade e objetividade sem a volta à barbárie? Como a crise de valores sociais que se deu na Modernidade é trabalhada para permitir que haja uma sociedade pautada não pela dicotomia progresso/desenvolvimento, eliminando aqueles que não estão ou não são considerados pelo outro, como contendo essa relação, mas por outras relações sociais que possam reconhecer a diferença?

Uma resposta bastante significativa à todas essas questões e que pode delinear as aporias do pensamento pós-moderno, juntamente com uma noção alternativa para a cultura, seria sua incapacidade de transformar o "Outro" no "Mesmo", assumindo o "Outro" como o "Outro da Razão" (Ribeiro, 1988), ou mesmo - assumindo parcialmente certa continuidade do pensamento pós-moderno com o pensamento pós-colonial - a percepção do subalterno em suas vozes e formas de opressão e poder, denunciando o colonialismo e percebendo os próprios limites do pensamento ocidental em sua redução à história do capitalismo, a história dos meios de produção, como única história possível (Chakrabarty, 2000).

No entanto, grande parte do problema da época - ainda sentindo os efeitos do pós-guerra e dos anti-nacionalismos - celebrou a impossibilidade de abandono de premissas marxistas, através de novas concepções sociais aglutinadoras da cultura e da economia, como na crítica à sociedade de consumo, que conservava o mesmo pessimismo da Indústria Cultural sobre a sociedade ocidental, determinando a cultura da sociedade capitalista como a cultura de consumo das mercadorias - dada pela lógica da inversão do valor de uso pelo valor de troca. Essa impossibilidade subjugava a objetividade do mundo real à promessa teórica marxista, endossada não somente pelo mundo soviético, mas também pelos vistosos ganhos socialistas não-aliados no dito "terceiro mundo". Porém, o mesmo paradigma imperialista, em continuidade com o colonialismo, produzia expressões semelhantes na URSS como os Gulag, revelando a mesma necessidade de opressão e extermínio físico do Outro, ainda que na roupagem do Socialismo Real.

Porém, a percepção não-economicista resultou em novas críticas, como as elaboradas por Guy Debord (1999). Para ele, entender a sociedade de seu tempo como a sociedade do espetáculo apresenta a cultura como espetáculo social e sua representação, levando, ao máximo, a ideia de que a unidade das esferas sociais não poderia ser restabelecida por se tratar de uma realidade fechada, em que a falsa sensação de unidade é mediada por imagens, onde o espetáculo tanto acentua essa característica como impõe à Weltanshauung uma tradução meramente material. As teorias de Debord e sua prática militante abririam espaço para a florescência de novas ideologias, como o autonomismo da Internacional Situacionista, emergente na França e presente nas visões políticas do Maio de 1968.

Ao ser compreendido não apenas como um acontecimento de uma, mas sim, de várias localidades em tempo praticamente simultâneo, o Maio de 1968 decreta uma crise sem precedentes no pensamento marxista ocidental, sobretudo, nas revisões em relação ao modelo emancipatório pautado em um único agente histórico - a classe operária - sem levar em consideração aspectos internos da própria sociedade capitalista - a juventude, como "linha de frente" do mercado de trabalho numa sociedade unidimensional, como frisado por Marcuse (1973). Nesse sentido, Marcuse apelaria para observar a recriação da imaginação como antídoto à unidimensionalidade, pois "libertar a imaginação de modo que lhe possam ser dados todos os seus meios de expressão pressupõe a repressão de muito do que é agora livre e que perpetua uma sociedade repressiva" (Marcuse, 1973, p. 230). Embora esse seja o sentido predominante do Maio francês, nele também se congregaram aspectos estruturais e externos aos países centrais (ainda que ocasionado por eles), como a intensificação das guerras coloniais - cujo modelo da Guerra do Vietnã ajudou a despoletar manifestos jovens na Alemanha, França, Inglaterra e nos Estados Unidos, com ampla participação do movimento estudantil - , focados, por um lado, na necessidade pacificadora, ou, por outro, na necessidade de uma construção política terceiro-mundista.

A crítica à sociedade de consumo é evidente em vários momentos do pensamento da época, assim como o estabelecimento cada vez maior do poder, descentralizado na sociedade e assumindo sua postura de controle. Portanto, rompendo totalmente com a "esperança" de uma totalidade unívoca ou mesmo dialética, como apontam Deleuze e Guatarri (2007), o mundo torna-se esquizofrênico, assumindo uma posição de diluição da relação entre significante e significado, do espaço e do tempo, numa sociedade cada vez menos dotada de causalidade e mais rizomática, des-territorializada, deslocada, ou seja, como um "corpo-sem-orgãos". Deleuze e Guattari oferecem, em suas formulações uma perspectiva de desontologização do ser no pós-Maio de 1968, ja que ele significou a "intrusão do devir", denotando um "acontecimento puro, livre de qualquer causalidade normal ou normativa". (Dossê, 2010, p. 155).

No entanto, aqui ainda reside a impossibilidade de se apreender por completo o capitalismo global e a cultura, reduzindo todas as relações sociais existentes, inclusive a cultura, à máxima do poder, uma marca das concepções filosóficas pós-estruturalistas.

Com isso, evidenciam-se alguns dos delineamentos da crise das concepções de cultura no pensamento moderno podem ser percebidas. Em meio a esse debate, reside a necessidade de se repensar a cultura e, assim, traçar suas determinações reais e práticas, mediante a crise da Metafísica e a emergência de um mundo "Pós-Metafísico". O sentido de mudança cultural existente nos finais do Século XX e que marca o início do Século XXI, como expressão estética e prática social, remete a uma dimensão própria e inovadora de se pensar o significado de cultura e suas implicações identitárias e políticas.

2. Novas dinâmicas culturais: identidade e fronteira

A cultura, por ser um dos conceitos mais difíceis de se definir em várias línguas e por conter um complexo conjunto de significados -cultivo, arte, estética, cultura popular, alta cultura, civilização - , assim como observou Raymond Williams (1983, pp. 87-93) atualmente necessita de uma consideração interdisciplinar sobre seu significado. Essa transformação se faz necessária por conta de desafios na abordagem da diversidade socio-cultural, apresentado-se como um campo epistêmico em aberto. Questões referentes à cidadania e ao reconhecimento das diferenças culturais podem ser deslocadas para esse âmbito, sem perder de vista a dimensão do poder. Esses são alguns dos caminhos trilhados pelos cultural studies, que recaem no regresso do social e do político como ferramentas para a análise cultural (Ribeiro & Ramalho, 1998).

O marco teórico dos cultural studies permite que se construa a percepção da marginalização e da subalternização, não mais como um "Outro" isolado, mas como "Outros": aqueles vários grupos sociais que foram construídos como sem voz ou excluídos do processo histórico e social. Mesmo correndo o risco de uma reificação do Outro ou mesmo do estabelecimento de uma relação de realidade substancial, reflete-se uma ambivalência, pautada na necessidade estratégica de visibilidade desses grupos. Porém, tal modo pode ser compreendido como uma "ilusão referencial" ao conceito de cultura:

A consequência deste processo para o conceito de cultura está em que, paradoxalmente, ao mesmo tempo que pulverizam esse conceito, os estudos culturais dependem, para a sua própria definição, da universalização dele, enquanto garante da unidade de um campo díspar por natureza. Daqui resulta uma conjuntura muito problemática: se tudo é cultura, então o conceito torna-se puramente indiferenciado e suscita uma relação simplesmente afirmativa, tonando, no limite, quase irresistível para um olhar crítico a tentação de esgrimir de novo com o postulado de Adorno/Horkheimer na Dialética do Iluminismo, de acordo com o qual 'falar de cultura foi sempre contra a cultura' (Ribeiro & Ramalho, 1998, p. 71).

Mas então, sabendo-se da generalização ao conceito de cultura, por onde partiu essa modificação? Por quais caminhos a cultura foi interpelada para que se assumisse essa generalidade? Como então lidar com as disparidades entre os universalismos e os particularismos das culturas? Segundo Terry Eagle-ton (2003), há uma mudança recente no significado da cultura. Definida numa polaridade, divide-se o termo em dois, a Cultura, como um valor em comum compartilhado pela humanidade, e a cultura, como uma composição de particularismos. No entanto, sua significação conceitual e prática está no domínio da subjetividade - domínio mais amplo do que a ideologia, mais estreito do que a sociedade, menos palpável que a economia -ou seja, na forma em que a ela se relaciona com o sujeito, na sua expressão, seja ela material ou simbólica.

A relação da cultura com a política foi estabelecida em termos de antítese, não "apenas contingentemente apolítica, mas sim constitutivamente" (Eagleton, 2003, p. 63), resultando na separação não entendida como um conflito real. Na Pós-Modernidade, diferentemente, opta-se por uma noção de cultura como um conflito real, ao invés de uma reconciliação imaginária, mesmo que "politizar a cultura" pareça "destituí-la de sua própria identidade e, assim, destruí-la" (Eagle-ton, 2003, p. 63). O que subjaz nessa relação é a noção de que a cultura (particularismos), assim como perspectivada pelo pensamento Pós-Moderno, contém um universalismo debaixo de uma crítica ao próprio universalismo, mesmo que haja uma crítica presente da alienação da modernidade por parte de subculturas. Integrada à noção política do pós-modernismo, a cultura como entendida pelos estudos culturais pode, por conseguinte, esvaziar a noção de política, subordinando a si as referências às classes sociais, ao Estado e à organização política:

Enquanto a alta cultura é o oposto ineficaz da política, a cultura como identidade é a continuação da política (...). Para a Cultura, a cultura é fraudulentamente desinteressada. A Cultura é éterea demais para a cultura, e a cultura mundana demais para a Cultura. Nós parecemos divididos entre um universalismo vazio e um particularismo cego (Eagleton, 2003, p. 68).

Em síntese, a oposição entre Cultura e cultura vem a refletir a dicotomia entre universalismo e particularismo, da qual, a noção política também é levada para esse campo, causando uma crise pautada na indefinição da relação com a política, identificado aqui como um problema da relação subjetiva da construção da identidade do indivíduo contemporâneo. Por isso, como apontou Jameson (2006, p. 29), "qualquer ponto de vista ao respeito do pós-moderno na cultura é ao mesmo tempo uma posição política", pois a construção da subjetividade não apenas colocada em causa a identificação por parte da consciência ou a necessidade de uma Aufhebung como saída Iluminista, da astúcia da razão. Em verdade, a subjetividade que não mais se dá na associação direta, moldes da tradição do Estado-nação, pois tornou-se plural e fragmentada, a ponto de necessitar ser trabalhada em termos da própria fluidez do mundo rizomático e não da rigidez do mundo monadológico.

Mediante esse panorama, o processo de formação identitária, pode ser compreendido através da relação de diferenciação que provê a formação identitária de grupos sociais, mediada através do conflito. Num sentido político, o Estado é parte desse conflito porque atua na fundamentação e contradição da diferença, atuando de duas formas: a primeira, eliminando formalmente as diferenças entre as pessoas, estabelecendo o Direito como homogeneizante social, no sentido de uma tipificação de indivíduo mediano; a segunda, diferenciando as pessoas e as tratando como indivíduos e não em termos de grupos (Elias, 1995, p. 149).

Isso se remete à composição social dos indivíduos, em que o habitus é compreendido como um "agregado de 'máscaras' que operam como se fosse uma segunda natureza" (Miceli, 2001, p. 123) - ainda que esse conceito senha um sentido escolástico e leib-niziano, porém, podendo ser compreendido pela História como uma capacidade de improvisação (Burke, 2005). Portanto, essa também reserva um espaço importante para a linguagem comum, compartilhada com o resto do grupo ou com outros grupos próximos. A identidade "nós-eu" seria, portanto, uma parte do habitus da pessoa, constituindo uma diferenciação em termos do coletivo e do individual. Fundamentalmente, essa noção de identidade pauta-se, na representação pessoal de si mesma a ela própria e, de si mesma a um outro, construindo, concomitantemente, a visão que o outro tem do eu: "Para si, a pessoa é ao mesmo tempo um "eu", um "você" e um "ele", "ela" ou "isso". Não poderia ser um "eu" para si mesma sem ser, ao mesmo tempo, uma pessoa capaz de se postar diante de si como um "você" ou como um "ele", "ela" ou "isso" (Elias, 1995, p. 156).

No entanto, ainda que seja possível pensar que a diferenciação e a representação se dê apenas através da espontaneidade da representação própria, o colonialismo provou que essa imagem, muitas vezes, também é algo atribuído sobre o sujeito. O discurso colonial, que apresentava o "colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução" (Bhabha, 2007, p. 111), parece encontrar uma contrapartida pautada na construção de uma comunidade imaginária nacional (apesar das várias pluralidades comunitárias internas), como outora elucidou Benedict Anderson. Considerando essa questão, observamos que tentativas de forjar essa unidade, como por exemplo os nacionalismos africanos, pautam-se na incompleta invenção do estereótipo que concebe ambivalências e disjunções e espaços para manobras e contestação das relações hegemónicas, no sentido de que "a resistência pós-colonial reside sobretudo na descolonização da imaginação imperial" (Santos, 2006, p. 221). Nesse sentido, as colônias são forçadas a adotar uma "forma nacional", hostis às culturas para lutar contra o nacionalismo hegemônico, criando, a seguir, um dilema em que a história de libertação e o progresso conduziria a regimes opressivos e irracionais.

Portanto, grande parte da resolução desse problema, está na noção de fronteira e na sua percepção enquanto algo fluido e construído em paralelo com a própria noção de identidade. A fronteira, por ser o local onde se constrói a identidade, é questionada por estabelecer uma relação binária entre o "familiar" e o "estranho" sem qualquer forma de mediação e articulação (Ribeiro, 2002, p. 483), em que não haveria uma observação da cultura apenas do ponto de vista de um Esta-do-nação, homogeneizando as diversas diferenças presentes e apoiando-se na falácia da igualdade formal e da identidade homogênea, fictícia e geral (Hall, 1997). Como na Globalização, essas fronteiras são deslocadas, pensadas para além do nacional, necessitando uma ruptura com a dicotomia colonial entre o "nós" e o "outro". A fronteira não é um limite de unidades estáveis, mas porosidades que podem expandir os seus limites através do fluxo de diversas paisagens sociais (Appadu-rai, 2001). Do ponto de vista cultural, des-construindo a noção de fronteiras e interstícios da realidade social, a análise social requer uma articulação entre a pluralidade social e as necessidades políticas, operando uma redefinição às referências do Estado, na legitimação do poder e nos conflitos emergentes na Sociedade Civil e Estado.

Ao pensar no indivíduo contemporâneo, não conseguimos dissociá-lo das formas em que a cultura está atualmente configurada, as dinâmicas culturais da contemporaneidade. Assim, é necessário compreender como as fronteiras se configuram atualmente em vias de expandir seus limites. Essa nova interação entre grupos e pessoas é resultado de um processo de desenvolvimento tecnológico, tendo os veículos de "mass media" como principal vetor, refletindo-se nas interações do mundo atual como "duras de ganhar e fáceis de eliminar" (Appadu-rai, 2001, p. 45). Dessa forma:

O mundo em que hoje vivemos é rizo-mático ou mesmo esquizofrênico, requer teorias do desenraizamento, da alienação e da distância psicológica entre indivíduos e grupos por um lado, das fantasias (ou pesadelos) da contigüidade electrónica por outro. E aqui aproxima-mo-nos da problemática central dos processos culturais no mundo actual" (Appadurai, 2001, p. 45).

Nessa perspectiva, o desenraizamento, ou seja, da ruptura com a fixidez, juntamente com a noção de comunidade sem um lugar fixo, é imprescindível para se conseguir compreender as dinâmicas culturais atuais, tendo em vista um elemento que passa a ser central: a imaginação social enquanto prática social. Através da imaginação pode-se relacionar a vida pessoal com a vida coletiva, o real com o imaginário, não sendo uma fuga, um passatempo de elites ou uma contemplação: "A imaginação tornou-se um campo orgânico de práticas sociais, uma maneira de trabalhar (tanto no sentido do labor como no de prática culturalmente organizada) e uma forma de negociação entre sedes de ação (indivíduos) e campos de possibilidade globalmente definidos." (Appadurai, 2001, pp. 48-9). O resultado desse processo de imaginação está numa junção de formação de imagens e do imaginário, ou seja, dentro de um conjunto de aspirações coletivas, uma realidade mental relacionada com o conjunto da comunidade.

Assim, configura-se outro problema no centro das interações globais atuais, a tensão entre homogeneidade e heterogeneidade da cultura, tensão que se dá nos espaços em que o indivíduo está a caminhar. O espaço da homogeneização está ligado estritamente à lógica da mercadoria e o conflito se dá justamente por ignorar a dinâmica da territoriali-zação, operando a absorção cultural das comunidades de maior escala. Esses movimentos causam disjunções entre economia, cultura e política, o que resulta na desterritoriali-zação, ou seja, seguindo rumos diferentes que não podem ser previstos e que causam uma dinâmica diferenciada, até mesmo contra-he-gemônica (Santos, 2001) ao movimento da lógica mercantil, homogeneizante e fundamentada na ideia de união de diferentes identidades dentro de uma única identidade cultural nacional, ou seja, o problema político do Estado-nação.

Deve-se compreender, portanto, como Ap-padurai propõe, uma discussão teórica que busca explorar essas capacidades disjuntivas dos fluxos culturais globais: as etnopaisagens (fluxo humano), mediapaisagens (fluxo informações), tecnopaisagens (fluxo tecnológico), financiopaisagens (fluxo financeiro), e ideopaisagens (fluxo de ideias e ideologias -de hegemônicas e contra-hegemônicas). O sufixo paisagens é justamente o que permite relacionar os fluxos dos horizontes, além de serem objetivamente dadas. Dessa forma, pode-se construir "mundos imaginados", ou seja, "os múltiplos universos que são constituídos por imaginações historicamente situadas de pessoas e grupos espalhados pelo globo" (Apadurai, 2001, p. 51). Portanto, ao chegar a essa questão das diversas paisagens no mundo atual, o foco principal, para se conseguir compreender as sociabilidades no mundo contemporâneo, deve estar nas etnopaisagens, ou seja, o deslocamento de pessoas no mundo, como turistas, imigrantes, refugiados, exilados, trabalhadores convidados, entre outros grupos e indivíduos em trânsito, que afetam a noção de Estado-nação, mas que acabam por se render a esses deslocamentos. Nesse sentido, "estes grupos em movimento podem nunca conseguir deixar descansar por muito tempo a sua imaginação" (Appadurai, 2001, p. 52). Pensar a desterritorialização como elemento fundamental para o fluxo humano atual é imprescindível, pois esse processo implica em uma nova concepção da identidade do indivíduo, sempre em movimento e nunca fixa.

Quando se pensa na identidade do indivíduo pós-moderno, é preciso relacionar como se dá a construção desse processo. Para Hall (1997), o sujeito pós-moderno surge através de uma operação da identidade, que, unificada, torna-se fragmentada, composta por várias identidades contraditórias e não resolvidas. Isso significa que há inúmeras descontinuidades nessas sociedades, através de profundas mudanças que acabam por estabelecer uma conexão global entre elas. Esse é o cerne desse movimento, uma descontinuidade (Hall) ou uma disjunção (Appadurai). Analisando essas afirmações, podemos compreender como essa forma fluida de construção da identidade do sujeito se coloca como um ponto fundamental para a compreensão das dimensões atuais da globalização e do indivíduo ligado a esse processo. As etnopaisagens são, portanto, justamente as perspectivas de fluxo humano que constroem a identidade individual, fragmentada, mas sempre na busca de uma capacidade de não territorialização, o que implicaria na perda da sua identidade.

3. Cultura e política: novos desafios e respostas transdisciplinares

Se as mudanças relativas à cultura não podem ser consideradas sem o cunho político que lhes cabe, problemas que se apresentavam até outrora restritos ao domínio da ciência política podem ser repensados se alargados de uma base cultural, como formas de reconhecimento preconizadas pelas exigências sociais mediante a uma nova gramática de conflitualidade social. É certo que, nos últimos anos, o debate sobre a Democracia tem ganhado espaço. Entretanto, muitas vezes, a Democracia tem sido entendida por significados diferentes. Disso, resulta um questionamento: as culturas e identidades - como compreendidas pelo pensamento político moderno e liberal - revelam uma necessidade de afirmação da relação representante/representado, com certa dinamicidade característica do sistema político, e a manutenção da noção estática do Demos, o qual somente será modificado através da atuação funcional e funcionalista do sistema político e não o contrário.

Logo, o resultado dessa prática política e cultural é a inconformidade da relação de representação, tomada em conta através de uma consideração do sujeito político enquanto pertencente a uma identificação de Estado-nação, que pode ser etnicizada ou racializada. Dessa forma, uma chave que pode vir a ser testada, com vias de uma resposta ensaística para essa questão, é a composição do significado de cultura e das transformações dela geradas, para, então, observar a congruência ou não da relação com o processo político em questão. A Democracia, assim como a designamos, é tratada a partir do Século XX, quando foi atribuído sentido através de partido e correntes políticas por representar a noção da governabilidade do Estado Moderno através de seus representantes e estabelecendo, assim, um modelo de governo com representantes eleitos (Williams, 2007). No entanto, o desenvolvimento dessa ideia, também trouxe consigo a noção de povo, como uma limitação aos grupos qualificados, acabando por definir a democracia, "muito mais pelas instituições que usam essa modalidade do que pelas relações entre todo o povo e uma forma de governo" (Williams, 2007 p. 128), passando a significar o direito de voto, como fez querer a tradição liberal, e não mais o poder popular como se acreditou no Século XIX e na tradição socialista. A Democracia é uma ideia política por excelência, implicando não apenas a concepção de governação, mas também, como gestão e metodologia aplicada de um sistema político. No entanto, é através dessa possível síntese e consenso democrático, que tanto liberais quando socialistas encabeçaram sua participação no Século XX.

No entanto, tanto democracia como cultura foi majoritariamente pensada em termos de Esta-do-nação para o pensamento moderno, conferindo uma relação quase simbiótica entre ambas: uma democracia deveria promover o reconhecimento cultural no interior de um Es-tado-nação, mas isso, efetivamente não veio a ocorrer. Como demonstrou Hannah Arendt (2004), as questões culturais interferem nas questões políticas e no funcionamento do Estado, cujo genocídio significou essa interferência, criando um Estado de apenas uma etnia, a qual deteria o sistema de representação do poder. Portanto, ao se recorrer a algumas noções do pensamento pós-moderno e dos cultural studies, pode-se perceber que a relação cultura e política afunilou-se, principalmente por causa dos problemas causados pelo colonialismo e na relação de alteridade e ambivalência que esse procede, ou como apresentou Eagleton, um encontro entre a Cultura e a cultura, criando um vínculo de cultura e poder, sendo esse choque uma questão política. Porém, o pensamento político moderno não criou métodos que conseguissem medir, ou mesmo validar, a ambivalência que pode se dar na relação representante/representado, assim, como presente na relação eu/outro. Para tanto, pretende-se debater a questão através de dois conceitos, o de democracia plural (Mouffe, 1995) e o de multiculturalismo cosmopolita (Santos & Nunes, 2004).

Para a noção de democracia plural, o ponto de partida seria a identidade política (Mouffe, 1995). Por conseguinte, questionar o tipo de identidade política de um projeto de democracia racial significaria a necessidade de criação de novos cidadãos com um entendimento plural sobre suas ações, as quais remetem-se ao papel do construtivismo no poder e seus antagonismos, criando um quadro teórico anti-essencialista. Por isso, no entendimento de Chantal Mouffe, a posição dos sujeitos não deve ser completamente fixada. Isso possibilita a percepção de uma identidade formada através da diversidade de discursos, sobre os quais não é necessário uma relação, mas sim uma constante movimentação de sobre-determinação e deslocamento. O pluralismo envolve sobredeterminação dos agentes, como generalização dos "efeitos totalizantes" (Mouffe, 1995, p. 173), abrindo e determinando fronteiras, com descentramen-to e formação de pontos nodais.

Assim, emergem duas questões, a primeira acerca da conceituação da comunidade política sobre as democracias modernas, a segunda, sobre a conceituação das identidades dos indivíduos e dos cidadãos para que não haja sobreposição. O pluralismo pretende então um abandono de uma visão única e substantiva do bem comum, como no liberalismo político, postulando que seja necessário a construção de um conceito de "nós" e um conceito de "eles", havendo assim, uma impossibilidade de realização completa da democracia. Assim, o princípio de equivalência democrática, não eliminaria a diferença e portanto, o pluralismo como valorização de todas as diferenças não deve ter limites, contendo uma multiplicidade de identidades sem denominador comum. Dessa forma, o problema da democracia não se torna mais eliminar o poder, mas constituir formas de poder que sejam compatíveis com os valores democráticos. Finalmente, o espaço da democracia plural seria o "in-between" (Mouffe, 1995, p. 176), apresentando o pluralismo como o princípio axiológico de valorização de diversidade.

Por outro lado, o multiculturalismo postula-se através da tensão entre diferença e igualdade, exigindo o reconhecimento da diferença e a redistribuição para a igualdade (Santos & Nunes, 2004). Esta concepção parte da matriz dos estudos culturais, em que a cultura é pensada como repertório de sentido ou significado partilhado pelos membros da sociedade. Também relaciona a diferenciação e hierarquização em sociedades nacionais, contextos locais e espaços transnacionais, tornando a cultura um conceito estratégico para definir alteridades e identidades. O modelo dominante de multiculturalismo pautou-se, por sua vez, no eurocentrismo, promovendo a igualdade do não igual e uma imposição do Norte ao Sul, legitimando, no Sul, diferenças no interior do Estado que não estariam diretamente relacionadas à emancipação. Aliado a isso, haveria também a manutenção da lógica colonizado/colonizador, a destinação à apenas alguns grupos subordinados ao Estado-nação, além de estabelecer que privilégios de mobilidade e imigração se dariam somente para grupos sociais específicos e dominantes. Em oposição a essa visão dominante, surge o multiculturalismo emancipador, que busca o reconhecimento da diferença e do direito à diferença, de coexistência e construção de vida em comum, de espaços sobrepostos, histórias entrelaçadas - produtos de dinâmicas imperialistas, coloniais e pós-coloniais, que puseram em contato metrópoles e colônias e que criaram condições históricas de mobilidades. Assim, é na crítica ao capitalismo global que se pode perceber que se desarticulam as reproduções das relações sociais capitalista e se produz o antagonismo a elas, ou seja, o multiculturalismo. Esse debate, passa pelos Direitos Humanos, que criam uma nova concepção de cidadania, cosmopolita, com reconhecimento de diferenças e a criação de políticas sociais voltadas para redução de desigualdades, redistribuição de recursos e inclusão. Essa visão de multiculturalismo articula-se com a emancipação social, pois identifica o que surge historicamente em contestação e em diferença ao capitalismo, não excluindo qualquer uma das partes e fortalecendo a necessidade de observação da emergência de novos sujeitos sociais, com lutas travadas em espaços nacionais, supranacionais e subnacionais.

Portanto, as concepções do multiculturalismo emancipador, parecem retomar a ligação inextrincável entre a cultura e a política - almejando uma crítica mais completa do funcionamento cultural e político da democracia liberal e do sentido dominante do multiculturalismo - fato que a noção do pluralismo democrático deixa escapar. Assim, configurando-se como uma nova concepção de cidadania, ela pretende ser mais completa, trabalhando reconhecimento e redistribuição.

Seria essa uma real reconstrução da Teoria Crítica pautada no "Outro"?

Conclusão

Neste artigo, observou-se os pontos principais do debate sociológico sobre culturas contemporâneas, identidades e suas implicações políticas, colocando no centro do debate as questões sobre o reconhecimento cultural e sua possibilidade emancipatória. Disso tudo, verificou-se que a necessidade de uma crítica social pautada na cultura é imprescindível não apenas para um exame teórico mais pormenorizado, mas também no que diz respeito à necessidade de construção de novos caminhos políticos de reconhecimento, conforme outros desafios fronteiriços surjam na ordem do dia, tanto em termos científicos e interdisciplinares como em termos políticos e fronteiriços.

O trato transdisciplinar da cultura é um fato que permite um reconhecimento e debate real, não apenas compensatório, pois é de extrema pertinência para a efetivação dos avanços democráticos em escala global. Assim, o problema moderno da incapacidade de reconexão das esferas sociais é trazido não com o pessimismo, mas com o reforço de oferecer interfaces no campo do direito e da política, tendo em vista desvendar o "outro", em sua forma de ser, emancipando-o. Pensar uma base cultural para o direito e para a política ainda são amplos desafios, mas, certamente, ao que se demonstra, é o caminho mais seguro para a validação do "Outro" e das outras razões que não apenas a Ocidental.

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Notas

Sumario Introdução. 1. A Modernidade e a impossibilidade de conciliação das esferas sociais. 2. Definindo novas dinâmicas para a cultura, identidade e fronteira. 3. Cultura e Política: desafios e respostas transdisciplinares. Conclusão. Bibliografia.


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