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Diagnóstico das trilhas “Abraão – Pouso”, “Pouso – Lopes Mendes” e Apa dos Tamoios em Ilha Grande, Angra dos Reis, RJ
Luana de Oliveira Rodrigues; Sônia Vidal Gomes Gama; Achilles D'Ávila Chirol
Luana de Oliveira Rodrigues; Sônia Vidal Gomes Gama; Achilles D'Ávila Chirol
Diagnóstico das trilhas “Abraão – Pouso”, “Pouso – Lopes Mendes” e Apa dos Tamoios em Ilha Grande, Angra dos Reis, RJ
DIAGNOSIS OF THE TRACKS 'ABRAÃO-POUSO', 'POUSO-LOPES MENDES' AND APA DOS TAMOIOS IN ILHA GRANDE, ANGRA DOS REIS, RJ
DIAGNÓSTICO DE LAS RUTAS 'ABRAÃO-POUSO', 'POUSO-LOPES MENDES' AND APA DOS TAMOIOS IN ILHA GRANDE, ANGRA DOS REIS, RJ
Caderno Virtual de Turismo, vol. 16, núm. 3, pp. 123-140, 2016
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Resumo: Distrito de Angra dos Reis, a Ilha Grande, situa-se no litoral sul fluminense. Protegida por diferentes Unidades de Conservação, abriga reservas naturais relativamente preservadas onde o turismo é a principal atividade econômica com destaque para a visitação por trilhas terrestres ou por rotas marítimas. O presente estudo tem como objetivo identificar as potencialidades e fragilidades ambientais no percurso entre as enseadas de Abraão e Lopes Mendes em relação ao uso atual com ênfase na prática do trekking ou caminhada cujo ponto de atração é a Praia de Lopes Mendes na costa oceânica. O diagnóstico de campo fundamentado por Santos (2004) e Ross (2006), investigou a ocorrência de impactos nas trilhas (compactação e impermeabilização dos solos, alteração do escoamento superficial, inibição do restabelecimento da vegetação nas margens da trilha, exposição de raízes, remoção dos solos, ausência de serapilheira, diminuição da cobertura vegetal ao longo do eixo da trilha, abertura de clareiras e processos erosivos) e o perfil dos visitantes e usuários (motivação da visitação). Associados à legislação e ação dos gestores, os dados apontam lacunas onde as trilhas mal conservadas são vetores de pressão antrópica, potencializam as fragilidades inerentes ao uso e causam degradação ambiental.

Palavras-chave:Impactos ambientaisImpactos ambientais, Fragilidade ambiental Fragilidade ambiental, Unidades de conservação Unidades de conservação, Planejamento territorial Planejamento territorial.

Abstract: District of Angra dos Reis, Ilha Grande is located in the south Fluminense coast. Protected by various conservation areas, home to nature reserves relatively preserved where tourism is the main economic activity highlighting the visitation trails by land or by sea routes. This aims to identify the potential environmental and weaknesses in the path between the coves of Abraham and Lopes Mendes from the current use with emphasis on the practice of trekking or hiking whose point of attraction is the beach of Lopes Mendes on the ocean coast. The diagnosis based field by Santos (2004) and Ross (2006) investigated the occurrence of impacts on the trails (compaction and sealing of soils, changes in runoff, inhibiting the re-establishment of vegetation on the track margins, exposure of roots, removal soil, absence of litter, decreased vegetation cover along the track axis, clearings opening, erosion) and the profile of visitors and users (motivation of visitation). Associated with the legislation and action of managers, the data show gaps where poorly maintained tracks are vectors of human pressure, leverage the weaknesses inherent in the use and cause environmental degradation.

Keywords: Environmental impacts, Environmental fragility, Conservation units, Territorial planning.

Resumen: Distrito de Angra dos Reis, Ilha Grande se encuentra en la costa sur Fluminense. Protegido por varias áreas de conservación, el hogar de las reservas naturales relativamente conservados donde el turismo es la principal actividad económica destacando los senderos de visita por tierra o por rutas marítimas. Esto tiene como objetivo identificar las posibles debilidades ambientales y en la trayectoria entre las calas de Abraham y Lopes Mendes por el uso actual con énfasis en la práctica de trekking o senderismo, cuyo punto de atracción es la playa de Lopes Mendes en la costa del océano. El campo basado en el diagnóstico por Santos (2004) y Ross (2006) investigó la ocurrencia de impactos en los senderos (compactación y sellado de suelos, cambios en la escorrentía, inhibiendo el restablecimiento de la vegetación en los márgenes de la pista, la exposición de las raíces, la eliminación del suelo, la ausencia de basura, disminución de la cobertura vegetal a lo largo del eje de la vía, la apertura de claros, la erosión) y el perfil de los visitantes y usuarios (la motivación de la visita). Asociado con la legislación y la acción de los directivos, los datos muestran brechas donde las pistas en mal estado son vectores de la presión humana, aprovechar las debilidades inherentes al uso y causar la degradación del medio ambiente.

Palabras clave: Impactos ambientales, Fragilidad ambiental, Unidades de conservación, La planificación territorial.

Carátula del artículo

Artigos originais

Diagnóstico das trilhas “Abraão – Pouso”, “Pouso – Lopes Mendes” e Apa dos Tamoios em Ilha Grande, Angra dos Reis, RJ

DIAGNOSIS OF THE TRACKS 'ABRAÃO-POUSO', 'POUSO-LOPES MENDES' AND APA DOS TAMOIOS IN ILHA GRANDE, ANGRA DOS REIS, RJ

DIAGNÓSTICO DE LAS RUTAS 'ABRAÃO-POUSO', 'POUSO-LOPES MENDES' AND APA DOS TAMOIOS IN ILHA GRANDE, ANGRA DOS REIS, RJ

Luana de Oliveira Rodrigues
Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil
Sônia Vidal Gomes Gama
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil
Achilles D'Ávila Chirol
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil
Caderno Virtual de Turismo, vol. 16, núm. 3, pp. 123-140, 2016
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Recepção: 30 Julho 2015

Aprovação: 31 Outubro 2016

Introdução

Localizada na Baía da Ilha Grande, litoral sul do estado do Rio de Janeiro, a Ilha Grande é distrito do município de Angra dos Reis e seu território encontra-se protegido por legislação ambiental (Figura 1).



Figura 1 – Ilha Grande, Unidades de Conservação e o município de Angra dos Reis (RJ).
Acervo NEPPT, 2016

As atividades econômicas desse território, tais como a exploração dos recursos naturais, a pirataria, os cultivos e a pesca datam dos primórdios da colonização no século XVI, destacando-se os portos que foram significativos para o povoamento, o intercâmbio comercial e o controle da costa. No século XX ocorreram as principais transformações na dinâmica espacial cujas repercussões estendem-se até os dias atuais: a instalação do Instituto Penal Cândido Mendes (que passou a exercer controle sobre a livre circulação de pessoas); a decadência econômica da indústria de salga da sardinha (que freou o crescimento populacional dos povoados de Matariz, Longa, Bananal e provocou a migração para o continente); a criação de Unidades de Conservação ambiental (que foram implantadas algumas décadas depois) e o início de uma lenta recuperação do bioma de Mata Atlântica. Mais recentemente, na década de 1990, deu-se a desativação do presídio que promoveu a intensificação do turismo. A Ilha Grande, conhecida como “Caldeirão do Diabo” à época do presídio, passa então a ser apontada como o “Paraíso Ecológico” do estado do Rio de Janeiro logo após a desativação do complexo presidiário bem como a implosão de suas principais edificações no ano de 1994.

No início do século XXI, constata-se na Ilha Grande a ocorrência de impactos ambientais de diferentes naturezas, mesmo considerando-se o fato de possuir diferentes categorias de Unidades de Conservação. Embora pareça contraditório falar sobre degradação ambiental em áreas protegidas, com a expansão do turismo e com a configuração de novas territorialidades, cabe a discussão de como as questões ambientais se encaixam nesse novo contexto.

A ilha passou a receber um fluxo de turistas cada vez maior, o que demanda uma infraestrutura mais adequada a esse novo uso com repercussão nas condições ambientais do local. Para Leal Filha (2005), o incremento da atividade turística proporcionou uma “desordenação” do território e comprometeu os ambientes de floresta, os mananciais, as praias, a biodiversidade e a qualidade de vida da população. Vallejo (2005) também chamou a atenção para consequências diretas do crescimento das atividades turísticas na ilha, tais como o aumento da especulação imobiliária, a construção de edificações em locais não permitidos, a precarização dos serviços de transporte marítimo, a oferta de hospedagem residencial e o descompasso das políticas públicas no atendimento às demandas que se faziam presentes. De acordo com Rocha (2006), o turismo pode ser considerado a principal atividade econômica da ilha no início do século XXI e tem atraído uma quantidade expressiva de público, mas tem causado consequências negativas, entre elas, o aumento da pressão sobre os recursos naturais e sobre a própria comunidade local, além de potencializar as fragilidades já existentes.

Os conflitos de gestão analisados por Dutra (2008) e a sucessão de territórios e territorialidades observados por Xavier (2009); Amorim (2010); Freire (2011) e Amorim (2012) abrem a discussão sobre a formação de um novo território na Ilha Grande, o território do turismo e a premência na atualização de políticas voltadas para os usos proteção ambiental e turístico. O conjunto de incongruências no âmbito do uso e ocupação do solo que resultam em impactos ambientais comprometem os níveis de degradação ambiental, aumentam a vulnerabilidade do geossistema e, de outro, o planejamento apresentam-se de modo segmentado no âmbito das políticas públicas nas três esferas de gestão – município, estado e federação. Contradições sociais são identificadas entre os mais diversos atores presentes na ilha e os parâmetros legais não parecem estar em consonância com as diretrizes econômicas (e da atividade do turismo) traçadas ou implementadas pelo poder público.

Ao final da primeira década de 2000, a Lei de Diretrizes Territoriais para a Ilha Grande (legislação específica de uso do solo determinada pelo Plano Diretor da cidade de Angra dos Reis) entra em vigor. Essa nova legislação indica os critérios de ocupação e o perfil do desenvolvimento das comunidades da ilha e do entorno das Unidades de Conservação, contudo, cabe salientar ainda que as Unidades de Conservação da ilha são de categorias heterogêneas e, portanto, possuem critérios específicos quanto à preservação e utilização de seu território, especialmente quanto ao uso público. Atualmente, o panorama legal não é muito diferente, à exceção da criação de Reserva de Desenvolvimento Sustentável proposta para Aventureiro (2014) e, a mais recente, a proposta de transformação da Ilha Grande em Parceria Público-Privada – PPP (2015). Essas mudanças vêm acompanhadas de discordâncias principalmente entre moradores e gestores, onde interesses econômicos estão sendo priorizados como ficou claro na última Audiência Pública (2016) em que a Universidade do Estado do Rio de Janeiro participou.

Nesse complexo território insular, o planejamento encontra-se segmentado em planos orientadores do uso e ocupação do solo, tais como: o Plano Diretor Municipal em que destaca diretrizes territoriais e ambientais; o Plano de Manejo do Parque em que destaca o zoneamento ambiental; o Plano Diretor da APA com as permissões e restrições de uso e as diretrizes para a Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Os conflitos identificados até o momento são em relação ao uso e ocupação do solo, pois os interesses dos setores privados, públicos e da própria sociedade civil são divergentes, acrescidos da estrutura deficiente do poder público em atender as demandas. Muitas vezes as ações governamentais limitam-se à fiscalização (precária) e à punição por supostos crimes cometidos. Portanto, a ocorrência de impactos de diferentes naturezas e a instalação de níveis diferenciados de degradação em ambientes protegidos estão cada vez mais associados à expansão do turismo.

Como as atividades em contato com os ambientes naturais têm aumentado nas últimas duas décadas, tanto com relação às modalidades como em relação ao número de praticantes, o estabelecimento de diretrizes, normas e regras torna-se fundamental para que a visitação seja realizada de maneira adequada, respeitando um dos principais objetivos das áreas protegidas: a conservação da natureza. A visitação pública na ilha se dá por vias terrestres e por vias marítimas. Neste trabalho, entende-se por visitação pública “atividades educativas de lazer, esportivas, recreativas, científicas e de interpretação ambiental que propiciam ao visitante a oportunidade de conhecer, entender e valorizar os recursos naturais e culturais existentes” (MMA, 2004) e, entende-se por visitação, “o aproveitamento e a utilização da Unidade de Conservação com fins recreacionais, educativos, entre outras formas de utilização indireta dos recursos naturais e culturais” (MMA, 2006). Por vias terrestres ou trilhas, Salvati (2003) explica que “são caminhos estabelecidos, com diferentes formas, comprimentos e larguras, que possuam o objetivo de aproximar o visitante do ambiente natural, ou conduzi-lo a um atrativo específico, possibilitando seu entretenimento ou educação através de sinalizações ou de recursos interpretativos”. Por visitante, o MMA (2006) define como “pessoa que visita a área de uma Unidade de Conservação de acordo com os propósitos e objetivos de cada área protegida. Este visitante pode ter várias motivações: lazer, conhecimento, recreação, contemplação, entre outras”.

Nesse contexto de visitação de áreas protegidas e de utilização de vias terrestres para alcançar pontos e atrativos turísticos, o objetivo principal deste trabalho é a inventariação das trilhas Abraão – Pouso e Pouso – Lopes Mendes com ênfase na identificação e descrição das potencialidades e limitações do ambiente em relação ao uso público que se faz nesse percurso. Fundamenta-se nas metodologias de análise ambiental de acordo com Santos (2004), Ross (2006) e Dèpraz (2008) que priorizam a perspectiva de paradigma integrador de espaços geográficos em áreas de proteção ambiental.

As “Trilhas” na Ilha Grande: os significados históricos e a unidade de análise ambiental

As trilhas são conexões, acessos ou caminhos que garantem a mobilidade ou a circulação dos moradores e demais usuários, assumindo um papel importante no planejamento ambiental. Apresentam-se de diferentes formas, comprimentos e larguras e, em um ambiente natural, buscam aproximar o visitante ou mesmo conduzi-lo a um atrativo específico, além de possibilitar o entretenimento e a educação dos visitantes por meio de sinalizações ou recursos interpretativos.

Na Ilha Grande, as vias terrestres levam às praias, cachoeiras, picos, mirantes entre outros atrativos e observa-se que, de modo geral, o poder público não se faz presente mesmo que contempladas em planos de diferentes esferas de gestão: no Plano Diretor do Município de Angra dos Reis, de acordo com a Lei 1.754, de 21 de dezembro de 2006, e no Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha Grande, de acordo com a Resolução n. 39, de 17 de agosto de 2011, revisada e publicada em 2013 pelo Instituto Estadual de Ambiente – Inea, órgão vinculado à Secretaria de Estado do Ambiente. A oferta para passeios é constante e a infraestrutura encontra-se deficiente principalmente em relação à sinalização, orientação e interpretação. A própria localização dessas trilhas no Parque e na APA, somada à visitação nos pontos turísticos, pode contribuir para a transformação da paisagem e causar erosão, impactos ou degradação.

Portanto, o estudo em questão constitui-se em uma etapa da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), importante para o entendimento das dinâmicas do meio físico e para subsidiar o planejamento territorial. Essas vias terrestres, de modo geral, conectam os núcleos populacionais da ilha e conduzem os visitantes aos pontos de atrativos turísticos, mas podem ser considerados como vetores que interceptam o território insular sob diferentes perspectivas. São elas: a divisão político-administrativa da prefeitura (distrito de Angra dos Reis), a divisão em Unidades de Conservação do estado, a divisão em unidades geomorfológicas (bacias hidrográficas), a divisão em unidades fitofisionômicas e níveis topográficos (cobertura vegetal) e a divisão dos assentamentos populacionais (enseadas). Para a realização da pesquisa, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: 1) identificar as trilhas que chegam à Praia de Lopes Mendes, uma das mais procuradas por visitantes e turistas; 2) delimitar o recorte espacial para análise; 3) caracterizar o fluxo de usuários nas trilhas; 4) caracterizar o meio físico, com ênfase na ocorrência de feições erosivas e impactos; 5) elaborar diagnóstico ambiental do percurso; 6) traçar diretrizes (preliminares) para o planejamento local.

A proposta metodológica baseia-se na análise ambiental com a utilização de técnicas de avaliação de impacto ambiental para compor o diagnóstico. No inventário de campo, destacam-se: a localização geográfica; a identificação dos tipos de uso das propriedades naturais, dos processos atuantes, da ocorrência de impactos e dos aspectos da visitação. As variáveis que apontam impacto ambiental e/ou degradação ambiental nas trilhas e em seu entorno, são: largura da trilha, feição erosiva, compactação do solo e existência de bifurcações e de clareiras. As entrevistas identificam o perfil dos usuários e esclarecem os motivos que os levam a realizar o trajeto. Na medida em que se intensifica a visitação pública em ambientes de elevada fragilidade, sem planejamento adequado, coloca-se em risco a dinâmica ambiental ou a integridade ecológica dos espaços preservados.

Os significados históricos das vias terrestres: caminhos, acessos ou trilhas

nte acessos aponta diferentes significados históricos ao longo dos séculos. De acordo

Uma breve síntese sobre os caminhos, vias terrestres, trilhas ou simplesmente acessos aponta diferentes significados históricos ao longo dos séculos. De acordo com Carvalho e Bóçon (2004) e Maciel et al. (2011), as trilhas constituem um elemento cultural presente nas sociedades humanas desde os tempos remotos e serviram, durante muito tempo, como via de comunicação entre os diversos lugares habitados ou visitados pelo homem, suprindo a necessidade de deslocamento, reconhecimento de novos territórios e busca por alimento e água.

No Brasil, as vias terrestres encontradas têm suas origens na tradição nativa milenar e na tradição dos colonizadores europeus que aqui chegaram no início do século XVI, sendo utilizadas para diferentes finalidades ao longo dos quase seis séculos de ocupação, como o Caminho dos Bandeirantes, Caminho do Ouro, Caminho dos Tropeiros, entre outros. Nos séculos XX e XXI, muitas dessas vias foram mantidas e incorporadas nas Unidades de Conservação, cujo objetivo é o de proteger a natureza e, quando permitido, levar o visitante aos locais mais atrativos.

Nesse sentido, as trilhas podem deixar de ser um simples meio de deslocamento e passar a ser um elo entre a natureza e o homem, proporcionando aos visitantes e turistas um espaço para desfrutar da tranquilidade e da beleza do ambiente natural. Inicia-se, então, um novo uso – o da atividade turística e suas variações: turismo de natureza, ecoturismo, geoturismo em áreas protegidas, onde essas vias são conhecidas por trilhas. A literatura aponta que o crescimento do turismo em áreas naturais está relacionado à necessidade de visitação de um espaço localizado fora do entorno das cidades caóticas, que possibilite qualidade de vida perante um ambiente sereno e que alivie o estresse urbano, em uma perspectiva de fortalecimento de uma valorização ambiental. Mas essa visitação gera impactos nas trilhas e no ambiente, que entre os mais frequentes estão: o lixo deixado pelos usuários ao longo do caminho; a abertura de trilhas secundárias; a perda de vegetação e as mudanças em sua composição; o alargamento da via; a compactação e incisão do solo; o aumento de áreas com lama; exposição de raízes e a consequente erosão. As trilhas promovem o acesso à experiência recreativa e o contato com a natureza, mas concentra o trânsito de pessoas em áreas mais restritas, nem sempre resistentes e planejadas à passagem do homem. Mas para que o uso público seja sustentável, respeitando um dos principais objetivos dessas unidades que é o de proteção ambiental, torna-se urgente o estabelecimento de diretrizes e regras para os usos nesses ambientes naturais.

No Brasil, assim que uma nova área protegida é declarada, as vias existentes são liberadas ao público antes mesmo da execução de um planejamento formal, ou seja, do estudo sobre as características da área, da formatação de um plano de manejo ou diretor, da sinalização e, por fim, das restrições que essa área possa apresentar ao visitante. A intensificação desse uso sem o devido planejamento pode também ocasionar impactos e, desse modo, as trilhas se constituem como um paradoxo à conservação da natureza, pois, por um lado, é um meio pelo qual o homem pode entrar em contato com o ambiente natural e por meio da conscientização ambiental favorecer a conservação desse meio, porém, também se constitui como uma fonte de perturbação a esses ambientes.

Então, como as vias terrestres em Unidades de Conservação são muito importantes, devem ser consideradas no processo de planejamento e gestão, seja do Parque ou da APA, pois ambos permitem o acesso ao público. De acordo com Salvati (2000), as trilhas devem ser cuidadosamente localizadas, planejadas, construídas e manejadas de uma forma que permitam a conservação dos recursos naturais e a realização de contatos adequados aos visitantes. Quando isso não acontece, ou seja, falta um manejo adequado, as trilhas acabam ficando em péssimas condições e colaboram para potencializar a degradação ambiental.

No caso da Ilha Grande, segundo o depoimento de moradores (PINHEIRO, 2009:39), as trilhas foram abertas para a conexão entre núcleos populacionais, bem como para atividades de extração natural, de caça, de movimentação de mercadoria vinda do continente ou ainda para qualquer outra atividade à época do funcionamento do Complexo Penal. Há poucas décadas que essas trilhas funcionam como acesso aos atrativos naturais ou às ruínas de usos pretéritos como aqueduto, fazendas, igrejas, fábricas de sardinha e presídio. Então, as “trilhas” podem significar acessos, caminhos ou vias, pois possibilitam a locomoção, a mobilidade e a praticidade, considerando as diferentes categorias de usuários com suas finalidades distintas. Recentemente, as trilhas na ilha são utilizadas também por pesquisadores, cientistas, visitantes e turistas.

As trilhas no território protegido da Ilha Grande

Neste trabalho adota-se a terminologia “trilha” por ser de uso corrente entre a população local e os visitantes. Na ilha, as trilhas garantem, além da mobilidade populacional, a visitação de pontos de atrativos turísticos e são utilizadas por moradores e por milhares de visitantes sem que sofram qualquer tipo de manutenção. Portanto, essas trilhas são também vetores de pressão antrópica e se utilizadas como unidade espacial de análise, de acordo com Santos (2004:34), poderão representar “o caminho para compreender as potencialidades e as fragilidades de uma área de estudo, sua evolução histórica de ocupação e das pressões do homem sobre os sistemas naturais...”.

Quanto aos aspectos legais, a Lei de Diretrizes Territoriais para a Ilha Grande, aprovada em 30 de junho de 2008, apresenta em seu Capítulo I (Conceituação), Artigo 2º, os instrumentos de planejamento e gestão, entre os quais destacam-se “o Plano Municipal de Circulação para as Trilhas e demais Vias Terrestres da Ilha Grande; a Lei de Zoneamento da Ilha Grande; a Lei do Uso e Ocupação do Solo da Ilha Grande; o Plano Municipal de Transporte Aquaviário e; o Plano de Turismo da Ilha Grande”. O Capítulo V (Da Mobilidade e Transportes) aponta em seu Artigo 39 que quando não interferir com os Planos de Manejo das Unidades de Conservação da Natureza, as trilhas da Ilha Grande deverão ser utilizadas, mantidas e implantadas de acordo com as seguintes diretrizes: “considerar as trilhas e demais vias terrestres da Ilha Grande como servidão pública, de acordo com o Decreto n. 2003, de 10 de maio de 2000, que passa a integrar essa lei; estabelecer critérios para a sinalização das trilhas que deverá indicar a discriminação dos destinos e os locais de acesso definidos conforme projeto de unificação e padronização das toponímias a ser elaborado pelo poder público, as características do trecho a ser percorrido e as mensagens de educação ambiental”. E seu Artigo 40 destaca que a circulação entre os diversos Núcleos Populacionais deverá ocorrer por mar ou pelas trilhas indicadas no Plano Municipal de Circulação para as Trilhas da Ilha Grande, no qual será garantida a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade ilhéu na formulação, execução e acompanhamento do Plano.

Destaca-se, contudo, a importância do estudo do solo integrado aos outros sistemas do meio físico na ilha, onde identificamos dois ambientes distintos: Enseada e Floresta, que apresentam condições naturais e usos adversos. Existem vários tipos de degradação ambiental, porém, a degradação das condições pedológicas é muito mais crítica, por não ser facilmente reversível, já que os processos de formação e regeneração dos solos são muito lentos. No recorte espacial de análise, as trilhas de Abraão – Lopes Mendes estão em áreas protegidas e apresentam fragilidades específicas, pois são traçadas sobre formas de relevo distintas, com características também distintas. Dependendo da localização dessas trilhas no relevo (condições topográficas), teremos comportamentos diferenciados das trilhas, que mantêm forte correlação com outras características do meio físico, como as do solo. Autores como Guerra et al. (2005), Fernandes (2007) e Kroeff (2009) apontam a necessidade de se levar em consideração o estudo das encostas, para o entendimento da dinâmica do relevo, no sentido de prevenir e evitar que certos processos de encostas ocorram. Do ponto de vista do meio físico, destaca-se que as atividades antrópicas e as condições naturais atuam diretamente na bacia hidrográfica, uma vez que o grau de degradação, consequência das atividades desenvolvidas nesse recorte espacial, potencializa possíveis mudanças, efeitos ou impactos nessa bacia.

Geralmente, na Ilha Grande, uma trilha intercepta um eixo hídrico ou o acompanha, assim, grande parte dos impactos identificados ou feições erosivas nessa superfície está correlacionada às dinâmicas hídricas e geomorfológicas, com reflexos em toda a bacia hidrográfica onde estão localizadas essas trilhas. Os sedimentos transportados e depositados nos leitos das trilhas e nos cursos baixos das drenagens também apontam a correlação do material transportado e possível origem nas encostas. O uso que se faz dessa trilha, bem como os danos causados à cobertura vegetal vão se consubstanciar também em impactos e colaborar para o agravamento da degradação ambiental (FERNANDES, 2007). A cobertura vegetal possui um importante papel nesse geossistema por representar remanescentes do Bioma de Mata Atlântica e de seus Ecossistemas associados, como Mangues e Restingas, atualmente em estágio de regeneração no contexto de áreas protegidas e por proteger a ação direta das chuvas sobre o solo. Segundo Guerra (2005), a perda ou remoção da vegetação da encosta pode resultar no aumento das taxas de erosão ou em frequências mais altas de rupturas nas encostas. Encontram-se listadas algumas maneiras da vegetação prevenir a erosão pluvial, segundo Guerra (Op. cit.): – interceptação: a serrapilheira, junto com as folhagens e outros resíduos, absorvem o impacto da chuva diretamente no solo, evitando o destacamento do mesmo; – contenção: a contenção física de partículas do solo, através das raízes, desse modo as partes superficiais filtram os sedimentos do escoamento superficial; – retardamento: a velocidade do escoamento superficial é menor, pois a água passa ainda pela superfície das folhas e dos caules e; – infiltração: a vegetação ajuda a manter a porosidade do solo, atrasando ou até impedindo o escoamento superficial. No entanto, em trilhas, a vegetação pode também apresentar impactos indesejáveis, como a obstrução dos caminhos, ou a difusão de espécies invasoras que acabam tomando lugar da vegetação local.

Na Ilha Grande são 16 trilhas nomeadas de T1 a T16 pelo poder público, cujas informações estão disponíveis no site www.ilhagrande.org. As trilhas estudadas pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa em Planejamento Territorial (Neppt) até o momento foram as que ligam: Abraão ao Pico do Papagaio (T13), Abraão a Dois Rios (T14), Dois Rios ao Caxadaço (T15), Trilha (Atalho) dos Bambus, Trilha (Atalho) da Rua das Flores, Abraão a Pouso (T10), Pouso a Lopes Mendes (T11) e o Circuito Abraão – Saco do Céu: Circuito Abraão (T1) e Abraão – Saco do Céu (T2), que englobam o mirante da Praia Preta, o Aqueduto, o Poção dos Escravos, as Ruínas do Lazareto, as Enseadas das Estrelas e do Saco do Céu, além das praias Camiranga, Iguaçu e Feiticeira. Os trabalhos de campo mostram que as informações divulgadas para o público (textuais e gráficas) nem sempre correspondem à realidade e colaboram para confundir o visitante. No início de cada trilha existe uma placa sinalizadora que ora está destruída, ou com informações apagadas, ora as informações não são precisas. É importante observar que as trilhas na Ilha Grande servem a grupos diferentes de atores: moradores, visitantes, turistas, instituições públicas, além de turistas nacionais e estrangeiros.

Inventário das trilhas Abraão – Pouso (T10) e Pouso – Lopes Mendes (T11)

O percurso da Vila do Abraão até a Praia de Lopes Mendes é feito pelas trilhas T10 e T11. O percurso Abraão – Lopes Mendes é fragmentado em pequenos trechos que compõem a Trilha T10 e em um único trecho que compõe a Trilha T11 conforme o Plano de Manejo do Parque (2010). São eles: Abraão – Palmas, Palmas – Mangues, Mangues – Pouso e Pouso – Lopes Mendes.

A Trilha T10: Trechos Abraão – Palmas, Palmas – Mangues e Mangues – Pouso

A Trilha Abraão – Palmas é o primeiro trecho da T10 e se estende por aproximadamente 3 km, com início na enseada de Abraão e destino final na Praia de Palmas. Percurso extenso, apresenta aclives e declives bem acentuados cujo traçado varia entre 16 m e 215 m de altitude. A largura da trilha varia de 0,67 m a 4,0 m. De acordo com Lechner (apud Sobral 2008:115), a largura média entre 0,60 m e 0,95 m é considerada ideal para trilhas utilizadas somente por pedestres, como é o caso da trilha Abraão – Palmas. Ao longo desse percurso foram encontradas placas de sinalização improvisadas, feitas provavelmente por visitantes ou moradores, indicando campings, direção das praias e de incentivo à preservação ambiental. Contudo, não foram encontradas placas informativas oficiais, como do Instituto Estadual de Ambiente – Inea, responsável pelo manejo do parque.

A Trilha Palmas – Mangues é o segundo trecho da T10 e tem início na Praia de Palmas, segue em direção à Praia de Mangues e apresenta percurso de 1,3 km de extensão. A Praia de Mangues tem cerca de 600 m de faixa de areia e um mar de baía com águas calmas, onde desembarcam turistas vindos do Abraão. No início dessa trilha, a única placa (improvisada) indica a direção da Praia de Lopes Mendes, sem informação sobre duração do percurso, grau de dificuldade, ou extensão do percurso. Habitada por pescadores, geralmente encontra-se vazia, pois na realidade é um local de passagem para chegar até a Praia de Pouso, onde tem início a trilha para a Praia de Lopes Mendes. Essa trilha apresenta um traçado suave, com altitudes que variam entre 19 m e 75 m, sem dificuldades para os usuários. Em relação à largura da trilha, apresenta variação entre 1,50 m e 2,80 m. Encontra-se nessa área a presença de indivíduos arbóreos antigos, de grande porte e, ao mesmo tempo, de plântulas, indivíduos jovens na borda da trilha que indica o restabelecimento de espécies em diferentes estágios de sucessão.

A Trilha Mangues – Pouso é o último trecho e mais curto de todo o percurso da T10, apresenta um relevo bastante suave, com 22 m de altitude. É considerada uma simples passagem de Mangues até a Praia de Pouso, com extensão de apenas 143 m. De acordo com o sítio http://www.ilhagrande.org/Praias-Pouso-Mangues/, na época da colonização da Ilha Grande, essa praia teve grande importância como função de rota de produção para as fazendas de Lopes Mendes, pois, devido ao fato de se localizar na costa oceânica, as ondas não permitem o atracamento dos barcos nessa praia (ver Quadro 1).

A Trilha Pouso – Lopes Mendes

pontos que apresentam impactos negativos e pontos considerados possíveis atrativos turí

Essa trilha, também conhecida como T11, é composta por um único trecho, com extensão de aproximadamente 900 m. O destino final é a Praia de Lopes Mendes, considerada a mais bonita da ilha por sua exuberância, longa extensão coberta por areia fina, branca e mar oceânico, o que a fez ser conhecida internacionalmente por excelentes condições para a prática de surf. O percurso da trilha Pouso – Lopes Mendes apresenta um traçado suave, com altitudes variando entre 13 m e 81 m, facilitado em alguns trechos por escadarias feitas de madeira, cuja largura varia entre 3,10 m e 3,20 m. Nela, encontra-se uma bifurcação com uma placa oficial do Inea, indicando a direção da Praia de Santo Antônio. A vegetação encontrada nessa área é menos densa se comparada à Trilha T10, principalmente no trecho de Abraão – Palmas. Apresenta em alguns segmentos da trilha enormes bambuzais, e próximo à Praia de Lopes Mendes a vegetação característica é formada por restinga, margeando toda a praia, formando uma planície árida, com a presença de Mimosops commersonii, conhecidos como Abricós. As placas de sinalização encontradas na Trilha T11 estão em péssimas condições de conservação, enferrujadas e presas por arames.

No percurso Abraão – Lopes Mendes (T10 e T11), foram registrados os principais pontos que apresentam impactos negativos e pontos considerados possíveis atrativos turísticos. Entre as trilhas deste percurso, a Trilha Abraão – Palmas, apresenta-se como a mais erodida e com maior número de impactos ambientais negativos. Apresenta uma largura média de 3,3 m considerada boa para o tipo de uso, ou seja, visitação e circulação de moradores entre os núcleos povoados (ver Quadro 1).

Resultados: As marcações de campo – potencialidades e impactos

No percurso Abraão – Lopes Mendes, foram registrados em cada trecho os principais pontos que apresentam impactos ambientais negativos e pontos que são considerados possíveis atrativos turísticos nas trilhas. Os pontos P1-P4 encontram-se no trecho entre Abraão – Palmas, os pontos P5-P7 no trecho Palmas – Mangues, os pontos P8-P9 no trecho Pouso – Lopes Mendes e representam alguns pontos, onde se evidenciam feições erosivas nos leitos das trilhas desse percurso.

O ponto P1 foi marcado na subida da trilha, onde a mata encontra-se densa, composta de indivíduos antigos e de grande porte, com presença de cipós. A erosão no local chega no máximo a 6,5 cm de profundidade. O ponto P2 foi marcado no início da descida da trilha, onde a mata apresenta indivíduos antigos e jovens, com diferentes estágios de sucessão vegetal. A largura da trilha nesse ponto é de 2,1 m e a presença de raízes expostas e sulcos aponta um solo bem erodido, com 22 cm de profundidade. O ponto P3 foi marcado na descida da trilha em direção à enseada de Palmas. Neste, o solo aparenta estar bem compactado, com a presença de sulcos e 32 cm de profundidade de erosão. O ponto P4 foi marcado bem próximo à enseada de Palmas. Neste, a largura da trilha é de 4,0 m e apresenta erosão do solo de 40 cm de profundidade. Os sulcos erosivos estão sendo cobertos por vegetação e a presença de indivíduos jovens na borda da trilha chamou atenção. Registrou-se a presença de blocos de rochas no meio da trilha.

O ponto P5 localiza-se no final do trecho de subida, onde houve um incêndio há 12 anos. É um ambiente em regeneração, onde observa-se “tapetes” extensos formados por Gleichenia, impedindo que outras espécies vegetais cresçam e se desenvolvam. É uma área desprotegida em relação à incidência dos raios solares e das chuvas, que atingem o solo diretamente, podendo ser uma possível causa do estado de erosão em que se encontra. Esse ponto da trilha possui largura de 1,50 m e maior profundidade de erosão, de 23 cm.

O ponto P6, localizado no trecho de descida da trilha, encontra-se em uma área relativamente plana, sem a presença de sulcos erosivos, raízes expostas ou marcas de pisoteio, com menos serrapilheira se comparada aos outros trechos aqui analisados. Com largura de 2,8 m apresenta 9 cm no ponto de maior profundidade desse perfil. Nesse ponto a vegetação é de médio porte com presença de clareiras.

O ponto P7, com 2,40 m de largura, tem no ponto mais erodido, 20,5 cm de profundidade, acumulando serrapilheira. Esse trecho apresenta blocos de rochas e algumas raízes expostas.

Os pontos P8 e P9 encontram-se relativamente próximos um do outro, no trecho mais plano da trilha. O ponto P8 tem largura de 3,10 m e apresenta 25 cm de profundidade no ponto mais erodido. Com vegetação arbórea, apresenta-se mais intacto em relação às outras trilhas do percurso (Quadro 1 e Figura 2).


Quadro 1: O trajeto Abraão – Lopes Mendes (trechos) e as marcações de campo (pontos)



Figura 2 – Mosaico de Fotografias dos Pontos P1-P9 nos Trechos T1-T4



Figura 2 – Mosaico de Fotografias dos Pontos P1-P9 nos Trechos T1-T4



Figura 2 – Mosaico de Fotografias dos Pontos P1-P9 nos Trechos T1-T4

A partir de fatores que estão intimamente relacionados aos processos erosivos, Yury Vashchenko (2008) levanta três hipóteses: a primeira, quanto maior a intensidade de uso e a declividade, maior será a intensidade da erosão na trilha; a segunda, quanto menor a declividade, menor a intensidade da erosão, independente da intensidade de uso, do tipo de solo e cobertura vegetal e; a terceira, existindo cobertura vegetal, o solo é igualmente protegido da erosão, independentemente do tipo de vegetação.

A análise dos trechos percorridos aponta que a trilha Abraão – Palmas apresenta o maior grau de degradação ambiental, fato que podemos relacionar com sua intensa visitação principalmente nos períodos de alta temporada (novembro, dezembro, janeiro e fevereiro) que coincidem com a estação do verão, quando as chuvas são mais abundantes na região de toda a Ilha Grande. Essa trilha também apresenta as maiores altitudes e trechos íngremes, dessa forma, a primeira hipótese se encaixa nessa trilha, onde se apresenta com maior intensidade de erosão. A segunda hipótese levantada realmente se aplica em alguns trechos das três trilhas analisadas, onde apresenta declividade mais suave, a intensidade de erosão é menor, mesmo com visitação intensa e solo susceptível à erosão. Porém observa-se que em todos os trechos onde não existe cobertura do solo pela copa das árvores e serrapilheira, o solo apresenta-se mais erodido. Porém a terceira hipótese não pode ser comprovada pelo que foi observado em campo, uma vez que em pontos onde existe proteção pela cobertura vegetal apresentam feições erosivas e solo compactado também.

Em uma altitude de 200 m, próximo ao ponto mais elevado da trilha Abraão – Palmas foi identificado um mirante, conhecido pelos moradores como “Mirante do Deus Me Livre”, cuja vista é a enseada de Abraão e a Praia Brava, localizada na enseada de Palmas. Chamamos a atenção para o fato de que, como o acesso é uma subida em degraus, escorregadia e com declividade acentuada, pode ser enquadrada como área de risco. Outro ponto que poderia ser considerado de interesse turístico foi identificado nessa mesma trilha, são ruínas escondidas pela vegetação, próximas à margem esquerda da trilha na chegada à Praia de Palmas. Segundo os moradores da ilha, são de antigas fazendas de cana-de-açúcar e café do século XIX. Não foram encontradas placas de sinalização para o mirante ou ruínas.

Na Trilha Palmas – Mangues foi identificado um mirante, cuja vista é a Praia de Palmas. Na subida para esse mirante encontrou-se a espécie Miconia albicans, indicativa de clareiras e estágio inicial de sucessão. Para ter acesso ao mirante é necessário subir a encosta em direção montante por meio da vegetação, pois sua localização não é evidente ao visitante e assim como nos outros possíveis pontos turísticos não foram encontradas placas sinalizadoras. Em outro ponto dessa mesma trilha, próximo ao início da descida, foi observado mais um possível mirante, com vista para a Praia de Pouso, mais evidente que o anterior, porém, também não apresenta nenhuma sinalização indicativa.

Devido principalmente às falhas na sinalização, diversas vezes o visitante dessas áreas protegidas caminha sem perceber a biodiversidade e a geodiversidade desse ambiente, assim como passam despercebidos pelos atrativos naturais e culturais, como mirantes e ruínas. Dessa forma, uma proposta seria a instalação de placas indicativas e interpretativas, que funcionariam como um incentivo ao visitante para caminhar e observar os aspectos ambiental e histórico ao longo de todo o percurso que o leva ao objetivo final que é a praia.

Aspectos Legais e Uso Público nas trilhas Abraão – Pouso (T10) e Pouso – Lopes Mendes (T11)

De acordo com Pontes e Mello (2013), o Diagnóstico da Visitação em Parques Nacionais e Estaduais (BRASIL-MMA, 2009) em uma análise de visitação em 17 estados – 37 parques nacionais e 55 parques estaduais – a atividade mais usual é a visitação por caminhada de um dia (22,4%) e, caso sejam consideradas outras práticas que também utilizam as trilhas como acesso, esse número pode aumentar. Apesar do estado do Rio de Janeiro não ter enviado seus números, estes ressaltam a importância da malha de trilhas na gestão do uso público em Unidades de Conservação e reforça o debate sobre do mercado de turismo no Brasil em áreas naturais legalmente protegidas, principalmente da categoria parques, que vem gerando receitas de milhões de dólares.

Portanto, a visitação requer um uso adequado dos recursos naturais, a preservação dos componentes bióticos e a integração do visitante com a natureza, que são os principais objetivos previstos na Lei Federal 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000). Por definição, áreas abertas à visitação são consideradas zonas de sacrifício, onde o zoneamento territorial-ambiental prevê que podem ter seu ambiente alterado dentro de parâmetros predeterminados. Outras áreas, por sua vez, privilegiam a conservação ou a preservação de espécies in situ, buscando eliminar ou diminuir as interferências antrópicas e, para tanto, podem ser isoladas ou dotadas de maior controle e qualificação do fluxo de visitantes.

Diante dessas observações, o adequado zoneamento é fundamental para a conciliação da preservação ou conservação de espécies, hábitats e paisagens, entre outras, e o uso público, pois o uso inadequado dessas áreas pode decorrer da ausência ou incapacidade do gestor em seguir as abordagens metodológicas previstas nos planos de manejo e de outros instrumentos de ação para as áreas naturais protegidas (PONTES; MELLO, 2013). Em geral, inúmeros impactos encontrados ao longo das trilhas não são percebidos nem pelos visitantes e nem pelos administradores ou gestores da Unidade de Conservação, e podem ser causados pelo próprio manejo.

Muitos deles podem ser encontrados na área de estudo, tais como: a) o corte raso da vegetação para o estabelecimento da zona de pisoteio e manejo da vegetação lateral para manutenção do corredor das trilhas que, per si, confere a condição de fragmentação de hábitats, potencializa a erosão e aumenta o efeito de borda; b) a visitação em locais cujos destinos são balneários naturais causa diferentes alterações ambientais (turbidez da água, poluição, modificação do leito dos corpos hídricos, etc.); c) o trânsito por pedestres nas trilhas pode provocar a morte de vegetais herbáceos e de pequenos vertebrados terrestres; d) o lixo gerado pela visitação e não descartado pode trazer diversos problemas para a fauna; e) o uso de trilhas por caçadores provoca grandes danos às populações de animais; f) os incêndios podem estar diretamente ligados ao uso inadequado das trilhas e das demais áreas de visitação (fogueiras, pontas de cigarros ou a prática de ritos com oferendas religiosas); g) a presença de animais domésticos, apesar de proibida, leva a doenças; h) a presença de espécies exóticas em áreas naturais causa impactos.

Na área em estudo, as trilhas fazem parte da história dos núcleos populacionais da ilha e, antes mesmo de servirem aos visitantes, possibilitam a mobilidade territorial. Desde que se tornaram território protegido legalmente, na década de 1970, passaram a ter outro uso – o de promover a visitação pública, ou seja, os turistas. O descaso por décadas das autoridades para com o Parque e a APA em muito contribuiu para o estágio avançado de degradação ambiental em que se encontram as Trilhas T10 e T11 na Ilha Grande. Os estudos sobre a dinâmica ambiental são fundamentais para o entendimento da real capacidade dessas trilhas receberem esses visitantes, apesar da recomendação de “utilidade pública” dessas vias.

Recentemente, no âmbito do Instituto Estadual de Ambiente – Inea, foi anunciado um projeto denominado “Fortalecimento e implantação da gestão do uso público para o incremento da visitação nos parques estaduais do Rio de Janeiro” sob a justificativa do acontecimento da Copa de 2014, onde se enquadra o Parque Estadual da Ilha Grande. O objetivo geral é o “de incrementar a visitação segura e de qualidade nos parques estaduais do Rio de Janeiro, a partir da implantação de metas estratégicas de gestão do uso público em nível institucional, que promovam essas Unidades de Conservação como destinos turísticos e indutores do desenvolvimento local”. Entre os objetivos específicos, destacamos “Prover as UC de recursos operacionais, bem como capacitação, adequados para atingir as metas de incremento e finalidade da visitação”; “Criar um marco regulatório institucional para concessões, permissões e autorizações de serviços de apoio à visitação nos parques”; “Revisar e regulamentar instrumentos legais e elaborar manuais de procedimentos técnicos relacionados ao tema uso público em Unidades de Conservação”. Essas medidas até o momento da submissão deste artigo não foram observadas e nova proposta foi lançada: a criação de uma PPP no estado do Rio de Janeiro, tendo a Ilha Grande como projeto-modelo. O aumento da atividade turística na ilha é fato, conforme aponta a literatura, principalmente nas últimas duas décadas, onde o turismo está diretamente associado aos impactos ambientais.

Considerações Finais

O percurso Abraão – Lopes Mendes (T10 e T11) faz parte do Plano Municipal de Circulação para as Trilhas e demais Vias Terrestres da Ilha Grande que, por sua vez, faz parte do instrumento de planejamento e gestão de acordo com a Lei de Diretrizes Territoriais para a Ilha Grande que visa complementar as diretrizes gerais determinadas pela Lei n. 1.754, de 21 de dezembro de 2006, do Plano Diretor Municipal de Angra dos Reis. Faz parte, também, do Plano de Manejo do Parque Estadual da Ilha Grande e do Plano Diretor da APA Tamoios.

Atualmente o fluxo de turistas que visitam a Ilha Grande é bastante intenso, principalmente em épocas de alta temporada, que coincidem com os meses de chuvas mais fortes nessa região, fato que gera um maior número de obstáculos nas trilhas e estas podem se tornar escorregadias e perigosas. De acordo com o presente estudo, as trilhas T10 e T11 são frequentemente visitadas por servirem de acesso para diferentes pontos de atração turística (mirantes, praias e ruínas) e também como vias de circulação entre os núcleos populacionais, localizados nas enseadas, e a Vila de Abraão, que concentra os principais serviços da Ilha Grande.

Dessa forma, as vias terrestres desempenham importante papel nas Unidades de Conservação (Parque e APA), onde, por meio do uso público, deveriam ser estimuladas mudanças em relação ao comportamento dos usuários que percorrem essas trilhas, promovendo uma relação de respeito entre sociedade e natureza, tendo como prioridade a utilização do meio ambiente de forma sustentável. Mas a realidade evidencia que as trilhas estão malconservadas, não apresentam sinalização adequada e monitoramento pelo órgão ambiental responsável por seu manejo (Inea), assim como é inexistente uma política de conscientização ambiental na Ilha Grande, informando aos turistas e moradores o que é permitido ou não em cada Unidade de Conservação desse território, sendo essas trilhas consideradas vetores de pressão antrópica e causam degradação ao meio ambiente.

Os diversos impactos ambientais identificados no percurso Abraão – Lopes Mendes estão vinculados às esferas de gestão municipal e estadual e, enquanto o órgão ambiental do estado é responsável pela proteção de Unidades de Conservação, o órgão administrativo do município é responsável pela instalação de infraestrutura no Distrito Ilha Grande. Nessa perspectiva, os problemas e impactos identificados são de responsabilidade do poder público que deve zelar pela proposta de proteção ambiental, promovendo em cada uma das trilhas da Ilha Grande a segurança, o conforto, a redução do impacto ambiental e a instalação de equipamentos necessários para cada tipo de trilha e público-alvo.

Acredita-se na grande importância da utilização das ferramentas do planejamento ambiental para promover o uso público adequado, sendo sustentável e compatível com as limitações e potencialidades do ambiente natural em áreas protegidas. Dessa forma, tanto o levantamento do perfil dos visitantes, dos atrativos naturais, das fragilidades quanto da dinâmica ambiental daquele setor do território visitado são importantes ferramentas para a tomada de decisões a respeito de medidas que visam a conservação de trilhas em Unidades de Conservação, assim como ações educativas, por meio das quais o visitante é informado sobre normas e regras para poder otimizar e aproveitar da melhor maneira possível sua estadia na Ilha, minimizando impactos que podem ser causados por práticas e condutas inadequadas em áreas naturais. Estas, normalmente, são frutos de seu desconhecimento ou inobservância a respeito das características e normas das Unidades de Conservação visitadas.

Como proposta para o percurso estudado, sugere-se que seja realizada uma reformulação das sinalizações com o objetivo de atender melhor o visitante, assim como intensificar a conexão do visitante com o lugar, para que ele possa apreciar os recursos naturais e culturais e não somente usufruir desses recursos. Além disso, é muito importante demonstrar a riqueza de informação que o percurso oferece, realçando o valor da proteção ambiental na perspectiva do geoambiente, da geodiversidade, da biodiversidade, do geoturismo e da geoconservação.

Material suplementar
Referências
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Notas


Figura 1 – Ilha Grande, Unidades de Conservação e o município de Angra dos Reis (RJ).
Acervo NEPPT, 2016

Quadro 1: O trajeto Abraão – Lopes Mendes (trechos) e as marcações de campo (pontos)



Figura 2 – Mosaico de Fotografias dos Pontos P1-P9 nos Trechos T1-T4


Figura 2 – Mosaico de Fotografias dos Pontos P1-P9 nos Trechos T1-T4


Figura 2 – Mosaico de Fotografias dos Pontos P1-P9 nos Trechos T1-T4
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