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Revisitando o fascínio pelo exótico: a potencialidade do turismo de favela na transformação dos territórios da pobreza urbana
Mariana Campos
Mariana Campos
Revisitando o fascínio pelo exótico: a potencialidade do turismo de favela na transformação dos territórios da pobreza urbana
Revisiting the fascination for the exotic: slum tourism potential in transforming urban poverty territories
Revisando la fascinación por lo exótico: la potencialidad del turismo de favela en la transformación de los territorios de la pobreza urbana
Caderno Virtual de Turismo, vol. 17, núm. 3, pp. 166-178, 2017
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Resumo: Esta resenha analisa o mais recente livro do cientista político, Fabian Frenzel, sobre o emergente fenômeno do turismo de favela e seu potencial de transformar os territórios da pobreza urbana. Partindo do desejo das classes mais favorecidas de ver de perto as condições em que viviam as menos favorecidas, ainda na Europa do final do século XVIII, até as formas atuais da prática, o autor busca mostrar aspectos positivos e negativos dos encontros gerados. Ele destaca o papel da atividade na criação de novas atrações, na qualificação das preexistentes, na visibilidade das comunidades, em ações assistencialistas e ativismo político, e na exposição das limitações do Estado ao lidar com a questão social. Também alerta que esse potencial pode ser manipulado pelo Estado, pelo mercado imobiliário ou pelas ONGs, que tal visibilidade pode ser indesejada pela comunidade, e que a valorização turística pode levar à gentrificação. Entre as diversas contribuições da obra, talvez a principal seja olhar além de conceitos preestabelecidos, tanto sobre turismo quanto sobre favelas.

Palavras-chave:TurismoTurismo, Favela Favela, Pobreza Urbana Pobreza Urbana.

Abstract: This review analyzes the latest book by the political scientist Fabian Frenzel regarding emergent slum tourism phenomenon and its potential in transforming urban poverty territories. Starting from the desire of the more favored classes to gaze at the living conditions of the less ones, back in late eighteenth century Europe, to the recent practice formats, the author intends to present positive and negative aspects of the encounters created. He highlights the activity’s role in creating new attractions, qualifying the existent ones, making communities visible, taking part care actions and political activism, and exposing state limitations to deal with the social question. He warns as well, that this potential can be manipulated by state, real state or NGOs, that such visibility might be unwanted by the communities, and that tourist valorization may lead to gentrification. Among the work’s diverse contributions, perhaps the key is to look beyond pre-established concepts, both on tourism and on slums.

Keywords: Tourism, Slum, Urban Poverty.

Resumen: Esta reseña analiza el libro más reciente del científico político Fabian Frenzel, sobre el emergente fenómeno del turismo de favela y su potencial en la transformación de los territorios de pobreza urbana. A partir del deseo de las clases más favorecidas de ver de cerca las condiciones em que vivían las menos favorecidas, aún en la Europa del final del siglo XVIII, hasta las formas actuales de la práctica, el autor busca mostrar los aspectos positivos y negativos de los encuentros generados. Destaca el papel de la actividad en la creación de nuevas atracciones, la calification de las preexistentes, la visibilidad de las comunidades, en acciones asistencialistas y activismo político, y en la exposición de las limitaciones del Estado al tratar con la cuestión social. También advierte que este potencial puede ser manipulado por el Estado, el mercado inmobiliario o las ONGs, que tal visibilidad puede ser indeseada por la comunidad, y que la valorización turística puede llevar a gentrificación. Entre las diversas contribuciones de la obra, quizás la principal sea mirar más allá de conceptos preestablecidos, tanto sobre turismo y sobre favelas.

Palabras clave: Turismo, Favela, Pobreza Urbana.

Carátula del artículo

Resenha de Livros

Revisitando o fascínio pelo exótico: a potencialidade do turismo de favela na transformação dos territórios da pobreza urbana

Revisiting the fascination for the exotic: slum tourism potential in transforming urban poverty territories

Revisando la fascinación por lo exótico: la potencialidad del turismo de favela en la transformación de los territorios de la pobreza urbana

Mariana Campos
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasil
Caderno Virtual de Turismo, vol. 17, núm. 3, pp. 166-178, 2017
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Recepção: 03 Julho 2017

Aprovação: 17 Agosto 2017

INTRODUÇÃO

Ainda sem tradução para a língua portuguesa, embora tenha o Rio de Janeiro como um de seus estudos de caso, o livro de Frenzel – professor da Universidade de Leicester e autor de vários artigos sobre as intersecções entre mobilidade, organização e política – insere o turismo “de favela” no amplo contexto da “contemplação turística da pobreza do Outro, há tempos estabelecida” (STEINBRINK, 2012, p. 213), uma vez que “novas tendências de turismo nunca são criadas do nada” (STEINBRINK, 2012, p. 214). Com abordagem inovadora, o autor confronta clichês e arquétipos acerca da frivolidade do turismo, cuja “capacidade única de moldar o mundo” seria “pouco conhecida e discutida” (FRENZEL, 2016, p. 6).

Do título da obra, cabe breve explicação sobre o termo “slumming”, que teria sido incluído na edição de 1884 do dicionário inglês Oxford, devido à crescente popularidade nas classes média e alta londrinas de visitar o “East End” para observar a pobreza local (SHEPARD, 2016). Ao longo do livro, esse termo é utilizado como sinônimo de “slum tourism”. Assim, consideramos pertinente esclarecer nossa opção pela expressão turismo “de favela”, enquanto alguns pesquisadores, a exemplo de Bianca Freire-Medeiros (2007) e Sergio Fagerlande (2016), utilizam respectivamente “na favela” e “em favelas”. Na gramática inglesa, por estar posicionado antes do substantivo, o termo “slum” caracteriza o tipo de atividade e não o local onde é exercida. Sendo modalidade e não localidade, o turismo “de favela” pode então, teoricamente, ser praticado em qualquer lugar onde se manifeste a ocupação espontânea ou designada da pobreza urbana, resultante de políticas públicas ou de sua ausência, principalmente nos países com altos índices de desigualdade social do Hemisfério Sul, chamados de “Glo bal South”.

Desmistificando a atividade

Organizado em dez capítulos, já no primeiro, de introdução, o autor faz uma colocação primordial para a desmistificação da atividade turística a que se propõe, ao definir pesquisadores como “viajantes que se esforçam para não ser turistas”, apesar de informações empíricas de que “A maioria dos residentes [de favelas] observando turistas nunca será capaz de distinguir entre um acadêmico e qualquer outro turista, sem importar o que o acadêmico pense de si mesmo” (FRENZEL, 2016, p. 9).

Ele também reconhece que o conceito “slum” é “altamente carregado, emocional e controverso” (FRENZEL, 2016, p. 10) e que, portanto, sua capacidade de descrever o fenômeno ao qual é aplicado, em toda sua complexidade, é limitada. Da mesma forma, optamos pela manutenção do uso de “slum” como sinônimo de favela (difundido principalmente a partir do livro de 2006 de Mike Davis – Planet of Slums – traduzido para Planeta Favela), embora cientes da consensualidade atual em que o termo “favela” transcende seus referenciais geográfico, territorial e semântico, tendo se constituído para além de seu estigma histórico, em uma marca que fomenta o imaginário de tudo que se pretenda “alternativo, descolado, reciclado” (FREIRE-MEDEIROS, 2007, p. 64).

A questão social

No segundo capítulo, “Tourism and the social question” (Turismo e a questão social), o autor discorre sobre a relação entre turismo e pobreza, de natureza “conceitualmente contrastante” (FRENZEL, 2016, p. 19), pela atividade estar condicionada a uma relativa riqueza, ou quantia além da necessária para cobrir despesas essenciais, por parte de seus praticantes. Quanto ao processo de inclusão social do turismo no Hemisfério Norte, ele posiciona sua abertura à classe média nos séculos XVIII e XIX, tendência que teria continuado pelo século XX “com a inclusão em larga escala das classes trabalhadoras” (FRENZEL, 2016, p. 22). Assim, com sua prática “democratizada”, o turismo se constituíra em uma indústria produtora e atrativa de renda.

No entanto, o autor alerta que, visto apenas dessa maneira, o turismo não consegue diminuir a pobreza, sendo sua principal contribuição nesse sentido de ordem política e simbólica. Ele caracteriza a construção do pobre enquanto “um conceito, um grupo social, uma classe” (FRENZEL, 2016, p. 31) como consequência da Revolução Francesa, quando passa a ser entendido não mais como algo natural ou fruto da vontade divina, mas como “resultante da ação humana e que pode, portanto, ser modificado, algo que a política deveria focar e superar”. (FRENZEL, 2016, p. 31).

Os discursos sobre a favela

No terceiro capítulo, “The slum and the city” (A favela e a cidade), o autor parte da premissa que “As favelas têm que ser entendidas como um aspecto-chave da urbanidade contemporânea”. (FRENZEL, 2016, p. 40). Ele descreve dois dos principais discursos relacionados às favelas: o do desespero e o da esperança. O primeiro teria vigorado nos primórdios das favelas, quando a visão turística era de “lugares que ofereciam entretenimento bizarro, consumo ilícito e uma experiência sublime do sofrimento distante” (FRENZEL, 2016, p. 44), mas ainda pode ser observado, conforme o autor, em obras como a já citada “Planeta Favela”.

O desenvolvimento do segundo discurso estaria conectado a uma revalorização de outras formas de organização, a partir da década de 1970, seria uma resposta à investida modernista e seu modelo hegemônico de urbanização. Para ele, ao entendermos esse discurso “como uma contribuição produtiva na criação de encontros fortuitos [joyful encounters], o turismo de favela adquire importância específica” (FRENZEL, 2016, p. 59), e sugere que ampliemos “nosso entendimento de turismo, incluindo as crescentes formas híbridas nas quais turismo, pesquisa, ativismo e serviço social se sobrepõem”. (FRENZEL, 2016, p. 61).

Os valores turísticos

No quarto capítulo, “Value practices and tourist valorization” (Práticas de valor e valorização turística), o autor expõe que o conceito de valorização turística implica em ver “turistas não como consumidores, mas como produtores de valor” (FRENZEL, 2016, p. 64), uma vez que o valor não é intrínseco ao objeto, e sim uma construção contínua de atribuições de valor. Segundo ele, diferentes atores estariam envolvidos na produção da autenticidade de experiências almejada pelos turistas em um processo denominado “autenticação” (COHEN; COHEN, 2012 apud FRENZEL, 2016, p. 68). Esses atores, oficiais – o Estado nos âmbitos federal, estadual e municipal, e organizações como Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) – ou os próprios turistas, selecionariam e promoveriam a formação e consolidação de atrações e destinos.

Os agentes oficiais o fariam por meio da patrimonialização cultural de práticas, lugares e paisagens. Já a atuação dos turistas, alavancada pelas redes sociais e sites de classificação correlatos, teria, conforme o autor: “o poder de colocar lugares no mapa, de criar interesse por lugares não considerados valiosos normalmente, por exemplo favelas” (FRENZEL, 2016, p. 73). Essa afirmação contém uma série de arestas, mas vamos nos ater a puxar apenas algumas importantes omissões: não é dito em que tipo de mapa esses lugares seriam colocados; quais interesses seriam criados; e a existência de valores locais, atribuídos pelos residentes das favelas, que independem de reconhecimento oficial ou valorização turística.

O autor recorre à Arvidsson (2005 apud FRENZEL, 2016, p. 74-75) para explicar o conceito de valor da marca, ou “brand value”, no qual “o valor econômico de um produto não é meramente determinado pelo custo de sua produção material, mas também por uma produção imaterial que cria o valor simbólico do produto”. Ele qualifica como rebeldes os turistas alternativos, ou aqueles que rejeitam “experiências demasiado mercantilizadas apresentadas pela indústria do turismo” (FRENZEL, 2016, p. 78), criando práticas de valor autônomas e expandindo “noções precedentes limitadas do que significa ser um turista” (FRENZEL, 2016, p. 79).

Para Frenzel, o pioneirismo turístico não se restringiria ao desbravamento de novos destinos, à criação de novas atrações ou à avaliação e reportagem das experiências vividas. Uma parcela de turistas denominados “empreendedores” (FRENZEL, 2016, p. 79), pessoas que transformariam seus “hobbies” e desejos em negócios – fenômeno não circunscrito ao turismo, descrito por Ateljevic e Doorne (2000 apud FRENZEL, 2016, p. 79) como “lifestyle entrepreneurship”, uma forma de sustentar economicamente uma mudança no estilo de vida – se instalariam nos locais visitados, implantando negócios, geralmente de infraestrutura turística, como cafés, restaurantes, pousadas, aluguel de equipamentos, etc.

Os valores locais

No quinto capítulo, “Slums in local value regimes” (Favelas em regimes de valor locais), ele apresenta “três dos mais visitados destinos globais de turismo de favela” (FRENZEL, 2016, p. 82), quais sejam: Rio de Janeiro, no Brasil, Dharavi, em Mumbai, na Índia, e a África do Sul. Embora a intenção manifesta tenha sido mostrar as “semelhanças nos modos de construção da marginalidade urbana” (FRENZEL, 2016, p. 82), a diferença de escalas – respectivamente uma cidade, uma localidade e um país – e o foco das análises prejudicam a comparação, levando a considerações pouco conclusivas.

Sobre o Rio de Janeiro, afora ser destino turístico – não só da modalidade em questão, mas de diversos tipos, níveis e abrangências – o autor não insere a cidade no contexto do país em qualquer tempo ou instância, o que pode levar os leitores a crer em uma situação típica ou atípica com relação às demais cidades brasileiras, e que os deixa totalmente ignorantes quanto às regionalidades sociais, políticas e econômicas, crucialmente relevantes no processo de formação e adensamento das ocupações de que trata. Nesse primeiro momento, ele generaliza as favelas cariocas em uma incidência igualitária de turistas, políticas públicas, tráfico de drogas e crime organizado. É importante esclarecer que o grande número de favelas e a diversidade de suas características requerem cautela nas afirmações, em especial no que tange à ocorrência do turismo de favela, uma vez que este está bastante restrito a algumas partes de favelas das zonas Sul e Centro, com raras manifestações nas demais áreas da cidade, salvo um sobrevôo no intermitente teleférico do Complexo do Alemão, ou uma planejada incursão nas famosas Maré e Cidade de Deus, esta última com visibilidade adquirida do filme homônimo.

Sua narrativa da favela carioca está ligada às suas imagens pré e pós “locus” do tráfico, apoiada no conceito da “nova marginalidade” de Perlman (2011 apud FRENZEL, 2016, p. 83), onde até o advento do controle das favelas pelos grupos organizados do tráfico – relacionado à chegada da cocaína no País no fim da década de 1970 – estaria “a exclusão tradicional da favela baseada somente no não reconhecimento dos recém-chegados como cidadãos” (FRENZEL, 2016, p. 83). Transparece uma visão romântica na qual, até o final da década de 1960, seria normal que “asfalto cariocas” (FRENZEL, 2016, p. 83-84) visitassem favelas já que então não haveria violência e criminalidade nesses locais. Ele utiliza a expressão citada para designar os residentes do que chama de bairros oficiais, reproduzindo, além da incorreção tradutiva, uma dicotomia preconceituosa e fomentadora da exclusão social para a qual busca paliativos.

Seu diagnóstico é que mesmo após a flexibilização instaurada com o fim da ditadura militar, o Estado não tem sido capaz de “superar as divisões expressas no regime de valor local, no qual favelas são consideradas bairros de segunda classe e seus habitantes, cidadãos de segunda classe” (FRENZEL, 2016, p. 86). Assim, o regime de valor carioca seria “caracterizado por uma rigidez significativa” (LACERDA; BRULON, 2013; LEITE, 2012 apud FRENZEL, 2016, p. 87).

Passamos para a localidade de Dharavi, na cidade de Mumbai, na Índia, onde o autor contextualiza a divisão social em um sistema de castas, orientado pela religião hindu, em que a pobreza ainda é considerada um desígnio das divindades, embora, segundo ele, “a formação das favelas indianas, e particularmente as de Mumbai, tem pouco a ver com tradições indianas, seguindo padrões gerais de urbanização consequente da modernização” (FRENZEL, 2016, p. 87). Ele conta a história da formação de Dharavi que, com o crescimento de Mumbai, se encontra “agora localizada no coração da cidade” (FRENZEL, 2016, p. 90), sendo sua área alvo da especulação imobiliária materializada em um plano intitulado de redesenvolvimento. Mesmo espacialmente dentro da cidade, Dharavi permaneceria um lugar à parte, “excluído pela falta de políticas urbanas, estigmatizado em projeções de crime e sujeira” (FRENZEL, 2016, p. 89). O autor relata que o referido plano seria uma reedição do método Haussmann, com o “apagamento de um bairro pobre no centro da cidade e o potencial deslocamento de seus residentes no processo” (FRENZEL, 2016, p. 91). Dessa forma, seguiria intacta a rigidez do regime de valor local.

No tocante à África do Sul, ele expõe que o país viveu, durante praticamente toda a segunda metade do século XX, sob o regime de segregação racial conhecido por “apartheid”, no qual as populações não brancas foram assentadas em grandes “townships”, criadas pelo Estado em volta das cidades sul-africanas, e devidamente servidas de transporte que garantisse o acesso da mão de obra aos locais de trabalho. O autor ressalta o papel central desempenhado pelas “townships” na derrubada do “apartheid” “a partir de meados da década de 1970, quando protestos em massa resultavam em repressão de violência crescente, o que, por sua vez, radicalizava os protestos” (FRENZEL, 2016, p. 92). As primeiras visitas teriam se dado nesse contexto, tanto realizadas por ativistas políticos quanto organizadas pelo próprio regime no intuito de mostrar ao mundo “uma imagem mais favorável das townships” (FRENZEL, 2012 apud FRENZEL, 2016, p. 92).

Ele descreve que, apesar do fim do “apartheid”, permanece o déficit habitacional no país, bem como permanecem “o estigma territorial, a exclusão e a pobreza simbólica” (FRENZEL, 2016, p. 92) em townships mais antigas e conhecidas como Soweto, e em diferentes regimes espaciais contemporâneos, a exemplo de “townships pós-apartheid”, “Bantustans” (termo que tem sua origem em políticas segregacionistas que antecederam ao “apartheid”, com a demarcação de territórios para uma homogeneização étnica, cujo significado e utilização atuais podem ser pejorativos) e favelas verticais “sob a forma de prédios invadidos” (FRENZEL, 2016, p. 93), abandonados gradualmente pela “elite majoritariamente branca (...) para morar em condomínios suburbanos murados” (FRENZEL, 2016, p. 93).

Nessa primeira amarração dos casos – Rio de Janeiro, Dharavi e África do Sul – do ponto de vista da organização do trabalho, o autor identifica dois modelos: “o campo de trabalho Fordista e o assentamento informal pós-Fordista” (FRENZEL, 2016, p. 95). As “townships” sul-africanas, criadas sob o regime de “apartheid”, seriam um exemplo do primeiro, enquanto as favelas cariocas e de Mumbai seriam mais similares ao segundo modelo. No entanto, para o autor, tais modelos se encontrariam muitas vezes sobrepostos, e as intervenções públicas seriam similares para ambos, visando “o ordenamento da bagunça informal” (SCOTT, 2000 apud FRENZEL, 2016, p. 96).

Colocando as favelas no mapa

No sexto capítulo, “Disruptive valorization: putting slums on the map” (Valorização dissociada: colocando favelas no mapa), o autor insiste na ideia de colocar as favelas no mapa (turístico) e descreve como a valorização turística pode se contrapor aos regimes de valor locais: “Atuando de fora [...], turistas estão propensos a intervir, violar fronteiras imaginárias e considerar atraente o que está escondido” (FRENZEL, 2016, p. 98).

Ele inicia descrevendo o mito de origem do turismo de favela no Rio de Janeiro, quando o malfadado intento de esconder as favelas durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO 92) teria surtido efeito contrário, gerando curiosidade (e até certo frenesi) entre os delegados internacionais em visitar favelas da zona Sul, nominalmente a Rocinha. A “descoberta” turística teria trazido consigo organizações não governamentais (ONGs), pesquisadores e artistas, que passariam a se instalar e atuar nas favelas. Quanto às intervenções artísticas, possuiriam o valor ambíguo de atrair visitantes para as favelas e promover internacionalmente seus autores. E, ainda que não mencione a heterogeneidade das favelas cariocas em suas composições, épocas de formação, e distribuição pela cidade, o autor admite que “nem todas as favelas experimentaram este afluxo [turístico, artístico, assistencialista] da mesma forma” (FRENZEL, 2016, p.102).

Conectando ao papel dos megaeventos no estabelecimento de destinos de turismo de favela, ele apresenta a cidade de Nairobi, sede do Fórum Social Mundial em 2007, mais uma vez sem mencionar o país e sua realidade, no caso o Quênia. Retorna então à África do Sul, reconhecendo que Soweto não precisava ser colocada, já estava no mapa. O autor relata que ao fim da década de 1990, esta e algumas “townships” de Cape Flats (planície na Cidade do Cabo que foi área designada para não brancos no “apartheid”) já eram destinos consolidados da modalidade. O problema seria a propriedade das agências que organizavam os passeios estar nas mãos de brancos, e “enquanto o Estado tentava remediar a situação com políticas de empoderamento econômico de negros, alternativas eram criadas em práticas de valor cooperativas entre residentes envolvidos no negócio de turismo e visitantes” (FRENZEL, 2016, p. 111). Entre essas alternativas estariam passeios de bicicleta ou a pé, que atenderiam ao desejo do turista de uma experiência no âmbito da rua, mais próxima que de ônibus ou van, e confirmariam a “valorização do tecido social existente” (FRENZEL, 2016, p. 115).

De volta à Dharavi, o autor situa em 2007 o início dos passeios a pé. Ele relata que desde a década de 1960, “turistas alternativos ocidentais e mochileiros têm viajado à Índia” (FRENZEL, 2016, p. 116) em visitas com perfil de caridade maior do que em outros lugares. A partir da década de 1980, com a publicação do romance “Shantaram”, de Gregory David Roberts, os turistas teriam descoberto as cidades e suas favelas. Também no caso indiano, depois dos turistas viriam as ONGs. Na atualidade, Dharavi é uma das favelas mais famosas do mundo, em grande parte graças ao filme vencedor em oito categorias do prêmio Oscar de 2009: “Quem quer ser um milionário?”, cujo título original “Slumdog millionaire” foi alvo de protestos dos residentes. Outro alvo de indignação, mas por parte das classes ou castas mais favorecidas de Mumbai, seria o ranking da “atração” de Dharavi em sites como o “Trip Advisor”, no qual figura entre as melhores classificadas da cidade. Para o autor, se trata de “um desconforto com relação a ocidentais impondo e intervindo dentro de um contexto pós-colonial onipresente e fortemente sentido” (FRENZEL, 2016, p. 121).

Apropriação da valorização turística

No sétimo capítulo, “Co-opting and engineering tourist valorization: policy and real estate responses” (Apropriação e controle da valorização turística: respostas políticas e imobiliárias), o autor descreve as reações do Estado e do mercado imobiliário à valorização turística das favelas. Ele assume que o turismo de favela “afeta e está relacionado com os processos de gentrificação, embora a gentrificação também precise ser problematizada enquanto um conceito que está relacionado a práticas de valor e valorização numa variedade de diferentes níveis” (FRENZEL, 2016, p. 124).

O fenômeno da gentrificação ou enobrecimento urbano – traduções do termo “gentrification” cunhado pela socióloga britânica Ruth Glass em 1964, a partir de “gentry” que designa elite ou classe social privilegiada, para descrever o deslocamento das populações locais, em geral de classes menos favorecidas, decorrente da requalificação de espaços urbanos (VIEIRA, 2013, p. 349; TANSCHEIT, 2016) – já observado em algumas favelas, seria até então consequência de intervenções públicas de implantação e melhoria de infraestrutura urbana. Conforme Corrêa (1989, p. 31), “A evolução da favela, isto é, a sua progressiva urbanização até tornar-se um bairro popular, (...) desencadeia uma valorização que acaba por expulsar alguns de seus moradores e atrair outros”.

O Rio de Janeiro seria, para o autor, o maior exemplo de apropriação da valorização turística pelo Estado, a fim de promover seus objetivos de desenvolvimento urbano. Ele cita o caso da primeira favela carioca, a Providência, e as tentativas frustradas de sua musealização – em 2003 e, mais recentemente, quando da intervenção na área portuária para as Olimpíadas de 2016, o Porto Maravilha – que teriam falhado em não contar com a participação dos moradores, seja no planejamento ou na execução e, portanto, em analogia ao título da obra de Gabriel García Márquez, a crônica de uma morte anunciada.

Tendo em vista que as favelas seguiam sendo um problema de segurança, em especial durante megaeventos, ele analisa a política de pacificação instaurada a partir de 2008, com a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Inaugurada na favela Santa (Dona) Marta, “a pacificação e o turismo foram percebidos como uma dupla invasão por alguns residentes” (FREIRE-MEDEIROS et al., 2013 apud FRENZEL, 2016, p. 128), bem como foi comprovado o aumento do valor do aluguel das moradias, com a decorrente saída das populações mais pobres.

Outro caso citado foi o Complexo do Alemão e a implantação do teleférico em 2011, que conecta os picos de cinco dos morros que comportam as 15 comunidades que formam o complexo. O serviço foi interrompido em setembro de 2016 – logo após a publicação do livro de Frenzel e os Jogos Olímpicos – e até a presente data não havia sido retomado. O principal afluxo de turismo seria doméstico e, além da vista de cima, haveria uma área designada nas proximidades da estação final do teleférico, com barracas de comida. Nesse local, teriam sido observadas crianças pedindo esmolas, o que segundo o autor, “não havia ocorrido em nenhuma outra das favelas turísticas do Rio” (FRENZEL, 2016, p. 131). De acordo com Steinbrink (2014 apud FRENZEL, 2016, p. 127), não há novidade com relação às políticas públicas cariocas, seriam “uma continuação das políticas excludentes anteriores, com uma apresentação seletiva dos aspectos maravilhosos das favelas, e a encenação de uma favela consumível que visa esconder a continuidade da exclusão”.

Sobre o mercado imobiliário, o autor expõe que a cidade sempre teria tido um alto custo de vida, sendo as favelas uma opção mais acessível, que dava condições à mão de obra de morar perto do local de trabalho. Para ele, o custo de vida na favela teria aumentado após a política de pacificação, e cita a favela do Vidigal, onde esse aumento teria sido vertiginoso. Ele destaca o papel de agentes imobiliários como o “Airbnb”, que negociam o aluguel de imóveis nas favelas, na promoção da gentrificação, já que os preços, embora atraentes se comparados aos da cidade formal, são inacessíveis para as populações mais pobres. Segundo ele, a pressão sobre os imóveis das favelas não viria “somente dos estrangeiros, mas também dos brasileiros do asfalto que são deslocados dos melhores distritos da cidade” (FRENZEL, 2016, p. 135) pela mesma dinâmica especulativa, e conclui que “a segurança permanece o principal fator de influência na atratividade do mercado imobiliário da favela para investidores” (FRENZEL, 2016, p. 136).

Assim como no Rio de Janeiro, em Joanesburgo o mercado de aluguel informal seria afetado pela gentrificação e teria a tendência de ficar muito caro para as populações mais pobres. No entanto, em Mumbai, esse mercado informal não seria reconhecido, e a pressão sobre as favelas seria nas áreas que ocupam, estas sim visadas para a especulação, com a construção de novos empreendimentos. Em tal contexto, “as lógicas da valorização turística e do mercado imobiliário estariam desconectadas” (FRENZEL, 2016, p. 138). O autor conclui, retornando ao caso do Rio de Janeiro, que mesmo quando o Estado desenvolve políticas direcionadas às favelas e seus residentes, essas políticas seguiriam a “lógica do ordenamento, na qual a desigualdade não é fundamentalmente desafiada, uma vez que os modelos de políticas visam transformar os residentes de favelas em consumidores normais e trabalhadores dentro da lógica do capitalismo” (FREEMAN, 2014 apud FRENZEL, 2016, p. 141).

O assistencialismo turístico

No oitavo capítulo, “Tourist valorization in the post-Fordist care regime” (Valorização turística no regime assistencialista pós-Fordista), ele retoma a questão do turismo de caridade, do qual o turismo de favela seria um exemplo. A “paixão pela compaixão” (ARENDT, 1990 apud FRENZEL, 2016, p. 144), surgida na burguesia europeia do século XVIII, teria se desenvolvido e se globalizado, a partir da década de 1980, sob a forma de “fome e catástrofes televisionadas” (FRENZEL, 2016, p. 144), atingindo proporções multimilionárias de doações das elites, captadas e administradas por ONGs transnacionais de porte não menos expressivo.

Conforme o autor, um aspecto pouco observado sobre a desestatização do regime assistencialista seria justamente o turístico, ou “a tendência nos últimos anos de novas formas de ação humanitária” (FRENZEL, 2016, p. 145), que ele chama de “desenvolvimento e provisão internacionais de caridade ‘frente a frente e de vivência’ [peer-to-peer e experience-based]” (FRENZEL, 2016, p. 145). Para ele, no turismo de favela, a relação entre turismo e pobreza seria diferente da usual, passando esta de condição do lugar visitado, para “uma parte significativa da atração e frequentemente o principal atrativo” (FRENZEL, 2016, p. 146). Assim, “o desejo de cuidar se traduz em práticas de valor que incluem observar a entrega da ajuda, sustentar projetos visitados com donativos, e voluntariar ou trabalhar nos projetos visitados” (FRENZEL, 2016, p. 147). Essa combinação de turismo com voluntariado englobaria uma série de “imperativos – ser ético, ser aventureiro e se divertir – num único produto” (CREMIN, 2007 apud FRENZEL, 2016, p. 147-148), que ele denomina “novo híbrido entre turismo e serviço humanitário” (FRENZEL, 2016, p. 148).

Inicialmente a maioria dos passeios de favelas seria operada exclusivamente por ONGs, tendo passado a dividir esse espaço com outros operadores ou mais próximos das comunidades, ou organizados com visões diferenciadas tanto da destinação das verbas arrecadadas quanto do que consista o turismo de favela. No caso da África do Sul, o autor cita a organização Uthando de Cape Flats, que não se reconheceria como operadora de turismo de favela, mas como criadora de oportunidades de “encontros entre áreas desfavorecidas e potenciais apoiadores” (FRENZEL, 2016, p. 149). No caso de Mumbai, o Reality Tour and Travel (RTT), que em 2009 deu início à sua própria organização de caridade: o Reality Gives (RG), em um “processo consciente (...) baseado no desejo de controlar o uso dos fundos” (FRENZEL, 2016, p. 151) que capacitaria a ação direta em suas próprias comunidades e projetos. Uma peculiaridade do Quênia faria com que os doadores internacionais fossem, com frequência, também provedores das escolas, uma vez que o Estado não consegue suprir essa demanda.

Sobre a aparente benevolência de ONGs e ações de caridade que, na verdade, utilizariam o contexto da pobreza em benefício próprio, reproduzindo práticas de valor da época da escravidão, o autor apresenta o filme brasileiro “Quanto vale ou É por Quilo?”. O longa-metragem expõe que a verba necessária para manter todo o aparato das ONGs, se aplicada diretamente, poderia resolver o problema a que se propõe, mas que, drenada por esse custo e pela corrupção, acaba por ser insuficiente ao chegar a seu destino, ou jamais chegar. Também, em uma fala contundente do ator Lázaro Ramos, os pobres são declarados “escravos sem donos” (QUANTO, 2005), e questionamos se os “donos” não continuam sendo os mesmos, em praticamente todos os encontros a que se permitem as elites, inclusive o turístico.

O retorno do investimento

Foi identificado pelo autor a necessidade turística de um retorno, comprobatório dos benefícios gerados para a comunidade, seja por uma prestação de contas formal, seja na opção por guias locais, seja na inclusão de projetos financiados nas visitas. Entre tais projetos estariam presentes de forma unânime centros de cuidados infantis, já que as crianças pobres “podem ser consideradas o objeto simbólico por excelência da paixão pela compaixão” (FRENZEL, 2016, p. 156), o que tem sido apontado por alguns críticos como “um abuso (...) com consequências nocivas para as crianças diretamente expostas” (FRENZEL, 2016, p. 156). Afora as crianças, outros grupos vulneráveis seriam apresentados como beneficiários da caridade turística, que incluiriam, no caso de Nairóbi, mulheres soropositivas.

Ele expõe o que considera “talvez o encontro de maior empoderamento do turismo de caridade” (FRENZEL, 2016, p. 157) na figura dos guias, e exemplifica seu ponto de vista com os “Slum Gods” (Deuses da Favela), de Dharavi, que fazem de sua personalidade e criatividade protagonistas das visitas. Os encontros seriam amplificados pelas redes sociais, sendo que o perfil de alguns desses guias na rede alcançariam o patamar de celebridades. O autor adverte que “no mínimo, a prática do turismo de favela deve evitar mostrar os residentes predominantemente como necessitados de ajuda” (FRENZEL, 2016, p. 159).

Outro exemplo de empoderamento seria o que o autor chama de “mobilidade reversa, dos residentes das favelas poderem visitar os lugares de onde vêm os turistas” (FRENZEL, 2016, p. 158), ocasionada tanto por programas de organizações civis e religiosas quanto pelas amizades e afetos iniciados nos encontros. Assim, “o turismo de favela deveria ser visto principalmente como uma forma de mobilidade, na qual não residentes entram na favela” (FRENZEL, 2016, p. 164).

O ativismo turístico

No nono capítulo, “Slum tourism and political activism” (Turismo de favela e ativismo político), o autor afirma que “algumas vezes práticas de caridade e de ação se sobrepõem” (FRENZEL, 2016, p. 161), abrindo uma discussão sobre as fronteiras entre turismo e ativismo. Para ele, o ativismo turístico não seria só uma questão de trazer recursos e visibilidade, mas incluiria “reflexão crítica em práticas ativistas, mobilidades reversas e esforços contra gentrificação” (FRENZEL, 2016, p. 162). Sob a denominação de turismo político, se manifestaria de diferentes formas, desde visitas à zonas de conflito e “turistas permanecendo observadores um tanto passivos” (FRENZEL, 2016, p. 163), até a intervenção direta em conflitos locais, seja apoiando de longe, seja participando de fato na ação, a exemplo das guerrilhas.

Entre as práticas de valor políticas, com as quais “turistas se envolvem deliberadamente ou são convidados a se envolver” (FRENZEL, 2016, p. 164), estaria a de defender a favela de ser removida. O autor relata o caso de Vila Autódromo, próxima ao Parque Olímpico da Barra, na zona oeste do Rio de Janeiro, que teria atraído atenção internacional na conferência Rio+20 em 2012. Mais uma vez, 20 anos depois, delegados internacionais evidenciariam a insuficiência de respostas do Governo para a questão social. A grande repercussão teria pressionado o então prefeito Eduardo Paes a “prometer que não haveria remoções forçadas” (FRENZEL, 2016, p. 170) e o que foi observado nos anos seguintes: o alto valor gasto pela Prefeitura com indenizações para que muitos dos residentes deixassem o local.

Nesse caso, a visibilidade não impediu a remoção, mas pode ter contribuído nas negociações entre residentes e poder público. Esta seria uma de suas críticas, que a visibilidade “tem por vezes impulsionado uma ação dos governos, mas as ações empreendidas pelas autoridades nem sempre são as que os ativistas esperam” (FRENZEL, 2016, p. 173). Outra crítica estaria apoiada no fato de muitas das ocupações serem consideradas irregulares pelo Estado, o que faz com que visibilidade seja algo que os moradores queiram justamente evitar.

A natureza comercial do turismo também seria criticada pelos ativistas, e embora o turismo de favela aconteça dentro de um contexto comercial mais amplo, as viagens dos ativistas acontecem dentro do mesmo contexto. Para Frenzel, “todas as intervenções em espaços não familiares têm uma condição turística, e isso não deve mais ser negado, mas apreciado” (FRENZEL, 2016, p. 179). Turistas geralmente são vistos como o oposto de “experts”, mas “tendem a admitir que entendem pouco, vir a aprender, e talvez se envolver” (FRENZEL, 2016, p. 177).

O potencial do turismo de favela

No décimo e último capítulo, a conclusão, o autor faz um breve relato sobre a remoção de uma “favela” na cidade de Berlim, na Alemanha, para mostrar a contradição entre o que os países do Norte cobram dos países do Sul, e as políticas que implementam em seus próprios territórios. A política habitacional do pós-guerra teria gerado melhoria na qualidade das moradias, a desigualdade teria sido reduzida, bem como sua expressão espacial: “a justaposição de favela e cidade” (FRENZEL, 2016, p. 185). Em uma comparação entre turismo e migração, ele afirma ser “amplamente reconhecido que a migração tem uma série de implicações culturais, sociais e políticas”, enquanto o turismo, ainda que muito similar nesse aspecto, teria “seu papel simbólico amplamente ignorado” (FRENZEL, 2016, p. 187).

Ele reapresenta a mudança do foco nas favelas, de lugares do desespero que precisariam ser demolidos, para “uma modalidade diferente de urbanidade, algo que as respostas modernas do Fordismo à questão social negligenciaram” (FRENZEL, 2016, p. 186). Nesse sentido, o interesse do turismo pela pobreza contribuiria para aprimorar o conhecimento sobre ela, já que grande parte do que sabemos hoje tem sido reunido por especialistas, acadêmicos e pesquisadores de campo, que o autor descreve como “turistas de favela profissionais” (FRENZEL, 2016, p. 191). Todos os visitantes “não deveriam distanciar suas práticas de viagem das dos turistas (...). Ao invés disso, esta é uma chamada por ética ao ser turista, em toda intervenção que envolva, como ponto de partida, a posição de ignorância” (FRENZEL, 2016, p. 188).

Para Frenzel, onde ONGs de grande escala, fundações filantrópicas e agências supranacionais operam e o Estado se ausenta, a questão social ficaria reduzida a uma “política de piedade” (ARENDT, 1990; BOLTANSKI, 1999 apud FRENZEL, 2016, p. 192). Esses provedores privados transformariam “a caridade numa indústria na qual lucro tem que ser gerado”, contribuindo com “as dinâmicas que aumentam a desigualdade” (FRENZEL, 2016, p. 192). E conclui, com conteúdo significativo para a análise proposta, e instigante na motivação do aprofundamento deste viés de pesquisa, que: “Precisamos começar a levar a sério o potencial de uma das mais cruciais práticas sociais, o turismo, em tornar estes encontros [fortuitos] possíveis” (FRENZEL, 2016, p. 196).

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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FAGERLANDE, S. M. R. Um olhar sobre o estudo do turismo em favelas e as novas possibilidades de relações urbanas, sociais e ambientais. IV ENANPARQ, Porto Alegre, RS, 25-29 jul. 2016. Disponível em: http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq-4/SESSAO%2043/S43-00-FAGERLANDE,%20S.pdf . Acesso em: 14 jun. 2017.
FREIRE-MEDEIROS, B. A favela que se vê e que se vende: reflexões e polêmicas em torno de um destino turístico. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 22, n. 65, p. 61-72, out. 2007.
FRENZEL, F. Slumming It: the tourist valorization of urban poverty. London: Zed Books Ltd., 2016, 218p.
QUANTO vale ou É por Quilo? Direção: Sérgio Bianchi. Produção: Luís Alberto Pereira; Patrick Leblanc. Rio de Janeiro, Brasil: Agravo Produções Cinematográficas; Riofilme; 2005.
SHEPARD, W. Slum Tourism: How It Began, The Impact It Has, and Why It Became So Popular. Forbes, 16 jul. 2016.
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TANSCHEIT, P. Placemaking x gentrificação: a diferença entre revitalizar e elitizar um espaço público. The City Fix Brasil, 19 jul. 2016. Disponível em: http://thecityfixbrasil.com/2016/07/19/placemaking-x-gentrificacao-a-diferenca-entre-revitalizar-e-elitizar-um-espaco-publico/>. . Acesso em: 20 mar. 2017.
VIEIRA, M. C. “Revitalização” da Praça XV: contradição das políticas de gentrificação no centro da cidade do Rio de Janeiro. In: LEITE, R. P.; SOUZA, E. C. M. (Org.). Cidades e Patrimônios Culturais. São Cristóvão, SE: UFS, 2013, p. 329-351.
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