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Valorização, preservação e promoção da cultura local através da economia criativa: o caso da produção do souvenir gastronômico
Tauana Macedo de Paula; Marlei Salete Mecca
Tauana Macedo de Paula; Marlei Salete Mecca
Valorização, preservação e promoção da cultura local através da economia criativa: o caso da produção do souvenir gastronômico
Appreciation, preservation and promotion of local culture through the Creative Economy: the case of the production of gastronomic souvenir
Apreciación, preservación y promoción de la cultura local por medio de la Economía Creativa: el caso de la producción de lo souvenir gastronómico
Caderno Virtual de Turismo, vol. 18, núm. 2, pp. 121-133, 2018
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Resumo: Este artigo aborda como a valorização, a preservação e a promoção da cultura local estão sendo trabalhadas na produção do souvenir gastronômico à luz dos preceitos da Economia Criativa. O campo de análise foi a região turística “Uva e Vinho” – Serra Gaúcha, mais precisamente os souvenirs gastronômicos comercializados na estação do passeio de trem “Maria Fumaça”, em Bento Gonçalves/RS. Dessa forma, esta pesquisa caracteriza-se, metodologicamente, por ser exploratória quanto aos seus objetivos; nos procedimentos técnicos predomina o estudo de caso; já a coleta de dados foi realizada através de uma entrevista semiestruturada. Por fim, os dados foram analisados através do método de triangulação. Os resultados mostram que alguns produtores dos souvenirs gastronômicos valorizam, preservam e promovem a cultura local por meio do resgate de receitas e métodos de produção; na elaboração artesanal, em pouca quantidade, restringindo o acesso à região turística “Uva e Vinho”, entre outros pontos.

Palavras-chave:Economia CriativaEconomia Criativa, Souvenir gastronômico Souvenir gastronômico, Cultura Cultura, Região turística “Uva e Vinho” Região turística “Uva e Vinho”.

Abstract: This article discusses how recovery, preservation and promotion of local culture, are being worked in the production of gastronomic souvenir in the light of the precepts of the Creative Economy. The field of analysis was the tourist region "Uva e Vinho" - Serra Gaúcha, specifically the gastronomic souvenirs sold in the train ride station "Maria Fumaça" in Bento Gonçalves/RS. Thus, this research is characterized, methodologically, as exploratory as to its objectives; the technical procedures predominates the case study; since data collection was carried out through a semi-structured interview. Finally, the data were analyzed using the triangulation method. The results show that some producers of gastronomic souvenirs value, preserve and promote the local culture through the redemption proceeds and production methods; in crafting, in small quantities, restricted access to the tourist area "Grape and Wine", among others.

Keywords: Creative Economy, Gastronomic souvenir, Culture, Tourist region “Uva e Vinho”.

Resumen: Este artículo describe cómo la apreciación, preservación y promoción de la cultura local se está trabajando en la producción de lo souvenir gastronómico a través de los preceptos de la Economía Creativa. El campo del análisis fue la región turística "Uva e Vinho” – Sierra Gaucha, con mayor precisión los souvenirs gastronómicos que se venden en la estación de tren "Maria Fumaça" en Bento Gonçalves/RS. Por lo tanto, esta investigación se caracteriza, metodológicamente, como exploratoria en cuanto a sus objetivos; los procedimientos técnicos predomina el estudio de caso; la recogida de datos se llevó a cabo a través de una entrevista semiestructurada. Finalmente, los datos fueron analizados mediante el método de triangulación. Los resultados muestran que algunos de los productores del souvenir gastronómico aprecian, preservan y promueven la cultura local a través de los rescates de recetas y métodos de producción; en la elaboración, en pequeñas cantidades, restringido el acceso a la zona turística "Uva e Vinho", entre otros.

Palabras clave: Economía Creativa, Souvenir gastronómico, Cultura, Región turística “Uva e Vinho”.

Carátula del artículo

Artigos originais

Valorização, preservação e promoção da cultura local através da economia criativa: o caso da produção do souvenir gastronômico

Appreciation, preservation and promotion of local culture through the Creative Economy: the case of the production of gastronomic souvenir

Apreciación, preservación y promoción de la cultura local por medio de la Economía Creativa: el caso de la producción de lo souvenir gastronómico

Tauana Macedo de Paula
Universidade de Caxias do Sul (UCS), Brasil
Marlei Salete Mecca
Universidade de Caxias do Sul (UCS), Brasil
Caderno Virtual de Turismo, vol. 18, núm. 2, pp. 121-133, 2018
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Recepção: 31 Julho 2016

Aprovação: 12 Março 2018

Introdução

A Economia Criativa caracteriza-se por ser um modelo que entrou em ascensão nas últimas décadas, com a proposta de uma produção de bens e serviços que valorize o trabalho do produtor, aliando sua criatividade à cultura local. (REIS, 2008).

As atividades advindas da Economia Criativa geram emprego e renda para a população, além de valorizar e preservar a cultura da região. Assim, diversas áreas podem aderir à Economia Criativa, sejam elas: o Turismo, o Meio Ambiente, o Design, a Gastronomia, entre outras.

No Turismo, uma das formas de se observar a Economia Criativa é por meio da produção do souvenir gastronômico. Esse produto, quando fabricado no local ao qual faz referência, tem a capacidade de transmitir a cultura do seu entorno para o turista através da gastronomia. Com isso, a produção desse bem será agregada à criatividade do seu produtor aliada às características culturais da sua região. Isso auxiliará na valorização e preservação do saber-fazer desse povo.

Dessa forma, este artigo tem como objetivo apresentar como o modelo da Economia Criativa pode valorizar, preservar e promover a cultura local através da produção de um bem inerente ao Turismo: o souvenir gastronômico. Os dados apresentados neste estudo são provenientes da dissertação apresentada a um programa de Pós-Graduação em Turismo.

Ao longo do trabalho serão abordadas as características principais da Economia Criativa e do souvenir gastronômico; posteriormente será enfatizada a região onde a pesquisa foi realizada; depois apresentam-se os procedimentos metodológicos, os resultados, os comentários finais e as referências utilizadas.

Breve percurso da Economia Criativa

A Economia Criativa surge no momento em que os setores industriais e manufatureiros começam a passar por sérias crises afetando a economia dos países. Observando que as atividades que valorizavam o trabalho e a cultura do povo não estavam passando por dificuldades, mas sim se desenvolvendo cada vez mais, alguns países apostaram nesse setor para driblar os problemas econômicos que enfrentavam.

Desse modo, um dos primeiros países a notar essa possibilidade de desenvolvimento foi a Austrália, em 1994, através do projeto Creative Nation, que tinha como objetivo a valorização do trabalho criativo como contribuinte econômico para o país, aliado à tecnologia como propulsora do setor cultural. (REIS, 2008).

Baseado nesse modelo, Howkins escreveu em 2001 o livro The Creative economy – How people make money from ideas, onde surge pela primeira vez o termo Economia Criativa. Na obra, o autor traz vários cases sobre o assunto, bem como a conceituação da área.

A Economia Criativa trabalha com a criatividade do produtor de bens e serviços, valorizando a cultura e seus aspectos intangíveis. É interessante destacar que, na Economia Criativa, a cultura é trabalhada de maneira mais ampla do que em outras correntes que a tratam apenas como arte, como mostra Lima.

Nesse contexto [da Economia Criativa], a cultura é entendida como algo mais amplo do que a arte, acolhendo um conjunto de crenças, costumes, valores e hábitos adotados por sociedades ou grupos de pessoas. Esse insumo cultural é empregado como fator de diferenciação e mesmo de inovação. (LIMA, 2011/2012, p. 12).

Essa área emprega a tecnologia como forma impulsionadora da produção e acessibilidade de seus produtos e serviços, e tem como um de seus princípios a sustentabilidade socioeconômica. (REIS, 2008).

O objetivo da Economia Criativa pode ser definido como:

Promover diferentes setores produtivos que possuem como denominador comum a capacidade de gerar inovação a partir de um saber local, agregar valor simbólico a bens e serviços, além de gerar e explorar direitos de propriedade intelectual. (MARCHI, 2014, p. 194, tradução da autora).

Essa produção traz diversos benefícios, como a inclusão social, pois gera emprego, renda e oportunidades de qualificação para o produtor. “[...] A economia criativa promove a inclusão social, a diversidade cultural e o desenvolvimento humano.” (BRASIL, 2012a, p. 40).

O país que consolidou esse modelo foi o Reino Unido, no governo de Tony Blair, tornando-se pioneiro pela associação da Economia Criativa com os setores político e econômico. (BENDASSOLLI et al., 2009). Outros países também apostaram na Economia Criativa como forma de desenvolvimento para o país, como a China e o Brasil. Este último chegou a ter uma Secretaria destinada ao assunto, porém, foi extinta no ano de 2015.

Existem pensamentos que tratam a Economia Criativa como a nova economia do século XXI, superando a dita Sociedade da Informação do século XX (REIS, 2008; HOWKINS, 2013), devido à possibilidade de abranger diversos setores.

Tal situação está se tornando cada vez mais possível diante das manifestações de organizações que defendem a Economia Criativa como a chave para o desenvolvimento deste século. Como exemplo disso tem-se o Terceiro Fórum Mundial da Unesco em Cultura e Indústrias Culturais: “Cultura, Criatividade e Desenvolvimento Sustentável. Pesquisa, Inovação, Oportunidades”, ocorrido em outubro de 2014 na Itália, que abordou alguns pontos pertinentes a serem incluídos nas políticas públicas mundiais. Entre eles destacam-se:

· inclusão do desenvolvimento econômico gerado pela cultura e pela criatividade, que devem atender aos anseios da comunidade local;

· importância de uma educação inclusiva, que proporcionaria oportunidades para que surgissem novos talentos criativos, dando autonomia, principalmente para as mulheres e para os jovens;

· gerenciamento das indústrias culturais e criativas, a fim de fomentar o desenvolvimento local, gerando empregos diretos e indiretos;

· aproveitamento da criatividade para encontrar soluções que minimizem os impactos nocivos ao meio ambiente, incluindo as mudanças climáticas e o turismo não sustentável;

· fruição da criatividade como forma de valorização da diversidade cultural, para melhorar a qualidade de vida e diminuir as ações de exclusão e discriminação. (UNESCO, 2014).

Como pode ser observado, a Economia Criativa engloba diversos campos da sociedade, como o social a partir da geração de emprego e renda que, dependendo do setor, pode ser responsável por 2% a 8% do capital humano empregado. (BRASIL, 2012a). O econômico através da diversificação de receitas, do desenvolvimento de áreas rurais (BRASIL, 2012a) e do estímulo para o surgimento de novos empreendedores, por exemplo. O ambiental por meio de sua preservação tendo em vista que a utilização de métodos industriais, nos produtos oriundos da Economia Criativa, é menor. A inovação que pode ocorrer com a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (Tics), bem como na identificação, no reconhecimento de novas oportunidades e na criação de novos produtos ou incremento dos já existentes (BRASIL, 2012b), que pode ocorrer nos métodos e processos realizados pela empresa, não despendendo de grandes investimentos de capital financeiro. (REIS; KAGEYAMA, 2011). E o campo cultural, foco desta pesquisa, quando trabalhado de acordo com os preceitos da Economia Criativa, consegue ser preservado, uma vez que se utiliza, na elaboração dos produtos e serviços, saberes e fazeres de um povo, fazendo com que essa intangibilidade não se perca no tempo. As manifestações culturais e a criatividade são as impulsionadoras da Economia Criativa, proporcionando a elaboração de bens e serviços criativos que contam a história de uma região.

O souvenir gastronômico à luz da Economia Criativa

O souvenir é um elemento que está presente no consumo realizado nas destinações turísticas há muito tempo. Sua origem é francesa e significa recordação. (MACHADO; SIQUEIRA, 2008).

Assim, quando o turista adquire um souvenir o propósito principal é fazê-lo lembrar dos momentos vividos na viagem (PAULA; MECCA, 2016). “Souvenires são o que o viajante traz consigo – representam materialmente o vínculo entre o lugar visitado e o lar para o qual se retorna.” (FREIRE-MEDEIROS; CASTRO, 2007, p. 35, grifo dos autores).

Outras características podem ser atribuídas ao souvenir, tais como: ser um tangibilizador da experiência turística, já que como um setor de serviços, o Turismo não produz produtos palpáveis, mas sim experiências a serem vivenciadas; um meio promocional da destinação turística, quando utilizado para presentear um familiar ou amigo, podendo despertar neste o desejo de visitar o local; possibilitar status social a quem o possui, tendo em vista que torna-se a prova concreta de que o indivíduo esteve no local; gerar emprego e renda à população local, quando produzido no local ao qual se refere; valorizar a produção artesanal e as características territoriais, pois os souvenirs fabricados dessa maneira carregam as peculiaridades da região preservando-a e promovendo-a .

Segundo Gordon (1986), existem os seguintes tipos de souvenir, conforme Quadro 1:

Quadro 1
Tipos de souvenir

Elaboração própria

Neste estudo, o foco está nos produtos alimentícios que representam determinada região, caracterizados como souvenirs gastronômicos.

Vários locais possuem produtos gastronômicos que atraem o turista, seja por seus ingredientes, pelos modos de preparo, pelos rituais, seja pela história de seu povo, tornando-se souvenirs que irão auxiliar a memória desse turista no momento de retorno para residência e/ou servirão como presentes para amigos e familiares.

No Brasil, país de dimensões continentais, existem vários exemplos de produtos gastronômicos que podem ser considerados souvenirs. Na Serra Gaúcha destacam-se os vinhos que, além da degustação, proporcionam ao turista conhecer a vinícola, as técnicas específicas do terroir,[1] a cultura da comunidade local e ainda levar para casa um pouco dessa experiência expressa em uma garrafa de vinho. Em Minas Gerais, tem-se o queijo que também pode ser considerado exemplo de souvenir. Esse produto da gastronomia local foi registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como patrimônio cultural brasileiro, devido às peculiaridades do saber-fazer do povo que ocupou aquela região.

Ainda é possível mencionar outros produtos que podem ser caracterizados como souvenir, devido ao fator cultural que apresentam, como é o caso dos chocolates de Gramado/RS, os doces de Pelotas/RS, a cachaça brasileira, o azeite português, assim como as especiarias (sais especiais e pimentas, por exemplo). (PAULA; MECCA; GASTAL, 2015).

No âmbito da Economia Criativa, a gastronomia pode ser considerada um importante setor criativo, visto que, além dos sabores, estão incluídos todos os saberes e fazeres de uma comunidade, gerando, com isso, um valor simbólico que posteriormente se transformará em um valor econômico para ser comercializável.

Analisando a gastronomia nesses termos, entende-se que, nela, o valor simbólico gerador do preço ou valor econômico, antes associado mais propriamente aos ingredientes utilizados, agora seria melhor compreendido como o resultado do trabalho empreendido durante a preparação do prato. Tal se dá porque se entende que seria neste processo que estariam presentes fatores como criação, técnica, saber-fazer, entre outros, que vão além da importância da sofisticação dos ingredientes, dos utensílios e/ou maquinário utilizados. Trata-se, portanto, do que perpassa a materialidade, ou seja, é o imaterial e o valor simbólico que determinam o valor econômico. (PERTILE; GASTAL, 2014, p. 3).

Autores como Kivela e Crotts (2006) relacionam em sua pesquisa os benefícios da gastronomia, não só ligada aos sabores obtidos, mas, também, à geração de emprego e renda; à compreensão intercultural por parte da comunidade local e à promoção de novas ideias de negócios e oportunidades. Itens que estão de comum acordo com os preceitos da Economia Criativa podendo, ainda, ser ampliado esse escopo com a inclusão da sustentabilidade ambiental – na elaboração de iguarias com ingredientes da região, por exemplo – e com oportunidades de qualificação para as pessoas que estão nessa atividade.

Nas experiências turísticas, a gastronomia está fortemente relacionada com a cultura local, pois, além de aflorar os sentidos humanos, como na degustação de um vinho, quando o paladar, o olfato e a visão trabalham em harmonia ela representa a cultura de uma comunidade e agrupa significados simbólicos referindo-se “[...] ao comportamento, ao pensamento e à expressão dos sentimentos de diferentes grupos culturais [...].” (SCHLÜTER, 2003, p. 10).

Assim, além de degustar a iguaria, o turista tem a oportunidade de conhecer os ingredientes utilizados, as técnicas de cocção e a tradição de uma comunidade. Com isso, o poder de atração de um produto gastronômico, como o souvenir, estará relacionado à sua autenticidade e à ligação com o local onde está inserido. (GIMENES, 2014).

Além disso, o souvenir gastronômico possui uma característica importante que é estar em contraponto aos souvenirs fabricados em grande escala. Estes últimos, geralmente, são elaborados longe do local ao qual fazem referência, muitas vezes em outros países. Essa prática não proporciona oportunidades socioeconômicas para a comunidade da destinação turística. Dessa forma, o souvenir gastronômico destaca-se por, na maioria dos casos, ser produzido por locais transmitindo, de fato, sua cultura e tornando-se uma oportunidade sustentável para o entorno da destinação.

Diante do exposto, é possível compreender como a gastronomia é importante nas experiências turísticas e como ela pode representar significadamente o seu local de origem, transmitindo ao turista os aspectos culturais do seu povo, fazendo com que as lembranças do lugar retornem à memória quando ele degustar o alimento ou a bebida com seus pares.

Metodologia e local de pesquisa

Este artigo é um recorte da dissertação de mestrado apresentada a um Programa de Pós-Graduação em Turismo.

Dessa forma, o local onde foi realizada a pesquisa de mestrado compreende a região turística “Uva e Vinho” localizada na Serra Gaúcha, composta por 47 municípios. Nessa região há o predomínio da imigração italiana, que teve como ápice os anos de 1880 e 1930.

Atualmente, a região turística “Uva e Vinho” tem o turismo como uma de suas atividades principais. Destaca-se pela sua satisfatória infraestrutura de bens e serviços e pelas amplas possibilidades turísticas, como enoturismo, turismo de aventura, atrativos histórico-culturais (ANTUNES; LANZER, 2005), compras, gastronomia, turismo rural, ecoturismo, entre outros.

O pioneirismo dessa região no que diz respeito ao turismo é visualizado em diversos projetos. Um deles é o Tour da Experiência, que teve sua primeira implantação nessa região. Esse projeto idealiza o turista como ator de sua própria experiência e não mais um sujeito meramente contemplativo.

Outro destaque é a inserção do município de Bento Gonçalves como um dos 65 destinos indutores do turismo brasileiro no Programa de Regionalização do Turismo, elaborado pelo Ministério do Turismo (BRASIL, 2014b).

Ainda cabe salientar que a região turística “Uva e Vinho” possui a primeira indicação geográfica registrada no País, em 2002, denominada “Vale dos Vinhedos”. Esta foi classificada “como indicação geográfica para vinhos tintos, brancos e espumantes, e tem como titular a Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos – Aprovale”. (KRUCKEN, 2009, p. 33).

Assim, os sujeitos que participaram da pesquisa do mestrado eram produtores de algum tipo de souvenir gastronômico, localizavam-se na região turística “Uva e Vinho”, classificavam-se como microempreendedor individual (MEI) e/ou micro produtor rural (MPR), ou ainda possuíam uma micro e/ou pequena empresa. Além disso, precisavam que seus produtos fossem comercializados na estação do passeio de trem “Maria Fumaça”[2], localizada em Bento Gonçalves.

A pesquisa realizada com esses sujeitos caracterizou-se por ser exploratória quanto a seus objetivos, pois a função principal desse método é “descrever ou caracterizar as variáveis que se quer conhecer.” (KÖCHE, 2013, p. 126). Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, foi utilizado o estudo de caso. Pesquisas com esse tipo de processo são realizadas com um ou poucos objetos descrevendo-os, a partir das informações obtidas, com profundidade de detalhes. (MASCARANHAS, 2012). Quanto à abordagem da questão de pesquisa, este estudo caracteriza-se como qualitativo. Dencker (2002) diz que a pesquisa qualitativa é apropriada para a obtenção de uma informação mais profunda de casos específicos, no entanto não se pode obter a generalização em termos de probabilidade de ocorrência. A coleta de dados realizou-se por meio de uma entrevista semiestruturada. A entrevista “é uma conversa orientada para um objetivo definido: recolher, por meio do interrogatório do informante, dados para a pesquisa”. (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007, p. 50). O modelo semiestruturado possibilita ao pesquisador liberdade para conduzir a entrevista para qualquer caminho, possibilitando explorar com maior amplitude um assunto específico. (DIEHL; TATIM, 2004).

Por fim, os dados foram analisados através do método de triangulação.

Nesse sentido, a técnica prevê dois momentos distintos que se articulam dialeticamente, favorecendo uma percepção de totalidade acerca do objeto de estudo e a unidade entre os aspectos teóricos e empíricos, sendo essa articulação a responsável por imprimir o caráter de cientificidade ao estudo. (MARCONDES; BRISOLA, 2014, p. 203).

Os questionamentos referentes à pesquisa de mestrado objetivaram entender como a cultura estava sendo trabalhada na produção do souvenir gastronômico de acordo com os preceitos da Economia Criativa. Diversos aspectos foram pesquisados, como, por exemplo, a participação do turismo como divulgador da cultura; a participação do empreendimento em eventos locais; a cultura como contribuinte socioeconômico, entre outros pontos.

Todavia, para o presente artigo estabeleceu um recorte pontuando os dados que mostram como a cultura está sendo valorizada, preservada e promovida com a elaboração desse produto, como pode ser visualizado na análise dos dados.

Análise dos dados

São expostas aqui as falas dos sujeitos referentes ao tema valorização, preservação e promoção da cultura local na produção do souvenir gastronômico baseada na Economia Criativa.

Os sujeitos escolhidos fazem parte do recorte estabelecido e podem ser observados no Quadro 2:

Quadro 2
Sujeitos da pesquisa

Elaboração própria

Assim, os que apresentavam informações substanciais sobre o tema proposto (valorização, proteção e promoção da cultura local) estão marcados na cor verde e suas respectivas falas aparecem abaixo.

Para o sujeito 1 que fabrica salgados de forno em Carlos Barbosa, a valorização, preservação e promoção da cultura local acontecem da seguinte forma:

Tá ligado bastante ao turismo, acho que tem a ver. É uma coisa que só fica aqui na nossa região! Não é uma coisa que tu vai encontrar, digamos, em Porto Alegre.”

De acordo com a fala do sujeito, a valorização e a promoção da cultura local decorrem principalmente da questão da produção artesanal, que disponibiliza seus produtos para comercialização apenas na sua região, tornando-se, assim, disponível apenas para quem a visita.

Já para o sujeito 2 que produz biscoitos em Bento Gonçalves a cultura local é o mote principal para a consolidação do estabelecimento:

Sim, nós a valorizamos, a preservamos e a divulgamos, pois dependemos dela para crescer. Nós juntamos as receitas do caderno da vó, quatro delas, as outras é a minha irmã que desenvolve, com um processo de produção bem artesanal. Nosso processo é quase todo a mão, nós só temos máquinas para fazer a massa. Juntamos também a parte da tecnologia e engenharia de alimentos, porque somos formadas nessa área. Pegamos receita antiga, método de produção antigo, com tecnologia moderna para conseguir fazer um biscoito sem conservantes e que tenha uma durabilidade interessante. O objetivo da nossa empresa é resgatar o sabor dos biscoitos que eram feitos antigamente; por isso que a gente nasceu, para mostrar como se fazia o biscoito, que ingredientes eram usados, como era o processo e o sabor também.”

É possível observar que para o sujeito 2 a valorização e proteção da cultura local é essencial, já que o seu produto depende do saber-fazer dos antepassados. Dessa forma, esse souvenir gastronômico consegue transmitir ao turista, além da cultura da região, todo o método de produção da iguaria originária dos imigrantes italianos.

Para o produtor 4 que faz doces em Bento Gonçalves a valorização da cultura local está mais presente no modo de preparo dos doces caseiros:

Sim, principalmente no modo de preparo dos doces caseiros. [...] Porque assim... Normalmente os recheios das trufas são aqueles industrializados, que vêm em baldinhos. O meu é caseiro, eu faço o brigadeiro para rechear a trufa, não tem conservante, não tem mistura, não tem gordura. Coloco conhaque para conservar. Não tem aquela gordura vegetal que eles colocam. Por isso que é procurado e as pessoas gostam. É caseiro, tem o gostinho caseiro. A minha vó e minha mãe sempre faziam essas coisas, faziam bolos e recheios, sempre foi caseiro.

Nota-se nesse caso que a fabricação dos doces caseiros sem conservantes foi herança de familiares. Essa informação, além de preservar o método de produção antigo, é um diferencial perante outros produtos. Assim, o turista poderá degustar o verdadeiro sabor dos doces caseiros, que se diferenciam dos industrializados.

O produtor 6 que faz sucos integrais em Bento Gonçalves mostra, através da sua fala, como preserva a cultura local:

A gente sempre busca, quando recebemos visitantes, explicar um pouco dos costumes. A gente leva o pessoal para visitar o vinhedo, desde o plátano plantado ao redor do vinhedo, que é uma tradição da nossa cultura. A gente sempre busca apresentar para o visitante como eram os costumes de antigamente. Claro que tem uns que a gente percebe que não têm muito interesse nisso, então a gente muda de assunto, mas a maioria das pessoas são bem interessadas; então a gente sempre aborda esse contexto. Até a diferença entre os roteiros a gente explica para que as pessoas não se frustrem. Como nós somos os primeiros do roteiro, explicamos que daqui em diante todo o atendimento será assim, mais pessoal, feito pelos proprietários, que eles não irão encontrar um ônibus de excursão onde as pessoas recebem adesivos.”

Observa-se que esse produtor tem a preocupação em contar um pouco da história do seu povo através da plantação das uvas. Essa característica agrega maior valor simbólico ao seu produto, já que por trás do suco pronto para ser comercializado há toda uma elaboração, que passa pelos parreirais, preservando os costumes dos antepassados italianos.

Considerações finais

O recorte deste artigo mostrou como os produtores dos souvenirs gastronômicos da região turística “Uva e Vinho” valorizam, preservam e promovem a cultura local.

Por meio dos depoimentos de quatro produtores foi possível observar que eles valorizam a cultura local quando seus produtos são feitos artesanalmente, restringindo-se ao local, fazendo com que o turista só consiga adquirir quando estiver na região turística “Uva e Vinho”.

Uma forma de preservar a cultura local foi através das receitas e modos de preparo, desde o cultivo da matéria-prima até o produto final, o que faz com que o turista saiba como era produzido tal souvenir gastronômico em épocas remotas. E, levando o produto para a sua casa, ele consegue divulgar a região no momento em que for presentar alguém.

A importância da valorização, preservação e promoção da cultura pode ser notada nos resultados obtidos em empreendimentos que a utilizam como ponto de partida. Sobre isso, Faccin (2015), em pesquisa realizada no Vale dos Vinhedos, pertencente à região turística “Uva e Vinho”, mostra que após o emprego da cultura nos produtos e serviços dessa região surgiu um polo turístico e enogastronômico diferenciado. Algo que não tinha acontecido antes da cultura local ser o mote principal dos negócios locais.

Assim, observa-se que “[..] a cultura deixa de ser oficialmente reconhecida apenas como passível de valorização simbólica, passando a integrar sistemas econômicos e, como tal, assumindo-se que deva gerar empregos, novos empreendimentos e produção diversificada de mercado” (PERTILE; GASTAL, 2014, p. 3).

Com isso, tendo em vista que a região turística “Uva e Vinho” possui uma cultura forte com várias nuances, que podem ser trabalhadas em diversos tipos de souvenirs, não só o gastronômico, torna-se uma oportunidade de desenvolvimento local.

Por fim, mesmo que a pós-modernidade estabeleça uma globalização que através da tecnologia diminui distâncias, acelera o tempo e cria produtos novos a cada momento, há uma preocupação em preservar o saber-fazer tradicional (MELLO; CERETTA, 2015), o que impulsiona o crescimento de empreendimentos que trabalham com a Economia Criativa, consequentemente com a cultura.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
[1] Palavra francesa, sem tradução no português, que significa um território caracterizado pela interação com o homem ao longo dos anos, cujos recursos e produtos são fortemente determinados pelas condições edafoclimáticas e culturais. (KRUCKEN, 2009, p. 32).
[2] O passeio de trem “Maria Fumaça” percorre 23 km passando por três cidades da região turística “Uva e Vinho”: Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa. A escolha por souvenirs gastronômicos comercializados nesse local deu-se por ser um dos atrativos mais significativos da região em questão, tendo uma média de 30 mil turistas/mês.
Quadro 1
Tipos de souvenir

Elaboração própria
Quadro 2
Sujeitos da pesquisa

Elaboração própria
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