Artigos Originais
A função ideológica da Embratur e seu papel na construção de um mercado de bens e serviços simbólicos: a exploração da imagem da mulher brasileira nos anúncios turísticos institucionais
The ideological function of Embratur and its role in building a market of symbolic goods and services: the exploitation of brazilian woman's image in institutional tourist advertisements
La función ideológica de Embratur y su papel en la construcción de un mercado de bienes y servicios simbólicos: la explotación de la imagen de la mujer brasileña en los anuncios turísticos institucionales
A função ideológica da Embratur e seu papel na construção de um mercado de bens e serviços simbólicos: a exploração da imagem da mulher brasileira nos anúncios turísticos institucionais
Caderno Virtual de Turismo, vol. 18, núm. 3, pp. 148-163, 2018
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Recepção: 12 Outubro 2016
Aprovação: 25 Maio 2018
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar o processo de exploração da imagem da mulher brasileira com base no papel desenvolvido pela Embratur, de modo a investigar como os discursos produzidos pela instituição contribuíram tanto para criar uma ideologia que neutralizasse os ataques políticos à ditadura militar quanto para estruturar um mercado de bens e serviços simbólicos. Mais precisamente, busca-se problematizar como a divulgação do “Brasil destino”, por meio de uma sistemática exploração imagética, se vincula a necessidades dialeticamente combinadas tanto em nível político quanto econômico-estrutural, porquanto, ao fetichizar a mulher brasileira, o governo militar não só resolvia os impasses políticos e ideológicos instaurados pelo regime quanto criava condições para o desenvolvimento da indústria cultural no Brasil, na qual estavam incluídos o turismo e o lazer.
Palavras-chave: Embratur, Ditadura Militar, Mulher.
Abstract: This study aims to analyze the image scanning process of Brazilian women based on the role played by Embratur in order to investigate how the discourses produced by the institution contributed so much to create an ideology that neutralize the political attacks on the military dictatorship as to structure a market of symbolic goods and services. More precisely, the aim is to discuss how the disclosure of the "Brazil destiny" through a systematic imagery exploitation, is linked to needs combined dialectically both at the political level as economic and structural, because, the fetishism Brazilian women, the military government not only solve the political and ideological deadlocks introduced by the regime as creating conditions for the development of culture industry in Brazil, which were included tourism and leisure.
Keywords: Embratur, Military Dictatorship, Woman.
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo analizar el proceso de exploración de la imagen de la mujer brasileña basada en el papel desempeñado por Embratur con el fin de investigar cómo los discursos producidos por la institución contribuyeron tanto para crear una ideología que neutralizar los ataques políticos contra la dictadura militar como a la estructura un mercado de bienes y servicios simbólicos. Más precisamente, el objetivo es discutir cómo la divulgación del "Brasil destino" a través de una explotación sistemática de imágenes, está vinculada a las necesidades combinadas dialécticamente tanto a nivel político como económico y estructural, ya que, las mujeres brasileñas fetichismo, el gobierno militar no sólo resolver los puntos muertos políticos e ideológicos introducidas por el régimen como la creación de condiciones para el desarrollo de la industria de la cultura en Brasil, los cuales fueron incluidos el turismo y el ocio.
Palabras clave: Embratur, Dictadura Militar, Mujer.
INTRODUÇÃO
Crescemos em uma nação em que as pessoas dizem ser o País do futebol. Crescemos em um País no qual as pessoas são conhecidas por terem uma maneira muito peculiar de resolver as coisas, um jeito que o historiador Sérgio Buarque de Holanda definiu de maneira clássica em seu Homem Cordial. Em nossa infância líamos histórias em quadrinhos do Zé Carioca, personagem malandro, cheio de ginga, que, no exterior, se tornou um estereótipo do brasileiro. Ouvimos, também, músicas que exaltam o nosso exotismo e nos abençoam com seus refrãos: “moro em um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza”.
Porém, diante de todos esses predicados, nenhum causa tanta inquietação quanto a exaltação da mulher brasileira. Os gestos, os movimentos e a sensualidade dela foram eternizados naquele que talvez seja o principal cartão-postal do País, o samba. O seu corpo está presente em pincéis e cinzéis de nossos melhores artistas, e sua sensualidade explorada em propagandas e publicidades dos mais diferentes produtos e mercadorias.
Há que se considerar, no entanto, que, nesse caso, a inquietação deriva menos do predicado em si do que de seus efeitos, caso da prostituição e do turismo sexual, que, apesar das iniciativas relativamente recentes de combate, continuam persistentes. Será preciso recordar que, por ocasião da Copa do Mundo de 2014, o que não faltou foram exemplos de exploração da imagem da mulher?
Lembremo-nos do caso da propaganda feita por uma das principais empresas de material esportivo do mundo em que na estampa de suas camisetas, especialmente lançadas para o evento, figurava um coração no formato de nádegas com a frase “Eu amo o Brasil”. Recordemo-nos de um apresentador da televisão brasileira convidando em rede social brasileiras a encontrar um marido em meio à horda de turistas que chegavam ao território nacional[1]. O fato é que a imagem da mulher brasileira, atraente, sensual, e que muitos arriscam afirmar a mais bela do planeta, historicamente, transmutou-se nos discursos dos anúncios turísticos como um dos atrativos que compõem o “destino Brasil”.
Argumenta-se, em discordância que, hoje, mais do que no passado, a consciência do problema e a criação dos meios para combatê-lo transformarão o turismo sexual em uma questão marginal para o desenvolvimento do turismo no País. De fato, há um esforço institucional para reverter a imagem que o Brasil possui no exterior, como as campanhas contra o turismo sexual realizadas pelo Ministério do Turismo (MTur) e pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur). Tais campanhas estão ideológica e teoricamente fundamentadas na crítica ao modelo massificante de turismo, em consonância com o paradigma da sustentabilidade e do desenvolvimento local.
Por outro lado, como compreender o seguinte paradoxo: o Estado que hoje se posiciona contra o turismo sexual, ontem, contribuiu, sistematicamente, com a exploração de uma imagem estereotipada da mulher brasileira. A Embratur que, em 2014, repudiou veementemente o apelo sexual dos produtos da fabricante Adidas, ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, se utilizou de um imaginário erotizado para camuflar a repressão militar e vender o Brasil no exterior.
Dessa forma, ainda que o tema do turismo sexual no Brasil não seja objetivo específico deste artigo, investigar o passado, não importa sob qual prisma, sempre ilumina expressões sociais, políticas e culturais do presente, sobretudo em suas persistências. Daí porque o que se segue, malgrado suas limitações nessa temática, possa contribuir para outros trabalhos e pesquisas.
MÉTODOS
O método de trabalho utilizado para a realização desta investigação se baseou na revisão bibliográfica. A revisão bibliográfica foi dividida em três momentos, a saber: a) identificação e análise de material bibliográfico que versasse sobre a criação e os propósitos da Embratur durante a ditadura militar; b) revisão bibliográfica sobre o desenvolvimento da indústria cultural no Brasil; c) identificação de material promocional idealizado pela Embratur durante o período da ditadura militar, de 1966 a 1985.
No tocante ao terceiro momento, a revisão bibliográfica ocorreu pela via digital, por meio do serviço on-line de buscas da Google, utilizando-se das seguintes palavras-chave: Embratur, imagem e corpo feminino. O material obtido pela revisão é derivado de dois trabalhos, quais sejam: A imagem do Brasil no Exterior: análise do material de divulgação oficial da Embratur, desde 1966 até os dias atuais, de Kelly Akemi Kajihara; Embratur: formadora de imagens da nação brasileira, de Louise Prado Alfonso. As informações e imagens obtidas pela revisão bibliográfica foram cotejadas pelo material intitulado Embratur 40 anos, obtido por solicitação feita no portal eletrônico do Ministério do Turismo (MTur), por meio da Lei de Acesso à Informação. Feitos o cadastro e o requerimento no Sistema Eletrônico de Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), decorrido o prazo de resposta, obtivemos o material supracitado em maio de 2015.
Foram colhidas 44 propagandas turísticas do período assinalado. Para verificar indicações de erotização da mulher, utilizamos as seguintes variáveis: espacialidade, período, raça e posição do corpo. A variável espacialidade se baseia na necessidade de aferir clichês próprios da propaganda turística, como o exotismo e o tripé do turismo de massas baseado em sol, praia e mar. A variável período foi escolhida para tentar identificar uma possível correlação entre a erotização do corpo da mulher, as etapas características da ditadura militar e a produção de propagandas turísticas pela Embratur. As etapas são: o início do regime, de 1966 a 1968, o período considerado pela historiografia como o de maior repressão, de 1969 a 1973, e o período de transição do regime (1974-1985). A variável raça se justifica para identificar sinais de erotização da mulher brasileira ditados pelo imaginário criado em torno do corpo bronzeado, da mulataria e da mulher negra – que em parte guarda significado com o corpo escravizado e objeto de lascívia do senhor de escravo. E a variável posição pretende observar, nos anúncios, de que maneira a mulher é representada: de costas ou de frente; se o rosto aparece; e qual parte do corpo é dada ênfase.
A FUNÇÃO IDEOLÓGICA DA EMBRATUR DURANTE A DITADURA MILITAR
Na década de 1970, em plena ditadura militar, a mineira Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, consolidava sua carreira de estilista no Brasil e no mundo, após um desfile de sua coleção na cidade de Nova York. Enquanto isso, seu filho Stuart Angel se engajava como militante estudantil em um movimento insurgente contra o regime militar. O auge na carreira cede lugar ao desespero, quando Zuzu Angel recebe uma carta de um dos companheiros de militância de seu filho, contando a captura e a morte dele pela repressão. A partir de então a vida da estilista se transforma em uma estafante jornada em busca do paradeiro de Stuart.
A história acima, convertida recentemente em longa-metragem pelas mãos do cineasta Sérgio Rezende, é mais um dos casos de repressão que ocorreram durante o período da ditadura militar brasileira, de 1964 a 1985. Assim como Stuart Angel, inúmeras pessoas durante o regime foram arbitrariamente presas, torturadas e mortas por questionarem a política imposta pelos militares, exercida com base em atos institucionais e supressão dos direitos constitucionais. Aos que sobreviveram e escaparam da prisão, restou-lhes deixar o País rumo ao exílio, onde desenvolveram importante ação política, denunciando as atrocidades que ocorriam no Brasil.
Como resposta à atuação política dos exilados no exterior, era imprescindível, para os militares, desenvolver um sistema de contrapropaganda oficial, com o fito de disputar política e culturalmente a hegemonia dos discursos produzidos, tanto em âmbito interno quanto internacional. É interessante observar que, logo nos primeiros anos do regime, foram criados o Instituto Nacional de Cinema (INC), o Conselho Nacional de Cultura, a Embrafilme – que apoiou a produção cinematográfica das chamadas pornochanchadas, que, embora infringissem valores e comportamentos morais conservadores, eram toleradas pelos militares –, e a Embratur, denominada, à época de sua criação em 1966, Empresa Brasileira de Turismo.
No caso específico da Embratur, ainda que, formalmente, sua função primeira fosse a definição de uma política nacional para o turismo, a empresa desempenhou papel-chave para blindar a imagem negativa feita por aqueles que lutavam contra o regime. Em essência, a empresa assumiu a função de mostrar para o mundo a imagem de um país rico por natureza, sintetizada na ideologia do verde-amarelismo, e multirracial, onde índio, negro e branco se miscigenaram harmoniosamente, convertendo, desse modo, conclusões sociológicas do pensamento conservador brasileiro em atrativo turístico.
A esse propósito, é oportuno observar, na história política do Brasil, o uso do turismo como meio de propaganda para governos autoritários. Na década de 1930, em pleno Estado Novo, a ditadura varguista criou, em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), cuja seção voltada para o turismo se incumbia de divulgar e promover os recursos naturais do País (SANTOS FILHO, 2008). Ideologicamente, tal atribuição se explicava pela necessidade de forjar uma identidade nacional que unificasse o País, haja vista o esgarçamento do ethos comunitário da tradição pela indústria e pelo urbano.
Exemplo disso é a criação dos primeiros parques nacionais, caso do Parque Nacional do Itatiaia e da Serra dos Órgãos, e a elevação da capoeira a patrimônio nacional – manifestação cultural negra que até o fim da Primeira República era reprimida pela polícia. Tratava-se, em tese, de uma operação ideológica, na qual o Estado, por meio de mediadores simbólicos (intelectuais, políticos e artistas), buscava na heterogeneidade do popular a argamassa necessária para cimentar a homogeneidade do nacional (ORTIZ, 2006).
Além disso, à semelhança do que ocorreria em 1964, Getúlio Vargas instrumentalizou as diferentes formas de lazer para a programação do cotidiano da população. Se, no regime militar, o ensino da Educação Física desempenhou papel fundamental para docilizar corpos e incutir nos jovens valores de disciplina e hierarquia, o Estado Novo procurou ajustar o tempo livre de uma mão de obra egressa do rural aos ritmos e tempos do relógio da indústria. Enquanto alguns lazeres eram incentivados; outros, considerados subversivos, como as rinhas de galo, de canário e as fogueiras de São João, foram sistematicamente reprimidos, em nome do “novo homem brasileiro” (ALMEIDA; GUTIERREZ, 2011). Outra coincidência com o regime militar é a repressão exercida pelo Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais, que atuava na repressão contra os grupos que contrariavam a ideologia estadonovista, entre os quais se destaca o anarquismo trazido pelos imigrantes europeus.
Em outros quadros históricos e geográficos também ocorreu o uso do turismo para fins de propaganda política e doutrinação ideológica. Note-se que, na Itália fascista de Benito Mussolini, foi criada, em 1925, a Opera Nacionale Dopolavoro – OND (Obra Nacional depois do Trabalho), encarregada de planejar as atividades relacionadas ao tempo livre da população italiana, caso do fim de semana fascista. Exemplo similar se sucedeu na Alemanha. O nazismo de Adolf Hitler implantou a Kraft durch Freude – KDF (Poder por alegria), responsável pelos assuntos turísticos no país e que funcionava como um instrumento de propaganda dos feitos do Führer, além de oferecer viagens a preços acessíveis para os operários alemães (GAMA, 2009).
No entanto, em que pesem todas essas semelhanças, há um aspecto que singulariza a criação da Embratur no regime militar que se iniciou a partir da deposição do presidente João Goulart. Referimo-nos a uma necessidade de âmbito econômico-estrutural do desenvolvimento do capitalismo brasileiro: a transformação da cultura em um campo de acumulação capitalista. Historicamente, se é possível identificar formas culturais mercantilizadas em um cotidiano que começava a se modernizar, o fato é que, até o golpe de 1964, o mercado cultural brasileiro era incipiente, distante daquilo que a Escola de Frankfurt chamou de indústria cultural.
O PAPEL DA EMBRATUR NO DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA CULTURAL BRASILEIRA
Ao rememorar a sua descoberta pela literatura, o crítico literário Antônio Cândido de Souza e Mello costuma contar uma anedota dos tempos de sua infância na cidade de Poços de Caldas, localizada no sul do estado de Minas Gerais. O autor do clássico Parceiros do Rio Bonito recorda que, apesar de interiorana, a Poços de Caldas dos anos 1920 era cosmopolita e frequentada por muita gente de fora. Vinham essas pessoas em busca dos balneários que marcavam o imaginário sobre saúde e lazer à época, permanecendo na região durante 21 dias, à moda da antiga tradição romana dos banhos termais. E era durante essas temporadas que o trem a vapor abastecia a biblioteca local com as últimas novidades do mundo literário.
Sem dúvida, circunstâncias históricas e geográficas tornavam a literatura objeto de interesse em uma sociedade em que boa parte da população, todavia, era analfabeta. Apesar de a novidade tecnológica do rádio de ondas longas amparar a criação de um espaço nacional de circulação de mercadorias, seria equivocado supor que o quadro relembrado se repetia no País como um todo: em 1890, enquanto o romance de Lewis Carroll, Alice do País das Maravilhas, alcançava a tiragem de 150.000 cópias vendidas, os analfabetos no Brasil representavam 84% da população; e em 1920, 75% (CANCLINI, 2008). A produção cinematográfica, por seu turno, apesar das companhias de cinema criadas no período Vargas, como a Veracruz e Atlântida, apresentava baixo desempenho. Entre 1957 e 1966, a produção média de longas-metragens foi de 32 filmes anuais (ORTIZ, 2006). E mesmo a quantidade de televisores nos lares brasileiros, passada quase uma década de sua chegada pelo engenho de Assis Chateaubriant, era exígua. Em 1960, contava-se em uso somente cerca de 600 mil televisores preto e branco (NOVAIS; MELLO, 1998).
Os números pouco significantes explicam por que os órgãos criados pela ditadura militar são concebidos sob uma nova orientação em relação ao campo da cultura. À diferença das instituições culturais até então criadas, administradas por uma intelectualidade bacharelesca e cuja missão se baseava na preservação da memória nacional e do folclore brasileiro, esses novos órgãos, dirigidos por uma burocracia de perfil empresarial, passam a ter uma nova atuação na esfera cultural, pautada pelo incentivo à produção, à distribuição e à comercialização dos bens culturais – tanto que umas das primeiras providências, tomadas pelo Instituto Nacional do Cinema (INC), para racionalizar a produção cinematográfica nacional, foi a criação do ingresso padronizado e do borderô (ORTIZ, 2006).
De fato, apoiando-se em Fernandes (1975), Ianni (1979), Kowarick (1976) e Ortiz (2006), nesse momento, a superestrutura da sociedade brasileira passava por importantes mudanças, em razão de modificações igualmente profundas na infraestrutura econômica nacional e global: “pode-se afirmar que, no período em que a economia brasileira cria um mercado de bens materiais, tem-se que, de forma correlata, se desenvolve um mercado de bens simbólicos ligados à área da cultura” (ORTIZ, 2006, p. 81). Longe de se inferir uma relação linear e causal entre o mundo simbólico-cultural e o plano material-econômico, o fato é que no Brasil as ações modernizantes foram levadas a cabo por governos autoritários (MARTINS, 2013).
Foi no período Vargas que a industrialização tomou a hegemonia do setor agrário-exportador no Produto Interno Bruto nacional; e foi a partir do golpe de 1964 que o capitalismo brasileiro atingiu formas mais avançadas. Em nossa história social e política, a mão forte do Estado, reiteradamente, se ocupou em abrir e pavimentar o caminho para as novas frentes de expansão do capital, seja por meio de subsídios e incentivos fiscais, seja pela instalação de infraestrutura, ou por meio da criação de aparatos institucionais, tal como ocorreu com a agropecuária na Amazônia, com a indústria da pesca, e, também, com a indústria do turismo no litoral nordestino (OLIVEIRA, 1981).
Sintomático disso é o aumento das produções cinematográficas, que, nos anos 1967 e 1968, ainda no governo do general Médici, considerado o de maior repressão, registram uma média de 50 películas realizadas – o que, posteriormente, leva o Brasil à posição de quinto maior produtor cinematográfico do mundo, quando, em 1976, são produzidas 85 películas. Sem dúvida, uma ascensão expressiva, se levarmos em conta que, em fins da década de 1950, a média girava em torno de 30 filmes realizados (ORTIZ, 2006). Acresce-se que em 1960 a tiragem de periódicos era de 3.951.584 cópias, ao passo que, em 1976, o total salta para 1.272.901.104 diários. E nos anos 1975 e 1976, o País já ocupava, respectivamente, o quinto lugar na indústria fonográfica mundial e a sexta posição no mercado publicitário (ORTIZ, 2006).
Nesses diversos setores da indústria cultural, o Estado assumiu o protagonismo das ações modernizadoras. Houve, por exemplo, maciços investimentos na criação de infraestrutura para as redes nacionais de comunicação, caso da Rede Globo de Televisão. Para o regime militar, além de atuar como uma ferramenta de integração nacional, a televisão seria utilizada como um meio para estimular o mercado consumidor e unificar os padrões comportamentais com base nas novidades vindas do Rio de Janeiro e de São Paulo. O governo, inclusive, subsidiou a compra de televisores, medida que provocou um aumento de 48% na venda de aparelhos em relação ao ano de 1967. Ato contínuo, a televisão se converteu em um poderoso meio de propaganda, e o lucro gerado pela publicidade televisiva criava condições para investimentos em programas de conteúdo nacional, massificando as audiências (FERNANDES, 2013).
O turismo foi outro setor que contou com a mão forte do Estado. Ainda que desde a década 1930 o setor já ocupasse a atenção da política governamental, inclusive de forma anedótica nos conselhos de Alzira Vargas a seu pai (PEIXOTO, 1960), a modernização da atividade turística, materializada no turismo receptivo de massas, ocorreu entre os anos 1960 e 1980, notadamente a partir da criação da Embratur em 1966.
Note-se que os primeiros presidentes da Embratur foram empresários ou membros de associações comerciais, a começar por Joaquim Xavier da Silveira, membro da Associação Comercial do Rio de Janeiro, e pelos que o sucederam, a exemplo de Paulo Manoel Protásio, representante das empresas comerciais exportadoras; de Said Farhat, empresário e antigo proprietário da revista União; e de Hermógenes Teixeira Ladeira, empresário do setor de bebidas (AGUIAR, 2010).
Um dos primeiros objetivos da Embratur foi o desenvolvimento da infraestrutura hoteleira no País. Com esse intuito, foram criados o Fundo Geral do Turismo (Fungetur) e o Fundo de Investimentos Setoriais (Fiset) que concediam incentivos fiscais para a construção de hotéis. Prova do esforço governamental é que, ao final do governo do general Médici, 542 novos projetos de construção de empreendimentos hoteleiros já tinham sido aprovados. A isso se somam, na década de 1970, a chegada ao Brasil do primeiro hotel de uma rede internacional, o Hilton São Paulo, a instalação do Novotel em 1976 e do Club Mediterranée em 1977, bem como a criação de redes de hotéis nacionais, como a rede Tropical de Hotéis, Horsa e Eldorado (MULLER et al., 2011). Vale destacar, ainda, que o desenvolvimento do setor hoteleiro levou a Embratur a elaborar, em 1975, o Regulamento Geral para a Classificação dos Meios de Hospedagem Brasileiros.
Concomitante aos objetivos prementes, a Embratur concedeu subsídios e desenvolveu programas para o desenvolvimento de outras áreas ligadas à atividade turística. Durante a gestão do presidente Joaquim Manoel Xavier da Silveira, de 1967 a 1971, foram concedidos novos incentivos, como a isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS) para restaurantes e casas noturnas no Rio de Janeiro. Nessa gestão, também foi criado o Programa Turismo, encarregado de fazer proposições para os empreendimentos turísticos e zonas balneárias (EMBRATUR, 2006).
Na gestão de Carlos Alberto Andrade Pinto, no ano de 1971, prorrogou-se a isenção fiscal para hotéis em construção e, mais importante, criou-se o Fungetur. Sob a gestão de Paulo Manoel Protásio, entre 1972 e 1975, teve início o Programa Nacional de Empreendimentos Turísticos, responsável por legalizar e conceder incentivos fiscais para hotéis, pousadas e campings. O pacote de incentivos incluía operações de desconto de imposto de renda em negócios turísticos e benefícios fiscais maiores para as áreas prioritárias do governo, a saber: as regiões Norte e Nordeste do País. Além disso, foi criado o Sistema Nacional de Turismo, responsável por incentivar a atividade por meio de programas como Conheça o Brasil e Programa Nacional de Turismo, bem como pelos voos do turismo doméstico (EMBRATUR, 2006).
Na gestão de Said Farhat, de 1975 a 1979, a Embratur investiu na construção de balneários e iniciou o processo de classificação dos hotéis. Implantou, também, com base na Lei 6.513/77, que definiu as primeiras áreas de preservação do equilíbrio cultural e natural, a inventariação de bens culturais e naturais, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além de criar o prêmio Rosa dos Ventos em parceria com o grupo Rede Globo, que laureava as agências de viagens que se destacassem no cenário nacional. E durante a presidência de Miguel Colassuono, entre os anos 1979 e 1984, período que compreende a crise do regime militar e o início da redemocratização do País, foram concebidos os programas Portões de Entrada no Nordeste, Financiamento de Turistas para o Brasil e Brasil Turístico, bem como os voos charters para os mercados da Europa e dos Estados Unidos (EMBRATUR, 2006).
Um caso emblemático que a modernização do setor gerou foi o desenvolvimento do turismo de massas na Amazônia. A mobilidade do capital em âmbito nacional, os incentivos e desonerações fiscais, e a ideologia da integração nacional despertaram o interesse de grupos empresariais na região – à semelhança do que ocorrera com o setor agropecuário, quando empresários do Sudeste, atraídos por benesses fiscais para as sedes de suas empresas, começaram a formar fazendas em plena floresta.
As primeiras tentativas de organização do espaço turístico amazônico surgiram no governo de Castelo Branco, conforme se infere dos discursos proferidos pelo general em eventos como na I Reunião de Incentivo ao Desenvolvimento da Amazônia, em que a região passou a ser vista como dotada de capacidades econômicas que poderiam promover o crescimento regional e a diminuição das desigualdades. Posteriormente,no governo Médici, o impulso para o turismo veio com a rodovia Transamazônica. A abertura da via influenciou a instalação de equipamentos voltados para a atividade turística, como hotéis e restaurantes – historicamente concentrados, em virtude de barreiras naturais e geográficas, na capital Manaus.
Em síntese, o que se observa ao longo do período foi um esforço da Embratur em converter os bens naturais e culturais do País em novas mercadorias, destravando, assim, formas mais avançadas de acumulação e reprodução do capital. Não surpreende que data do período a chegada ao mercado brasileiro de grupos empresariais de capital estrangeiro, como Pan American, Hilton, Air France, Othon, Accor, Sheraton, Holliday Inn e Club Mediterranée. Explica-se, igualmente, por que órgãos ligados às atividades patrimoniais passassem a inventariar bens da União, com o intuito de concedê-los à exploração econômica pelas companhias hoteleiras, caso da Fundação Pró-Memória, ou a razão pela qual casas de cultura popular no Nordeste se associassem a empresas turísticas (ORTIZ, 2006).
Nesse processo, o que desperta atenção é que, à semelhança da produção cinematográfica, notabilizada pelas pornochanchadas, a orientação do Estado para venda dessas mercadorias se apoiou no imaginário do exotismo e da sensualidade em terras tropicais, consagrado por múltiplas fontes, desde os cronistas coloniais aos meios de comunicação de massa modernos. Na prática, isso significou a exploração da imagem da mulher brasileira como signo pelo governo autoritário para vender e comercializar pacotes turísticos no exterior.
ANÁLISE DO MATERIAL PROMOCIONAL DA EMBRATUR DE 1966 A 1985
A revisão bibliográfica do material promocional idealizado pela Embratur durante o período da ditadura militar proporcionou a identificação de 44 propagandas turísticas. Do universo coletado, em 30 propagandas não se identifica a exploração da imagem da mulher, ante 14 propagandas em que essa situação ocorre.
À primeira vista, a discrepância sugere a relatividade do problema. Ressalta-se, no entanto, que isso expressa em parte o desinteresse pela Embratur na conservação do material promocional do período. Em pesquisa documental nos arquivos da Embratur, Alfonso (2006) relata que, ao entrar em contato com os funcionários do Instituto, foi informada que os arquivos haviam sido doados à Universidade de Brasília, mais precisamente, ao Centro de Excelência em Turismo. No Centro, continua a autora, a tarefa da investigação não foi fácil, pois o material não possuía sequer uma classificação e, grosso modo, era formado por 200 caixas de papelão que continham materiais promocionais e apostilas de cursos: “cheguei mesmo a ser questionada por um alto funcionário do Instituto acerca das razões do meu interesse em preservar documentos relativos a um passado de resultados pouco significativos” (ALFONSO, 2006, p. 33).
No tocante à variável espacialidade, observa-se que a mulher é retratada, em 80% das imagens, em uma praia – embora não se consiga identificar a exata localização geográfica. Em 13% dos anúncios, a mulher é representada no carnaval e em 7%, em florestas. Em comum, o que se verifica é o apelo à tropicalidade e à sexualidade, com a utilização de imagens de mulheres de biquíni, do mar, da areia e de coqueiros.
De acordo com Brune (1981 apud PADILHA, 2006), a publicidade moderna exerce sete funções ideológicas, quais sejam: o reduzir, frustrar, erotizar, alienar, recuperar, condicionar e infantilizar. A redução de nossos problemas cotidianos é induzida pela publicidade por meio da promessa de satisfação e felicidade. O frustrar alimenta o sentimento de vazio que é importante na lógica de consumo, pois induz o consumo e a vontade de querer mais e mais. O alienar, além de promover o sentimento de perda de personalidade, leva as pessoas a se importarem mais com o olhar do outro do que consigo próprio, reeditando o dilema narcísico. O condicionar está relacionado ao complexo de castração exposto por Freud. O infantilizar torna indistinguível a vida adulta da infância. E o sexualizar nos faz acreditar que a sexualidade humana é algo passível de consumo, em um processo intencional em que o desejo sexual se reduz ao desejo de compra.
Ao vender o Brasil, por meio de praias, carnaval e mulheres sensuais, os anúncios turísticos reforçam a concepção paradisíaca de uma terra fértil, onde “tudo se dá”. Em linguagem pós-moderna, cria-se, inclusive, uma aproximação entre a imagem de Brasil Paraíso com as cartas escritas na época do Descobrimento – as descrições do Brasil com referências à selva amazônica e ao paraíso selvagem se assemelham ao conteúdo das cartas de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, Dom Manuel, à lenda do Eldorado e às narrações bíblicas do Velho Testamento, caso de Adão e Eva no Gênesis (BIGNAMI, 2005).
Acresce-se que não apenas a mulher, mas o próprio cenário é sexualizado pela propaganda turística. O carnaval não é divulgado como uma manifestação cultural, e sim como um evento que provoca a loucura, a libertinagem sexual – em suma, uma festa em que tudo é possível (BIGNAMI, 2005). Em duas propagandas, nas quais se verifica que o cenário é o carnaval, as mulheres são mostradas em desfiles de escolas de samba, com fantasias de carnaval pequenas e corpos bronzeados, sempre dançando e sorrindo[2].
Tomando agora como referência os períodos em que as propagandas foram produzidas: início do regime (1966-1968), período de maior repressão (1969-1973) e o período de transição do regime (1974-1985), observamos que não há nenhuma referência a propagandas da Embratur na década de 1960, mais precisamente no período do início do regime militar (1966-1968). A dificuldade em encontrar material desse período se deve ao fato de que, apesar de ter sido criada em 1966, a Embratur inicia o processo de estruturação do material publicitário somente a partir da década de 1970 (ALFONSO, 2006).
Com relação ao período de maior repressão, foram encontradas apenas 03 propagandas. Porém, apesar de a maioria das propagandas encontradas serem do período de transição, cumpre apontar que 10 propagandas são da década de 1970, década do milagre econômico, em plena hegemonia do regime militar. Na bibliografia sobre o tema, a atuação da Embratur na década de 1970 é caracterizada pelo tripé: carnaval, Rio de Janeiro e mulheres – a cidade do Rio de Janeiro foi a mais divulgada durante o período, com seus atrativos naturais e culturais, e o Cristo Redentor transformado em um ícone. Além disso, no período, houve um grande esforço em aproveitar a conquista da seleção brasileira no campeonato mundial de 1970 disputado no México (ALFONSO, 2006).
No período de transição, entre outras características, as ações promocionais da Embratur passam a se concentrar em 11 mercados: Estados Unidos e Canadá, na América do Norte; Chile e Venezuela, na América do Sul; Alemanha, Suíça, Inglaterra, Escandinávia, França, Itália e Espanha, na Europa. Em 1983, a empresa inicia a campanha Fly To Brazil, que tinha como símbolo uma borboleta colorida. O material promocional possuía um design moderno e com publicação em diversos idiomas (ALFONSO, 2006). Contudo, apesar do processo de abertura do regime e redemocratização, a imagem da mulher brasileira continuava a ser explorada pelos anúncios turísticos: “devido sua beleza multicolor, a borboleta é o emblema da mulher no Japão. Na mitologia grega, a personificação da alma é representada por uma mulher com asas de borboleta” (KAJIHARA, 2008, p. 50).
Ademais, na década de 1980, por causa da implantação de grandes projetos de infraestrutura rodoviária no Nordeste, há um interesse destacado pela promoção turística da região, caso dos projetos Linha Verde, no estado da Bahia, e Cabo Branco, no estado da Paraíba (KAJIHARA, 2008). Atrelado ao modelo rodoviarista para a circulação de mercadorias no espaço nacional, das quais se destaca a mercadoria automóvel, é curioso notar ações voltadas para o turismo doméstico, caso do Brasil Turístico, que objetivava mostrar as vantagens de viajar pelo Brasil, dando ênfase para as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por último, é importante reforçar que, de 1984 a 1986, no momento de abertura do regime militar, a Embratur passou por uma crise financeira, que afetou demasiadamente a promoção turística do Brasil. Daí que somente a partir de 1986 as campanhas voltaram a ser significativas (ALFONSO, 2006).
Ano | Quantidade | Período |
1973 | 03 | Período de maior repressão (1968-1974) |
1975 | 02 | Período de Transição do regime (1974-1985) |
1976 | 02 | |
1977 | 01 | |
1978 | 01 | |
1979 | 01 | |
1984 | 03 | |
1985 | 01 |
No que concerne ao critério racial, das 14 propagandas selecionadas, 73% dos anúncios utilizam mulheres pardas, ao passo que apenas 14% são negras e 4%, índias. Não foram identificadas mulheres brancas, tampouco amarelas (orientais). E em 9% das imagens não foi identificada a raça das mulheres, apenas as silhuetas – o que enfatiza o uso instrumental e o apelo sexual das imagens. Além disso, as mulheres são representadas segundo um estereótipo associado às mulatas: mulheres com seios fartos, cintura fina e quadris largos.
A sobrerrepresentação das mulatas, também, se explica ideologicamente. Referimo-nos à função que o mulato tem desempenhado como agente conciliatório na sociedade brasileira, notadamente nos momentos mais agudos de sua modernização. O cronista colonial, André João Antonil, já dizia que o Brasil era o inferno dos negros, o purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos (DaMATTA, 2015). Mas foi durante o Estado Novo varguista que a ideologia da mestiçagem alcançou a política estatal, posto que livre das amarras do racismo científico e reelaborada pela sociologia de Gilberto Freyre. É interessante notar que o mesmo Estado que reprimia os movimentos negros da época, a exemplo da Frente Negra Brasileira, apoiava as raízes sincréticas e afrodescendentes da identidade nacional (SKIDMORE, 2001).
Esses mecanismos de conciliação se repetem durante o regime militar. No caso dos anúncios turísticos, se, por um lado, a imagem da mulata é explorada sexual e comercialmente; por outro, era uma forma de escamotear a realidade política do País no exterior, bem como acomodar as tensões sociais internas produzidas pelo regime.
Já em relação ao critério posição, em 59% dos anúncios as mulheres aparecem de frente, ante 18% em que aparecem de costas e 23%, de perfil. Chama atenção o fato de que, em algumas propagandas, não é possível identificar o rosto da mulher, o que reforça a imagem da mulher-objeto.
Em síntese, a análise do material promocional produzido pela Embratur durante o regime militar evidencia a sistemática exploração da imagem da mulher brasileira. A nosso ver, o fato de esses anúncios representarem uma terça parte do total identificado pela pesquisa bibliográfica não reduz a validade da conclusão, pelo contrário, com base nos critérios adotados, nas 14 imagens em que a aparece a figura feminina, identificamos, em todas, elementos de objetificação e sexualização. Como dito, a exploração do corpo da mulher nesses anúncios turísticos não reflete apenas os interesses político-ideológicos do regime militar, mas fundamentou o modelo de desenvolvimento do turismo no País
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos históricos possuem a vantagem metodológica de expressar a realização concreta dos fenômenos sociais. Ao contrário da perspectiva sistêmica que busca a homogeneização, na tentativa de apreender o conceito, a perspectiva histórica, ao atentar para o processo, tende a suscitar as desigualdades de um dado fenômeno social em suas variadas dimensões, seja como prática social, atividade econômica, ou fenômeno cultural e político.
No Brasil, historicamente, é durante o período militar que se identifica a consolidação daquilo que os frankfurtianos conceituaram de indústria cultural. Assim, apesar de os anos 1930 terem contado com o rádio para amparar a criação de um espaço nacional de circulação de mercadorias, é na ditadura que se forma um espaço nacional de circulação de capital – no qual passam a concorrer diversas frações, notadamente o capital internacional, até então não hegemônico no arco de posições montado pelo varguismo.
O desenvolvimento do turismo em nossa realidade se insere nesse quadro histórico. O que, sem dúvida, singulariza o fenômeno. Tal como ocorreu com outros setores da economia nacional, a atividade dependeu em larga medida da mão forte e autoritária do Estado. Aqui, pela manu militari, a ideologia da segurança nacional e a ameaça do comunismo garantem a rentabilidade dos investimentos turísticos, assegurando-lhes uma taxa média de lucro, como condição de sua modernização.
Ademais, se é verdade que o desenvolvimento do turismo no litoral nordestino responde à mesma lógica dos atrativos dos principais destinos internacionais. Afinal, a lógica reprodutiva do capital está presente tanto em uma estada à beira mar como em um passeio ao museu do Louvre. Por outro lado, aqui, ao contrário da França, a forma-mercadoria, para se realizar, retirou o conteúdo de sua linguagem na erotização da mulher brasileira – historicamente derivada de múltiplas fontes, dos cronistas coloniais aos meios de comunicação de massa modernos. Apropriado, sistematizado e reproduzido por aquela que durante décadas foi a principal instituição responsável pela atividade no País, o imaginário do erótico se associou ao turismo e, transformado em atrativo turístico, incluiu o produto destino-Brasil na rota do turismo sexual.
REFERÊNCIAS
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Notas