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O fomento ao conhecimento em turismo: uma análise da representatividade da temática do turismo para os estudos (teses e dissertações) da pós-graduação stricto sensu em Geografia no Brasil

El fomento del conocimiento en turismo: un análisis de la representatividad de la temática del turismo para los estudios (tesis y disertaciones) del postgrado stricto sensu en Geografía en Brasil.

The promotion of tourism knowledge: an analysis of the representativeness of the tourism theme for the studies (thesis and dissertations) of the stricto sensu postgraduate course in Geography in Brazil.

Christiano Henrique da Silva Maranhão
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil
Francisco Fransualdo de Azevedo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil

O fomento ao conhecimento em turismo: uma análise da representatividade da temática do turismo para os estudos (teses e dissertações) da pós-graduação stricto sensu em Geografia no Brasil

Caderno Virtual de Turismo, vol. 19, núm. 1, 2019

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Recepção: 26 Novembro 2016

Aprovação: 10 Julho 2018

Resumo: De tudo que vem sendo estudado sobre o turismo, a fala que ratifica sua sinergia com diversas ciências é uma das mais recorrentes. Sabe-se que a relação entre o turismo e a Geografia é historicamente estabelecida pela ação dos deslocamentos turísticos, por meio das materialidades (infraestruturas diversas), permitindo que sujeitos com diferentes motivações se desloquem pelo espaço. Assim, este artigo busca analisar a representatividade da temática do turismo para a produção de teses e dissertações, no âmbito dos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia. Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza como exploratório-descritiva, reconhecendo a complexidade do estudo do turismo. A seleção do empírico foi realizada com o auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio de um levantamento em 2016, de teses e dissertações depositadas pelos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia, no banco digital de teses e dissertações da Plataforma Sucupira. Feito isso, aplicou-se a análise temática que permitiu comparar textos de teor semelhante. Conclui-se que o turismo apresenta significativa representatividade, enquanto temática para os estudos geográficos (teses e dissertações), possibilitando à Geografia distintas aplicações teóricas diante da sinergia entre objetos e ações que está posta no arranjo espacial.

Palavras-chave: Turismo, Representatividade, Geografia, Estudos, Pós-graduação.

Abstract: Of all that is studied about tourism, the speech that ratifies its synergy with several sciences is one of the most recurrent. It is known that the relationship between tourism and geography is historically established by the action of tourist movements, through materialities (diverse infrastructures), allowing subjects with different motivations to move through space. Thus, this article seeks to analyze the representativeness of the theme of tourism, for the production of theses and dissertations, within the framework of the Brazilian graduate programs stricto sensu in Geography. Methodologically the research is characterized as exploratory-descriptive, recognizing the complexity of the study of tourism. The selection of the empirical was done with the help of the Coordination of Improvement of Higher Education Personnel (Capes), by means of a survey in 2016, of theses and dissertations deposited by the Brazilian graduate programs stricto sensu in Geography, in the digital bank of theses and dissertations of the Sucupira Platform. Once this was done, the thematic analysis was applied which allowed comparing texts of similar content. It is concluded that tourism presents significant representativeness, as theme for geographic studies (theses and dissertations), making it possible for Geography to have different theoretical applications in view of the synergy between objects and actions that is placed in the spatial arrangement.

Keywords: Tourism, Representativity, Geography, Studies, Postgraduate studies.

Resumen: De todo lo que viene siendo estudiado sobre el turismo, el habla que ratifica su sinergia con diversas ciencias es una de las más recurrentes. Se sabe que la relación entre el turismo y la geografía es históricamente establecida por la acción de los desplazamientos turísticos, por medio de las materialidades (infraestructuras diversas), permitiendo que sujetos con diferentes motivaciones se desplacen por el espacio. Así, este artículo busca analizar la representatividad de la temática del turismo, para la producción de tesis y disertaciones, en el ámbito de los programas brasileños de postgrado stricto sensu en Geografía. Metodológicamente la investigación se caracteriza como exploratorio-descriptiva, reconociendo a la complejidad del estudio del turismo. La selección del empírico fue realizada con la ayuda de la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior (Capes), por medio de un levantamiento en 2016, de tesis y disertaciones depositadas por los programas brasileños de postgrado stricto sensu en Geografía, en el banco digital de tesis y disertaciones de la Plataforma Sucupira. Hecho esto, se aplicó el análisis temática, que permitió comparar textos de contenido semejante. Se concluye que el turismo presenta significativa representatividad, como temática para los estudios geográficos (tesis y disertaciones), posibilitando a la Geografía, distintas aplicaciones teóricas ante la sinergia entre objetos y acciones que está puesta en el arreglo espacial.

Palabras clave: Turismo, Representatividad, Geografía, Estudios, Posgraduación.

1 INTRODUÇÃO

De tudo que vem sendo estudado sobre o turismo, a fala que ratifica sua sinergia com diversas ciências é uma das mais recorrentes. Em conformidade com Ansarah (2004), cada ciência que empreende esforços no debate do turismo, a saber: Administração, Economia, Psicologia, Sociologia, Geografia, entre outras, fornece distintas contribuições e, dessa lista, a ciência geográfica é o cerne deste artigo.

É preciso reconhecer que o turismo, enquanto fenômeno socioespacial, insere dinâmicas, por vezes divergentes, à realidade dos lugares que o promovem. Observa-se a partir disso, uma série de impactos no cotidiano dos sujeitos que viajam, e, de forma mais evidente, na rotina diária dos que não viajam.

Sabe-se que a relação entre o turismo e a Geografia é historicamente estabelecida pela ação dos deslocamentos turísticos, por meio das materialidades (infraestruturas diversas), permitindo que sujeitos com diferentes motivações se desloquem pelo espaço. Reconhece-se que os fluxos (de pessoas, mercadorias e de dinheiro) estão na gênese da prática social do turismo, e, simultaneamente, compõem com as materialidades (hotéis, estradas, acessos, aeroportos, equipamentos turísticos, infraestrutura urbana, entre outros) um par dialético que fundamenta análises sobre o consumo do espaço geográfico, objeto de estudo da Geografia, por meio da práxis da atividade turismo.

Sobre este cenário, Gastal (2002, p. 8) afirma que “nesse turismo que é, antes de tudo, deslocamento [...] as questões do espaço têm sido encampadas pela Geografia”, fato que ratifica a articulação do turismo com uma base territorial, concatenando-o intimamente com o espaço geográfico, a partir da sinergia entre materialidades e deslocamentos, destacando a existência de um viés geográfico do turismo, com questões específicas, fomentando diversas pesquisas, inclusive o questionamento deste artigo.

Destarte, ao lançar um primeiro olhar sobre a provável origem da aproximação entre a Geografia e o turismo, recorda-se o final do século XIX, diante da formalização científica da ciência geográfica. Sabe-se que o geógrafo alemão Alexandre Von Humboldt esquematizou metodologicamente os dados que observava durante suas viagens, a partir da elaboração de um inventário de elementos naturais e de suas localizações. Nota-se nos relatos que a experiência da viagem, mesmo que ainda não se configurasse como um instrumento do turismo moderno, acabou servindo de ferramenta metodológica para o aludido geógrafo alemão, na sua tentativa de organizar o conhecimento então produzido (MORAES, 2007), desencadeando com isso um método específico da Geografia (GOMES, 2006).

Diante do percurso histórico, é permitido destacar alguns sucintos episódios que marcam a afinidade entre o turismo e Geografia. Sabe-se que essa relação assume proporções acadêmico-científicas mais efetivas no ano de 1841 (século XIX), quando ocorre o primeiro registro de interesse epistemológico de um geógrafo austríaco, chamado Kohl, pela força dos deslocamentos turísticos sobre territórios, que alteravam o meio natural e, ao mesmo tempo, interagiam com lugares, culturas e populações visitadas (LUIZ GÓMEZ, 1987).

Destaca-se ainda que, em 1905, outro geógrafo austríaco chamado Joseph Stradner denominou de Geografia do turismo “Fremdenverkehrsgeographie”, o conhecimento gerado a partir do olhar geográfico sobre o fenômeno turístico. Entre os estudos que se destacavam nesse período, estavam os que tratavam dos efeitos positivos que o turismo inseria na balança de pagamentos, já evidenciando certo protagonismo da visão econômica, que tanto limita as análises formuladas sobre o turismo na atualidade (CASTRO, 2006).

Sequencialmente, no ano de 1919, o geógrafo alemão Sputz, por meio de sua tese de doutorado intitulada de “Die Geographischen Bedigungen und Wirkungen dês Fremdenverkehrs in tirol[1]” também expressa ineditismo quando se trata dos primeiros estudos geográficos que usam da temática do turismo, fazendo relação com o deslocamento espacial (LUIZ GÓMEZ, 1987).

Já no âmbito brasileiro, é possível sublinhar a tese do professor Dr. Armando Corrêa da Silva, intitulada de “O litoral norte do estado de São Paulo: formação da região periférica”, defendida em 1975, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo (USP), como o primeiro esforço acadêmico-científico resultado da relação entre a Geografia e o turismo (CASTRO, 2006).

Em face do breve histórico exposto, Filho (2005) afirma que as análises geográficas variam com o tempo, e se empenham pela leitura da realidade vivida. E sendo o turismo uma peça de composição expressiva da contemporaneidade vivenciada, ele acabou habilitando-se como um conteúdo que desperta o interesse geográfico. Destarte, paralelo ao incremento que o turismo vem recebendo na academia e no mercado, é permitido destacar que a afinidade entre o turismo e a Geografia passou a assumir novos elementos conectivos, devido aos avanços tecnológicos, tornando-se mais complexa. Aqui, sublinha-se o papel do espaço, entendido como elo-base que ampara esses novos subsídios.

Por tudo que foi apresentado, este artigo busca analisar a representatividade da temática do turismo, para a produção de teses e dissertações, no âmbito dos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia. Complementarmente, informa-se que este artigo é parte de uma pesquisa de Doutorado, vinculada ao programa de pós-graduação e pesquisa em Geografia, sediado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Informa-se que o comprometimento final deste estudo direciona-se para uma análise não finalística, uma vez que a cada dia novos estudos geográficos são produzidos fazendo uso da temática do turismo. O esforço aqui é pela condição de possibilitar novos debates, com vistas a estimular avanços no conhecimento sobre o turismo, diante de suas múltiplas interfaces e relações com ciências contíguas.

2 METODOLOGIA

Diante da meta de fornecer um direcionamento para a devida leitura do estudo proposto, atenta-se para a seleção de uma metodologia que proporcione o entendimento sobre os “elementos para compreender, identificar e avaliar os procedimentos usados” (KÖCHE, 2013, p. 144). Logo, é dever metodológico fornecer a explicação das relações firmadas no processo de elaboração, operacionalização e finalização da pesquisa.

Assim, com base em autores que se empenham em parâmetros metodológicos, a saber: Richardson (2008) e Veal (2011), este artigo se caracteriza como exploratório-descritivo, cujo caráter exploratório associa-se ao uso de ferramentas técnicas (pesquisa bibliográfica e documental) por meio do acesso a livros, artigos e relatórios que tratam da relação estabelecida entre o turismo e a ciência geográfica.

Referindo-se ao viés descritivo, admite-se sua escolha pelo uso de monitoramento de padrões e fornecimento de esclarecimentos (VEAL, 2011). Reconhece-se que, sendo o turismo uma área de estudo recente, a correlação sequencial entre as ações de explorar, analisar, descrever e explicar se faz necessária para os momentos de análise do empírico. Pensando assim, evita-se a limitar-se na descrição simples, que, isolada de outras ações, não produz avanços significativos.

Ponderando sobre o objeto de estudo deste artigo, é permitido caracterizá-lo como qualitativo, por observar os interesses particulares dos sujeitos como componentes que norteiam a aplicabilidade e direcionamento das análises dos estudos triados (RICHARDSON, 2008). Sobre o viés quantitativo, informa-se que ele também se faz presente no tratamento direcionado ao levantamento dos estudos geográficos (teses e dissertações), e, de certo modo, possibilitou a ampliação dos subsídios que forneceram base para as análises realizadas.

Ao falar sobre o empírico, destaca-se que sua seleção foi realizada com o suporte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do repasse de um levantamento de teses e dissertações depositadas pelos programas brasileiros de pós-graduação em Geografia, no banco digital de teses e dissertações da Plataforma Sucupira. O levantamento foi solicitado à referida agência de fomento do conhecimento científico brasileiro, por meio da intermediação da secretária do programa de pós-graduação e pesquisa em Geografia, lotado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O levantamento que forneceu base para as reflexões foi realizado no segundo semestre de 2016, e, por essa razão, é permitido conjecturar que, em face do dinamismo do cenário acadêmico estudado, o empírico já deva ter sofrido alguma alteração no seu montante, em face de cada defesa finalizada e/ou agendada. Contudo, essa realidade não invalida a questão central do artigo, uma vez que o recorte temporal alcançado com o levantamento abarca 36 anos de produção científica geográfica no Brasil, apresentando trabalhos que datam de 1979 até o ano de 2015.

O critério para seleção dos trabalhos foi estabelecido considerando a presença de palavras-chave: “turismo, atividade turística e fenômeno turístico”, nos títulos, resumos, sumários, introdução e objetivos de cada pesquisa selecionada.

De posse desses dados, iniciou-se a ordenação, leitura e categorização, visando possibilitar os devidos cruzamentos de informações, permitindo a interpretação dos dados coletados. Como uma segunda etapa, aplicou-se a análise temática que “consiste em isolar temas de um texto e extrair as partes úteis, de acordo com o problema investigado, permitindo sua comparação com os outros textos escolhidos similarmente” (RICHARDSON, 2008, p. 197). Somente após esse processo, os temas e elementos foram isolados, comparados e analisados pelo direcionamento metodológico já determinado.

3 O VIÉS GEOGRÁFICO DO TURISMO

De turismo eu não entendo, mas, se ele está no território, se ele faz a Geografia do movimento, do espaço de comando, do uso competitivo dos lugares, da revalorização dos lugares, da racionalidade dos espaços, ele pertence à Geografia.[2]

Ao dar início ao debate que trata sobre alguns dos elementos que expressam a relação estabelecida entre o turismo e a Geografia, é possível, para além das falas já reproduzidas, levantar alguns diálogos, que favorecem avanços na discussão sobre a relação estudada.

A fala do renomado geógrafo brasileiro, Milton Santos, durante um curso intitulado “Ensino de Geografia” no ano de 1986, foi selecionada para abrir este tópico, devido perceber, na elaboração do pensamento do autor, um sentido de complementariedade entre a noção de turismo e a Geografia. No fragmento de texto, Milton Santos inicia afirmando que não entende de turismo, mas, sequencialmente, já explana uma série de elementos que ratificam a necessidade de seu estudo, uma vez que, conforme o autor, o turismo está contido na Geografia. Nota-se que a expressão “pertence à Geografia” faz uma analogia direta ao conceito da relação de pertinência, parte integrante da teoria matemática dos conjuntos, que trata de agrupar elementos, por meio do conhecido Diagrama de Venn, já sinalizando para uma ciência geográfica de alcance disciplinar diversificado.

A Geografia, conforme Hall e Page (2009, p. 602), “é essencialmente interdisciplinar”, de modo que todas as suas interfaces (físicas, humanas, culturais, econômicas, entre outras) são tratadas em conjunto (relações). Assim, existe um viés interdisciplinar ativo que abona a ideia de pertencimento a qual Milton Santos se refere. Na Geografia, destaca-se uma predisposição por análises que envolvem uma variedade de temas, chamada por Carlos (2002, p. 161) de uma “multiplicidade temática e teórico-metodológica”, condicionada à presença de novas racionalidades postas no espaço.

A priori, o debate sobre a relação entre esses dois campos do conhecimento se pauta na necessidade de deslocamento pelo espaço, por parte do turismo, a fim de realizar os desejos de uma demanda cada vez mais diferenciada. Visto que o produto turístico se distingue dos demais, devido à característica que lhe permite ser consumido apenas no local de origem, e, por isso, os fluxos turísticos são impelidos a se deslocarem em sua direção, para o devido consumo. Atesta-se que, por meio dessa característica peculiar, é garantido um lugar para os estudos geográficos atuarem, uma vez que, simultânea aos deslocamentos está a necessidade por materialidades de todas as ordens. Para Garcia (2012, p. 1-2), “o turismo é uma prática social, logo, espacial, deste ser que se desloca, e promove reflexos na economia, cultura, política e meio ambiente”.

Fica entendido que a atividade turística necessita de um território organizado para se efetivar. Se ela não puder geografizar-se, por meio dessas materialidades (hotéis, meios de transporte, meios de comunicação, acessos, infraestrutura turística, entre outros itens), a possibilidade de existência efetiva de qualquer segmento turístico fica fragilizada. Daí surge o interesse da Geografia em pesquisar sobre o turismo. Conforme Silva e Fonseca (2010, p. 2), “o turismo se reproduz consumindo o espaço, em virtude da necessidade irremediável do deslocamento”. E esse deslocamento produz uma lógica em determinados espaços, que são (re)produzidos com vistas a atender às demandas de visitantes cada vez mais exigentes.

Como rebatimento dessa necessidade de consumo do espaço pela atividade turística, abre-se um leque de possibilidades que ratifica uma análise do turismo pelo viés geográfico, fazendo uso de elementos, noções, teorias e conceitos que se distendem em questões que tratam dos processos de promoção turística dos lugares; do modo como os fluxos se movimentam; dos impactos naturais provocados pela ação do turismo; da construção de modelos espaciais que tratam da organização do fenômeno; da possibilidade de uso de políticas de ordenamento, planejamento e gestão do turismo; da constituição de redes, entre outras questões.

Assim, nota-se que a conectividade estabelecida entre o turismo e a Geografia perpassa as condições ambientais, sociais, culturais, políticas e espaciais de toda a diversidade geográfica. Especialidades complexas, que devem ser analisadas por múltiplas dimensões: econômica, simbólica, comportamental e espacial, ou seja, geográfica. De igual modo, é imperativo citar que os conceitos geográficos de território, paisagem e lugar, além de imprimir identidade ao saber geográfico, também ofertam possibilidades de estudo e interpretação da atividade turística, sempre com base na sua dimensão espacial.

Abordando o conceito de território e aproximando-o do turismo, Knafou (1999) menciona a noção de “território turístico”, que para ele é o território inventado e produzido para e pelos turistas. O autor chama atenção para um possível território sem turismo e, posteriormente, menciona um turismo sem território, ilustrando um lugar de passagem, espaço artificializado e construído por uma cadeia produtiva mundial. Nessa formulação, o referido autor menciona ainda sobre territorialidades, que são compostas por agentes sociais diferentes, que mantêm relações de poder, e que, por isso, produzem e reivindicam o uso desses territórios.

Pensando no conceito de lugar, Santos (1998, p. 36-37) diz que ele é “a extensão do acontecer homogêneo e do acontecer solidário” reconhecendo elementos da identidade local, cultura, cotidiano, singularidades, simbolismo, entre outros, que determinam os diferentes modos de vida. A partir disso, o lugar pode ser visto como uma fonte de turistificação, e o turismo acaba sendo um expressivo vetor de (re)qualificação espacial, social e funcional dos lugares, inserindo-os no processo de modernização (CASTRO, 2006).

Por paisagem, Santos (1988, p. 21) diz que é tudo aquilo que “nossa visão alcança [...] e pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca”. Em outras palavras, a paisagem é o espaço limítrofe do olhar, um conjunto de elementos naturais e artificiais, que fisicamente caracterizam determinada área. Sabendo disso, tem-se que é na paisagem que se dá o início do acontecer turístico. A busca por paisagens, sobretudo naturais, lidera entre as principais motivações das viagens, as quais solicitam demandas espaciais, estruturais, estatais e locais. O estudo das paisagens, dos tempos diferentes nela reconhecidos, e das diversas técnicas impostas que possibilitam diversos impactos e usos é uma possibilidade de aproximação do turismo com o conteúdo da ciência geográfica.

Observa-se que a partir da pluralidade do construto conceitual que envolve os conceitos de lugar, território e paisagem surge uma gama de possibilidades de estudos e análise da complexa espacialidade do turismo. Na sequência, outros subsídios característicos da relação entre o turismo e a Geografia são destacados.

Buscando por outros resultados práticos que emergiram da relação entre os campos do saber destacados neste artigo, menciona-se aqui a disciplina denominada de Geografia do turismo, como um dos mais relevantes, uma vez que é a partir dos seus princípios que os estudos ao longo do tempo vêm balizando parcialmente ou na íntegra suas interpretações.

A disciplina Geografia do turismo (“Fremdenverkehrsgeographie”) origina-se no ano de 1905, quando o geógrafo austríaco Stradner nomeou um campo do saber para os estudos que emergiam da relação entre a Geografia e o turismo. As pesquisas iniciais consideravam os efeitos positivos do turismo na balança de pagamentos, e ainda tratavam das diferentes motivações de viagem. No entanto, a Geografia do turismo só conseguiu se institucionalizar, como disciplina acadêmica, após a criação do Grupo de Trabalho de Geografia do Turismo, Ócio e Recreação (1972) e da Comissão de Geografia do Turismo, Recreação e Mudança global (1980) pela União Geográfica Internacional (UGI) adotando esse conhecimento como integrante da formação de geógrafos (CASTRO, 2006).

No Brasil, o marco da pesquisa da Geografia do turismo foi o Seminário Internacional “Sol e Território” no ano de 1995, que reuniu diversos pesquisadores latino-americanos e europeus. Como resultado prático desse evento, foram geradas três publicações, com o apoio da Editora Hucitec, são elas: Turismo e Geografia: reflexões teóricas e enfoques regionais, preparado por Adyr A. Balastreri Rodrigues; Turismo: impactos socioambientais, organizado por Amália Inês G. de Lemos; e Turismo: espaço, paisagem e cultura, compilado por Eduardo Abdo Yazigi, Ana Fani Alessandri Carlos e Rita de Cássia Ariza da Cruz. Também como desdobramento desse evento, originou-se o I Encontro Nacional de Turismo com Base Local (ENTBL) no ano de 1997 (ALBACH; GÂNDARA, 2011).

Historicamente, sabe-se que o fenômeno socioespacial do turismo é investigado pela Geografia, e os temas desses estudos modificam-se com o avanço da dinâmica mundial. Mesmo assim, Vera (1997, p. 29) buscou classificar algumas das principais temáticas levantadas pela Geografia do turismo, e desenvolvidas por diferentes países ao longo da história, a saber: “En Alemania si da prioridade a los aspectos morfológicos (paisaje) y sociales; En Francia, el turismo internacional y la modernización a pequena y grande escala, y en Estados Unidos y el Reino Unido – aunque con diferencias la recreación en las áreas rurales y naturales [...]”.

Na contemporaneidade, é possível agregar a essa lista questões como: veraneio, lazer, ócio e tempo livre, identificação e análise de regiões turísticas funcionais, previsão do volume de viagens entre origens e destinos, fluxos, redes de transporte, entorno ambiental, entre outras (REJOWSKI, 1996). Com a intenção de esmiuçar os campos do saber que coadunam nas pautas da Geografia do turismo, Pearce (2003) também indica seis eixos característicos desse campo acadêmico, a saber: (a) padrões de distribuição espacial da oferta; (b) padrões de distribuição espacial da demanda; (c) a Geografia dos centros de férias; (d) os movimentos e os fluxos turísticos; (e) o impacto do turismo, e (f) modelos de espaço turístico.

Logo, nota-se que os subsídios que dão base à Geografia do turismo intercalam-se dentro de uma sequência lógica e evolutiva de prioridades. De início, buscava-se entender como se espacializam as materialidades e os fluxos, para depois perceber quais formas são geradas diante desse processo, e, posteriormente, buscam-se quais conexões são favorecidas e desfavorecidas, mediante o contato direto de elementos turísticos com os elementos identitários que compõem o arranjo local.

Tendo em vista os aspectos observados, enfatiza-se que as abordagens da Geografia do turismo centram-se essencialmente na dimensão espacial (RODRIGUES, 2001). Assim, essa temática dedica-se aos estudos sobre a distribuição da atividade turística no espaço, a produção espacial e a articulação espacial do sistema turístico no local. Percebe-se um avanço do turismo, modificando a geografia dos lugares e possibilitando novas conexões geográficas (BERGMAN, 2012). É preciso deixar claro que a Geografia como ciência é a mesma e faz uso de raízes epistemológicas próprias. O que se diferencia neste debate é a diferença nas temáticas que ela aborda, por meio de perspectivas distintas, podendo citar para além da Geografia do turismo a Geografia da saúde, dos transportes, da comunicação, entre outras.

Como desdobramento, outro importante conceito surge imerso nessa relação, o espaço turístico. Nota-se a atividade do turismo induzindo a composição de um espaço próprio. O espaço turístico é a categoria principal de análise da Geografia do turismo, e os seus estudos também se constituem de caráter interdisciplinar, e são alicerçados no próprio conceito do espaço geográfico. Enfatiza-se que a primeira forma de observar o fenômeno do turismo é pela sua necessidade de organização, ou seja, a demanda por um espaço que seja, a posteriori, turístico (AZEVEDO et al., 2014).

Ao meditar sobre o espaço geográfico, objeto de estudo da Geografia, é possível listar quatro categorias de análise que possibilitam compreendê-lo. São elas: Forma, Função, Estrutura e Processo. Todas estão concatenadas e dependem, além da análise do observador, de um levantamento histórico. O espaço é tido como um conjunto de formas, que apresentam frações da sociedade em movimento (SANTOS, 2009).

Aqui, nota-se uma analogia direta entre o espaço geográfico com o espaço turístico. Abre-se para o entendimento do espaço como um substrato pelo qual o turismo se reproduz. O espaço turístico cogita interações do homem com viagens e estruturas imprescindíveis para estas, e, por isso, apresenta a concatenação dessas mesmas formas, funções, estruturas e processos do espaço geográfico em diversas escalas. Observa-se o turismo se apropriando do espaço, transformando-o em mercadoria e territorialmente dividindo-o para servir ao capital.

A principal referência internacional sobre o conceito de espaço geográfico é a proposta conceitual de Roberto C. Boullón (arquiteto argentino que elaborou sua teoria na década de 1980), e quando se cogita em uma perspectiva de escala nacional, identifica-se nas reflexões da geógrafa brasileira, Adyr Apparecida Balastreri Rodrigues (2001), uma proposta de compreensão do espaço turístico com base na teoria do espaço geográfico de Milton Santos.

Pela observação dos aspectos analisados até aqui, também faz-se necessário destacar os modelos vinculados à Geografia Neopositivista, que participaram dessa conjuntura em que se buscava oferecer contribuições para as análises do conhecimento sobre o espaço turístico. Os modelos são tentativas de simplificações da realidade. Sobre os modelos, Pearce (2003) chama atenção para quatro tipos básicos por onde se organiza o espaço turístico: (a) Viagem ou ligação; (b) Origem-destino; (c) Modelos estruturais e (d) Modelos evolucionários. Existindo entre eles um ponto similar: a abordagem de um sistema de origem-ligação-destino, próprio da Geografia Neopositivista.

Por todo o exposto, apreende-se que o turismo e a Geografia estão intimamente ligados, uma vez que ambos têm como foco principal a exploração do mundo, como possibilidade de conhecimento. Com isso, os dois campos alinham-se na condição de que suas especificidades podem ser reconhecidas e devidamente analisadas, uma em relação à outra (CORNA PELLEGRINI, 2011).

Como em outros campos de relação geográfica, o estudo relacional com o turismo foi acontecendo progressivamente por um tratamento descritivo e/ou explicativo, passando de uma fase ideográfica para outra fase que destaca leis gerais para estabelecer uma Geografia do turismo, tratando especificamente do uso e (re)produção do espaço (espaço turístico), como se pode constatar.

4. A REPRESENTATIVIDADE DA TEMÁTICA DO TURISMO PARA A PRODUÇÃO DE TESES E DISSERTAÇÕES, NO ÂMBITO DOS PROGRAMAS BRASILEIROS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM GEOGRAFIA

Ao iniciar a análise, já é permitido destacar, com base no levantamento realizado, que entre as 48 áreas de avaliação que a Capes apresenta no seu portfólio, a Geografia compõe a seção das ciências humanas, e se expressa academicamente por meio de 65 programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu, distribuídos pelas cinco regiões do Brasil, com destaque para a Região Sudeste, que lidera em números de programas, em número de cursos de doutorado, e no quantitativo (produção) de teses e dissertações (BRASIL, 2018).

Recorda-se que a única exigência metodológica de participação de cada programa de pós-graduação nas análises é a identificação das palavras-chave (turismo, atividade turística e fenômeno turístico) nos títulos, resumos, sumários, introdução e objetivos das pesquisas depositadas no banco digital de teses e dissertações da Plataforma Sucupira. Sabendo disso, tem-se a exposição na Tabela 1, dos respectivos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia, ordenados por instituições de ensino superior (IES), suas respectivas regiões e cursos ofertados.

Tabela 1 – Levantamento de teses e dissertações no âmbito dos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia, que estudam a temática do turismo.
REGIÃO IES QUANTIDADE
D T Total
Norte 01 – Universidade Federal do Pará 13 - 13
02 – Fundação Universidade Federal de Rondônia 03 - 03
Total de Trabalhos – Região Norte 16 - 16
Nordeste 03 – Universidade Federal da Bahia 26 - 26
04 – Universidade Federal do Ceará 21 02 23
05 – Universidade Estadual do Ceará 35 - 35
06 – Universidade Federal da Paraíba 07 - 07
07 – Universidade Federal de Pernambuco 32 03 35
08 – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 25 - 25
09 – Fundação Universidade Federal de Sergipe 15 10 25
Total de Trabalhos – Região Nordeste 161 15 176
Centro-Oeste 10 – Universidade de Brasília 12 - 12
11 – Universidade Federal de Goiás 28 04 32
12 – Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 15 - 15
13 – Universidade Federal da Grande Dourados 04 - 04
14 – Universidade Federal de Mato Grosso 21 - 21
Total de Trabalhos – Região Centro-Oeste 80 04 84
Sudeste 15 – Universidade Federal de Minas Gerais 37 02 39
16 – Universidade Federal de Uberlândia 24 04 28
17 – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 11 03 14
18 – Universidade Federal do Rio de Janeiro 16 16 32
19 – Universidade Federal Fluminense 09 05 14
20 – Universidade Estadual do Rio de Janeiro 24 - 24
21 – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 02 - 02
22 – Universidade de São Paulo 71 54 125
23 – Universidade Estadual de Campinas 22 08 30
24 – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 04 - 04
25 – Universidade Estadual P. Júlio de Mesquita Filho 32 34 66
26 – Universidade Federal do Espírito Santo 01 - 01
Total de Trabalhos – Região Sudeste 253 126 379
Sul 27 – Universidade Federal do Paraná 34 13 47
28 – Universidade Estadual de Londrina 10 - 10
29 – Universidade Estadual de Maringá 12 01 13
30 – Universidade Estadual de Ponta Grossa 05 - 05
31 – Universidade Estadual do Oeste do Paraná 02 - 02
32 – Universidade do Rio Grande do Sul 13 04 17
33 – Universidade Federal de Santa Maria 10 - 10
34 – Universidade Federal do Rio Grande 01 - 01
35 – Universidade Federal de Santa Catarina 44 10 54
Total de Trabalhos – Região Sul 131 28 159
Total Geral 641 173 814

Legenda: D – Dissertações; T – Teses

Dados da pesquisa, 2016

Considerando os dados apresentados na Tabela 1, informa-se que dos 65 programas brasileiros de pós-graduação em Geografia, 44 deles contam com pesquisas (teses e dissertações) que utilizam da temática do turismo em suas problematizações, ou seja, cerca de 67,70% dos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia. Paralelo a essa informação, nota-se que 21 programas de pós-graduação, ou seja, 32,30%, não apresentaram nenhum estudo ou pesquisa que aborde o turismo enquanto temática. Revela-se, com isso, uma importante representatividade da temática do turismo nos estudos geográficos (teses e dissertações) no âmbito da pós-graduação no Brasil.

O levantamento destaca o expressivo montante composto de 814 estudos fomentados pelos programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia que fazem uso do turismo como temática e que atraem a atenção por seus esforços acadêmico-científicos. Relata-se que desse quantitativo, 641 são dissertações (nível mestrado) e 173 são teses (nível doutorado). Essas pesquisas estão distribuídas por 35 IES, entre um total de 51 instituições que ofertam a pós-graduação em Geografia no Brasil no ano de 2018.

Chama-se atenção para o fato de que encontram-se listados na Tabela 1 apenas 35 programas, representando cada IES, faltando nove para completar o número de 44 programas que apresentam estudos abordando a temática do turismo. O fato é que alguns programas apresentam mais de um campus, oferecendo mais de um curso de mestrado e/ou doutorado com perspectivas distintas, como é o caso dos programas vinculados à Universidade de São Paulo, Universidade Federal Fluminense, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Universidade Federal do Mato Grosso, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de Goiás e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, integralizando assim os 44 programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia empenhados nos estudos da temática do turismo.

Ponderando sobre as áreas de concentração e as respectivas linhas de pesquisa dos programas selecionados, é possível informar que foram identificadas 35 áreas de concentração, que se desmembram em 108 linhas de pesquisas. Diante das conexões entre as áreas de concentração e linhas de pesquisa, é possível perceber certa ramificação. As áreas de concentração acabam utilizando uma quantidade expressiva de temas geográficos, que refletem na proliferação de linhas de pesquisa. Essa expressiva categorização interfere e, de certo modo, fragiliza o alinhamento imperativo que deve existir entre as áreas de concentração e linhas de pesquisa. Vale ressaltar que essa fragilidade já foi alertada pela Capes. Como desdobramento, também foi possível compilar dados que comprovam a liderança da Região Sudeste, ratificada pela produtividade (montante) de estudos geográficos com ênfase na temática do turismo. Para além do quantitativo geral, a região ainda lidera pela concentração de programas e pela quantidade de cursos de doutorado no País.

Tabela 2 – Distribuição dos estudos (teses e dissertações) em (%) por região do Brasil
REGIÃO TOTAL ABSOLUTO %
Nordeste 176 21,62%
Norte 16 1,96%
Centro-Oeste 84 10,31%
Sudeste 379 46,56%
Sul 159 19,53%
Total 814 100%
Dados da Pesquisa, 2016

Meditando sobre os dados expostos na Tabela 2, destaca-se a Região Norte como a maior das cinco regiões brasileiras que, no entanto, apresenta o menor quantitativo de programas de pós-graduação stricto sensu em Geografia relacionados com a temática do turismo e, consequentemente, a minoria dos estudos triados (teses e dissertações). Essa informação vai ao encontro da demanda identificada nas avaliações feitas pela Capes, que menciona a necessidade de descentralização e incentivo da criação de novos cursos de mestrado e doutorado no Norte do País, interiorizando a espacialização dos programas no Brasil (BRASIL, 2013).

Já quando se trata da Região Nordeste, logo vem a significância de seu litoral, considerado como um dos principais atrativos de captação de fluxos turísticos para o País, dando sustentação a um turismo regional, guiado pelo segmento de sol e mar. Reflexo dessa conjuntura, observa-se a chegada de investimentos públicos e privados, a partir da década de 1980, com vistas a potencializar o turismo na aludida região. Atrelados ao fomento ao turismo, surgem impactos de toda ordem e questões problematizadoras que acabaram, de certo modo, impulsionando o estudo geográfico do turismo, com base na sua dimensão socioespacial, uma vez que a capacidade do turismo de consumir o espaço já está posta e reconhecida. Assim, foram identificados na região nove programas de pós-graduação stricto sensu em Geografia que debatem sobre o turismo em suas pesquisas, cerca de 21,62% do total de programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia.

Sobre a Região Centro-Oeste, tem-se que, diferentemente da Região Nordeste, que dispõe de um litoral como carro-chefe para impulsionar o turismo, o Centro-Oeste sequer é banhado pelo mar. É justamente essa peculiaridade que acaba direcionando a prática do turismo para segmentos ligados à natureza: Turismo verde, Ecoturismo, Turismo de Aventura, Turismo Ecológico, entre outros, que se alternam por ambientes naturais e específicos da referida região, como: Pantanal, Chapada dos Guimarães, Chapada dos Veadeiros e o município de Bonito. Ao considerar a triagem realizada, é possível assinalar que a produção intelectual identificada conta com um total de 84 pesquisas, sendo 80 delas dissertações e quatro teses. Apenas dois de seus programas não constam estudos no viés pesquisado, são os que estão vinculados à Universidade Estadual do Centro-Oeste e à Universidade do Estado de Mato Grosso.

Por fim, tem-se a Região Sul como a menor entre as regiões brasileiras. Reconhecida como um polo turístico cultural de influências europeias (Itália e Alemanha), a respectiva região apresenta 11 programas de pós-graduação stricto sensu em Geografia, cerca de 19,53%, do total de programas de pós-graduação stricto sensu em Geografia, que se dedicam ao turismo em suas pesquisas. Sua produção está distribuída desse modo: 131 dissertações e 28 teses, totalizando 159 estudos geográficos abordando a temática do turismo.

Ainda vale evidenciar que a relevância da temática de turismo para o cenário da pós-graduação em Geografia no Brasil não se restringe apenas aos estudos. A temática do turismo também se destaca em algumas IES, como tema direcionador de um curso de especialização “Turismo e Desenvolvimento Sustentável” na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já na Universidade Estadual de Londrina (UEL), se estuda o turismo com bastante ênfase na segmentação pautada na questão rural (Turismo Rural).

Após confirmar a representatividade da temática do turismo, por meio dos 814 estudos (teses e dissertações), vinculados a 44 programas brasileiros de pós-graduação stricto sensu em Geografia, parte-se para uma análise complementar do conteúdo presente nesses estudos, subsidiada por particularidades qualitativas, que transpõem a análise quantitativa já apresentada.

Diante da leitura metodológica aplicada nos estudos selecionados, relata-se, entre os 814 estudos (teses e dissertações) geográficos que optaram pela temática do turismo para desenvolver suas pesquisas, que 491 deles apresentaram a temática do turismo como central e, por isso, estruturante da pesquisa realizada. Observa-se que, nesses casos, os estudos fundamentam-se na diversidade de objetos de análise e/ou categorias geográficas (paisagens, lugares, territórios, regiões e espaço geográfico) que se relacionam com a práxis do turismo no consumo do espaço geográfico, pautando os diversos impactos e sugerindo medidas mitigadoras.

Entre os principais impactos negativos no espaço, associados ao fomento do turismo, e que foram localizados nos estudos avaliados, tem-se a expressiva liderança da abordagem de questões ambientais, com destaque para o uso dos recursos das paisagens naturais (praias, florestas, rios, dunas, montanhas, entre outros) como “mercadoria” para ser vendida e consumida pelos fluxos massivos do turismo moderno, provocando prejuízos que enfatizam a demanda pelo compromisso social do Estado, do mercado e a inserção ativa nos processos decisórios da sociedade civil e residentes dos locais onde o turismo é promovido.

Já sobre os desdobramentos positivos do turismo no espaço, destacam-se as análises sobre dinamização da economia das localidades, geração de emprego e renda (direta e indireta) e a valorização de culturas locais (culinária e religiosidade), que retratam a relação atuante do par dialético global versus local.

O que se nota nesses estudos que abordam o turismo como tema central de pesquisa é a categoria causa-efeito sendo vinculada, visto como a razão principal das distintas modificações (negativas e positivas) nos espaços onde o turismo é fomentado. Há, em outros casos, um esforço por encontrar uma essência mais ampla do turismo, que ultrapasse a ligeira aparência econômica, presente no discurso pronto dos agentes hegemônicos (Estado e mercado).

Também é possível pontuar as análises conjunturais e estruturais abordando as diversas variáveis que afetam o turismo e suas múltiplas combinações. Em outros estudos também se verifica o embate e o dilema do turismo, em promover a atividade fazendo uso dos recursos naturais, ou em fomentar ações de preservação desses recursos importantes para a operacionalização da atividade do turismo no Brasil.

Complementarmente, relata-se que os 323 estudos analisam o turismo de forma secundária, onde a temática do turismo é empregada como complemento e/ou composição da conjuntura analisada. O turismo para esses estudos não forneceu parâmetros suficientes para classificá-lo como cerne da pesquisa.

Avançando na leitura, é permitido informar que as temáticas e os objetos de análise dessas pesquisas são diversos e partícipes do contexto globalizado, e, por isso, tratam do turismo como mais um componente (positivo ou negativo) da dinâmica dos recortes estudados, não sendo ele causa imediata das realidades identificadas. Como exemplo, citam-se estudos que aplicam, em localidades específicas, a teoria dos circuitos da economia urbana de Milton Santos (renomado geógrafo brasileiro), entre outras.

Antes de iniciar as conclusões, inicia-se brevemente uma reflexão sobre as IES e programas de pós-graduação stricto sensu em Geografia que não apresentam estudos com a temática do turismo. Destaca-se que entre um quantitativo de 65 programas brasileiros de pós-graduação em Geografia, 21 não apresentam afinidade com a pesquisa do turismo.

A princípio, ao meditar sobre as suas áreas de concentração, nota-se que algumas delas centralizam suas pesquisas em função de uma alguma localidade específica. Como é o caso da Ufam/AM, que direciona suas produções para temas que tratam da Amazônia. Em outras ocorrências identificam-se como focos das pesquisas os elementos naturais e/ou biomas de características particulares, como é o caso do programa ligado à UFG, sediado no Campus Jataí, que elege o elemento “cerrado”. Similarmente, aponta-se para o programa vinculado à UVA-CE, que também busca tratar de questões ligadas ao contexto do semiárido nordestino, restringindo, com isso, as possibilidades do debate sobre o turismo.

Já em outros programas, a perspectiva física da Geografia é fomentada com notoriedade, supervalorizando os elementos que insistem em dividir a ciência geográfica em física e humana. Essa realidade inibe possíveis usos do turismo como temática, justamente devido à perspectiva humana ser bastante representativa na análise do turismo. Como exemplo, menciona-se o caso da UFT/TO, que norteia suas pesquisas para o tratamento da dinâmica geoterritorial e geoambiental.

Essa percepção ratifica a ideia de que a experiência cotidiana vivida interfere diretamente no olhar do pesquisador e nos seus questionamentos. Contudo, é importante ter em mente que essa fala não se constitui em uma regra engessada, podendo, por isso, apresentar outras conexões, uma vez que também é possível localizar pesquisas, desenvolvidas por sujeitos de um estado diferente do estado onde o programa de pós-graduação está sediado, e a partir disso, identificam-se objetos de estudo, relacionados à localidade de origem do pesquisador e não ao contexto contíguo ao programa.

Destarte, percebe-se que a maior parte desses programas que abordam a temática do turismo apresenta áreas de concentração que prescrevem uma análise espacial, diante de suas múltiplas dinâmicas, trabalhando quesitos espaciais, a saber: “estruturação”, “organização”, “produção”, “gestão” e “planejamento”. Aqui, destacam-se efetivas probabilidades de inserção e uso do turismo, uma vez que ele interfere nessas dinâmicas espaciais, como consequência da sua produção, organização e refuncionalização dos espaços já constituídos, visando o apelo turístico. Essa informação é suscetível a pesquisas futuras, a fim de confirmar se o turismo já se inseriu nas dinâmicas das pesquisas referenciadas nesse cenário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face de toda a exposição, conclui-se que a representatividade da temática do turismo no ambiente dos estudos (teses e dissertações) da pós-graduação stricto sensu em Geografia no Brasil é significativa. Destarte, a ciência geográfica continua se qualificando historicamente como uma das ciências que mais fomenta estudos a partir da relação acadêmica com o turismo, permitindo uma leitura tipicamente geográfica do aludido fenômeno socioespacial.

É permitido destacar que a relação estabelecida se pauta em uma perspectiva acadêmica de cooperação, onde se podem listar ganhos para o turismo e para a Geografia. Para o turismo (e turismólogos), a principal benesse é a demanda pela utilização de paradigmas científicos já consolidados para validar as pesquisas turísticas, uma vez que o turismo vivencia um processo evolutivo e construtivo, e, por isso, ainda não pode apresentar bases epistemológicas particulares e unânimes.

Já para a ciência geográfica (e geógrafos), essa relação com o turismo possibilita um complexo campo de teste para aplicação e validação de conceitos, teorias e metodologias específicas. É notório o uso da temática do turismo possibilitando a operacionalização teórico-metodológica dos conceitos-chave da Geografia (espaço geográfico, paisagem, lugar, região e território), entre outros fundamentos geográficos.

Observa-se que as interferências (econômicas, políticas, socioculturais, ambientais, entre outras) que o turismo promove no arranjo espacial, sobretudo na contemporaneidade, em face da acessibilidade trazida pelos avanços técnicos, são os principais subsídios que facilitam a proximidade da pesquisa geográfica para com a temática do turismo.

Nesse cenário complexo, é notório o estabelecimento de uma relação entre o turismo e a Geografia, com base na sinergia entre a promoção de materialidades (infraestruturas urbanas ou turísticas, criadas e/ou reordenadas) e a forma como elas são utilizadas pelos sujeitos (sejam eles locais e/ou parte dos fluxos de visitantes que se deslocam pelo espaço). Nesse momento, identificam-se os eixos estruturantes do saber geográfico, fixos (objetos) e fluxos (relações) em dinâmica constante com a práxis do turismo.

Por fim, compreende-se que o turismo como temática para a ciência geográfica deixou de ser visto com preconceito, e vem se configurando como uma fonte de possibilidades para aplicações teóricas da Geografia, diante da busca por uma leitura atualizada do mundo e da lógica que organiza os objetos e ações no arranjo espacial. A expectativa é que, com o avanço das técnicas, paralelo ao fomento ao turismo, os estudos e análises geográficas sobre o turismo aumentem em quantidade e complexidade, retroalimentados por meio de diferentes abordagens.

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Notas

[1] Tradução livre: As Condições Geográficas e Efeitos do Turismo no Tirol.
[2] Fala de Milton Santos durante o Curso de Pós-Graduação Lato Sensu “Ensino de Geografia”, oferecido pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE), por intermédio do Núcleo Regional de Especialização (Nurece), aos professores do Departamento de Geografia da UECE em 1986 (CORIOLANO, 2005).
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