Artigos Originais
A base comunitária, os conflitos e o turismo na comunidade de Forte Velho, Santa Rita (PB)
La base comunitária, los conflictos y el turismo en la comunidad de Forte Velho, Santa Rita (PB)
The communitary based, the conflicts and the tourism in the community of the Forte Velho, Santa Rita (PB)
A base comunitária, os conflitos e o turismo na comunidade de Forte Velho, Santa Rita (PB)
Caderno Virtual de Turismo, vol. 19, núm. 1, 2019
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Recepção: 27 Dezembro 2016
Aprovação: 22 Agosto 2018
Resumo: A promoção de experiências comunitárias na visitação turística tem estabelecido uma nova lógica de participação de comunidades locais nessa atividade. O turismo de base comunitária (TBC) tem viabilizado a inclusão produtiva, a geração de renda e a superação da pobreza em espaços muitas vezes à margem do mercado tradicional. A análise sobre as possibilidades turísticas na comunidade de Forte Velho (Santa Rita, PB) à luz dos referenciais trazidos pelo TBC pode oferecer contribuições para fortalecer o envolvimento dos agentes locais e as perspectivas de estímulo da atividade em âmbito interno. Para isso, este trabalho tem como objetivo compreender a organização comunitária em torno do turismo realizado em Forte Velho (PB) e analisar, sob a ótica local, as perspectivas de desenvolvimento turístico de base comunitária. A partir de uma abordagem qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas a uma amostra composta por oito residentes locais e a realização de três oficinas, foi evidenciada a baixa mobilização e participação da comunidade na atividade turística, ainda, assim, foi possível vislumbrar um cenário possível para a instauração de sua prática sob as orientações do TBC.
Palavras-chave: Turismo de Base comunitária, Participação Comunitária, Forte Velho, PB.
Abstract: The promotion of community tourism experiences has allowed a new logic of participation of local communities in the activity. The community-based tourism (CBT) has allowed income generation and the overcoming poverty at the area on many occasions at the margins of the traditional market. The analysis, considering the possibilities at the Forte Velho (Santa Rita, PB) comunity of the reference brought by CBT can offer contributions to development the local agents and prospects of stimulate a internal activity. Therefore, this paper has as general objective to understand a comunity organization of tourism at the Forte Velho (PB) and analyze, in the locality, the perspectives of community-based tourism. From a qualitative approach, eight semistructured interviews and three workshops were done, the research makes clear low mobilization, dialogue and participation at the tourism community, despite this, it could be verified a local to implement the tourism practice by CBT guidelines.
Keywords: Community-Based Tourism, Community Participation, Forte Velho, PB.
Resumen: La promoción de experiencias comunitarias en la visitación turística ha establecido una nueva lógica de participación de comunidades locales en la actividad. El turismo de base comunitaria (TBC) ha permitido la inclusión productiva, la generación de ingresos y la superación de la pobreza en las zonas, muchas veces fuera del mercado tradicional. El análisis, sobre las posibilidades turísticas en la comunidad de Forte Velho (Santa Rita, PB) a la luz de los referenciales traídos por el TBC puede ofrecer contribuciones para fortalecer el desarrollo de los agentes locales en actividad y las perspectivas de estímulo de la actividad en el ámbito interno. Para tanto, este trabajo tiene como objetivo comprender la organización comunitaria sobre el turismo ejercido en Forte Velho (PB) y analizar, en aquella localidad, las perspectivas de desarrollo turístico de base comunitaria. Desde un enfoque cualitativo, mediante entrevista semiestruturada a una muestra compuesta por ocho residentes locales y la realización tres talleres, restando evidente baja movilización y participación de la comunidad en el turismo, así como una oportunidad posible para la instauración de la práctica turística con las directrices del TBC.
Palabras clave: Turismo de Base Comunitaria, Participación Comunitaria, Forte Velho, PB.
1 INTRODUÇÃO
Se as alterações provocadas pelo avanço dos processos de globalização inicialmente beneficiaram e induziram a expansão mundial da atividade turística em seus modos convencionais de produção e consumo, em um segundo momento elas não foram suficientes para atender às exigências e às perspectivas do turismo contemporâneo – mais atento às questões culturais e ambientais (SANSOLO; BURSZTYN, 2009). Nesse contexto, reforça-se a necessidade de encontrar vias alternativas de turismo alicerçadas na diversidade, nas estruturas locais e nas forças endógenas (SANSOLO; BURSZTYN, 2009; SILVA et al., 2009).
Iniciativas de turismo sediadas em âmbitos comunitários emergem em várias partes do mundo, seja em espaços urbanos, litorâneos ou rurais, e têm nos países de economia emergente e regiões com desigualdades sociais profundas, a exemplo de países da África e da América Latina, seu principal locus (SAMPAIO; CORIOLANO, 2009). O turismo alicerçado no envolvimento e na gestão comunitária, tratado aqui como turismo de base comunitária (TBC), propaga-se sob distintas denominações e práticas e é visto como uma das mais evidentes expressões dessa nova dinâmica.
O TBC é um processo de desenvolvimento turístico que, em suma, vem sendo debatido a partir de temas, como autonomia decisória, participação, governança compartilhada, território, superação da pobreza, cooperação, solidariedade, entre outros. Ainda, vem sendo promovido como uma proposta de desenvolvimento local socialmente mais justa e ambientalmente mais responsável norteada pelos preceitos da sustentabilidade (BURGOS; MERTENS, 2015).
No TBC, a comunidade, reconhecida como agrupamento social com atributos e organizações semelhantes, com forte apego social, histórico e territorial (CORIOLANO, 2006), passa a ser espaço convergente do fluxo turístico. Porém, diferentemente dos modelos convencionais, na ótica do turismo baseado na gestão comunitária, o envolvimento dos atores locais se efetiva a partir da mudança de paradigma em que as comunidades – ribeirinhas, caiçaras, indígenas, quilombolas, agrícolas, urbanas subnormais, entre outras – antes passivas, excluídas e exploradas assumem o protagonismo no desenvolvimento e na gestão turística em nível local (IRVING, 2009; MIELKE; PEGAS, 2013; SAMPAIO et al., 2014).
Apesar do crescimento de iniciativas de TBC, especialmente no contexto brasileiro e latino-americano, nem sempre as comunidades locais têm conseguido êxito na condução da atividade e no alcance das expectativas vislumbradas. Por vezes, os projetos de turismo em domínios comunitários enfrentam dificuldades em sua estruturação interna e no uso de ferramentas de gestão que ofereçam suporte para que os seus objetivos sejam atingidos. Isso porque as comunidades locais, muitas vezes, não estão totalmente preparadas ou fortalecidas a ponto de desenvolver e gerir um projeto de turismo de forma participativa, especialmente no que se refere a questões como o acesso a mercados, à governança local e efetivação das parcerias (MIELKE; PEGAS, 2013).
Localizada no município de Santa Rita, Paraíba, a comunidade estuarina de Forte Velho, hoje elevada à categoria de distrito, apresenta potenciais ao desenvolvimento do turismo em âmbito comunitário. Contudo, são notórias as carências de medidas para estabelecer um fluxo turístico capaz de ampliar as possibilidades de geração e distribuição dos benefícios aos atores locais e resguardar o ambiente natural e as manifestações culturais de possíveis contradições e impactos. Assim, é relevante compreender a atual prática turística realizada e de como se dá a inclusão dos atores locais na atividade, buscando interfaces com os princípios e as orientações do TBC.
Este trabalho, portanto, tem como objetivo geral compreender a organização comunitária em torno do turismo realizado na Forte Velho-PB e analisar, sob a ótica local, as perspectivas de desenvolvimento turístico a partir das orientações trazidas pelo TBC.
2 TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA
O termo turismo de base comunitária (TBC) vem sendo aplicado para designar um conjunto amplo de iniciativas turísticas baseadas em comunidades locais. O seu emprego se justifica na tentativa de sistematizar e organizar uma atividade plural, ascendente e, até certo ponto, ainda pouco compreendida. Nesse sentido, a reflexão sobre esse fenômeno é um importante meio para a construção de seu entendimento teórico e que tem sido realizada a partir de visões que podem ou não convergir.
Sob o olhar de Maldonado (2009), o turismo de base comunitária é analisado enquanto um modelo de gestão e organização sustentável que, além de incluir os agentes locais, preza pela propriedade compartilhada dos bens e pela distribuição equitativa de seus resultados. Por meio de um viés mais amplo, Irving (2009, p. 111) compreende o TBC como uma prática turística que “favorece a coesão e o laço social e o sentido coletivo de vida em sociedade, e que, por esta via, promove a qualidade de vida, o sentido de inclusão, a valorização da cultura local e o sentimento de pertencimento”. Desse modo, a convivência e a promoção do bem-estar afetivo e emocional dos visitantes e visitados, e o alcance do desenvolvimento local, por meio do turismo, dominam o cerne de sua interpretação.
Na ótica de Sampaio et al. (2014, p. 46), o TBC traduz-se enquanto uma “estratégia de comunicação social para que comunidades tradicionais, com desvantagens históricas, viabilizem seus respectivos modos de vida”. Logo, para esses autores, o TBC se refere a uma prática social de resistência e de (re)afirmação dos grupos tradicionais e de suas expressões sociais e culturais diante das pressões dos atores dominantes por intermédio de uma atividade econômica alternativa.
A análise sobre os conceitos de TBC abre espaço para a compreensão de dois aspectos fundamentais: o entendimento sobre a noção de comunidade tradicional e do processo de inclusão comunitária por meio da gestão participativa. Para Diegues (2008), as comunidades tradicionais se constituem enquanto organizações sociais e econômicas sustentadas por meio de atividades econômicas de pequena escala, com forte dependência dos recursos naturais e com vínculos emocionais com o território onde estão inseridas. São também espaços de distintas relações sociais e modos de vida, sendo estes os principais atrativos para a prática turística comunitária (SAMPAIO et al., 2014).
A participação é outro importante elemento presente nas iniciativas turísticas comunitárias. Na visão de Burgos e Mertens (2015, p. 58), trata-se de um “processo e instrumento dinamizador resultante do engajamento de indivíduos em ações coletivas, onde diferentes atores sociais viabilizam um projeto, procurando um objetivo comum”. A participação, portanto, é um ponto fundamental em projetos turísticos comunitários e uma ferramenta que, quando orientada às necessidades coletivas, conduz à governança local compartilhada, promove a distribuição justa dos resultados e amplia as chances de sucesso da iniciativa e o bem-estar das populações (BURGOS; MERTENS, 2015).
Na instauração de experiências turísticas de base comunitária, embora a vontade e a capacidade de mobilização interna sejam fatores importantes, eles não são totalmente suficientes para conduzir uma iniciativa endógena de turismo em médio e longo prazo. Decidir desenvolver a visitação de base comunitária, portanto, implica indubitavelmente em instaurar medidas de planejamento e gestão que, nesse caso, devem visar à melhoria econômica e à geração de oportunidades ao lugar (CORIOLANO; BARBOSA, 2012) – o que nem sempre ocorre, já que parte considerável das comunidades locais não está articulada a ponto de gerir iniciativas complexas de turismo em âmbito local.
3 MÉTODO
Este estudo tem caráter exploratório e descritivo, já que procurou investigar, descobrir, descrever ou mapear padrões de comportamento de um determinado objeto de estudo que ainda não foram totalmente elucidados (VEAL, 2011). A abordagem utilizada é a qualitativa e a sua execução foi dividida em duas fases principais: a revisão da literatura e a pesquisa de campo.
A primeira etapa consistiu no levantamento bibliográfico e documental na intenção de caracterizar a área de estudo e, na sequência, refletir e analisar os conceitos e princípios do turismo de base comunitária sob a ótica das obras de autores como Coriolano (2006), Maldonado (2009), Irving (2009), Sansolo e Bursztyn (2009), Mielke e Pegas (2013), Sampaio et al. (2014), Burgos; Mertens (2015), entre outros.
No que se refere à pesquisa de campo, selecionou-se uma amostra não probabilística de entrevistados por meio do critério de acessibilidade (VERGARA, 2003). A amostra foi composta por indivíduos voluntários[1], residentes na comunidade de Forte Velho-PB e que, por conseguinte, apresentavam laços identitários com a localidade. Os respondentes apresentaram perfis distintos quanto à idade, ao gênero e à ocupação – líderes comunitários, pequenos empreendedores, pescadores, gestor escolar, aposentados e artesãos. Para o cumprimento desta etapa da pesquisa foram ouvidos oito entrevistados com o intuito de conhecer e, posteriormente, analisar a realidade local no que diz respeito às questões sociais, fundiárias, culturais, ambientais e econômicas e os rebatimentos do cenário encontrado no turismo sob o viés comunitário. Cada entrevista teve duração máxima de uma hora e foram registradas com o auxílio de um gravador de voz. Faz-se necessário dizer que os pesquisadores dispuseram de um roteiro semiestruturado de entrevista, mas que nem sempre foi seguido à risca.
Com o entendimento parcial sobre a organização comunitária, foi possível avançar para a etapa seguinte do estudo: a avaliação acerca da atividade turística praticada naquele espaço. Para que isso pudesse ocorrer, os pesquisadores reuniram os membros da comunidade, participantes ou não da fase anterior do estudo, para tratar da atividade em âmbito local por meio de três oficinas de diagnóstico as quais permitiram conhecer e registrar as carências e as potencialidades que envolvem a atividade turística de acordo com aquela amostra. Para a realização desses encontros, foram adotadas ferramentas de mobilização a partir das orientações de Salvati (2003) na tentativa de gerar um efetivo conhecimento a respeito da dinâmica do turismo local.
Os encontros totalizaram 16 pessoas, todas elas moradoras de Forte Velho. A amostra foi composta de modo heterogêneo, com a participação de lideranças locais, pescadores, aposentados da pesca, artesãs e, em menor proporção, estudantes e comerciantes. Dos 16 voluntários nesta pesquisa, nove eram do gênero feminino, enquanto sete do gênero masculino. Quanto à idade, teve-se que: cinco participantes com idade superior a 60 anos, cinco com idade entre 46 a 60 anos, quatro participantes tinham idade entre 32 a 46 anos, enquanto apenas um participante na faixa de idade correspondente a 18 a 32 anos e outro abaixo de 18 anos.
Os dados colhidos durante a fase de campo foram analisados a partir da abordagem qualitativa e subsidiaram a construção de um panorama sobre os aspectos comunitários básicos e a sua interface com o turismo. Além do registro atual de como a atividade se constitui, foi-se em busca das perspectivas de desenvolvimento turístico e a viabilidade de propor uma atividade orientada pela participação comunitária.
3.1 ÁREA DE ESTUDO
Forte Velho, comunidade situada às margens do estuário do Rio Paraíba no município de Santa Rita (PB), segue o exemplo de muitas povoações tradicionais que habitam o litoral nordestino. Um pequeno núcleo de povoamento com forte relação com a atividade pesqueira, características históricas e culturais singulares, sob intensa influência do ambiente onde está inserido e que sofre pressões de atividades econômicas e de grupos externos, incluindo a atividade turística, que alteram e desestruturam substancialmente a sua organização interna.
A localidade, que apresentava 991 habitantes no ano de 2010 (IBGE, 2010), encontra-se elevada à categoria de distrito do município de Santa Rita (Lei Municipal nº 1.529, de 26 de abril de 2013). Esse município integra a região metropolitana de João Pessoa e, nos últimos anos, tem apresentado relativa melhoria em seus indicadores de desenvolvimento. O IDH-M, índice que mensura o desenvolvimento humano municipal, obteve um expressivo salto entre os anos 1991 e 2010, passando de 0,367 e chegando a 0,627, situando-se atualmente em níveis médios, e, portanto, aceitáveis de desenvolvimento humano (PNUD, 2013).
Apesar da evolução nos indicadores econômicos e sociais do município, a comunidade em análise ainda apresenta carências internas significativas. As deficiências provêm da insuficiente infraestrutura básica local, da baixa qualidade dos serviços públicos oferecidos à população e das restritas perspectivas de geração de renda na comunidade.
A prática pesqueira, atividade tradicional de Forte Velho e das demais povoações que habitam à margem esquerda do estuário do Rio Paraíba, ainda resiste enquanto atividade econômica representativa para grande parte dos habitantes do lugar. Entretanto, há relatos contundentes, inclusive alguns deles colhidos durante a realização da pesquisa de campo deste trabalho, que versam sobre as problemáticas ambientais e a provável diminuição dos estoques pesqueiros e de crustáceos na área do estuário do Rio Paraíba. Nishida et al. (2004) apontam para fatores como a ausência de medidas de gestão e monitoramento da pesca realizada nesse espaço, somados à ocorrência de impactos ambientais relacionados com a poluição e a eutrofização da área estuarina como possíveis causas da retração da pesca nessa região.
Ainda que a localidade seja constantemente afetada por desequilíbrios e conflitos socioambientais, a relevante beleza cênica do lugar, ligada ao ambiente estuarino do Rio Paraíba e os resquícios de vegetação nativa, bem como a presença de bares e restaurantes que servem uma culinária à base de peixes e crustáceos, tem ensejado um fluxo de visitação espontâneo, sazonal, espacialmente concentrado e pouco organizado até a comunidade. Também é considerável a existência de recursos atrativos, mas que dispõem de pouca interface com o fluxo turístico local, a exemplo das ruínas da Atalaia de Forte Velho e do coco de roda.
Apesar das potencialidades, a ausência de medidas de planejamento e organização da prática de visitação, bem como de ações que visam capacitar e integrar a comunidade local na atividade, não tem favorecido a estruturação e o desenvolvimento do turismo nesse espaço – assunto que será aprofundado na sequência deste trabalho.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O contato com os residentes da comunidade de Forte Velho para a construção desta pesquisa se deu em dois momentos distintos e complementares. O primeiro tratou-se da realização de entrevistas individuais semiestruturadas na intenção de compreender a formação histórica, dos conflitos e das transformações que acometeram o lugar, nos aspectos fundiários, sociais, ambientais e econômicos. Em seguida, foi realizado um diagnóstico situacional do turismo para analisar e refletir, sob a ótica dos participantes, as possibilidades de articular propostas turísticas vinculadas ao TBC.
A comunidade estudada registra em sua história recente a presença de conflitos de ordem social, econômica e ambiental que têm contribuído para a desestruturação das práticas tradicionais, das atividades produtivas e do espaço natural local. A questão fundiária, com a luta pela posse da terra, é outro ponto crucial no entendimento da constituição da comunidade com repercussão direta na atual configuração da localidade.
Partindo desse aspecto, os registros orais dos colaboradores deste estudo apontam que a problemática fundiária foi agravada com o falecimento do antigo dono das terras, o Sr. A. E. P., e a posterior divisão destas entre os seus herdeiros e os habitantes tradicionais do lugar. Antes desse fato, os moradores, em sua maioria agricultores e pescadores tradicionais, permaneciam naquelas terras mediante contrato informal o qual acordava a destinação de um dia de trabalho a cada semana do residente local ao dono das glebas, além de serem obrigados a seguirem as orientações e imposições do então proprietário. Entre os atos proibitivos, de acordo com a amostra ouvida, estava a construção de residências em alvenaria, condicionando os moradores da comunidade a viverem em casas de taipa com cobertura de palha de coqueiros.
Com a morte do então proprietário, há cerca de duas décadas, as terras aos poucos foram loteadas e postas à venda sem considerar os direitos adquiridos pelos moradores tradicionais do lugar no uso e propriedade da terra. Foi assim que as áreas residenciais, os roçados – espaços utilizados pelos agentes comunitários como terras agricultáveis – bem como parte dos resquícios de Mata Atlântica foram negociados e destinados, sobretudo, à expansão canavieira e também da carcinicultura. Esse processo acarretou profundas alterações nos hábitos de vida, nos meios de sobrevivência, na estrutura da comunidade e, até mesmo, nos fragmentos de Mata Atlântica que ainda existiam.
Alguns moradores ouvidos durante esta pesquisa relataram que naquela época se viram obrigados a negociar com os herdeiros a permanência nas terras – alguns inclusive tiveram que efetuar a compra do lote de terra para permanecerem em seu lugar de origem. Para outros, como os moradores da Rua da Alegria, somente tiveram seu direito à terra garantido mediante instauração de processo judicial de reintregração das terras tradicionais. Em depoimento para esta pesquisa, uma das moradoras e seu esposo, ambos ex-pescadores, narraram o momento difícil passado por eles e por várias famílias diante daquela situação.
Na época houve uma grande confusão. A gente nascido e criado aqui, porque a maioria das pessoas daqui é filho natural de Forte Velho. A gente não tinha dinheiro porque vivia da maré, pescaria, marisco, siri, ostra e camarão, e o dono do terreno ofereceu nossa terra com a gente morando dentro. Teve gente aqui que perdeu seu terreno, aí todo mundo ficou comprando os seus terreninhos e fazendo suas casas. Naquele tempo a gente se sujeitava demais, era igual a escravo [...]. A gente era muito humilhado, era uma humilhação tão triste. Agora é a gente que humilha eles (ENTREVISTADO, 2016).
Na fala acima, percebe-se como o processo de negação do direito ao uso das terras trouxe interferências para aquela população tradicional, com reflexos na constituição da comunidade até os dias atuais. Nesse caso, a aquisição de um lote, seja pelo ato da compra, seja mediante atuação judicial, fez emergir o sentimento coletivo de conquista, autonomia e empoderamento diante dos antigos proprietários dos terrenos.
Por outro lado, a negociação das terras possibilitou a chegada de pessoas externas à comunidade, o que acarretou o aumento no número de habitantes da localidade, modificando as atividades econômicas e o modo de viver e de se relacionar com o ambiente. Ainda como resultado desse processo, informam Lúcio e Maciel (2000) que as antigas casas dos moradores tradicionais, construídas com telhados de palha, foram substituídas por novas construções, estas em alvenaria e telha; os roçados, que eram comuns nos quintais das casas, passaram a ser cada vez mais raros.
Todos os moradores ouvidos veem nessa transição uma conquista importante em âmbito comunitário, porém, as reações ao lembrarem o passado foram distintas: enquanto alguns recordavam as antigas residências com certa nostalgia, outros demonstraram repulsa por aquele tipo de habitação. Essa mudança no padrão construtivo das residências trouxe benefícios diretos no conforto, no bem-estar e na qualidade de vida da população. Porém, cabe mencionar que diante das melhorias nas habitações, a comunidade, que antes era conhecida pelo estilo de suas residências, perdeu uma referência tradicional da sua cultura.
Entre as transformações ocorridas em Forte Velho, com a considerável perda de parte das tradições e de seus laços comunitários, a ocorrida com o coco de roda foi uma das mais sensíveis. O coco de roda é uma expressão tradicional da cultura brasileira, ainda presente em comunidades tradicionais da costa nordestina, uma dança popular ou uma brincadeira que se utiliza da rítmica dos versos sendo dançada em diferentes contextos (LÚCIO; MACIEL, 2000). No lugarejo, a brincadeira envolvia grande parte dos moradores, movimentando a pacata comunidade, sem compromissos com data, acontecimento, hora, patrocínio ou espaço para a sua realização.
Diferente do passado, quando a dança possuía caráter de celebração comunitária, em tempos atuais sua prática se restringe a um número reduzido de partícipes. Silva (2014, p. 9), se referindo ao coco de roda de Forte Velho, diz que a dança “como ritual na comunidade, quase não acontece mais”. A falta de valorização dessa manifestação no interior da própria localidade, as dificuldades da gestão do grupo e dos problemas internos deste contribuíram para desestruturar essa manifestação na comunidade. O desinteresse de parte significativa da comunidade, especialmente dos jovens, tem gerado dúvidas quanto à perpetuidade dessa manifestação para as próximas gerações.
Somado a essas questões, o falecimento de um dos principais integrantes e entusiastas do coco de roda de Forte Velho, Seu Jorge (ou Seu Jove) abalou ainda mais a continuidade da manifestação no seio daquela comunidade. Com o seu falecimento, poucos anos antes de completar os cem anos de idade, mestre Jorge levou consigo não apenas parte de seu repertório, mas também o ânimo e a paixão de quem dedicou a vida a essa tradição.
Outra questão levantada por Silva (2014) e observada no transcorrer da pesquisa foi o uso do coco de roda enquanto negócio. Para a autora, se no passado o coco de roda era dançado espontaneamente, agora, parte dos membros do grupo tem se recusado a dançar quando não há a disponibilização de uma oferta financeira. Um entrevistado ouvido durante esta pesquisa lamenta a situação vivida pelo coco de roda. Para ele, a partir do momento que o grupo começou a se apresentar em festas públicas em Santa Rita e João Pessoa e para grupos de turistas mediante oferta de um cachê simbólico, parte dos participantes do grupo viu na manifestação uma oportunidade de ganhar dinheiro, negando-se a dançar em ocasiões nas quais inexista retorno financeiro, como nos festejos da própria comunidade.
Mesmo enfrentando os problemas aqui relatados, o coco de roda de Forte Velho ainda tenta resistir enquanto uma referência cultural da localidade. Isso ocorre porque na comunidade existem pessoas empenhadas em manter a tradição viva, passando para as demais gerações a dança. Entretanto, essas mesmas pessoas parecem ter desanimado diante do baixo interesse de parte significativa da comunidade e da ausência de estímulos governamentais para que o grupo possa ser mantido.
Além das questões sociais apresentadas, é relevante a presença de conflitos de natureza ambiental. A sobrepesca, a ocupação irregular, o uso de fertilizantes na monocultura canavieira no entorno, a supressão da vegetação nativa, a disposição inadequada de resíduos sólidos e o lançamento de esgotos sem tratamento são alguns dos impactos que acometem o ambiente natural onde a comunidade está inserida e que foram tratados pelos moradores ouvidos. Contudo, os impactos decorrentes da criação de camarão em viveiros (carcinicultura) foram os mais evidentes nas falas registradas na pesquisa, por comprometer diretamente meio ambiente e interferir nas atividades tradicionais como a pesca e a agricultura, trazendo prejuízos àquela população. A instalação de um empreendimento voltado para a criação de camarões em cativeiro na comunidade e as consequências provocadas por este mobilizaram as lideranças locais e o Ministério Público na tentativa de impedir que o empreendimento continuasse a operar sem as devidas medidas de mitigação de seus impactos.
De acordo com o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil (FIOCRUZ, [20--]), a empresa PRJC Camarões Ltda., instalada na localidade de Forte Velho no ano de 2002 e de propriedade do Sr. Paulo Roberto Jacques Coutinho, foi alvo de um processo na justiça que versava sobre irregularidades na operação do referido empreendimento. Na ação, os proponentes acusavam a empresa de obstruir o acesso tradicional dos moradores às localidades de “prainha” e ao Rio da Guia para realizarem atividades de pesca e coleta, além de provocar a salinização das águas dos poços, danos ao ecossistema local e a mortandade de peixes e crustáceos no estuário.
Além de impactar o ecossistema local, a operação do empreendimento trouxe uma série de problemas aos moradores da comunidade que residiam próximos aos viveiros de criação de camarão. A salinização do solo e da água, com a mortalidade de espécies aquáticas e terrestres, comprometeu a coleta de mariscos, alterou o sistema de captação da água, antes realizado por meio de poços e cacimbas, e inviabilizou a agricultura de subsistência e o cultivo de coco nas terras atingidas.
Outro ponto de fragilidade existente na localidade é a perspectiva do trabalho e da geração de renda. Como já apresentado nesta pesquisa, as atividades produtivas locais giram em torno dos provimentos oferecidos pelo estuário do Rio Paraíba – pesca e coleta de mariscos. Outras ocupações tradicionais também são realizadas por membros da comunidade de modo consorciado com a pesca, o que implica dizer que os moradores locais adotam diversificadas formas de sobrevivência e geração de renda – investimento em pequenas plantações, criação de pequenos animais, coleta de cocos e outras frutas – afetados em parte pela criação de camarão.
A desestruturação das atividades produtivas, como a pesca artesanal, a coleta de mariscos e a agricultura, tem comprometido a geração de renda em âmbito comunitário. Com isso, há um número expressivo de habitantes de Forte Velho que se deslocam diariamente através do estuário para ocuparem postos de trabalho, muitas vezes sem qualquer vínculo formal, nos municípios de Cabedelo e de João Pessoa. Muitos jovens e adultos, inclusive, têm buscado oportunidades de emprego na construção civil, no trabalho doméstico e em atividades relacionadas com o Porto de Cabedelo.
Apesar de não ter sido mensurado quantitativamente por meio de estudos, pode-se estimar, com base nos relatos das entrevistas e nas conversas informais realizadas na fase de campo deste estudo, o elevado número de pessoas sem ocupação fixa na comunidade. Esses indivíduos recorrem à inclusão em programas de transferência de renda e assistência e, muitas vezes, utilizam esse recurso como fonte de renda principal de suas famílias. Além disso, a baixa articulação dos atores locais para o microempreendedorismo promove um cenário de menor autonomia financeira dos indivíduos e, por conseguinte, implica no aumento da dependência de recursos externos.
Mais uma questão a ser introduzida no cenário local é a baixa representatividade comunitária em torno do associativismo. A inatividade da antiga entidade associativa no momento da pesquisa pode ser vista como um fator limitante no aspecto cooperativo e solidário local. Alguns entrevistados nesta etapa da pesquisa denunciaram o desvio da função da entidade e o seu uso político, voltado aos interesses privados de suas antigas lideranças diante de questões de interesse coletivo. A partir desse fato, as pessoas ouvidas demonstraram temor quanto à reativação da associação comunitária ou mesmo da realização de ações e projetos associativos e colaborativos.
Diante dos relatos registrados, visualiza-se a ocorrência de conflitos de ordem fundiária, social, ambiental e econômica que implica em um cenário de fragilidade no qual a comunidade não se encontrava orientada e organizada a ponto de reivindicar a superação de grande parte de seus problemas, bem como de atuar – ela mesma – na resolução de seus conflitos.
A instauração de ações na intenção de transpor os obstáculos citados torna-se, portanto, um importante passo para o fortalecimento comunitário. Para isso ocorrer, os agentes devem estar cientes, sensibilizados e dispostos a buscarem, seja sozinhos, seja apoiados por outras instâncias, os benefícios que lhes são de direito. Nessa direção, entende-se que o turismo, a partir de um viés includente e participativo, e acompanhado em conjunto com outras medidas estruturantes, poderia ser um instrumento capaz de mobilizar os residentes em torno de soluções para as limitações e entraves presentes no cotidiano comunitário, auxiliando na condução do desenvolvimento local.
4.1 OFICINAS
Após a análise das entrevistas individuais, passa-se a apresentar os resultados das oficinas realizadas na comunidade. Nesse momento, o estudo observa diretamente as perspectivas preliminares de desenvolvimento turístico de base comunitária. Para isso, tem-se como guia as recomendações de Salvati (2003) quando se refere ao ecoturismo de base comunitária, adaptando-as à realidade, e o estágio de envolvimento da comunidade com o turismo.
Assim, a realização das oficinas foi motivada para: a) identificar a mobilização comunitária e o conhecimento sobre a realidade local a partir do entendimento dos participantes quanto à prática do turismo naquele espaço, se a atividade tinha trazido retornos à comunidade, bem como se havia benefícios com a sua realização; b) estabelecer relações entre o desenvolvimento do turismo local e o meio ambiente na perspectiva de conhecer o entendimento dos partícipes sobre os impactos ambientais e o papel do turismo na conservação do ambiente; c) analisar quais eram as principais necessidades, expectativas e interesses com o estímulo ao turismo, e d) identificar, na ótica dos atores locais, as principais deficiências e gargalos a serem enfrentados no caso de uma iniciativa de TBC ser articulada na comunidade.
No contato com a comunidade, por meio da realização da oficina diagnóstica, ficou evidente a existência da visitação e da prática turística em Forte Velho, muito embora haja, por parte deles, a impressão que essa atividade tenha diminuído nos últimos anos. A maior parte dos participantes da oficina reconhece o turismo enquanto uma atividade localmente importante, já que gera ocupação para alguns membros que trabalham diretamente com o recebimento de visitantes, como os comerciantes de bares e restaurantes. Ao mesmo tempo, para a mesma amostra ouvida, eles estão alheios a esse processo, ou seja, o turismo não tem trazido benefícios diretos para si ou suas famílias.
Além disso, a ausência de diálogo entre os entes comunitários sobre as atividades de visitação naquele espaço foi um dos pontos-chave identificados nesta etapa da pesquisa. Isso ocorre porque o turismo é pouco discutido e analisado no âmbito comunitário. A inexistência de uma entidade associativa comunitária atuante, já que a entidade associativa local encontrava-se desarticulada, bem como a ausência de medidas de sensibilização turística, qualificação e a baixa mobilização dos atores locais certamente contribuíram para esse cenário. Mesmo assim, na visão dos participantes, o turismo poderia ser uma atividade geradora de oportunidades para os moradores. Foi visto que alguns dos presentes almejariam ser inseridos nas práticas relacionadas ao turismo ou até já trabalham em ocupações, como gastronomia e artesanato, mas sem qualquer ação direcionada ao atendimento aos turistas. Desse modo, ao menos no discurso, foi de interesse dos presentes agirem em prol da organização e estruturação da atividade, mesmo que naquele momento não se soubesse como.
Seguindo as recomendações de Salvati (2003), analisou-se o entendimento dos participantes da oficina quanto à relação entre o turismo e o meio ambiente na comunidade em questão. De modo geral, houve a concordância na seguinte opinião: a existência de um ambiente limpo é fundamental para o estabelecimento da prática turística. Na visão da amostra pesquisada, apenas a partir do ambiente sadio (limpo) e organizado é possível tornar o espaço adequado e atrativo ao recebimento do turista.
Grande parte dos ouvidos relatou problemas na deposição do lixo e da poluição ambiental que ocorre na comunidade, que, no caso deste último, deriva principalmente das atividades da carcinicultura realizadas no entorno. No que tange ao acúmulo do lixo nas ruas e terrenos da comunidade, foi relatada a baixa consciência de parte considerável dos moradores na destinação correta de seus resíduos domésticos. Uma das participantes questionou o costume da disposição de resíduos nas ruas de Forte Velho e indicou que, antes mesmo de pensar no turismo, seria necessário estabelecer uma ação de conscientização com a comunidade, a exemplo do que já foi feito no passado por meio de projetos executados pela escola municipal existente naquele povoado.
A problemática do descarte inadequado dos resíduos sólidos está tão presente na localidade que outro voluntário contribuiu ao dizer que “apesar do caminhão da coleta passar três vezes por semana na comunidade, muitas pessoas depositam o lixo nas ruas e na maré”. Neste depoimento fica claro que a questão do lixo parece ser um problema menos estrutural, já que há oferta regular de serviços de coleta de resíduos sólidos, e mais atitudinal – provocada pelo comportamento de parte das pessoas do lugar e de medidas incipientes de educação ambiental – apesar de os participantes terem relatado a realização de projetos de sensibilização sobre esse tema no passado.
Ainda à luz de Salvati (2003), foi possível conhecer algumas das principais necessidades e expectativas dos atores comunitários presentes quanto ao turismo. Para eles, o fator econômico, notadamente a possibilidade de ocupação e geração de renda por meio dessa atividade, é um dos principais pretextos para o fomento da prática turística na região. Um ponto apresentado pelos participantes é o incremento da demanda turística a partir da conclusão da obra da PB-011, rodovia estadual que interliga várias comunidades rurais do município de Santa Rita, chegando até Forte Velho. A melhoria no acesso às comunidades ribeirinhas do estuário implica, na visão dos atores comunitários, no desenvolvimento turístico da região e, como consequência, na criação de novas oportunidades de geração de renda por meio da atividade.
Todavia, essa não foi a única questão levantada durante esta etapa da coleta de dados, a valorização da cultura local, mais notadamente do coco de roda, por intermédio do turismo, é uma expectativa dos atores ouvidos na reunião. Assim, os atores têm a ideia que o turismo pode auxiliar no fortalecimento das práticas e manifestações culturais do lugar. Entretanto, não foi apresentado como esse processo poderia ser realizado no caso da comunidade, já que outras experiências foram tentadas na localidade, mas sem efeitos positivos duradouros.
Por outro lado, o associativismo e a cooperação não foram vistos como medidas totalmente necessárias para a articulação do turismo na comunidade de acordo com os entrevistados. O grupo entrevistado demonstrou receio em agir coletivamente através da constituição de uma entidade associativa ou por meio de outro tipo de organização comunitária que tratasse da gestão do turismo na localidade. A causa desse posicionamento advém de experiências anteriores, quando da existência de uma associação de moradores em Forte Velho, que, segundo os entrevistados, agia muito mais pelos interesses privados que pelo bem-estar e melhoria da coletividade.
Mesmo que a maior parte dos entrevistados presentes não reconheça a questão associativa como um ponto relevante, esse tema torna-se crucial para a inclusão de uma proposta de turismo sob a ótica comunitária. É válido citar que mesmo com uma posição contrária à maior parte dos participantes da oficina, alguns presentes mostraram-se interessados em ampliar o diálogo e a ação comunitária em relação a medidas associativas e cooperativas, seja por meio da instauração de uma nova entidade formal, seja apenas enquanto grupo de discussão e articulação.
Já ao refletir sobre as deficiências e fragilidades da atual prática turística, a amostra, por meio de solicitação, elencou pontos de melhoria necessários ao desenvolvimento turístico de Forte Velho. As carências apresentadas foram reunidas em três grupos: as deficiências na estrutura e nos serviços básicos do destino, na insuficiente estrutura e serviços turísticos e na baixa capacitação voltada ao atendimento aos visitantes e turistas (Quadro 1).
Estrutura e serviços básicos: | Estrutura e serviços turísticos: | Capacitação e mão de obra: |
- Transporte público (baixa disponibilidade de linhas de ônibus e lancha). | - Ausência de sinalização turística e portal de entrada. | - Ausência de profissionais capacitados em condução de visitantes. |
- Educação ambiental voltada aos moradores das comunidades. | - Ausência de ponto de apoio (informações turísticas). | - Ausência de profissionais capacitados em qualidade no atendimento. |
- Melhoria nas condições de saúde e na assistência às famílias. | - Ausência de programações e atividades voltadas aos visitantes. | - Ausência de profissionais capacitados em primeiros socorros. |
- Baixa divulgação turística. |
As carências relacionadas aos serviços diretamente ligados ao turismo foram timidamente superiores aos demais, porém, foi importante perceber que, de acordo com as contribuições apresentadas pelos participantes, a estrutura e os serviços básicos (transporte público, educação ambiental, assistência e saúde) foram incluídos entre as fragilidades para a articulação do turismo na área de estudo. Assim, pode-se inferir que, na visão dos atores locais, o desenvolvimento pleno da prática turística exige a superação de problemas básicos enfrentados por eles no cotidiano local.
Também foi importante notar a consciência sobre a necessária ação de qualificação da mão de obra de trabalho interessada ou já atuante no turismo na comunidade analisada. Para a amostra, as pessoas da comunidade não estão preparadas para o recebimento de visitantes e, assim, foram sugeridos cursos para o aprimoramento das técnicas de condução turística (citado por eles como curso de guia de turismo), qualidade no atendimento e primeiros socorros.
Ainda segundo a amostra, existe a necessidade de intervir na criação de atividades relacionadas diretamente ao recebimento de visitantes. Para eles, a falta de uma programação e de pontos para visitação compromete a experiência do turista e do visitante nas comunidades estuarinas analisadas. Um dos entrevistados chegou a dizer que o turista até se desloca até a comunidade, mas não tem o que fazer em sua visita, ficando esta restrita a apenas alguns bares e restaurantes da localidade.
Em comum em todas as manifestações de melhoria cunhadas pelos agentes ouvidos está a ausência da ação governamental para estabelecer um ambiente favorável ao desenvolvimento da atividade turística em Forte Velho. A dependência do governo, notadamente a esfera municipal, para direcionar e conduzir um projeto de turismo na localidade pode ser a causa para a baixa mobilização em torno de iniciativas turísticas na comunidade, ao mesmo tempo em que se abrem oportunidades endógenas de estabelecer experiências de visitação.
Por meio das ideias de Salvati (2003), as inquietações iniciais direcionadas aos moradores sobre o desenvolvimento turístico contribuíram para analisar e questionar se o turismo, em sua perspectiva comunitária, está presente na comunidade e se ele é, de fato, uma alternativa viável para a comunidade analisada. A partir dessa abordagem, foram identificadas as principais deficiências percebidas pelos atores locais que interferem, direta ou indiretamente, na visitação turística à comunidade.
Ao visualizar a efetivação de uma experiência turística de base comunitária em Forte Velho, a gestão participativa da atividade pode ser citada como um dos principais entraves. A participação, enquanto uma ferramenta de inserção comunitária, auxilia a condução das comunidades locais ante as problemáticas e oportunidades geradas pela prática turística e também deve ser compreendida enquanto elemento-chave para o alcance da sustentabilidade nas propostas relacionadas ao TBC (IRVING, 2009). Quando direcionada às necessidades e anseios locais, ela pode guiar ao exercício pleno da cidadania, bem como garantir a equidade na distribuição de seus benefícios, ampliando as chances de sucesso das iniciativas de base local (BURGOS; MERTENS, 2015).
Nesse sentido, uma das principais estratégias para a estruturação de experiências em TBC que enfocam a gestão participativa e a governança comunitária tem sido a constituição de entidades associativas para fins de planejamento e organização do turismo em nível local (SAMPAIO et al., 2014), o que no contexto de Forte Velho poderia ser um passo importante na construção de atividade instruída pelos princípios do TCB. No entanto, a partir da amostra analisada, ainda não seria possível constituir um organismo único para tratar dessa temática naquele momento, o que não inviabiliza o estabelecer de um grupo de trabalho que pudesse agir na articulação endógena que envolva não somente o turismo em si, mas que englobe outras questões locais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do contato com a comunidade e da realização de entrevistas individuais, foi possível apontar as principais fragilidades existentes no cotidiano local e que interferem no desenvolvimento turístico naquela localidade. Em um segundo momento, com a realização de oficinas, o estudo observou, de acordo com os relatos dos residentes, como a prática turística era organizada e realizada naquele espaço, qual o posicionamento e a participação dos agentes comunitários no turismo, bem como quais os entraves que o turismo tem para se consolidar enquanto uma atividade econômica alternativa naquele espaço.
A ocorrência de conflitos internos, a dependência da ação governamental e a ausência de medidas de estímulo que visem à organização do turismo de Forte Velho têm interferido não somente no desenvolvimento da atividade turística local, mas em toda a esfera comunitária. Todavia, esse cenário não pode ser visto como condicionante que inviabilize em definitivo o desenvolvimento local e o fomento ao turismo sob o viés comunitário. A capacidade de articulação interna é que poderá dizer se aquela comunidade conseguirá organizar-se em torno da instauração de medidas que visem à geração de oportunidades de desenvolvimento endógenas pelo turismo ou se a atividade seguirá a lógica comumente adotada nos destinos turísticos litorâneos do Nordeste brasileiro, ou seja, vinculada aos megaempreendimentos e ao capital externo.
Ficou evidente que, mesmo com a existência da visitação turística, os membros da comunidade de Forte Velho ainda pouco participam da organização e da condução da prática do turismo naquele espaço. A estruturação de uma proposta de desenvolvimento turístico imbuída nos princípios do TBC poderia ampliar as perspectivas de geração e distribuição dos benefícios da atividade no lugar, desde que os membros estejam cientes e atuem na superação dos desafios inerentes ao trabalho participativo, associativo e cooperativo, conforme alertam Mielke e Pegas (2013).
A base comunitária, nesse caso, fortaleceria a governança local e o associativismo para além da prática turística em si, abraçando outras esferas e iniciativas endógenas. Ainda auxiliaria na conquista dos direitos sociais, a exemplo da posse da terra, assim como na manutenção do ambiente sadio e conservado. Porém, para que isso possa ocorrer em Forte Velho se faz necessária a apropriação de um projeto de TBC pelos agentes locais, como já acontece em iniciativas consolidadas de turismo comunitário no País (BURGOS; MERTENS, 2015), bem como a atuação comprometida das lideranças e demais interessados em contribuir para a organização comunitária em torno do turismo e na instauração de medidas de planejamento participativo que girem em torno dos interesses comunitários e das vocações do lugar visando ao desenvolvimento local (IRVING, 2009).
É importante reconhecer ainda que o levantamento de questões relativas ao turismo no âmbito da comunidade estudada foi um processo que oportunizou trocas de saberes entre os pesquisadores e seu objeto de estudo, mas que não encerrou as discussões sobre a efetiva execução de um projeto turístico comunitário envolvendo as pessoas, os atrativos e as estruturas daquele espaço. Assim, entende-se a necessidade de avançar, tanto nas reflexões teóricas como nas atividades práticas que visem estruturar a realização de um turismo includente, justo, cooperativo e responsável naquela comunidade.
REFERÊNCIAS
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Notas