TURISMO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: O HIATO ENTRE A MOBILIDADE E O DESENVOLVIMENTO
Tourism in the Rio de Janeiro state: the gap between mobility and development
El Turismo en el estado de Rio de Janeiro: el hiato entre movilidad y desarollo
TURISMO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: O HIATO ENTRE A MOBILIDADE E O DESENVOLVIMENTO
Caderno Virtual de Turismo, vol. 20, núm. 1, 2020
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Recepção: 10 Outubro 2019
Aprovação: 20 Fevereiro 2020
Resumo: O texto apresenta a relação entre a cidade do Rio de Janeiro e o turismo no estado de mesmo nome e no país ao longo do século XX: projetos imaginados e inviabilizados por ações políticas não previstas. Dando prosseguimento, mostra-se a possibilidade de reviravolta deste cenário na primeira década do século XXI com políticas mais efetivas no âmbito do turismo com base em planejamentos para o sistema de transportes focado, essencialmente, nas mobilidades horizontal e vertical entre o sistema aéreo e deste com o rodoviário, respectivamente, visando interiorização do turismo como proposta pelo Ministério do Turismo por meio da Regionalização. A pesquisa foi bibliográfica em artigos, livros e documentos públicos com acesso livre e estudos de campo realizados durante a inventariação da oferta turística do estado do Rio de Janeiro ao longo do ano de 2016. O objetivo principal foi identificar a distância turística existente no estado do Rio de Janeiro entre os subpolos do IOT RJ e fomentar a reflexão sobre a interface entre mobilidade e turismo. Os resultados mostraram a urgente necessidade de um gerenciamento da mobilidade que atue como indutor do turismo no Estado.
Palavras-chave: Turismo, Mobilidade, Rio de Janeiro , IOT-RJ.
Abstract: The text shows the relationship between the city of Rio de Janeiro and tourism in the State of the same name and the country during the twentieth century: projects imagined and unfeasible by unforeseen political actions. It is possible to turn this scenario around in the first decade of the 21st century with more effective policies in the field of tourism based on planning for the transport system focused essentially on the horizontal and vertical mobility between the air system and this one with the road, respectively, aiming at interiorization of tourism as proposed by the Ministry of Tourism through regionalization. The research was bibliographical in articles, books, and public documents with free access and field studies made during the inventory of the tourist offer of the State of Rio de Janeiro throughout the year 2016. The main objective was to identify the tourist distance existing in the State of Rio de Janeiro and to encourage reflection on the interface between mobility and tourism. The results showed the urgent need for mobility management that acts as an inducer of tourism in the State.
Keywords: Tourism, Mobility, Rio de Janeiro, IOT-RJ.
Resumen: El texto muestra la relación entre la ciudad de Río de Janeiro y el turismo en el estado del mismo nombre y en el país a lo largo del siglo XX: proyectos imaginados e inviabilizados por acciones políticas no previstas. En el curso de la continuación, se muestra la posibilidad de un cambio en este escenario en la primera década del siglo XXI con políticas más efectivas en el ámbito del turismo basadas en planificaciones para el sistema de transporte enfocado esencialmente en las movilidades horizontal y vertical entre el sistema aéreo y con el camino, respectivamente, visando interiorización del turismo como propuesta por el Ministerio de Turismo a través de la regionalización. La investigación fue bibliográfica en artículos, libros y documentos públicos con acceso libre y estudios de campo hechos el período de la inventariación de la oferta turística del estado de Río de Janeiro a lo largo del año 2016. El objetivo principal fue identificar la distancia turística que hay en el estado de Río de Janeiro y fomentar la reflexión sobre la interfaz entre movilidad y turismo. Los resultados mostraron la urgente necesidad de una gestión de la movilidad que actúe como inductor del turismo en el Estado.
Palabras clave: Turismo, Movilidad, Rio de Janeiro, IOT - RJ.
1. Introdução
A cidade do Rio de Janeiro, no princípio do século XX, era considerada como o sítio mais visível do país no exterior e, por isso, pelos detentores do poder, os projetos para ela eram vistos como o passaporte do Brasil para o mundo moderno. Mas, diferente do proposto, muitos projetos não saíram do papel e a decisão de transformar a cidade em Estado da Guanabara como consequência da transferência da capital do país para Brasília na década de 1960, ocasionou a perda da referência política e econômica dos fluminenses seguida do esvaziamento econômico financeiro da cidade (Edra, 2016).
Com o avanço da aviação na década de 1970 e grande número de visitantes europeus e estadunidenses, principalmente, chegando à América Latina, o Brasil passou a ser vendido pelo sistema “3s”: sun, seaand sex (sol, mar e sexo), apoiando-se na cidade do Rio de Janeiro como sua representação. Concomitante a isso, na mesma década, era decretado o fim do estado neutro e, com o retorno da cidade do Rio de Janeiro como capital do Estado, via-se, também, a oportunidade econômica como consequência do crescimento do segmento turístico.
O esvaziamento político do Rio de Janeiro resultante da mudança da capital do país para Brasília, em 1960, foi compensado exatamente pela valorização desta imagem de cidade maravilhosa, com forte ênfase em sua face de centro cultural e político que, se padecia de escassez de recursos e do poder decisório, gestava novos comportamentos, modas e experimentos, ao mesmo tempo em que sediava e promovia o debate sobre as questões políticas nacionais. Desta forma, a representação do Rio de Janeiro progressivamente incorporou novos significados, que articulavam o papel de vitrine do país para o exterior ao lugar de caixa de ressonância cultural e política no plano interno. Nesta qualidade ainda é recorrente referido por políticos de expressão local e/ou nacional como farol da nação, a experimentar comportamentos, processos e problemas e a sinalizar alternativas e soluções (Leite, 2000, p. 73-74).
Não se pode deixar de lado o processo de redemocratização pelo qual passou o país na década de 1980 e que afetou diretamente a imagem da cidade do Rio de Janeiro de maneira negativa. “A cidade do Rio de Janeiro foi inserida na ‘lista negra’ do turismo mundial, ao lado de cidades como Beirute, no Líbano” (Aleixo, 2013, p. 128).
Tal cenário se deveu ao fato do primeiro poder executivo civil estadual pós ditadura ter desentendimentos políticos com setores da comunicação e a forma encontrada por eles para rivalizar foi divulgar na mídia nacional e internacional o resultado de sua política de segurança pública (Edra, 2014). Esta, tinha por base o respeito e a valorização dos trabalhadores, discurso que favoreceu construções irregulares no espaço urbano e a proliferação de favelas com proibição de incursão policial. Tal decisão acabou por multiplicar a violência e favorecer a criação de organizações criminosas especializadas em tráfico de drogas (Soares & Sento-Sé, 2000).
Sabedores de todo o poder de controle sobre a sociedade que possuem por meio de sua mídia, passou a destacar em seus noticiários e folhetins com maior assiduidade e ênfase, os problemas da criminalidade no Rio de Janeiro ignorando semelhanças ocorridas em outras localidades, muitas vezes até maior (Edra, 2012, p. 7).
Para finalizar esse centenário de “ideias e fatos”, na década de 1990, o Brasil adotou uma política de internacionalização dos aeroportos. Diversas cidades do Nordeste, com características de sol e praia semelhantes ao Rio de Janeiro, tais como Salvador, Recife, Natal e Fortaleza, e muito mais próximas dos Estados Unidos e do continente europeu, passaram a receber voos diretos.
Além disso, pela primeira vez, o governo federal implantava um plano nacional de turismo com ações efetivas onde se destacou o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PMNT) que tinha, entre os objetivos, a descentralização do segmento e diversificação dos atrativos. Entretanto, a cidade do Rio de Janeiro, nem as demais cidades do estado, participaram desse processo ao longo do seu primeiro estágio (1994-1998).
Os dados da tabela e figura 1 possibilitam observar a queda de visitantes na cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1990 e 2000 [1], de 51,10% para 18,92%. Chama atenção que mesmo com o crescimento de turistas nos anos de 1995 e 1996 no total Brasil, a cidade do Rio de Janeiro apresentou redução. Situação semelhante no período entre 2002 e 2005. E, a partir de 2006, uma queda ainda maior.
Ano | Brasil | Rio | % | Ano | Brasil | Rio | % |
1990 | 1.091.067 | 557.535 | 51,10 | 2000 | 5.313.463 | 1.811.891 | 34,10 |
1991 | 1.228.178 | 617.774 | 50,30 | 2001 | 4.772.575 | 1.373.070 | 28,77 |
1992 | 1.692.078 | 692.060 | 40,90 | 2002 | 3.784.898 | 1.459.000 | 38,55 |
1993 | 1.641.138 | 745.077 | 45,40 | 2003 | 4.132.847 | 1.525.000 | 36,90 |
1994 | 1.853.301 | 732.054 | 39,50 | 2004 | 4.793.703 | 1.769.000 | 36,90 |
1995 | 1.991.416 | 832.412 | 41,80 | 2005 | 5.358.170 | 1.859.000 | 34,64 |
1996 | 2.665.508 | 812.980 | 30,50 | 2006 | 5.017.251 | 796.109 | 15,87 |
1997 | 2.849.750 | 1.065.807 | 37,40 | 2007 | 5.025.834 | 773.932 | 15,40 |
1998 | 4.818.084 | 1.455.061 | 30,20 | 2008 | 5.050.099 | 766.083 | 15,17 |
1999 | 5.107.169 | 1.659.830 | 32,50 | 2009 | 4.802.217 | 908.667 | 18,92 |
Destaca-se, que os dados atuais da demanda turística internacional do Brasil apresentaram uma leve alteração com tendência de alta, principalmente em função dos megaeventos citados no artigo. Os números atuais da cidade do Rio de Janeiro serão apresentados no decorrer do artigo para uma melhor contextualização da argumentação que será apresentada.
Por outro lado, na tabela 2 e figura 2, observam-se como duas cidades nordestinas aumentaram sua participação no total Brasil, após a internacionalização dos aeroportos nas mesmas e participação no primeiro estágio do PNMT.
Ano | Rio | Salvador | Recife |
1990 | 51,1 | 7,8 | 5,4 |
1991 | 50,3 | 9,3 | 7,1 |
1992 | 40,9 | 8,1 | 5,5 |
1993 | 45,4 | 9,8 | 6,1 |
1994 | 39,5 | 9,3 | 4,8 |
1995 | 41,8 | 8,8 | 5,7 |
1996 | 30,5 | 7,7 | 4,7 |
1997 | 37,4 | 12,2 | 5,7 |
1998 | 30,2 | 10,9 | 7,2 |
1999 | 32,5 | 12,7 | 6,4 |
2000 | 34,1 | 13,5 | 5,8 |
2001 | 28,8 | 11,1 | 7,3 |
2002 | 38,6 | 12,8 | 8,2 |
2003 | 36,9 | 15,8 | 7,5 |
Gherardi (1996, p. 70) afirmou que “O Brasil está sendo atingido com a péssima imagem do Rio de Janeiro”. Mas assim como as tabelas e figuras 1 e 2 mostram o resultado de acontecimentos ocorridos em anos anteriores, pode-se dizer que as ações para a retomada da posição pela cidade e consequentemente pelo estado se iniciaram na década de 1990 a partir da iniciativa do poder executivo municipal em transformar o Rio em uma cidade global [2] ao mesmo tempo em que o governo federal avançava com o PNMT e se estruturava/amadurecia no segmento chegando à criação do Ministério de Turismo (MTur) em janeiro de 2003.
2. Aeroportos: estratégia para a regionalização do turismo no estado do Rio de Janeiro
A primeira diretriz do Ministério do Turismo (MTur) foi publicada quatro meses após sua criação por meio do Plano Nacional de Turismo (PNT). Entre as metas, ficou sob a responsabilidade de cada unidade federativa ampliar a oferta turística brasileira desenvolvendo, no mínimo, três produtos de qualidade em seu território.
Para tanto, o MTur dividiu a ação em três etapas:
(1) identificação, pelos estados, de suas regiões turísticas a ser finalizado em abril de 2004;
(2) mapeamento de até três regiões turísticas por Estado a ser entregue em junho de 2005;
(3) apresentação de três roteiros por Estado para comercialização com padrão internacional.
Após cumprida a etapa 1, de acordo com Edra (2006), o Estado do Rio de Janeiro solicitou ao MTur autorização para que na segunda etapa, ao invés de apresentar apenas três regiões, fossem apresentadas 13 regiões com o compromisso de que no ano seguinte apenas três roteiros seriam entregues atendendo a exigência.
A justificativa para o pedido tinha por base o desenvolvimento de projeto para o estado a partir das integrações horizontais e verticais entre os modos de transporte aéreo e rodoviário.
A ideia era manter a cidade do Rio de Janeiro como portão de entrada do Estado por meio dos dois aeroportos, Aeroporto Internacional Tom Jobim - Galeão (GIG) e Aeroporto Santos Dumont (SDU), e investir em mais quatro aeroportos no estado (Cabo Frio, Macaé, Resende e Angra dos Reis) de maneira a possibilitar que a demanda se deslocasse para o interior primeiramente fazendo a conexão entre os modos aéreos e, em seguida, dando continuidade para cidades ao entorno dos aeroportos pelo modo rodoviário.
Refletindo que algumas cidades do interior estão distantes do município do Rio de Janeiro por um deslocamento que pode levar mais de cinco ou até oito horas pelo modo rodoviário, verificava-se que o modo aéreo se apresentava como única alternativa para minimizar essas distâncias e possibilitar a interiorização da atividade turística.
E, ainda que a imagem da cidade do Rio de Janeiro estivesse desgastada, o número de visitantes estivesse reduzindo, não se podia desconsiderar que
quando procuramos elencar os ícones do turismo nacional no exterior e estabelecer uma lista de 10 ícones de turismo brasileiro no exterior, nós certamente nos lembraremos de seis, sete ou, eventualmente, oito de maior destaque, que estão localizados aqui no Estado do Rio de Janeiro ou na Cidade do Rio de Janeiro. Poderia lembrar com ícones do turismo brasileiro no exterior, evidentemente, o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, a Baía de Guanabara, a Praia de Copacabana, com toda a música e romantismo em torno da praia, a Praia de Ipanema, o Maracanã, a floresta da Tijuca e assim por diante, ou seja, nós temos um conjunto de atrativos turísticos que têm uma dimensão ou uma projeção internacional (Ryff, 2004, p. 93)
Na figura 3 se apresentam as regiões contempladas com indicação da localização dos respectivos aeroportos. Ressalta-se que no caso do Rio de Janeiro, devido à proximidade entre GIG e SDU, a marcação aparece apenas uma vez. A proposta era realizar um “pentágono” aéreo.
Como acordado, em 2005 o estado entregou três roteiros. Desta vez não mais contemplando as treze regiões, mas aquelas em que foi verificada a possibilidade de realizar o percurso por meio da conjugação entre o modo aéreo e rodoviário (Figura 4).
Destaca-se, que embora o projeto contemplasse seis aeroportos, apenas o GIG e o SDU se apresentavam em condições de operação para atender à proposta. Os demais precisariam passar por processo de ajustes para o êxito da ideia. No quadro 1, alguns dados dos aeroportos naquele período (2004) comparados aos dias de hoje.
Cidades/Aeroportos | Período até 2004 | Atualmente |
Resende | Adm. Prefeitura, distante do Centro 4Km. Homologado para aeronaves de até 50 passageiros, não possui ponto de abastecimento e opera apenas em condições visuais. | Mesma situação e sem operar voos regulares |
Angra dos Reis | Adm. Estado, distante do Centro 10Km. Pista com 950m de extensão. Obra de ampliação da pista para 1.300m paralisada. Voo regular diário da empresa Team trecho SAO/Angra/RIO. | Adm. Aeroportos Ltda. com voos executivos diurnos. |
Cabo Frio | Adm. Prefeitura. Localizado em área de 400 mil metros quadrados, possui pista com 1.700m que permite pouso de B737-300, pátio de estacionamento de aeronaves, terminal de passageiros, hangar e sala de controle podendo operar a noite, destacamento do Corpo de Bombeiros e serviço alfandegário. | Adm. Privada. Empresa Cabo Frio Airport. Cia aérea Azul opera com voos regulares de Belo Horizonte e na alta temporada de diversas cidades do Brasil e algumas da América do Sul. Foco em carga e passageiros das plataformas da Petrobrás. |
Macaé | Adm. Infraero. Cerca de 100 decolagens/pousos diários e mil passageiros/dia, não comporta voos internacionais devido ao tamanho da pista. Obras visam construção de novo terminal com torre de controle, terminal de carga aérea, sítio-radar, eixo viário e nova pista de pouso e decolagem. | Adm. Infraero. Opera com voos regulares da Azul, mas basicamente é um aeroporto com foco em carga e passageiros das plataformas da Petrobrás. Foi concedida por leilão a Zurick em 15 de março. |
Percebe-se, com a leitura do quadro 1, que a ideia de utilizar os aeroportos como estratégia para a regionalização do turismo no estado do Rio de Janeiro não surtiu o efeito desejado, principalmente em função das características observadas nos aeroportos, na atualidade.
3. Demanda turística internacional na cidade do Rio de Janeiro
Concomitante ao processo de construção da estratégia pelo estado do Rio de Janeiro para o desenvolvimento da atividade turística visando interiorização, diversificações dos atrativos e maior permanência da demanda, apareciam e aconteciam os primeiros resultados pensados na década anterior para transformar a cidade do Rio de Janeiro em uma cidade global relacionados ao turismo: a captação e realização de megaeventos com todas as mídias espontâneas: Jogos Pan e Parapan-americanos (2007), Jogos Mundiais Militares (2011), Copa das Confederações (2013), Jornada Mundial da Juventude (2013) e Jogos Olímpicos e Paralímpicos (2016).
Olhares e esforços a nível municipal, estadual e federal foram direcionados para a cidade visando adequá-la para receber não somente os megaeventos, mas toda a demanda durante e após suas ocorrências. Desconsiderando-se toda a infraestrutura de equipamentos esportivos necessárias para as competições, deixar um legado urbano para o Rio de Janeiro no que se refere à mobilidade, se apresentava como um dos maiores objetivos.
Os principais avanços urbanos para a mobilidade se concentraram nos transportes públicos: expansões portuárias e rodoviárias, ampliação de 16 quilômetros do metrô e de 450 quilômetros de ciclovias, além da rede de ônibus rápido BRT. Os jogos trouxeram a oportunidade de debater e refletir sobre o funcionamento da cidade, passo inicial para qualquer transformação urbana (Barros, 2017).
Por muito tempo ao se pensar transporte para a demanda turística, restringia-se ao termo transporte turístico contemplando táxis, city-tours, ônibus fretados e afins. Mas num cenário onde a palavra transporte tem sido associada à mobilidade e a ideia de transportes mais humanizado e sustentável, torna-se relevante compreender os movimentos como experiências e significados que se iniciam nos deslocamentos cotidianos e encontram sua amplitude durante as viagens (Singh, Giucci & Jirón, 2017).
Assim, ao se refletir sobre o legado dos transportes deixado pelas Olimpíadas para a cidade e suas influências para o turismo, fazem-se necessárias duas reflexões: (1) qual tem sido a participação do Rio no turismo nacional?; (2) quais os prosseguimentos dados para o projeto de turismo que tinha como base os aeroportos?
3.1 Números do turismo receptivo no Rio nos anos 2016 e 2017
O estado do Rio de Janeiro foi durante muitos anos o principal portão de entrada de turistas internacionais no Brasil, perdendo essa posição para o estado de São Paulo e, dentre outros fatores, é consequência da diminuição de voos internacionais para o estado do Rio. Esse fato corrobora com a argumentação no item anterior de que não basta idealizar a mobilidade vertical/horizontal utilizando quatro aeroportos como forma de dinamizar o turismo para os subpolos pesquisados, se não houver uma política pública macro consistente para captar os respectivos voos.
Segundo o MTur (Brasil, 2018), o Rio de Janeiro recebeu em 2016, 1.480.121 turistas e, em 2017, 1.325.186 turistas. Comprova-se, dessa forma, o declínio numérico no recebimento de turistas e a perda do posto de portão de entrada pelo Rio de Janeiro de turistas internacionais. Obviamente não é o principal objeto de estudo, mas traçar um histórico numérico com a perda no recebimento de turistas internacionais no Rio é relevante para trabalhos futuros e proporcionar reflexões concretas são necessárias sobre a política pública de mobilidade que se está implantando no estado do Rio. Soma-se a esse quadro notícias do mês de março de 2019 (O Globo, 2019), que devem ser apuradas com detalhes técnicos, pois são recentes, sobre a perda de voos internacionais que algumas companhias aéreas estão desejando implementar. Esse cenário é preocupante e transforma-se em um dos hiatos entre a mobilidade e o desenvolvimento que pode gerar um inventário, que será tratado a seguir. (Error 1: La referencia: Brasil, 2018 está ligada a un elemento que ya no existe)
3.2 Inventário da Oferta Turística dos Destinos Turísticos do Estado do Rio de Janeiro (IOT RJ)
Se o projeto apresentado em 2005 com base no transporte aéreo não avançou conforme verificado no tópico 2. Se as forças do Estado foram desviadas para a estrutura dos megaeventos (Tópico 3). A “retomada do planejamento de turismo” no estado manteve as regiões potenciais apresentadas em 2005, pois com exceção do Vale do Paraíba, as outras seis foram mantidas: Metropolitana, Costa do Sol, Serra Verde Imperial, Vale do Café, Agulhas Negras e Costa Verde.
Mas, se os aeroportos do interior não possuem operação de voos comerciais, e considerando que o principal portão de entrada é a capital Rio de Janeiro, torna-se relevante verificar qual a distância rodoviária das cidades que compõem as regiões da capital (Quadro 2).
Subpolo | Cidade | Distância (km) | Tempo aproximado de viagem, considerando ausência de impedâncias no percurso |
Costa do Sol | Araruama Armação dos Búzios Arraial do Cabo Cabo Frio Casimiro de Abreu Iguaba Grande São Pedro da Aldeia | 119 176 164 162 135 149 143 | 1h49 2h46 2h31 2h22 1h53 2h04 2h03 |
Serra Verde Imperial | Cachoeiras de Macacu Nova Friburgo Teresópolis Petrópolis Guapimirim | 102 140 95,8 67,6 75 | 1h39 2h24 1h35 1h21 1h05 |
Vale do Café | Barra do Piraí Rio das Flores Valença Vassouras | 124 157 156 119 | 2h07 2h45 2h40 2h09 |
Agulhas Negras | Itatiaia Resende | 179 167 | 2h23 2h18 |
Costa Verde | Angra dos Reis Mangaratiba Paraty Rio Claro | 156 107 248 132 | 2h35 1h46 4h01 2h04 |
Conforme pode ser observado no quadro 2, com exceção da cidade de Paraty, todas as demais estão distantes da capital em percurso de até 3 horas.
Desta forma, torna-se necessário entender como está se dando a mobilidade terrestre desse turista da cidade do Rio de Janeiro aos subpolos do IOT, a partir do principal terminal de passageiros da cidade e, também, quais são as empresas de ônibus que estão operando esses respectivos trajetos e para melhor compreensão, trabalha-se com a figura a seguir.
Subpolos | Municípios | Empresas de Ônibus |
Agulhas Negras | Itatiaia | Cidade do Aço |
Resende | Cidade do Aço | |
Costa Verde | Angra dos Reis | Costa Verde |
Mangaratiba | Costa Verde | |
Paraty | Costa Verde | |
Rio Claro | Costa Verde | |
Costa do Sol | Araruama | Auto Viação 1001 |
Armação dos Búzios | Auto Viação 1001 | |
Arraial do Cabo | Auto Viação 1001 | |
Cabo Frio | Auto Viação 1001 | |
Casimiro de Abreu | Auto Viação 1001 | |
Iguaba Grande | Auto Viação 1001 | |
São Pedro da Aldeia | Auto Viação 1001 | |
Metropolitana | Niterói | Em função da proximidade, não existe transportadora operando da Rodoviária Novo Rio |
Rio de Janeiro | Ponto de partida | |
Serra Verde Imperial | Cachoeira de Macacu | Auto Viação 1001 |
Nova Friburgo | Auto Viação 1001 | |
Petrópolis | Útil Fácil | |
Teresópolis | Viação Teresópolis | |
Vale do Café | Barra do Piraí | Útil |
Rio das Flores | Útil | |
Valença | Útil | |
Vassouras | Útil |
Percebe-se, com os dados do Quadro 3, a falta de opções para os turistas se deslocarem do principal polo emissor, para os subpolos do IOT RJ. Em várias regiões pode se considerar até mesmo a prática do monopólio que pode se transformar em um fator prejudicial à mobilidade de turistas e, também, de cidadãos fluminenses, pois segundo Page (2001, p. 21) qualquer estrutura de transporte precisa incorporar transporte aéreo em serviços comerciais ou fretados, transporte aquático e transporte, incluindo carro, trem e ônibus.
Em função do exposto no parágrafo anterior e considerando que a partir do segundo semestre de 2012 o Brasil passou a autorizar aos estrangeiros que possuíssem a carteira internacional de habilitação não mais necessitassem realizar provas de direção para alugar carros e que o processo de aluguel também está se popularizando cada vez mais entre brasileiros, torna-se interessante verificar a existência de locadoras nestas regiões.
Embora a quantidade de locadoras de carros nos aeroportos seja bastante diversa, a existência de locadoras nos destinos (entende-se aqui nas regiões turísticas), não afeta o desejo de alugar ou não um carro para o percurso aeroporto-destino, até porque o mais comum é o turista ir e retornar para entrega do carro na mesma loja em função das altas taxas cobradas pelas empresas de locação quando se opta por deixar em outra loja/cidade.
Então, a reflexão que se busca ao quantificar locadoras nas regiões, é pensar na possibilidade de uso deste serviço para facilitar o deslocamento entre as cidades dos subpolos que está sendo visitada ou até mesmo de regiões vizinhas.
Embora a figura 5 mostre que o número de transportadoras turísticas, em todos os subpolos onde este tipo de serviço e equipamento foi pesquisado, é maior do que o de locadoras, para que se adentre na discussão de maneira mais profunda, torna-se interessante saber o quantitativo de veículos de cada uma (transportadora e/ou locadora), assim como perfil da demanda e/ou serviços mais comuns realizados. Por que?
O subpolo de Agulhas Negras, por exemplo, embora apresente segundo menor número de transportadoras turísticas, trata-se de uma localidade com grande quantitativo de montadoras de automóveis, empresas que produzem alta demanda de clientes para ambos os serviços, não necessariamente para o turismo.
Da mesma forma, ao olhar para o subpolo da Costa do Sol, esta apresenta o menor número de transportadoras turísticas, mas talvez seja o subpolo que mais desperta o interesse da demanda turística em usufruir de serviços de aluguel ou transportadora em função de suas características: cidades com diversas praias com águas e areias em temperaturas e cores variadas.
Não é objeto de estudo desse artigo, mas cabe ressaltar que tanto os ônibus ou carros alugados percorrem as estradas federais e estaduais que fazer parte do sistema viário rodoviário do Estado do Rio de Janeiro e que vão proporcionar o deslocamento do polo emissor tratado no artigo (cidade do Rio de Janeiro) para os subpolos inventariados no IOT RJ. Refletir sobre: as condições de segurança; a estrutura asfáltica; custo dos pedágios; sinalização rodoviária; sinalização turística e outras propriedades desse modal é contribuir para o entendimento da importância da mobilidade como um dos vetores para o desenvolvimento turístico e, principalmente, social das comunidades pesquisadas pelo IOT RJ.
4. Considerações finais
O inventário da oferta turística é um instrumento, dentre outros, importante no planejamento turístico e um de seus objetivos é proporcionar o aceleramento do desenvolvimento turístico nos âmbitos municipal, regional, estadual e nacional, “pois a partir do conjunto dessas informações definem-se as prioridades de investimentos, qualificação de produtos e serviços e a formatação de roteiros” (Fernandes, 2011, p.132).
Desta forma, entende-se que o IOT RJ é uma ferramenta poderosa de entendimento da situação da oferta turística e nesse trabalho lidou-se com cenários de mobilidades partindo do principal ponto de demanda turística do estado, conforme foi demonstrado no decorrer do texto. Neste artigo a ótica foi invertida, pois se partiu do pressuposto de que para se usufruir dos atrativos turísticos e demais elementos demonstrados nos subpolos pesquisados, o turista deve se deslocar para as respectivas cidades pesquisadas. Trata-se fundamentalmente da mobilidade do visitante ao lugar a ser visitado, partindo da cidade do Rio de Janeiro.
O estudo identificou que num curto período de três anos (2003-2005) foi elaborado e apresentado projeto com grande potencial de êxito e consolidação com perspectivas para ampliações futuras, embasado na mobilidade. Entretanto, dez anos depois, ao se desenvolver o IOT RJ (2016) e analisá-lo, a base da proposta, a mobilidade, não foi praticada, paralisando o processo. Como consequência, pode-se esperar não somente uma estagnação do estado, mas seu declínio se comparado ao avanço de investimentos em transportes/mobilidade em destinos competitivos.
A partir dessa perspectiva, refletir sobre as dificuldades sobre meios de acesso aos municípios se faz pertinente, para que se possa ampliar o espectro na discussão de instrumentos necessários a validação dos inventários como instrumentos reais, no complexo processo do planejamento turísticos de regiões, conforme o caso estudado.
Como desenvolver turisticamente os subpolos pesquisados, identificando-se o hiato entre o desejo de consumir e a real possibilidade de consumo? Esse artigo não esgota o tema, pois foi feito recorte dos meios de transportes existentes e possíveis, com a análise de somente dois componentes, que são o aéreo e o terrestre. Mas, mesmo com a delimitação dos meios de transportes apresentados no artigo, percebe-se um hiato entre a mobilidade desses meios de transporte que podem prejudicar o desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAS
Aleixo, E. (2013). Políticas públicas de turismo. Rio de Janeiro: Cecierj.
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Notas