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Identificação da paisagem industrial ferroviária em Rio Claro como recurso cultural ao Turismo - SP
Identification of the industrial railway landscape in Rio Claro as a cultural resource for Tourism - SP
Identificación del paisaje ferroviario industrial en Rio Claro como recurso cultural para el turismo – SP
Caderno Virtual de Turismo, vol. 21, núm. 2, pp. 1-26, 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Artigos originais


Recepción: 25 Septiembre 2020

Aprobación: 13 Julio 2021

DOI: https://doi.org/10.18472/cvt.21n2.2021.1863

Resumo: Com a produção de café na região de Rio Claro foi preciso construir meios de transportes que facilitassem o escoamento dos grãos, originando o sistema ferroviário de Rio Claro, com estruturas que transformaram sua paisagem. Desse modo, este estudo busca propor uma nova identificação dos bens ferroviários por meio do conceito de paisagem cultural como recursos culturais ao Turismo. A fundamentação foi realizada de modo teórico em novas diretrizes patrimoniais internacionais, revisão da literatura crítica sobre proteção do patrimônio e para e utilização dos bens culturais para fins turísticos dos bens culturais. Para esse fim, foram coletadas informações bibliográficas, documentais, teóricas e cartográficas, realizado o levantamento dos elementos industriais em meio digital de base cartográfica e visita ao local. Em síntese, o resultado foi o levantamento dos elementos possíveis de análise do sistema ferroviário para a interpretação de uma nova perspectiva de proteção, respaldada no conceito da paisagem cultural, que visa uma breve discussão sobre a possibilidade de seu uso para o Turismo.

Palavras-chave: Sistema Ferroviário, Paisagem Industrial, Turismo, Rio Claro.

Abstract: With the production of coffee in the region of Rio Claro, it was necessary to build means of transport that facilitated the flow of beans, giving rise to the railway system in Rio Claro, with structures that transformed its landscape. Thus, this study seeks to propose a new identification of railway goods through the concept of cultural landscape as cultural resources for tourism. The foundation was theoretically based on new international heritage guidelines, a review of critical literature on heritage protection and the use of cultural assets for tourism purposes. For this purpose, bibliographic, documentary, theoretical and cartographic information was collected, a survey of industrial elements was carried out in a digital medium with a cartographic base and a visit to the site. In summary, the result was a survey of the possible elements of analysis of the railway system for the interpretation of a new perspective of protection, supported by the concept of cultural landscape, which aims at a brief discussion on the possibility of its use for Tourism.

Keywords: Railway System, Industrial Landscape, Tourism, Rio Claro.

Resumen: Con la producción de café en la región de Rio Claro, fue necesario construir medios de transporte que facilitaran el flujo de frijoles, dando lugar al sistema ferroviario en Rio Claro, con estructuras que transformaron su paisaje. Así, este estudio busca proponer una nueva identificación de los bienes ferroviarios a través del concepto de paisaje cultural como recurso cultural para el turismo. La fundación se basó teóricamente en nuevas directrices internacionales sobre el patrimonio, una revisión de la literatura crítica sobre la protección del patrimonio y el uso de bienes culturales con fines turísticos. Para ello se recopiló información bibliográfica, documental, teórica y cartográfica, se realizó un relevamiento de elementos industriales en medio digital con base cartográfica y una visita al sitio. En resumen, el resultado fue un relevamiento de los posibles elementos de análisis del sistema ferroviario para la interpretación de una nueva perspectiva de protección, sustentada en el concepto de paisaje cultural, que tiene como objetivo una breve discusión sobre la posibilidad de su uso para el Turismo.

Palabras clave: Sistema ferroviario, Paisaje industrial, Turismo, Rio Claro.

1. Introdução

Com as ações voltadas a preservação do patrimônio industrial, discussões que percebem a importância de uma proteção integral e não parcial. No Brasil, autores como Moraes (2016) destacam que as ações de preservação pelo governo do Estado de São Paulo dão enfoque ao tombamento de bens isolados dos remanescentes ferroviários, protegendo legalmente as estações.

Em convenções e cartas internacionais direcionadas à proteção patrimonial, é possível observar que durante a elaboração das diretrizes de preservação, os sítios, áreas e paisagens de interesse para a humanidade também devem ser consideradas, rompendo com a preservação de monumentos isolados. Nesse cenário, um exemplo é a Recomendação de Paris Paisagens e Sítios (IPHAN, 1962), a Convenção Europeia da Paisagem (Conselho da Europa, 2000) e os Princípios de Dublin (TICCIH; ICOMOS, 2011).

Das diretrizes estabelecidas pelos conselhos e gestores do patrimônio, o uso está associado a uma forma de salvaguarda e manutenção juntamente com a proteção legal. Por essa razão, as cartas patrimoniais sugerem que as paisagens culturais e o patrimônio sejam identificados e protegidos em um contexto territorial mais amplo. Nisso, há um rompimento com a definição conceitual do que seria a paisagem, à priori, fazia referência a estética da paisagem. Com essa modificação, a dimensão humana e territorial passa a ser aspecto importante.

Assim, as tradições e costumes são inseridos nos estudos com ações preservacionistas nas dimensões paisagísticas, tal como a noção territorial do contexto em que se insere. Por consequência, fica patente que as proteções de bens isolados não cumprem com seu papel identificador e preservador. Para tamanho, dentre as medidas de conservação e gestão das paisagens, o uso turístico configura-se como um ponto positivo nesse processo, posto que, busca manter essa referência cultural por intermédio da interpretação patrimonial; também, contribui financeiramente para programas de conservação ou interpretação.

Para Castriota (2013) com a ampliação nos estudos patrimoniais novos conceitos têm surgido, sendo decisivos e inovadores. Nesse contexto, a paisagem cultural que teve seu desenvolvimento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em inícios de 1990, entende características materiais e imateriais das relações entre homem e meio-ambiente natural como partes da paisagem. Castriota (2013) interpreta que o conceito de paisagem cultural pode auxiliar positivamente na preservação patrimonial possibilitando leituras e análises que entendam as características naturais e culturais em um mesmo contexto. Segundo Crispim (2014, p.15), a paisagem cultural é “um conjunto de formas que num dado momento exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e a natureza”. Em comum concordância, os autores entendem que a paisagem cultural é caracterizada pelas relações entre as ações humanas no meio ambiente, representadas pelas características materiais e imateriais destas relações.

Segundo Gonçalves (2002, p.119 apud SCIFONI, 2006, p.59) “quando narrado sob o registro da monumentalidade, o patrimônio cultural é definido pela tradição, deslocando-se para segundo plano a experiência individual e coletiva dos bens culturais. Há uma visão homogênea da nação”. Logo, o patrimônio protegido enquanto monumento, tem como propósito reconhecer seu significado para uma nação.

Com o desenvolvimento das discussões, outras ferramentas metodológicas e nomenclaturas surgiram com a intenção de ampliar as discussões e fortalecer o objetivo principal de preservação e conservação do patrimônio. A inserção da dimensão humana nos estudos e ações voltadas à preservação patrimonial, as atividades de industrialização se tornaram foco de considerável destaque. Segundo as considerações de Oliveira (2010, p.180) “[...] dentre os diferentes tipos de valoração patrimonial, há algumas décadas tem sido colocada a ideia de patrimônio industrial, dando importância as atividades industriais contemporâneas nos seus aspectos tecnológicos, econômicos e sociais”.

Nesse sentido, o patrimônio industrial compreende toda e qualquer infraestrutura ou superestrutura, criada e utilizada para o desenvolvimento das atividades industriais, incluindo as dimensões sociais que o incorporaram, como as tradições e modo de fazer daqueles que viveram esse contexto histórico.

De acordo com as diretrizes estabelecidas na Carta de Nizhny Tagil (TICCIH, 2003), o termo patrimônio industrial surge com o objetivo de voltar os esforços para a preservação dos vestígios materiais e imateriais que compreendem o período histórico desde a Revolução Industrial, iniciado na segunda metade do século XVIII, até a atualidade. Nesse momento investigativo, a arqueologia industrial surgiu como:

um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de investigação mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial (TICCIH, 2003).

A arqueologia industrial tem o propósito de interpretar o estudo do patrimônio industrial com maior abrangência. À vista disso, esse método faria a descoberta, registro e estudo dos vestígios industriais. De acordo com o TICCIH (2003), o patrimônio industrial compreende todo e qualquer vestígio da indústria que tenha valor histórico, independentemente de seu caráter material ou imaterial. Em documento posterior, a entidade ampliou a conceituação sobre patrimônio industrial ao observar que esse tipo patrimonial "compreende sítios, estruturas, complexos, áreas e paisagens assim como maquinaria, objetos ou documentos relacionados que fornecem evidências dos processos de produção industrial passados ou em desenvolvimento, da extração de matéria-prima, de sua transformação em bens de consumo, das infraestruturas de transporte e de energia relacionadas" (TICCIH; ICOMOS, 2011). A carta evoca ainda tanto os aspectos "bens materiais – imóveis e móveis – quanto as dimensões intangíveis" (conhecimento, organização do trabalho e convivências sociais).

Frente aos avanços para a conceituação do patrimônio industrial e dos avanços nas políticas de proteção e gestão patrimonial, espera-se que esse legado cultural permaneça. Todavia, existem ainda algumas problemáticas que dificultam essa proteção, por exemplo, a sua localização espacial ao ocupar os centros urbanos, que possuem valor econômico e espacial. De acordo com (KÜHL, 1998) a degradação gradual do patrimônio industrial e sua baixa rentabilidade são fatores que dificultam sua preservação.

Por isso, as diretrizes e propostas de salvaguarda patrimonial elaboradas e executadas pelos órgãos de preservação não são suficientes. É preciso que, junto a proprietários, gestores e comunidade contribuam com ações preservacionistas. Como medida para auxiliar na preservação do patrimônio, a atividade turística é vista como uma possibilidade de proteção e gestão patrimonial. Entre os variados segmentos turísticos, o Turismo Cultural busca compreender “[...] o interesse pelos espaços mais bem conservados e por outra classe de atrativos mais específicos” (Castillo Canalejo et al., 2011, p.3, tradução nossa).

De acordo com Pereiro Pérez (2009), as primeiras viagens motivadas, principalmente pelo intercâmbio cultural, foram registradas no século XVIII, denominadas de Grand Tours. Quem as realizava eram os nobres e burgueses que objetivavam ter uma formação por meio do contato com outros povos e culturas. Isso os tornaria mais bem aceitos em seus países de origem. Fato que os possibilitaria ocupar cargos de liderança e governança.

Na Carta de Turismo Cultural elaborada em Bruxelas no ano de 1976, o turismo cultural é definido como a:

forma de turismo que tem por objetivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos. Exerce um efeito realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui para satisfazer seus próprios fins – a sua manutenção e proteção. Essa forma de turismo justifica, de fato, os esforços que tal manutenção e proteção exigem da comunidade humana, devidos aos benefícios socioculturais e econômicos que comporta para toda a população implícita (IPHAN, 2021, p.2).

O segmento turístico tem a função de “apresentar” a cultura de uma nação refletida em seus monumentos e sítios históricos. Portanto, cabe a justificativa de sua proteção como forma de preservação, manutenção e conservação, trazendo distintos benefícios como os socioculturais e econômicos. A Carta Internacional sobre o Turismo Cultural, elaborada na Cidade do México em 1999, aborda o uso turístico do patrimônio cultural objetivando a gestão patrimonial para dar conhecimento a comunidade autóctone e turistas. Sua significação e motivo de preservação é apresentada de forma objetiva e concisa, demonstrando que pode haver acesso intelectual, bem como, emocional, preservando os valores, interesses e direitos das comunidades que acolhem o patrimônio (ICOMOS, 1999).

Em mesmo contexto, a Carta percebe e notifica a importância da atividade turística como auxiliadora no processo de gestão e preservação patrimonial, onde os gestores devem valer-se de suas vantagens econômicas para a conservação patrimonial, desenvolvendo ações educacionais e políticas. O desenvolvimento do Turismo é fundamental nas dimensões sociais, econômicas, educativas, culturais, científicas, estéticas, ecológicas, seu conhecimento e conflitos de valores das interações entre comunidade e visitantes, promovendo novos desafios e oportunidades (ICOMOS, 1999).

No que confere ao turista, a visita a um local ou atrativo turístico é incentivadas por motivações. Para entender o conceito de atratividade turística é preciso primeiro entender o que motiva os turistas (Oppliger et al., 2016). Para Cunha (2008), o desenvolvimento do Turismo em um local ocorre em razão dos recursos existentes, porém, seu desenvolvimento precisa estar associado a valorização e criação de novos atrativos.

Para que um local se desenvolva turisticamente será necessário a criação de mais de um atrativo turístico, ainda que exista um atrativo com maior destaque. Essa variação atrativa permite que o turista fique mais tempo visitando o local, ampliando e difundindo o desenvolvimento da economia turística, bem como auxiliando no processo de valoração cultural e ambiental do espaço receptor.

A atividade turística vende produtos, por essa razão, cria paisagens associadas ao lazer e ócio, mesclando natureza e cultura, destacando seus aspectos visuais e significativos (Milagres; Souza, 2012). De acordo com Silva (2004), os lugares usados para turismo criam paisagens já existentes, associando questões culturais, históricas e geográficas.

Ao se tratar do patrimônio dos remanescentes ferroviários no Estado de São Paulo, se percebe que alguns dos tombamentos não são identificados enquanto parte de um mesmo contexto histórico, protegendo bens isolados. Nesse caso, o tombamento, enquanto medida de proteção, reconhece o valor histórico do patrimônio industrial dos vestígios industriais? Os usos associados ao patrimônio industrial são adequados, conforme prescrevem as diretrizes de proteção? Os usos associados ao patrimônio são compatíveis com o uso turístico?

De acordo com Ferrari (2011) os remanescentes ferroviários, quando tratados de sua proteção em um amplo contexto, podem ser defendidos como sistema ferroviário. Esse compreende a construção dos edifícios, estações e vias, por meio da relação que garante seu funcionamento com as possibilidades de fabricação dos elementos arquitetônicos, fabricação em série, agilidade e facilidade na montagem de estruturas e espaços. Então, um sistema ferroviário é formado pelos bens materiais e imateriais, que pode ser compreendido nas dimensões paisagísticas que integram as dimensões físicas e humanas da paisagem.

Segundo Oliveira (2019), os sistemas construtivos têm sua formação com o desenvolvimento da metalurgia na metade do século XIX. Os sistemas construtivos incentivaram mudanças na fabricação do ferro, que objetivavam produzir de modo menos oneroso, mais econômica.

No Mundo Europeu, aconteceu a introdução do ferro em distintas construções, no Brasil, sua inserção teve ligação direta com o patrimônio industrial em São Paulo. O ferro teve utilização na sustentação de telhados de edifícios ferroviários, na coluna de apoio de armazéns ou galpões, e na cobertura da plataforma de algumas estações ferroviárias, a dizer, a de Rio Claro.

Com o entendimento de que as estruturas arquitetônicas, os espaços dos remanescentes da ferrovia, e de que o sistema ferroviário é um sistema de produção industrial, todos os elementos que o compõem devem ser identificados e protegidos, não apenas bens isolados. No caso dos remanescentes da atividade ferroviária no município de Rio Claro, no Estado de São Paulo, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), protegeu legalmente apenas a Estação FEPASA e Horto Florestal e Museu do Eucalipto, que atualmente é uma unidade de conservação, Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade - FEENA. Entretanto, como discutido, a proteção isolada de um bem não é capaz de protegê-lo integralmente.

Feito isso, nesse artigo, será realizado uma leitura do ponto de vista paisagístico do sistema ferroviário rio-clarense, com o objetivo de identificar todas as estruturas arquitetônicas e espaços que formam esse sistema, identificando também as ações voltadas à sua preservação, gestão e possível uso para o turismo.

Para sistematizar e organizar esse estudo, cabem alguns questionamentos norteadores: o tombamento enquanto medida de proteção, reconhece o valor histórico do patrimônio industrial dos vestígios ferroviários? Os usos atuais são adequados a proteção? O estudo por meio das dimensões da paisagem cultural permite a investigação e interpretação para estudos patrimoniais? A análise de paisagem permite caracterizar melhor recursos culturais para o Turismo?

Investigando estudos patrimoniais com enfoque na paisagem cultural, no caso brasileiro, não se constata a presença de muitos autores (Ribeiro, 2007; Crispin, 2014, 2016; Castriota ,2013). Se for especificado a paisagem industrial os estudos são ainda mais restritos. Por essa razão, foi preciso realizar investigação um aporte teórico mais avançado nas discussões voltadas a paisagem industrial, como parte do objetivo proposto. É oportuno e necessário depreender se as pesquisas têm considerado as discussões patrimoniais e turísticas com a aplicação do Sistema de Informação Geográfica (SIG) e o conceito de paisagem como ferramentas auxiliadoras nessas discussões. Escassas são as investigações frente aos apontamentos quando realizado um levantamento específico nas revistas de Turismo.

Autores como França (2005), Batista e Paula (2007), Palafox Muñoz, Madrigal Uribe e Zizumbo Villareal (2011), Assunção (2012), Andriolo (2016), Aulet, Mundet e Vidal (2017), Zamarco e Lanzarini (2019), desenvolveram pesquisa sobre turismo e paisagem. Já Júnior (2009), insere a aplicação do uso da ferramenta SIG. Dessa maneira, observa-se a importância da atual investigação, ao qual, possibilitará nova forma de identificação e discussão para vestígios ferroviários, usando conceitos da paisagem e ferramenta SIG, para avaliação de recursos patrimoniais ao Turismo.

Foi observado que existem poucos estudos e procedimentos metodológicos estruturados exclusivamente para o estudo de paisagens culturais. Para a realização dessa pesquisa foi necessário realizar um estudo acerca da paisagem cultural em Villanueva del Río y Minas – Espanha, como caso especial de aprimoramento da metodologia em estudos paisagísticos[1], tomando o município de Rio Claro como locus de estudo. Segundo Bender et al. (2005) o uso da ferramenta SIG para o desenvolvimento de um modelo gráfico com enfoque em pesquisas sobre mudanças na paisagem cultural, fornece um procedimento padrão para que seja feita a descrição e análise das mudanças e sua aplicabilidade em outros estudos.

Para a identificação e caracterização da paisagem foram utilizados alguns procedimentos e um teste espacial. A “definição de alcance e âmbito de estudo” foi realizada uma primeira visita e observação ao local de estudo. Com os resultados parciais, novamente foi realizado o “trabalho de campo” para confirmação e/ou correção, maior coleta de informações dos elementos que configuram a paisagem e novamente uma tomada de fotografias. Para efetivar a “identificação e caracterização” da paisagem de estudo organizaram-se as informações em duas fichas de estudos paisagísticos. A primeira em que são anexadas informações da paisagem do território de maior abrangência e a segunda onde foram anexadas informações do território local de estudo.

Para o teste espacial das unidades paisagísticas utilizou-se o software de Sistema de Informações Geográficas QGIS, e foi selecionado uma das unidades identificadas durante o estudo para a espacialização de seu território, para apresentar o potencial da ferramenta de geoprocessamento.

No presente trabalho, busca-se averiguar de que forma a paisagem, enquanto metodologia de análise, permite a identificação dos vestígios simbólicos e físicos do sistema ferroviário rio-clarense, por via de levantamentos teóricos, bibliográficos, cartográficos e documentais para estudo das particularidades dessa paisagem, assim como um teste de novas tecnologias SIG para estudo, análise, interpretação e gestão das amplas áreas que correspondem às paisagens. Por meio desse procedimento buscou-se um levantamento consistente dos elementos possíveis de análise do sistema ferroviário para a interpretação de uma nova perspectiva de proteção respaldada no conceito da paisagem cultural. Espera-se destacar o georreferenciamento como procedimento relevante no estudo paisagístico, permitindo a identificação dos vestígios da atividade industrial. Ao final foi realizada uma breve discussão sobre a possibilidade de uso dos bens ferroviários como recurso ao Turismo.

Segundo a UNESCO (2004), recursos turísticos são os bens e serviços que utilizados pelo homem possibilitam realizar a atividade turística satisfazendo uma necessidade humana. Já o recurso cultural para o Turismo compreende os costumes, modo de vida, tradições, desenvolvimento industrial, artístico e científico de um grupo social em determinado período, que ao ser identificado seu valor cultural são classificados enquanto patrimônio, que posteriormente satisfazem as necessidades humanas durante a atividade turística (Cañas Martí; Arnadis I Agramunt, 2014).

2. Considerações sobre a paisagem industrial

A paisagem cultural em seu sentido geral é identificada como as transformações geradas pelas ações humanas no meio natural. Assim, outros conceitos relativos à paisagem surgiram no decorrer dos estudos referentes ao tema, como exemplo o conceito “paisagem industrial” que se refere a “uma interpretação da paisagem da indústria e suas construções” (Junta de Andalucía, 2008, p.36, tradução nossa). Segundo Santo (2010, p.84-85):

a paisagem industrial representa o testemunho de um contexto específico de produção, de subsistência. Conta a história da indústria e da sua evolução. A indústria é um fator importante de alteração da paisagem, sendo que quebrou com a ideia de paisagem até aí estabelecida com a paisagem pré-moderna. As alterações introduzidas na paisagem pela indústria mostram as diferentes fases segundo a qual esta se desenvolveu, manifestando-se através dos diferentes materiais de construção, energia utilizada e organização do edificado.

Sendo assim, a paisagem industrial é resultado das atividades de alguma produção, que em seu contexto de desenvolvimento e transformação, modifica significativamente o território em que está inserido, altera seus componentes físicos, visuais e humanos, as tradições, usos, costumes e saberes daqueles que vivem nesse espaço modificado pela indústria.

Para Calderón Roca e Moreno Muñoz (2016) a paisagem industrial tem sua formação e classificação devido às infraestruturas industriais e tecnológicas que impactam sobre o meio natural e o entorno paisagístico. Umas das principais características visuais das paisagens estão atreladas a existirem em um amplo território espacial, o qual deve ser considerado no processo de estudo paisagístico, portanto:

[...] toda leitura de uma paisagem requer, por um lado, uma interpretação objetiva que atenda às características mensuráveis e própria do território que forma sua base, mas por outro, requer uma visão mais subjetiva do observador que contempla e contribui para a paisagem em seu sentido mais amplo através de uma experiência sensível da realidade [...] (Alba Dorado, [s.d], p.333-334, tradução nossa).

A leitura e interpretação de paisagens são realizadas em duas formas distintas. Uma que ocorre por meio da objetividade que tem por função se ater as características físicas que configuram o território paisagístico; e outra por meio de uma leitura subjetiva do observador, onde deve usar suas experiências sensitivas da paisagem para poder compreendê-la e interpretá-la de acordo com suas conclusões pessoais e científicas.

De acordo com Delsalle (1998) a paisagem industrial está diretamente ligada ao contexto histórico conhecido como “Revolução Industrial”, que ocorreu em meados do século XVIII. Entretanto, as paisagens industriais não pertencem somente a esse período histórico, mas a todos os espaços industriais construídos independentemente do período temporal. Nesse sentido, o desenvolvimento industrial deixou marcas e sentimentos nas paisagens que “[...] contemplam uma sensação inquietante que emana da força das feridas realizadas no território como resultado da atividade industrial e das pegadas de suas instalações” (Alba Dorado [s.d], p.5, tradução nossa).

As considerações de Prados Rosales (2005, p.94, tradução nossa) mostram que a “[...] paisagem industrial se entende como uma criação voluntária de uma nova ordem social e econômica, no qual o acaso e a necessidade marcaram de forma determinante o território”. O surgimento de uma nova forma social e econômica provoca alterações não apenas visíveis e físicas no espaço territorial em que se insere, mas também transformações “humanas”, quando se refere às mudanças que o surgimento de atividades industriais ocasionou nas pessoas que viviam e dependiam da indústria. Para compreender uma paisagem industrial é preciso entender concretamente sua evolução histórica de variados aspectos, como a indústria por si, a paisagem e sua representação, sua apreciação enquanto paisagem e como algumas paisagens se tornaram bens patrimoniais (Juaristi, [s.d]).

Como apontado por Oliveira (2010), o conceito de patrimônio industrial, como caso específico de preservação patrimonial, ainda é recente nesse cenário. Por essa razão, pode ser justificada a pouca frequência de proteção e estudos referentes a esses bens, em especial ao caso da paisagem industrial, haja vista que a preservação patrimonial com enfoque paisagístico também se faz recente. Logo, entender os remanescentes da atividade industrial de um sistema ferroviário como uma paisagem industrial, é uma maneira de contribuir significativamente para o campo do patrimônio e da paisagem.

3. Sistema ferroviário de Rio Claro

O tombamento dos bens de interesse cultural apresenta importante papel na preservação e manutenção da identidade e memória de nações ou povos. Destarte, não seria possível nessa investigação falar do sistema ferroviário de Rio Claro sem entender se as formas de proteção da Estação FEPASA e Horto Florestal e Museu do Eucalipto, são adequadas à sua preservação e contextualização histórica com o sistema de transporte ferroviário (CONDEPHAAT, 2017).

Visando o tombamento da Estação FEPASA, em 31 de agosto de 1982, o Deputado José Felício Castellano justificou sua solicitação em sua inauguração e localização central na cidade de Rio Claro. Após questionamentos e alterações no processo, em 20 de agosto de 1985, o edifício teve aprovação unânime à proteção estadual baseada em sua importância econômica e social (CONDEPHAAT, 2017). Na figura 1, no ano de 2017 é verificado que o prédio da estação estava com danificações em sua pintura. Na figura 2, em 2019 a pintura foi renovada, possibilitando analisar melhoras em sua condição física.


Figura 1
Estação FEPASA em Rio Claro
Fonte: Autor, 2017


Figura 2
Estação FEPASA em Rio Claro
Fonte: Autor, 2019

O Horto Florestal e Museu do Eucalipto ganharam interesse de proteção pelo Serviço de Museu Histórico no dia 8 de maio de 1974, devido à sua criação ter ligação com o agrônomo Edmundo Navarro de Andrade, que teve papel fundamental nas pesquisas para o plantio de eucalipto em solo brasileiro. A aprovação do pedido ocorreu em 20 de dezembro de 1976, englobando toda área do horto, com destaque ao seu valor científico, técnico e cultural, principalmente ao Estado de São Paulo. Após o Decreto 46.819 de 11 de junho de 2020, o horto foi transformado em uma Unidade de Conservação na categoria de Floresta Estadual – FEENA (Brasil, 2002). Na figura 1 é visualizado a entrada do museu do eucalipto e na figura 2 o Solar Edmundo Navarro de Andrade, onde o engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade tinha residência durante a prestação de seus serviços.


Figura 3
Museu do Eucalipto (FEENA)
Fonte: Autor, 2017


Figura 4
Solar Edmundo Navarro de Andrade (FEENA)
Fonte: Autor, 2017

Após as leituras e análises dos processos de tombamentos, pode se perceber que, ao declarar o prédio da estação um patrimônio cultural, e a área florestal como patrimônio natural, existem divergências nas classificações patrimoniais, pois, as justificativas de proteções são isoladas. Dito isso, ao constatar que não compreendem os bens enquanto parte de um mesmo sistema produtivo e pelo fato de proteger apenas dois dos bens que formam o sistema, baseado na argumentação de Ferrari (2011) ao alertar que um sistema ferroviário é formado pelos edifícios, estações e vias.

Nesse labor científico, os remanescentes ferroviários são entendidos como um sistema. Fato que torna necessário identificar todas as estruturas arquitetônicas e espaços ferroviários que o formam. Em vista disso, os conceitos teóricos-metodológicos da paisagem apresentam-se como uma possibilidade de proteção adequada para o sistema, uma vez que as proteções atuais são insuficientes.

As definições de Scifoni (2006), Conselho de Europa (IPHAN, 1962), TICCIH (2003, 2011), ICOMOS (1999) e demais autores abordados nesse artigo que falam sobre paisagem cultural e industrial apontam que, para entendê-la, é indispensável a proteção total de todos os elementos que constroem uma paisagem. Portanto, para entender a paisagem do sistema ferroviário de Rio Claro, serão apontadas algumas informações sobre seu processo de formação e levantamento das estruturas arquitetônicas e espaços ferroviários.

A ligação do município de Rio Claro com a produção cafeeira teve início em meados de 1876, após o aumento do plantio, em razão da expansão da malha ferroviária de Campinas a Rio Claro pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro (Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, 2015). Para a identificação e revisão das demais edificações e áreas que formam a paisagem estudada, realizou-se um inventário teórico-documental em materiais produzidos por Trevisan em 1982 e 1991 e a ferramenta SIG. Com o inventário documental, de campo e espacial, foram identificadas 43 estruturas arquitetônicas no núcleo urbano e 90 na FEENA. Com relação aos espaços ferroviários, foram identificados um (01) no núcleo urbano e dois (02) na FEENA.

A partir do inventário, pode constatar que 42 estruturas arquitetônicas e um (01) espaço não está tutelado juridicamente. Conforme figura 5, é apresentado espacialmente a representação gráfica espacial de todas as áreas que correspondem ao sistema ferroviário.


Figura 5
Áreas do sistema ferroviário de Rio Claro
Fonte: Autor, 2021

Sendo o estudo baseado em metodologias e análises sobre paisagem cultural, para melhor interpretação dos dados coletados, a paisagem é classificada e dividida em unidades paisagísticas que permitem analisar porções do espaço de acordo com suas similaridades (criação, uso original e uso atual). Foram denominadas de “unidades ferroviárias” em função do objeto de estudo foram sistematizadas nos quadros 1 e 2.

Quadro 1
Explicativo das unidades ferroviárias identificadas (Núcleo Urbano)

Fonte: Autor, 2019

Quadro 2
Explicativo das unidades ferroviárias identificadas (FEENA)

Fonte: Autor, 2019

Para além da identificação da localização geográfica das estruturas arquitetônicas e espaços ferroviários, foi preciso identificar as políticas de gestão e uso que incidem sobre estes. Na área de tração ferroviária há apenas um edifício que não está sob a gestão da Prefeitura, sendo de propriedade da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Área que está em uso e com estado de conservação regular. Os outros cinco edifícios estão com conservação boa ou regular, também em uso, exceto por um, que vem sendo restaurado para sediar um museu ferroviário.

A área de residências tem seu estado de conservação regular ou ruim, com estruturas com e sem uso. Entretanto, informações sobre a propriedade e gestão não foram identificadas. Na área de lazer não foi identificado seu proprietário/gestor, mas, seu uso se mantém original (recreação e lazer) com bom estado estrutural. Quanto à área de manutenção ferroviária, somente foi identificado o edifício construído para ser o cinema dos ferroviários, que atualmente atende ao Complexo Educacional EDUQ, igualmente, em bom estado de conservação. Já o espaço concessionado a empresa de transporte e manutenção ferroviária Rumo não foi analisado, porque, não foi concedida a permissão de entrada.

Das 34 edificações encontradas na área de uso público, apenas 8 possuem algum uso com condições físicas boas ou regulares. As demais variam entre regulares, ruins ou péssimas. Quanto à área de Colônia 1, foram observadas 6 edificações, entretanto, não há informações quanto ao uso ou conservação, visto que, não houve permissão para a visita, além de dificuldade ao acesso. Na área de Colônia 2, foram observadas 12 estruturas arquitetônicas, dentre elas, 2 possuem uso e estão em situação regular, as demais são classificadas como ruins. Tanto a área de uso público, a Colônia 1 e a Colônia 2 estão sob a gestão do Instituto Florestal.

Com a identificação e revisão do sistema ferroviário, existe um indicativo de que os remanescentes conformam uma paisagem cultural. Do mesmo modo, ela pode ser assimilada como uma paisagem industrial. Para a Junta de Andalucía (2008), Santo (2010), Calderón Roca e Moreno Muñoz (2016), Alba Dorado (s.d.) e outros, a paisagem industrial se refere as construções para os processos industriais, conta a história da indústria e seu desenvolvimento, juntamente com os saberes, fazeres e costumes das pessoas que contribuíram para a produção industrial. Diante disso, o sistema ferroviário de fato forma uma paisagem cultural e industrial. Nessa perspectiva, proteger o sistema ferroviário garantiria maior tutela, valoração, gestão e utilização.

4. O patrimônio industrial como recurso cultural ao turístico

Órgãos de preservação patrimonial, como ICOMOS, IPHAN e TICCIH, destacam as possibilidades do Turismo como um agente auxiliador para a preservação e difusão patrimonial. Nesse sentido, é preciso dar a devida importância de averiguar se as políticas de gestão e uso dos vestígios ferroviários da paisagem estudada apresentam possibilidades para fins turísticos. No entanto, no que compete ao uso turístico dos vestígios da atividade ferroviária em Rio Claro, constata-se que nenhum dos usos tem originalmente fins turísticos, ainda que a comunidade e visitantes façam seu uso para o lazer, em especial a área de lazer da FEENA. É nesse único local dos remanescentes ferroviários que existe um Centro de Visitantes, com objetivo principal de agendamento das visitas guiadas ao Museu do Eucalipto que possui foco na educação ambiental.

O Grêmio Recreativo teve sua criação original para o lazer e recreação dos ferroviários e os usos ainda estão mantidos para os membros filiados. Porém, não existe o desenvolvimento de atividades turísticas. Aos bens que estão sob a gestão da Prefeitura, não existem usos de lazer ou Turismo. Em 2017, a Estação Ferroviária sediava a Secretaria de Turismo e Centro Cultural, mas em função do aumento da violência na região central, deu espaço para o 37º Batalhão da Polícia Militar. No ano de 2019 foi possível perceber melhorias nas estruturas arquitetônicas.

Para identificação das políticas de Turismo que incidem sobre a paisagem do sistema ferroviário, uma busca pelo Plano Diretor de Turismo (PDT) foi realizada. Busca com insucesso, porque o documento estava em fase de elaboração, impossibilitando identificar como a gestão pública busca desenvolver o turismo local, o que acarreta analiticamente na falta de estrutura política para o desenvolvimento turístico.

Como apontado na Carta de Turismo Cultural (IPHAN, 2021), na Carta Internacional sobre o Turismo Cultural (ICOMOS, 1999) e Pereiro Pérez (2009), o Turismo Cultural tem como objetivo principal “apresentar” a cultura (tradições, costumes, saberes) ao visitante, estimulando seu respeito e empatia com a cultura visitada e, consequentemente, sua proteção e preservação. Para que este segmento turístico e outros possam ser realizados, Silva (2004), Cunha (2008), Milagres e Souza (2012) e Oppliger et al. (2016) apontam que para o turista visitar uma localidade, é preciso existir atrativos turísticos, serviços e produtos turísticos. Por essa razão, foi elaborado um breve inventário dos produtos e serviços turísticos das estruturas arquitetônicas e espaços do sistema ferroviário, delimitando um raio de abrangência que pudesse englobar todos os elementos do inventário paisagístico dos remanescentes ferroviários. Desse inventário, foi possível elaborar a representação gráfica conforme figura 6.


Figura 6
Serviços e produtos turísticos no entorno do sistema ferroviário.
Fonte: Autor, 2021

De acordo com as informações coletadas, é possível constatar que todas as estruturas arquitetônicas e espaços ferroviários inventariados tem potencial, em termos de valor histórico e serviços turísticos, como recursos para sua qualificação como atrativo turístico, no sentido de que contribuem e ilustram um contexto de produção industrial. Apesar disso, a proteção isolada não permite sua utilização de forma integral. Para tanto, seria necessário que, por meio da paisagem cultural, fosse proposto uma nova dinâmica de tombamento, ampliando sua proteção e utilização.

Como apontado, as condições físicas de parte dos bens identificados se encontram em estado de conservação regular, ruim ou péssimo. Mas, isso não impede que sejam incluídos em um roteiro turístico. Por exemplo, a entrada pode ser retirada da visitação, mas sua visualização e contextualização de formação ainda seria possível de serem observadas.

5. Conclusões

Vale a pena retomar os questionamentos apresentados na introdução que norteiam este estudo: O tombamento, enquanto medida de proteção, reconhece o valor histórico do patrimônio industrial dos vestígios ferroviários? Os usos atuais são adequados à proteção? O estudo por meio das dimensões da paisagem cultural permite a investigação e interpretação para estudos patrimoniais? As respostas aos questionamentos que nortearam essa investigação são possíveis apenas por causa do conhecimento teórico e da coleta de informações adquiridas durante o processo.

Para os órgãos de preservação patrimonial como o TICCIH e ICOMOS, a paisagem cultural e industrial são formadas pela configuração de todos seus componentes tangíveis e intangíveis. Nesse sentido, observa-se que, enquanto medida de proteção, os tombamentos reconhecem genericamente o valor histórico dos vestígios ferroviários, apresentando rapidamente o motivo de criação de dois bens protegidos e deixando fora da proteção os demais bens que foram identificados neste estudo. Portanto, as proteções isoladas são insuficientes no que concerne à totalidade das estruturas arquitetônicas e espaços que constituem o sistema ferroviário. Desse modo, é recomendável nova forma de proteção legal, onde a investigação e identificação pela paisagem cultural e industrial permitiriam uma abordagem de todos os bens ferroviários.

À vista disso, os usos atuais têm assegurado, de certa forma, melhores condições estruturais e de uso, mas são incompletos em relação ao contexto de formação e produção. Entretanto, quando abordadas as possibilidades do Turismo para a utilização do patrimônio, como apresentadas na Carta de Turismo Cultural (IPHAN, 2021) e na Carta Internacional sobre o Turismo Cultural (ICOMOS, 1999) essa utilização não é prioritária e, se existe, não é de maneira estruturada e organizada. Logo, o Turismo é observado como uma possibilidade para a preservação e gestão dos bens ferroviários de Rio Claro, garantindo também desenvolvimento econômico para o município e integridade física dos vestígios da atividade ferroviária. Entretanto, as áreas naturais e edificadas possuem condições de infraestrutura turística distintas. A área natural (da FEENA) pode receber melhor o turista devido às atividades de visitação ao Museu do Eucalipto, ter um centro de visitante e espaço de lazer. Todavia, a área edificada (pátio da estação) garante maior acesso aos produtos e serviços turísticos, como apontado no mapa de serviços e produtos turísticos. Afinal, a prestação de serviços e a existência de produtos turísticos é fundamental para que se possa desenvolver a atividade turística. Porém, são necessárias políticas de gestão que colaborem na proteção e utilização. Haja vista a identificação de dificuldades em manter as condições físicas dos bens ferroviários e novos usos, em especial aos usos que sejam desenvolvidos tendo a atividade turística em destaque.

Diante do estudo realizado para averiguar as vantagens dos conceitos e metodologias da paisagem cultural para fins patrimoniais, destaca sua contribuição positiva neste sentido; além de auxiliar na identificação, sistematização e análise dos dados coletados, facilita o processo de visualização e leitura de grandes áreas, e confirma as reflexões dos autores que sustentam teoricamente este estudo. De maneira geral, o conceito de paisagem cultural compreende tudo o que se refere à ação antrópica com o meio natural.

Fundamentados no conceito de paisagem cultural e no geoprocessamento, foi possível delimitar espacialmente e representar graficamente o sistema ferroviário de Rio Claro. Portanto, a paisagem industrial pode ser compreendida ainda enquanto um recurso cultural para a atividade turística, uma vez que essa permite que os bens culturais não sejam interpretados apenas enquanto monumento ou sítio patrimonial, pois todas as dimensões físicas e simbólicas da paisagem são recursos para o Turismo.

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Notas

[1] A técnica foi aperfeiçoada em estágio de pesquisa no exterior financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), proc. 2017/22352-7; 2018/23340-5, FAPESP, em parceria com a Universidad de Málaga (UMA) com a orientação da Prof.ª. Dr.ª Maria Isabel Alba Dorado, professora e especialista em estudo de paisagens do departamento de Arte e Arquitetura da Escola Técnica Superior de Arquitetura da Universidade de Málaga – Espanha.


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