Resumo: O tema da pesquisa surge da premissa de que alguns distritos localizados fora do centro expandido do município de São Paulo abrigam um conjunto arquitetônico e paisagístico expressivo que compõe um rico acervo do patrimônio histórico e cultural, mas que ainda é pouco explorado e divulgado. Para auxiliar a preencher esta lacuna o artigo apresenta os procedimentos metodológicos empregados para a elaboração de três roteiros arquitetônicos e paisagísticos de Santo Amaro, um subcentro do município de São Paulo. O objetivo específico do artigo é demonstrar como a aplicação de dois métodos utilizados nas ciências sociais para investigações na área do turismo, a roteirização e a inventariação, ampararam a elaboração e complementação de uma pesquisa de base empírica e historiográfica sobre um recorte territorial delimitado. Os dados sistematizados resultaram na elaboração de três roteiros turísticos urbanos para serem divulgados em uma base de consulta com acesso público aos cidadãos, estudantes e pesquisadores. No âmbito local, espera-se que os resultados da pesquisa incentivem investigações em outras áreas periféricas e que colaborem com o Turismo Cultural Urbano de São Paulo. De modo amplo, espera-se contribuir com a discussão sobre a importância da valorização do patrimônio cultural periférico negligenciado na historiografia urbana e arquitetônica das grandes cidades.
Palavras-chave:Turismo UrbanoTurismo Urbano,Turismo e patrimônioTurismo e patrimônio,Turismo arquitetônicoTurismo arquitetônico.
Abstract: The research theme arises from the premise that some districts located outside the expanded center of the city of São Paulo are home to an expressive architectural and landscape complex which makes up a rich collection of historical and cultural heritage, but which is still little explored and disseminated. To help fill this gap, the article presents the methodological procedures used for the preparation of three architectural and landscape itineraries in Santo Amaro, a sub-center of the municipality of São Paulo. The specific objective of the article is to demonstrate how the application of two methods used in the social sciences for investigations in the field of tourism, scripting and inventorying, helped in the elaboration and complementation of an empirical and historiographical research on a delimited territorial outline. The systematized data resulted in the elaboration of three urban tourist routes to be disseminated on a consultation basis with public access to citizens, students and researchers. At the local level, it is expected that the research results will encourage investigations in other peripheral areas and that they collaborate with the Urban Cultural Tourism of São Paulo. Broadly speaking, it is expected to contribute to the discussion on the importance of valuing the neglected peripheral cultural heritage in the urban and architectural historiography of large cities.
Keywords: Urban Tourism, Tourism and heritage, Architectural tourism.
Resumen: El tema de investigación surge de la premisa de que algunos distritos ubicados fuera del centro expandido de la ciudad de São Paulo albergan un expresivo conjunto arquitectónico y paisajístico que conforma un rico acervo de patrimonio histórico y cultural, pero que aún está poco explorado y difundido. Para ayudar a llenar este vacío, el artículo presenta los procedimientos metodológicos utilizados para la elaboración de tres itinerarios arquitectónicos y paisajísticos en Santo Amaro, un subcentro del municipio de São Paulo. El objetivo específico del artículo es demostrar cómo la aplicación de dos métodos utilizados en las ciencias sociales para las investigaciones en el campo del turismo, el guión y el inventario, ayudó en la elaboración y complementación de una investigación empírica e historiográfica sobre un trazado territorial delimitado. Los datos sistematizados resultaron en la elaboración de tres rutas turísticas urbanas para ser difundidas en consulta con acceso público a ciudadanos, estudiantes e investigadores. A nivel local, se espera que los resultados de la investigación estimulen investigaciones en otras áreas periféricas y que colaboren con el Turismo Cultural Urbano de São Paulo. En términos generales, se espera que contribuya a la discusión sobre la importancia de mejorar el patrimonio cultural periférico olvidado en la historiografía urbana y arquitectónica de las grandes ciudades.
Palabras clave: Turismo Urbano, Turismo y patrimonio, Turismo arquitectónico.
Artigos originais
Turismo urbano de subcentro: roteiro arquitetônico e paisagístico de Santo Amaro, São Paulo
Sub-center urban tourism: architectural and landscape routes in Santo Amaro, São Paulo
Turismo urbano del subcentro: ruta arquitectónica y paisajísticas en Santo Amaro, São Paulo
Recepción: 14 Enero 2021
Aprobación: 12 Junio 2021
O tema da pesquisa surge da premissa de que alguns dos distritos localizados fora do centro expandido[1] do município de São Paulo abrigam acervo arquitetônico e paisagístico expressivo e pouco explorado e divulgado. Esse acervo composto por um conjunto de edificações e praças que conformam distintas paisagens urbanas, tem evolução e contexto variado e faz parte do patrimônio material da históriaºn paulistana.
O município de São Paulo está dividido geograficamente em 96 distritos (Lei nº 11.220, 1992) distribuídos em 31 Subprefeituras. Desse total, 26 distritos de 7 Subprefeituras estão contidos na área do centro expandido, sendo que 22 distritos estão contidos integralmente e 4 parcialmente. A área do centro expandido além de concentrar as melhores oportunidades de emprego, também apresenta a maior concentração de meios de transportes, hospedagem e equipamentos de cultura, fatores que atraem tanto os moradores da cidade em busca de opções de lazer, como os turistas de outras cidades, estados e os estrangeiros. Assim a área do centro expandido é onde se encontra o maior potencial para o desenvolvimento do turismo urbano em São Paulo.
Os bairros mais afastados do centro de São Paulo têm maior dificuldade de ser inseridos no circuito turístico da cidade em função principalmente das distâncias a serem percorridas, mas também diante da carência de informações e divulgação de seus atributos e atrativos para tornarem-se pontos de destinação turística.
Com a recente expansão do sistema metroviário de São Paulo, espera-se uma melhoria na mobilidade urbana, pois o transporte público, principalmente o metrô, é um elemento facilitador para a maior integração dos distritos mais afastados do centro histórico e nevrálgico da cidade. As duas primeiras linhas de metrô, a Linha 1-Azul e a Linha 3-Vermelha, que começaram a ser construídas no final da década de 1960 e foram concluídas no final dos anos 1980, foram inicialmente denominadas de linha Norte-Sul e linha Leste-Oeste, justamente por seu traçado em cruz, conectadas na estação Sé, no centro histórico de São Paulo (Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2019).
A partir do início dos anos 2000 três novas linhas de metrô impulsionaram o sistema de transporte público da cidade, com a inauguração das estações das linhas 2-Verde, concluídas em 2011; Linha 4-Amarela, com trechos inaugurados e em operação, mas que só será concluída em 2021; e a linha 5-Lilás, que teve o primeiro trecho inaugurado em 2002 e a conclusão da última estação foi em 2019. Atualmente ainda está na fase inicial das obras a Linha 6-Laranja que não possui nenhum trecho ou estação em funcionamento (Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2019).
Assim, é possível observar que todas as linhas de metrô se espraiam além dos limites do minianel viário que conforma o centro expandido, permitindo o acesso mais rápido para os bairros mais afastados e que possuem importante e relevante patrimônio arquitetônico, como Morumbi e Butantã (linha 4-Amarela) na zona oeste; Itaim Bibi, Campo Belo, Santo Amaro e Vila Andrade (linha 5-Lilás), na zona sudoeste; e futuramente o distrito da Freguesia do Ó (linha 6-Laranja) na zona noroeste (Figura 1).
A questão que se discute é que não basta apenas haver melhoria na mobilidade para se incentivar o turismo urbano. Torna-se fundamental também, a valorização do patrimônio cultural dos bairros periféricos para que estes possam se tornar atrativos para o turismo. Para isto é necessário ampliar o escopo dos objetos de pesquisa no campo da arquitetura e da paisagem, ampliando-se o repertório historiográfico para além dos edifícios e dos espaços urbanos das áreas centrais, amplamente estudados e divulgados.
O argumento que se investiga, portanto, é como preencher uma lacuna historiográfica referente ao patrimônio cultural edificado em região periférica de uma grande cidade e ao mesmo tempo prover dados sistematizados e organizados que possam contribuir para incentivar o turismo urbano local. Dentre os bairros mais afastados do centro histórico de São Paulo e com acesso por meio do metrô, foi selecionado como objeto de estudo para esta pesquisa o bairro de Santo Amaro na zona sul do município.
A região de Santo Amaro foi o vetor de expansão e de desenvolvimento da porção sul do município de São Paulo. Fundado em 15 de janeiro de 1552, como um aldeamento distante do centro, era acessível apenas pelo Rio Pinheiros. Santo Amaro se tornou um município independente em 1832, e em 1935 foi anexado como um bairro do município paulistano, sendo até hoje considerado como um importante polo de atração para a população da zona sul de São Paulo (Berardi, 1981).
Em 2002, o eixo antigo e original de Santo Amaro foi oficialmente tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp (Resolução nº 14, 2002). Mesmo diante da expansão da área urbana de Santo Amaro, o núcleo do antigo município, composto pelo Largo Treze de Maio e suas ruas adjacentes, mantém as características de centro comercial popular e de serviços.
Diante desse cenário, iniciou-se uma pesquisa cujo objetivo principal é colaborar com a valorização e consolidação da identidade da cultura local de Santo Amaro a partir do resgate, registro e divulgação do seu patrimônio arquitetônico. Para alcançar este objetivo, foram elaborados três roteiros turísticos, sendo dois arquitetônicos e um paisagístico, para serem divulgados para o turista urbano, o morador do próprio bairro, ou para as pessoas interessadas em arquitetura e história da cidade. Os dados obtidos estão divulgados em uma base de consulta on line ao material iconográfico e textual atualizado e confiável, para acesso público aos cidadãos, estudantes e pesquisadores (Santo Amaro, 2020) e que contou com o apoio do MackPesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O objetivo específico do artigo é demonstrar, portanto, como a aplicação de dois métodos utilizados nas ciências sociais para investigações na área do turismo, a roteirização e a inventariação, auxiliaram na elaboração e complementação da pesquisa de base historiográfica sobre um recorte territorial delimitado, o subcentro de Santo Amaro. A roteirização e a inventariação foram utilizadas na sistematização, padronização e consolidação dos dados levantados e analisados, e que foram interpretados, incorporados e documentados em forma de narrativas textuais.
O presente texto apresenta o referencial teórico utilizado para as definições dos termos empregados na investigação; a descrição dos métodos de roteirização e inventariação; os procedimentos utilizados no desenvolvimento da pesquisa; os dados quantitativos dos atrativos culturais edificados e dos espaços livres; e a cartografia dos 3 roteiros turísticos propostos para Santo Amaro. Os resultados da pesquisa estão em consonância com a recente promulgação da Lei nº 17.241, de 3 de dezembro de 2019, que tornou a região do Largo 13 de Maio em polo cultural, histórico e turístico da cidade de São Paulo. Entre os objetivos da lei destaca-se a proposta de facilitar o acesso de turistas e pedestres ao local e a promoção do desenvolvimento econômico sustentável da região.
Os roteiros arquitetônicos e paisagísticos elaborados e propostos a partir da pesquisa desenvolvida acerca do patrimônio cultural do subcentro de Santo Amaro têm como objetivo inserir o distrito no circuito do turismo cultural urbano do município de São Paulo, partindo-se da definição de que:
O turismo urbano não tem como elementos fundamentais o ambiente natural como praias, montanhas, florestas, águas, etc. Seu produto é a cidade. Falar de turismo urbano é adentrar o campo do ambiente construído que vai muito além do patrimônio arquitetônico e da história que só o lugar pode contar. É usufruir de tudo aquilo que a vida urbana pode oferecer e, quanto maior a cidade maior a força do turismo urbano (Vargas, 2000, p. 1).
O centro expandido de São Paulo apresenta grande oferta de atividades culturais, o que amplia a força do segmento do Turismo Cultural nesta região da cidade, considerando que: “Turismo Cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura” (Ministério do Turismo, 2010, p. 15).
O turismo cultural urbano propõe a leitura das culturas locais, dos tecidos urbanos e dos elementos deles constitutivos: “A cidade, expressão forma do processo de urbanização, constitui, por excelência, um atrativo turístico relevante, que cristalizou importantes artefatos culturais, ressemantizados e transformados em atrativos turísticos” (Paiva, 2016, p. 44).
Dentro do conceito de local com vocação para o turismo cultural urbano, alguns bairros próximos ao centro de São Paulo já fazem parte do circuito turístico da cidade, apoiados em suas tradições culturais e seus atrativos diferenciados e diversificados, como nos bairros da Liberdade, Bixiga, Cerqueira César e Vila Madalena. A predominância da divulgação de informações dos atrativos turísticos e culturais dos bairros centrais é facilmente identificada nos conteúdos dos guias disponíveis sobre São Paulo. Existem atualmente diferentes guias sobre a cidade, tanto turísticos, como arquitetônicos, mas em geral eles apresentam dados e informações sobre atrações predominantemente localizadas dentro do centro expandido do município.
Vargas (2016) destaca que a atração de um lugar como um ponto turístico pode se dar em função de sua beleza natural; da história inerente à localidade e traduzida pelo seu patrimônio cultural e arquitetônico; ou pela contemporaneidade dos ambientes construídos e planejados especificamente para o turismo. Nesse último caso, o ambiente construído é intencionalmente produzido com características e atividades voltadas diretamente para o propósito turístico. Mas, por outro lado, ressalta a autora, os ambientes construídos, realizados sem o propósito turístico, são os que representam “um legado da história, cultura, arquitetura e urbanismo” (Vargas, 2016, p. 24). Os núcleos originários de diferentes bairros que formaram a configuração atual da cidade de São Paulo representam fragmentos desses legados de história, com as especificidades de suas culturais locais, com seus traçados viários originais, o patrimônio histórico antigo ou moderno preservado, e seus equipamentos socioculturais e institucionais significativos.
O turismo urbano em áreas centrais de grandes cidades tem sido objeto de estudo de autores como Allis (2012) e Castrogiovanni (2001) que expressam reflexões temáticas com o objetivo de discutir a inter-relação entre cidade, cultura e turismo. A introdução da questão da valorização da história e da preservação do patrimônio edificado, a partir da descentralização das atenções turísticas por diferentes polos da cidade é uma contribuição dos autores Heliana Comin Vargas e Ricardo Paiva no livro Turismo, Arquitetura e Cidade (2016).
A destinação turística está vinculada com a imagem que é previamente formada para um determinado local com a intenção de atrair o turista, e segundo Vargas: “Essa imagem [da área de destinação turística] tem na arquitetura um dos elementos principais para a sua formação” (Vargas, 2016, p. 23). A relevância do patrimônio edificado também é ressaltada por Choay: “Entre os bens incomensuráveis e heterogêneos do patrimônio histórico, escolho como categoria exemplar aquele que se relaciona mais diretamente com a vida de todos, o patrimônio histórico representado pelas edificações” (Choay, 2001, p. 11).
Por ter sido um núcleo antigo e com a infraestrutura de um município (até 1935), o bairro de Santo Amaro oferece boas oportunidades de espaços públicos e edifícios históricos para a configuração de um roteiro turístico e cultural relevante, que pode ser explorado pelos próprios moradores da zona sul de São Paulo, que já utilizam a região como um subcentro comercial, cultural e administrativo, e por turistas urbanos de outras regiões do município.
A investigação de base historiográfica, debruça-se sobre o patrimônio cultural edificado e paisagístico de um recorte territorial delimitado, o Eixo Histórico de Santo Amaro e seu entorno imediato, não apenas referenciando-se nos fenômenos do passado, como também em sua contextualização no tempo presente. Quanto ao seu objetivo, a pesquisa é descritiva, pois visa expor as características de fenômenos reais, identificadas em coletas de dados realizadas através de levantamentos de informações em fontes primárias e secundárias (Lakatos & Marconi, 2016).
Os procedimentos utilizados no desenvolvimento da pesquisa compreenderam as seguintes etapas: levantamento de referências bibliográficas e iconográficas do bairro de Santo Amaro, incluindo os equipamentos socioculturais selecionados e os espaços livres; levantamento da biografia dos autores dos projetos das edificações; redesenho de plantas, cortes, elevações e perspectivas das edificações (quando disponíveis); elaboração de 2 formulários padrão para preenchimento de informações sobre os edifícios e sobre os espaços livres de uso público, a partir da utilização dos formulários disponibilizados pelo Ministério do Turismo; registro fotográfico da situação atual das edificações e espaços livres; levantamento no local para preenchimento dos formulários, verificação do uso e características atuais de cada edifício e espaço livre selecionado para a pesquisa e simulação dos percursos da roteirização proposta; elaboração de textos sínteses a partir dos dados coletados, procurando contemplar as categorias de análise previamente selecionadas para a elaboração da inventariação de cada um dos elementos do patrimônio arquitetônico e paisagístico selecionado; e organização dos dados em um site na internet (Santo Amaro, 2020).
Para a sistematização e uniformização das coletas e descrições dos dados levantados, a pesquisa empregou dois métodos procedimentais utilizados nas ciências sociais para investigações na área do turismo e que foram adaptados e sintetizados para a elaboração de três percursos turísticos no território estudado: a roteirização e a inventariação. Segundo o Ministério do Turismo:
Roteirização turística é o processo que visa propor, aos diversos atores envolvidos com o turismo, orientações para a constituição dos roteiros turísticos. Roteiro turístico é um itinerário caracterizado por um ou mais elementos que lhe conferem identidade, definido e estruturado para fins de planejamento, gestão, promoção e comercialização turística das localidades que formam o roteiro. (Ministério do Turismo, 2007, p.13).
Roteirização turística é, portanto, um método abrangente que, além dos atrativos turísticos de determinada localidade, aborda todo o rol de serviços e infraestrutura necessários para o desenvolvimento das atividades inerentes ao acolhimento do turista, sua hospedagem, circulação e locomoção e acesso às diversas informações. O roteiro turístico, por sua vez, é um dos produtos que fundamentam e organizam a estrutura física e de ambientação dos diversos elementos que constituem a atratividade de uma localidade.
Partindo-se da conceituação de que a roteirização é um processo que orienta a elaboração dos itinerários turísticos e que o roteiro turístico é “um percurso geográfico determinado, integrado por várias atrações com características comuns” (Ministério do Turismo, 2010, p. 75), a presente pesquisa propôs dois roteiros arquitetônicos e um paisagístico, que conformam três percursos geográficos que integram os pontos de interesse para o reconhecimento do patrimônio arquitetônico e paisagístico do núcleo histórico de Santo Amaro. Após a definição dos três roteiros, a segunda fase da investigação realizou a inventariação do patrimônio arquitetônico e paisagístico dos pontos de interesse dos roteiros propostos.
Inventariar significa registrar, relacionar, contar e conhecer aquilo de que se dispõe e gerar informação, para pensar de que maneira se pode atingir determinada meta. No caso do turismo, o inventário consiste em levantar, identificar, registrar e divulgar os atrativos, serviços e equipamentos turísticos, as estruturas de apoio ao turismo, às instâncias de gestão e outros itens e condições gerais que viabilizam a atividade turística, como base de informações para que se planeje e gerencie adequadamente o processo de desenvolvimento (Lima, 2011, p. 20).
Dentro do recorte territorial delimitado, foram identificados 12 equipamentos institucionais, culturais e 6 espaços livres que despontaram como pontos de interesse para desenvolvimento da segunda etapa da pesquisa. Para a seleção dos 18 pontos de interesse foram utilizados os seguintes critérios: os bens tombados ou em processo de tombamento em âmbito estadual pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – Condephaat -, ou em âmbito municipal pelo Conpresp; edificações e equipamentos institucionais antigos, com data de inauguração até o início do século passado; edificações e equipamentos institucionais e culturais modernos e contemporâneos que se tornaram referência no bairro; e espaços livres para uso público, como praças, ruas de pedestres e largos.
Para cada um dos 18 pontos de interesse turístico foram preenchidos formulários para levantamento de dados durante as visitas realizadas aos locais de estudo. Foram elaborados, portanto, dois tipos de formulários, sendo um para os edifícios, denominado Formulário de Levantamento de Atrativo Cultural Edificado e outro formulário para os espaços livres, o Formulário de Levantamento de Espaços Livres.
O Formulário de Levantamento de Atrativo Cultural Edificado baseou-se no modelo de formulário de Inventário da Oferta Turística (Ministério do Turismo, 2015a) para a Categoria C2 – Atrativos Culturais. O Formulário de Levantamento de Espaços Livres baseou-se no modelo do formulário de Inventário da Oferta Turística (Brasil, Ministério do Turismo, 2015b) para a Categoria B6 – Serviços e Equipamentos de Lazer. Ambos os modelos utilizados pelo Ministério possuem 9 grupos de dados para preenchimento, divididos em: 1 - Informações gerais; 2 - Funcionamento; 3 - Características; 4 - Proteção, qualificação, certificação, premiação, destaques e outros; 5 - Estado Geral de Conservação; 6 - Acessibilidade; 7 - Observações; 8 - Referências; 9 - Equipe Responsável. Cada um dos grupos de informações contém de 1 até 21 subitens de preenchimento.
Os formulários utilizados na pesquisa simplificaram as informações coletadas, eliminando alguns itens e, por outro lado, ampliou-se o escopo com dados históricos e cartográficos de cada um dos equipamentos e espaços livres selecionados. Os novos formulários ampliaram para 10 grupos de dados para preenchimento, acrescentando os itens: Dados Técnicos da Edificação e Material disponível sobre a edificação e Dados Técnicos dos Espaços Livres, e eliminando o item Referências. Os dois formulários se diferenciam principalmente nos itens referentes aos dados técnicos, pois cada um incorpora aspectos específicos do tema em estudo. Os dados levantados e registrados nos formulários serviram de subsídios para a elaboração dos textos descritivos que foram formatados para a divulgação em um site disponibilizado gratuitamente na internet, para consulta dos cidadãos (Santo Amaro, 2020), e para artigos publicados com o objetivo de divulgar o patrimônio arquitetônico e paisagístico do Eixo Histórico de Santo Amaro (Pisani, Azul & Oliveira, 2021; Pisani & Oliveira, 2021; Costa & Pisani, 2021; Pisani, Oliveira & Azul, 2020; Oliveira et. al, 2020).
O preenchimento das fichas de inventariação de um total de 15 atrativos culturais edificados permitiu a seleção de 12 edificações significativas para o desenvolvimento do Roteiro Arquitetônico e o rejeite de 3 opções previamente selecionadas e que foram descartadas por não preencherem os requisitos de informações mínimas necessárias para permanecerem no roteiro turístico proposto (Figura 2).
Para os espaços livres, por sua vez, foram mantidos 6 de um total de 7 inicialmente propostos como pontos de interesse de visitação, pois apresentaram as características consideradas relevantes como atrativo turístico (Figura 3). O Cemitério de Santo Amaro foi excluído em função da precariedade das informações disponíveis sobre a arte tumular existente.
Para o preenchimento dos Formulários de levantamento de dados, foram realizadas visitas de campo, para a averiguação e registro dos dados identificados. Com relação aos dados levantados das 12 edificações de interesse turístico e cultural, as análises dos dados indicaram os seguintes resultados, apresentados no Quadro 1:
A análise dos dados comprova que: as 12 edificações possuem tipologias de usos diversificadas e representam um amplo período histórico que vai desde o final do século XIX até o final do século XX; a maioria das edificações permite acesso gratuito e dois terços apresentam algum tipo de sinalização de acesso ou turística; todos os edifícios já sofreram alguma reforma ou adaptação e a maioria apresenta atualmente bom estado de conservação. A principal carência do conjunto de edificações está na sinalização tátil, pois apenas 33% seguem as normas de acessibilidade. Os resultados demonstram, portanto, a possibilidade de inclusão dos 12 exemplares no roteiro turístico proposto.
Com relação aos dados levantados dos 6 espaços livres de interesse turístico e cultural, as análises dos dados indicaram os seguintes resultados quantitativos e qualitativos, apresentados no Quadro 2:
A análise dos dados aponta que: a maioria dos espaços livres estudados é composto por praças e representam um período de implantação que abrange desde o início do século XIX até meados dos anos 1980; todos os espaços livres são de propriedade pública e possuem sinalização de acesso e turística, e com acesso gratuito; todos os ambientes estão em bom estado de conservação e já passaram por projetos de reforma ou revitalização; a maioria dos espaços livres possui área verde significativa. A principal carência do conjunto está na ausência de sanitários para uso público, e no fato de apenas um terço dos ambientes possuírem assentos para permanência. Os resultados demonstram, portanto, a relevância dos 6 exemplares para a composição do roteiro turístico dos espaços livres de Santo Amaro.
Após a finalização do processo de inventariação do patrimônio arquitetônico e paisagístico dos pontos de interesse de Santo Amaro foi possível roteirizar dois percursos que englobam três roteiros temáticos distintos: Roteiro dos Edifícios Históricos; Roteiro dos Edifícios Modernos e Contemporâneos e o Roteiro dos Espaços Livres. Todos os roteiros partem de duas estações de metrô da linha 5-Lilás: Estação Largo 13 e Estação Adolfo Pinheiro, e seguem as rotas indicadas no mapa da Figura 4.
A área central de São Paulo, conformada pelo núcleo histórico original e seu entorno próximo, delimitada e denominada como centro expandido, compõe o principal cenário turístico e de conservação do patrimônio cultural edificado e paisagístico do município. O investimento tardio no transporte público metroviário apresentou recentemente, no início do século XXI, um avanço no provimento de novas linhas e estações de metrô e proporcionou uma melhoria na conexão entre a região periférica e seus subcentros, com o centro histórico e nevrálgico da cidade. Para viabilizar a inverção de sentido do fluxo atual do turismo urbano municipal, representado pelo deslocamento da população periférica para o centro em busca dos atrativos culturais e de lazer, é necessária a identificação, valorização e divulgação do patrimônio cultural periférico, para então se pensar no fluxo contrário dos turistas urbanos, do centro para a periferia.
A questão investigada sobre a necessidade de se preencher a lacuna historiográfica referente ao patrimônio cultural e paisagístico da periferia mostrou-se verdadeira, uma vez que os diferentes procedimentos e fases percorridos durante a pesquisa evidenciou que a documentação e os registros históricos das edificações e dos espaços livres do núcleo histórico de Santo Amaro estão dispersos entre os distintos órgãos de preservação, em publicações e acervos, e o resgate destes dados se tornou trabalhoso e lento. Isto dificulta e até impede a obtenção das informações pelos diferentes interessados no assunto. A utilização do método de pesquisa baseado na inventariação e roteirização e que foi adaptado para a sistematização dos procedimentos utilizados na elaboração dos roteiros propostos para o subcentro de Santo Amaro demonstrou ser fundamental para o resultado da investigação.
A coleta, organização, e publicação em forma digital gratuita dos dados obtidos reforçam a importância histórica e social destes bens e, consequentemente, sua valorização trazendo benefícios sociais, ambientais e econômicos para a região e para o Município de São Paulo. A divulgação organizada destes dados, em forma de site e exposições nos espaços públicos culturais do Bairro, irá colaborar de forma direta para futuras pesquisas em várias áreas do conhecimento: arquitetura e urbanismo, engenharia civil, turismo, história, geografia, sociologia, administração pública, políticas públicas e outras, fazendo com que o estado do conhecimento na área avance e possa trazer benefícios sistêmicos para a região.
Espera-se que os resultados obtidos e os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa sirvam de subsídio para fomentar a aplicação em outros bairros e núcleos históricos do município de São Paulo, e mesmo de outras regiões interessadas em preservar e valorizar a história e a cultura de seus patrimônios edificados. O resgate da história material de Santo Amaro – Vila – Município independente e Bairro de São Paulo é uma contribuição importante para melhorar o sentimento de pertencimento dos cidadãos santamarenses.