Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Músicas, encontros e a alma de um sítio. Entrevista com Miracelia Fragoso, empreendedora do Tejo Bar em Alfama, Lisboa, Portugal [1]
Aline Brufato
Aline Brufato
Músicas, encontros e a alma de um sítio. Entrevista com Miracelia Fragoso, empreendedora do Tejo Bar em Alfama, Lisboa, Portugal [1]
Caderno Virtual de Turismo, vol. 21, núm. 2, 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro
resúmenes
secciones
referencias
imágenes
Carátula del artículo

Entrevista

Músicas, encontros e a alma de um sítio. Entrevista com Miracelia Fragoso, empreendedora do Tejo Bar em Alfama, Lisboa, Portugal [1]

Aline Brufato
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Brasil
Caderno Virtual de Turismo, vol. 21, núm. 2, 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro

A conversa é com Miracelia Fragoso, a empreendedora do Tejo Bar. Nosso encontro fala de um lugar que, mais que um atrativo turístico, é uma referência para a cultura e as artes na cidade de Lisboa. O Tejo Bar é um lugar de alma resiliente. Mira, nos falando de seu trabalho, nos desvela a vitalidade dessa alma.




Miracelia Fragoso

O Tejo Bar é pequeno e íntimo, está localizado em Alfama, Lisboa, e é uma referência na música. É um lugar de encontro, frequentado por muitos músicos e artistas que vivem ou estão de passagem por Lisboa. Ali a música acontece espontaneamente. Nunca se sabe quem vai aparecer para tocar. O Tejo Bar fica no pavimento térreo de um prédio residencial. Por isso ali não se bate palmas, esfregam-se as mãos em respeito ao silêncio dos moradores. Mas todos são convidados a cantar ou tocar. Há um piano e outros instrumentos musicais à disposição. Mas muitos músicos também levam os seus próprios. O improviso e o imprevisto predominam. De repente uma cantora de fado começa a cantar, uma dupla cigana começa um tango ao som de acordeom e violino ou músicos de vários países tocam música popular brasileira. Se a noite fica muito animada, os músicos ocupam o largo da Igreja de Santo Estevão ali próxima, com linda vista de Lisboa e do Tejo.

Como se deu a criação do Tejo Bar como um espaço aberto às artes?

Miracelia Fragoso: O Tejo Bar foi um espaço que não foi criado propositalmente, ele aconteceu em 2000. Foi um espaço que, quando foi passado para nós, já era um espaço de arte, mas sem movimento algum. Eu, pintora artesã, e meu companheiro, músico, poeta e escritor, queríamos um espaço como atelier para ser a extensão da sala da nossa casa e para receber os amigos. No entanto, este espaço tinha que se autossustentar. Quando começamos o Tejo Bar ficávamos trabalhando a noite inteira, pintando e escrevendo. Então, os músicos começaram a ver que existia um espaço, um bar. Era o bar que pagava as despesas. Os músicos começaram a ir para lá, depois de seus trabalhos, às 3 horas da manhã e só saíam às 8 horas. Tornou-se o bar clandestino de Lisboa que funcionava na madrugada, após os artistas terminarem os seus trabalhos e irem para lá se encontrar, conviver e relaxar.

Como é o seu trabalho como empreendedora para manter um espaço tão experimental assim?

Eu tinha que estar lá sempre. Foi assim durante muitos anos, um trabalho de dedicação integral e funcionamento na madrugada. Nós oferecíamos materiais como telas, tintas, pincéis e instrumentos musicais para as pessoas que chegassem tivessem uma atividade artística para fazer, não só beber, nem só conversar. A gente vendia arte. As pessoas faziam arte, mas também comiam e bebiam. Eu preparava a comida em casa, porque no espaço não tem cozinha, e levava na madrugada para lá pão de queijo, esfiha. Assim o movimento foi começando a acontecer e crescer cada vez mais. Os artistas, os músicos fadistas vinham e começavam a tocar interagindo sem compromisso. As atividades artísticas no Tejo Bar foram sendo conhecidas e a frequência aumentou naquele pequeno espaço de 33 metros quadrados. Ficava lotado na madrugada. Saíam de lá felizes. Iam de volta para suas casas e no outro dia retornavam.

Dou a minha vida por esse espaço. Há uma energia intensa ali dentro. É um espaço que chamo mesmo de terapêutico, uma clínica psiquiátrica: quem chega mal sai bem. É energia, é alma. Considero um privilégio ouvir um músico tocar todos os dias. É um elixir para vida. É formidável, maravilhoso, é muita gratidão que sinto por poder contribuir para que isso aconteça. É de fato um lugar de cura. Há mesmo muitos psicólogos que mandam seus pacientes pro Tejo Bar.

E como o Tejo Bar se tornou uma referência na música?

Quando eu fui trabalhar ali eu nada entendia de bar. Fui uma aprendiz. O Tejo Bar me ensinou. A pessoa chegava e me dizia assim: eu quero a bebida tal. Eu perguntava: você sabe fazer? Então, entra aqui e faz a sua bebida. Mas eu sabia fazer caipirinha. E minha caipirinha era a melhor de Lisboa. Empreguei o Sérgio, um deficiente visual que quando servia bebida metade caía do copo. Acho que esse transbordamento é o melhor símbolo do Tejo Bar.

Mas depois de quase dez anos trabalhando assim, meu parceiro foi embora. De repente me vi sozinha. Que fazer agora? Já tinham acontecido tantas coisas naquele espaço que resolvi não desistir. E continuei ali sozinha durante seis anos. Nesse tempo houve muitas mudanças em Alfama, com o fechamento do bairro para o turismo. Eu já não aguentava mais tocar sozinha o Tejo Bar. Mas doía muito em meu coração desistir do espaço criado com tanto esforço. Busquei alguém para administrar o lugar que tinha se tornado um ponto de referência de Lisboa. E consegui encontrar.

O mais importante é ser uma pessoa que se identifique com a alma do lugar. O Tejo Bar foi criado como uma extensão da minha casa para receber meus amigos. E um músico caboverdiano, frequentador das madrugadas do Tejo Bar, se tornou meu sócio desde 2015. Coordena essa área da música, da cultura, dos artistas. Eu fico preparando a comida, organizando o espaço, cuidando das coisas, pagando e movimentando as contas, colocando todas em dia. O Tejo Bar se mantém economicamente com as vendas de bebidas e comidas.

Quero destacar duas coisas que você falou: uma é a generosidade simbolizada pelo Sérgio derramando bebida fora do copo na hora de servir os clientes. No Tejo Bar a bebida não vem medida com régua. A outra é você ter dito que o Tejo Bar aconteceu sem falar em plano nem em planejamento?

Não houve planejamento. No Tejo Bar em primeiro lugar não está o dinheiro, mas a cultura. Os músicos quando vem tocar, todo mundo tem que fazer silêncio como respeito ao artista, ao músico, ao poeta, à exposição, à pintura. É respeito à cultura. Então é um espaço de cultura, esse é o meu trabalho. Eu sempre estive envolvida na cultura, cresci no meio artístico, é a minha vida.

O Tejo Bar tem parcerias com outros empreendimentos. Se sim, qual é a importância dessas parcerias?

Não temos parceria com ninguém. Arrisco a dizer que é um dos lugares singulares em Alfama. O Tejo Bar vive de si próprio, dos seus jantares preparados e das vendas de bebidas. Não tem parceria com os músicos. Os artistas vêm de livre e espontânea vontade, talvez atraídos por esse desprendimento. Mas fundamentalmente porque gostam do espaço. E o espaço está de braços abertos para recebê-los.

Você disse que o Tejo Bar é um lugar onde as coisas não são programadas, é um lugar de acontecências. Como você faz a programação mensal das apresentações que vão ali ocorrer? Ou isso não existe no Tejo Bar?

Não existe programação. Todas as noites são uma surpresa. Essa organização não existe no Tejo Bar, nunca existiu. As pessoas chegam e às vezes me perguntam qual é a programação de hoje? Chego até a ter vergonha, pois não sei. Os músicos podem vir como podem também não vir. É assim todos os dias. De repente vem um músico, de repente já são seis músicos. Eles vão entrando. É a flauta, é a guitarra, é o violino, é o contrabaixo. E vai se criando aquela energia no lugar. E quando aquele grupo sai já entra o outro, mas não temos essa programação mensal. Às vezes fico pensando que as pessoas acreditam que aquilo tudo está organizado, mas não é assim que o Tejo Bar acontece. Nesse sentido, não tem essa organização.

Quero destacar que nesse caso o improviso é um processo coletivo que depende de uma rede de confiança recíproca. Assim como você confia que os músicos vão chegar, eles confiam que ir ao Tejo Bar vale a pena. É uma via de mão dupla sem programação pré-determinada.

Sim. Eu não sei fazer de outra forma. Esse desprendimento é também uma ligação muito afetuosa que se tem. Aconteceu e não tenho muito como explicar. Mas que bom que eu estou a ouvir que é uma coisa que dá certo porque já estou a 20 anos nessa luta.

Algo a dizer sobre a ida da Madonna ao Tejo Bar?

Eu me recuso falar da Madonna. Ela foi até mesmo barrada na porta no Tejo Bar. Eu disse que estávamos fechados e falei para ela ir para a Igreja de Santo Estevão ali perto. Por conta do barulho, depois de certa hora, a gente manda os músicos para a igreja porque tem uma vista lindíssima, é um miradouro e lá se pode ficar à vontade tocando. Os músicos saem do Tejo Bar e vão tocar em frente à igreja. E Madonna foi lá. Ela é uma superstar. E já esteve muitas vezes no Tejo Bar. Sentiu-se bem ali. Acho que foi para ela surpreendente.

Como é essa história de esfregar as mãos ao invés de bater palmas?

Tivemos muitas dificuldades em Alfama por causa do barulho. Uma senhora velhinha, vizinha do Tejo Bar não gostava de ouvir as palmas e chamava a polícia reclamando do barulho. Então a gente passou a não bater palmas.

O setor da produção cultural independente é fortemente atingido pela pandemia. Como continuar?

O Tejo Bar fechou em 12/3/2020 antes do decreto do governo em 16/3/2020. Reabrimos em meados de setembro de 2020 atendendo a todas as restrições solicitadas. Isso teve um custo. Tivemos que colocar um acrílico para dividir o lugar onde ficam os músicos do lugar do público e não podíamos ter mais de dez pessoas no espaço. Tejo Bar virou um aquário. Funcionamos assim, apertados. Depois de todos esses gastos, voltamos novamente ao confinamento em janeiro de 2021 e assim estamos até o momento. Estamos vivendo a incerteza na busca por uma nova forma de viver a criatividade.




Custódio Coimbra

Aline Brufato

Doutoranda em Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ Pesquisadora do Laboratório, Tecnologias, Diálogos e Sítios (LTDS) aline.brufato@coppe.ufrj.br

Material suplementario
Notas
Notas
[1] Resultado do encontro “Empreendedorismo nas Artes e Alma dos Sítios” no âmbito do Fórum da Economia da Funcionalidade e da Cooperação 2021 que aconteceu em 17/3/2021, no formato virtual, nos canais youtube.com/clubeefcrio e youtube.com/pepufrj. A mediação do encontro foi realizada pelos professores Roberto Bartholo e Francisco Duarte, organizador da iniciativa junto ao Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ e ao Clube Rio da Economia da Funcionalidade e da Cooperação com o apoio da FAPERJ.



Miracelia Fragoso



Custódio Coimbra
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc