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Saberes e Fazeres Populares: o artesanato nas regiões turísticas de Alagoas
Popular know-how: the handicraft in the tourist regions of Alagoas
Saberes y Haceres Populares: la artesanía en las regiones turísticas de Alagoas
Caderno Virtual de Turismo, vol. 22, núm. 1, 2022
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Artigos originais



Recepción: 15 Abril 2021

Aprobación: 06 Octubre 2022

DOI: https://doi.org/10.18472/cvt.22n1.2022.1965

Resumo: O artesanato é uma atividade baseada na transformação manual da matéria-prima em produtos criativos, de valor cultural, realizada por indivíduos que detém o conhecimento de técnicas específicas. Essa atividade tem uma estreita relação com atratividade turística de diversos territórios. O Estado de Alagoas, localizado na região Nordeste do Brasil, é dotado de um rico patrimônio cultural material e imaterial, possibilitando inúmeros recursos culturais favoráveis ao desenvolvimento e à ocorrência de movimentações turísticas que posam melhor valorizar esses patrimônios. Diante desse contexto, este estudo, de caráter qualitativo, exploratório e descritivo, visa identificar os territórios e as tipologias artesanais mais relevantes em Alagoas, tomando-se como base as regiões turísticas do Estado. O estudo aponta a correlação da predominância de determinados saberes e fazeres artesanais e a sua incidência nas regiões turísticas alagoanas.

Palavras-chave: Artesanato, Cultura, Regiões Turísticas, Alagoas.

Abstract: Handicraft is an activity based on the manual transformation of raw materials into creative products of cultural value, accomplished by people who know specific techniques. It has a close relationship with tourism's attractiveness of different territories. The State of Alagoas, located in the northeast region of Brazil, is endowed with rich cultural heritage, both material and immaterial, which allows for countless cultural resources that are favorable to the development and occurrence of tourist movements that can better enhance these heritages. In light of this, the purpose of this qualitative, exploratory and descriptive study is to identify the most relevant territories and handicraft typologies on the tourist regions of the State of Alagoas. The research shows the correlation of the predominance of certain popular know-how and its incidence in the tourist regions of the State of Alagoas.

Keywords: Handicraft, Culture, Tourist Regions, Alagoas.

Resumen: La artesanía es una actividad basada en la transformación manual de materias primas en productos creativos de valor cultural, realizada por personas que tienen conocimientos de técnicas específicas. Esta actividad tiene una estrecha relación con el atractivo turístico de diferentes territorios. El Estado de Alagoas, ubicado en la región Nordeste de Brasil, está dotado de un rico patrimonio cultural material e inmaterial, que permite innumerables recursos culturales favorables al desarrollo y ocurrencia de movimientos turísticos, que pueden mejor valorar estos patrimonios. Frente a este contexto, este estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo tiene como objetivo identificar las tipologías y territorios artesanales más relevantes en Alagoas, tomando como base las regiones turísticas del Estado. El estudio señala la correlación del predominio de determinados saberes y oficios y su incidencia en las regiones turísticas de Alagoas.

Palabras clave: Artesanía, Cultura, Regiones Turísticas, Alagoas.

1. Introdução

Alagoas é um Estado brasileiro, localizado na região Nordeste, com potencial para desenvolver a atividade turística a partir de seus aspectos naturais, culturais e históricos. Possui população estimada em 3.351.543 habitantes (IBGE, 2020) distribuídas num território de 27.830,656 km² (IBGE, 2010). Em 2017, o Produto Interno Bruto (PIB) estadual foi de 37.233 bilhões de reais, sendo o setor de serviços o maior contribuinte. No turismo foram realizados mais de 400 milhões de reais em investimentos nos últimos dez anos, o que contribuiu para ampliar o número de visitantes (Alagoas, 2017b). O principal destino dos turistas são as praias do litoral alagoano, entretanto, o Estado apresenta inúmeros recursos latentes para desenvolvimento de atrativos culturais e de outras tipologias turísticas que possam valorizar o patrimônio cultural (Cavalcante & Fonseca, 2021; Vasconcelos et al., 2019; Vasconcelos, 2017; Vasconcelos & Bezerra, 2012).

O artesanato é um relevante recurso cultural desse Estado, proveniente dos saberes e fazeres populares, mas que necessita ser melhor reconhecido, tanto pela população local, quanto pelos visitantes e agentes fomentadores do turismo. As peças artesanais, e seus processos simbólicos de produção, são elementos de atratividade para tipologias de turismo que agregam valores culturais aos atrativos turísticos (Brandão et al., 2012). A partir disso, cabe-nos a reflexão acerca do potencial do artesanato alagoano e sua relação com suas regiões turísticas.

Diante desse contexto, este artigo apresenta um mapeamento da produção artesanal alagoana, com base na regionalização turística adotada no Estado. A partir de pesquisa qualitativa, embasada por revisão bibliográfica e documental, identificou-se os territórios, as tipologias e os agentes produtores (mestres artesãos, artistas populares, artesãos e associações) mais significativos de Alagoas. Os resultados poderão servir como aporte teórico para que os gestores públicos, empresários e artesãos possam elaborar políticas públicas e produtos turísticos vinculados ao artesanato, visando o desenvolvimento das regiões turísticas abordadas.

2. Revisão de literatura

O artesanato é um ofício que se faz presente no decorrer da história, desde o momento em que o ser humano passou a confeccionar, manualmente, ferramentas, objetos e artefatos incorporados no seu cotidiano (Rodrigues, 2012). Com a evolução histórica da manufatura capitalista, houve decadência na produção artesanal, porém, contemporaneamente, há tendências de valorização dessa atividade, devido ao processo de globalização (Rodrigues, 2012).

Essa atividade é baseada na transformação manual da matéria-prima em produtos criativos de valor cultural, por indivíduos que detém o conhecimento de técnicas específicas (Brasil, 2012), e esse processo criativo agrega valor simbólico a produtos que buscam se diferenciar no atual contexto das culturas massificadas. Conforme Ramos (2013), o artesanato tradicional agrega memórias e técnicas estabelecidos, compartilhados e transmitidos de geração em geração, e o objeto artesanal é materializado pelas mãos humanas a partir da construção coletiva de saberes e habilidades, que determina sua forma, função e sentido. A autora também afirma que a sinergia entre materiais, técnicas e criatividade pode produzir objetos simbólicos em diferentes formatos e para diversas finalidades.

No território brasileiro, o artesanato é francamente disseminado (Brandão et al., 2012). Segundo o IBGE (2010), existem cerca de 8,5 milhões de artesãos no Brasil. A atividade artesanal contribui com 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, correspondente a mais de R$ 30 milhões anuais. Cerca de 60% dos artesãos tem como principal fonte de renda a atividade artesanal (SEBRAE, 2021) e o segmento consegue inserir mulheres e adolescentes no mercado de trabalho (Carvalho, 2015). Além disso, seu valor simbólico e cultural é reconhecido pela Constituição Federal de 1988, tanto como patrimônio material (objetos produzidos), quanto imaterial (modos de fazer).

Em contrapartida, os Planos Diretores da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, de 1960 e 1970, apontaram problemas na atividade artesanal: comercialização restrita aos núcleos de produção, baixa produtividade, má remuneração e níveis de organização insuficientes (Carvalho, 2015). Por esta razão, em 1991 foi instituído o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB). Seus principais objetivos eram elevar os níveis sociais, culturais, profissionais e econômicos dos artesãos brasileiros, desenvolvendo a empresa e o produto artesanal. Posteriormente, foi acrescida uma portaria que criou a Comissão Nacional do Artesanato, composta por uma coordenação nacional e 27 coordenações estaduais, e elaborou a Base Conceitual do Artesanato Brasileiro (Lorêto & Dourado, 2019).

Internacionalmente, reconhece-se o artesanato como um elemento importante da cadeia de valor do turismo, sendo este um importante insumo de atratividade cultural. Porém, no Brasil, cerca de 44,1% dos compradores de artesanato vivem no município de origem do artesão, 21,3% são turistas nacionais e 13,4% são turistas internacionais, ou seja, o turismo contribui com 34,7% das vendas dos produtos artesanais (SEBRAE, 2021). Logo, o potencial da atividade artesanal para o turismo ainda não é exercido e consolidado de maneira efetiva (Ramos, 2013) o que demanda estudos e políticas públicas que melhor explorem as interfaces entre a produção artesanal e a sua inserção em territórios turísticos potenciais e/ou consolidados.

2.1 As regiões turísticas e o artesanato alagoano com base em políticas públicas do Estado

O artesanato alagoano é rico em diversidade, pois está vinculado à formação histórico-cultural de três etnias, que historicamente participaram da formação cultural de sua população. Os indígenas, primeiros habitantes antes da chegada dos colonizadores, produziam artefatos a partir da modelagem em barro e do trançado de fibras vegetais. Os africanos, que migraram para o território nas condições de escravidão, trouxeram uma bagagem de costumes e tradições vinculadas a cultura negra, como a gastronomia africana e os utilitários em barro. Os europeus, principalmente portugueses, transferiram seus modos de viver, arquitetura e utilitários para o território alagoano (Carvalho, 2015). Essa aglutinação de saberes possibilitou novas técnicas e formas de fazer artesanais, a partir das particularidades do território alagoano.

No que se refere ao turismo alagoano, se desenvolveu a partir da década de 1970, com foco no turismo de sol e praia. Especialmente no território turístico diretamente influenciado pela capital Maceió, principal suporte e portão de entrada para essa atividade (Vasconcelos, 2017; Vasconcelos et al., 2019; Vasconcelos & Bezerra, 2013). Quanto ao planejamento turístico no Estado, a Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Turismo de Alagoas (Sedetur/AL) segmentou o território em regiões turísticas para identificar, estudar e planejar o potencial turístico dos municípios alagoanos (Cavalcante & Fonseca, 2021; Vasconcelos, 2017). O conceito de região turística adotado remete aos territórios compostos por municípios que possuem características históricas, culturais, econômicas e geográficas similares e/ou complementares; sendo que alguns desses municípios, mesmo sem desenvolver o turismo de forma efetiva, podem se beneficiar a partir do fornecimento de produtos e serviços relacionados à atividade turística (Brasil, 2017).

A região Agreste, localizada no centro do Estado, iniciou seu processo de ocupação após as regiões litorâneas e ribeirinhas. Destaca-se pela agricultura, pecuária e por ser um celeiro cultural de tradições e formas de expressão. A região Caminhos do São Francisco, margeia um dos rios mais importantes do Nordeste, é um histórico canal de passagem para exploradores europeus, onde se estabeleceram comunidades pesqueiras. Essa região também tem identificação com o simbolismo dos costumes e tradições do cangaço. A região Costa dos Corais é assim denominada por abranger o território ligado à maior área de conservação marinha federal costeira do país, com 135 km de extensão. Sua faixa litorânea é repleta de falésias, coqueirais e recifes de corais, que formam piscinas naturais atrativas para os moradores e turistas. A região da Caatinga abarca grande parte do semiárido alagoano. Durante muitos anos conviveu com o problema das secas, mas que foi diminuído após a construção do Canal do Sertão. É representada, principalmente pelas atratividades do bioma caatinga, pela cultura sertaneja e histórias do cangaço. A região Grande Maceió é onde está localizada a capital - seus principais atrativos turísticos são as praias urbanas, a gastronomia e o patrimônio cultural de bairros, como o Jaraguá e o Pontal da Barra. Na região Lagoas e Mares do Sul estão os estuários e lagunas localizados ao Sul da capital. Historicamente, teve papel fundamental no desenvolvimento sociopolítico do Estado, pois é onde está localizada a cidade de Marechal Deodoro, primeira capital alagoana. Por fim, a região dos Quilombos, que tem uma ancestralidade negra, devida à formação do Quilombo dos Palmares. Sua paisagem é composta por serras, montanhas e cursos hídricos que contribuíram para o desenvolvimento socioeconômico da região.


Figura 1
Mapa das regiões turísticas de Alagoas.
Adaptado de Brasil (2019).

Além da regionalização do turismo, a Sedetur/AL criou o Programa Alagoas Feita à Mão, vinculado ao Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), para coordenar as ações que visem a preservação da identidade e das técnicas artesanais alagoanas, a promoção da comercialização do artesanato alagoano e a realização de ações estruturantes nas oficinas dos artesãos. Uma de suas principais atividades é o mapeamento dos núcleos de produção artesanal em todas as regiões turísticas alagoanas. Para isso, realiza a emissão e a renovação da Carteira Nacional do Artesão, que compõe a base de dados do Sistema de Cadastro do Artesanato Brasileiro (SICAB). Alagoas ocupa o segundo lugar na classificação dos Estados brasileiros com maior número de registros, com um total de 15.000 artesãos cadastrados. Através desse sistema é possível medir variáveis como a renda média dos artesãos, escolaridade, sexo, cidade, principais tipologias, técnicas e produtos, entre outros. Essas informações servem para orientar a elaboração de políticas públicas vinculadas ao segmento.

O cadastro no SICAB é realizado para pessoas físicas e/ou jurídicas. Conforme o PAB (Brasil, 2012), as pessoas físicas que trabalham com o artesanato podem ser divididas nas seguintes categorias: o artesão é o profissional que transforma a matéria-prima em produtos vinculados à cultura, a partir de seus conhecimentos técnicos sobre materiais, ferramentas e processos de produção artesanal; o artista popular desempenha as mesmas funções de um artesão, contudo seu maior propósito é a originalidade, ou seja, não se limita aos processos repetitivos, criando peças originais, expressivas e com alto valor cultural; o mestre artesão é o indivíduo que se destacou em seu ofício ao nível de repassar seus conhecimentos para novas gerações, é geralmente legitimado por sua comunidade e reconhecido pela academia. Quanto às formas de organização dos artesãos, as mais comuns são: os grupos, organizações informais de artesãos que atuam no mesmo segmento, compreendendo até duas tipologias, cujo objetivo é compartilhar e desenvolver técnicas de manejo, produção, divulgação e comercialização; e as associações, instituições sem fins lucrativos, regidas por estatutos sociais e organizadas por assembleias, com objetivo principal de defender os interesses dos associados.

Já as tipologias correspondem às classificações das matérias-primas predominantes utilizadas na produção artesanal (Brasil, 2012), sendo as principais: o barro, que compreende os objetos produzidos com argila, que ao entrar em contato com a água adquire uma plasticidade e em contato com o fogo se torna rígido (Brasil, 2012). O couro, que consiste na elaboração de peças a partir da pele de animais, com destaque para objetos de uso pessoal, utilitários, decorativos e instrumentos musicais (Brasil, 2012). As fibras vegetais, estruturas filamentosas encontradas nos tecidos de origem animal e vegetal. Sua flexibilidade possibilita desenvolver técnicas de trançado que originam produtos como cestas, tapetes, esteiras e chapéus (Alagoas, 2016, 2021). Os fios e tecidos, produzidos a partir de fibras naturais, animais e vegetais (Brasil, 2012). O ferro, metal utilizado nas produções artesanais, complementado pelo zinco, alumínio, estanho, bronze, cobre e prata (Brasil, 2012). A madeira e seus derivados, como MDF, aglomerados e compensados, utilizados na produção de mobiliários, utilitários, objetos e adornos (Brasil, 2012). O material sintético que, apesar de ser produzido industrialmente, é utilizado para produzir peças artesanais, sendo largamente utilizado nas áreas urbanas, por seu baixo preço e facilidade de acesso. Os mais utilizados são espumas, resinas, borrachas, isopor, plásticos, acrílico, fibras acrílicas e massa epóxi (Brasil, 2012). O papel, resultante do trançado das fibras vegetais, sendo considerado uma tipologia específica diante do grande número de variedades que podem ser encontradas, como, por exemplo, objetos compostos por papel, papelaria artesanal e técnicas de montagem, colagem e dobraduras (Brasil, 2012). As peças em pedra, que são formuladas a partir das intervenções artesanais que misturam diferentes variedades existentes no país (Brasil, 2012). As sementes e cascas, produtos florestais não madeireiros, que incluem sementes, cascas, raízes, flores e folhas secas (Brasil, 2012). O vidro, um óxido metálico super-resfriado transparente e de elevada dureza, que pode ser utilizado nos produtos artesanais em sua forma dura, por colagens, ou em sua forma fundida e maleável, a partir do aquecimento da matéria-prima (Brasil, 2012). Por fim, os materiais diversos são todos aqueles não citados anteriormente ou resultado da combinação de vários materiais.

3. Metodologia

Esse estudo, de caráter exploratório e descritivo, foi organizado em duas etapas. A primeira composta por análise das informações contidas no índice remissário do Catálogo Alagoas Feita à Mão (Alagoas, 2021). A amostra foi composta por 206 dados correspondentes a 109 artesãos, 20 artistas populares, 22 mestres artesãos e 55 grupos e/ou associações. Esses dados foram distribuídos em 12 tipologias, 41 municípios e 7 regiões turísticas. Foi adotado o critério de localização geográfica para realizar análises comparativas, ou seja, cada artesão, mestre, artista ou associação corresponde a um ponto físico no território alagoano. A segunda etapa consistiu numa pesquisa bibliográfica e documental que nos balizou para a discussão do estudo. Os documentos consultados foram as duas edições do Catálogo Alagoas Feita à Mão (Alagoas, 2016, 2021), o livro Mestres Artesãos das Alagoas – Fazer Popular (Dantas, 2015) e diversas reportagens na Revista Graciliano (Chaves, 2017b, 2017a; Lima, 2017a, 2017d, 2017c, 2017b; Madeiro, 2017a, 2017b). A junção das informações possibilitou a criação de gráficos comparativos e análise dos dados apresentados no item a seguir.

4. Resultados e discussão

Em conformidade com o método aqui adotado, conseguimos levantar percentuais ilustrativos no que se refere à incidência de manifestações artesanais no território mapeado.


Figura 2
Relação entre tipologias artesanais e regiões turísticas de Alagoas.
Adaptado de Alagoas (2021).

A região Agreste possui 15% de participação no artesanato alagoano, correspondente a 32 pontos. Em primeiro lugar aparecem os trabalhos com madeira, com 12 pontos, seguida dos fios e tecidos, com 8 pontos, e a pedra, ocupando o terceiro lugar com 3 pontos. Nessa região estão concentrados alguns dos principais mestres artesãos do Estado. O mestre André da Marinheira, natural de Boca da Mata, herdou o talento de entalhar a madeira com seu pai, Manuel da Marinheira. O artista desenvolve esculturas de animais, principalmente felinos, utilizando as técnicas de entalhe e pirogravura. Já expôs seu trabalho em importantes feiras de arte do país. Em sua cidade, existe o Museu Manoel da Marinheira, que concentra mais de 1.200 peças em madeira. As obras são de autoria da família, incluindo André, seus irmãos e o patriarca Manoel (Alagoas, 2016; Lima, 2017d). O mestre Zezinho, residente do município de Campo Alegre, também trabalha com esculturas em madeira. Aprendeu o ofício com seu pai quando era criança, mas foi somente a partir de adulto que percebeu o artesanato como uma atividade econômica. Uma das características marcantes de Zezinho é o caráter lúdico de sua obra, o que faz despertar tanto interesse das crianças. São esculturas de traço rústico e simples com uma combinação de cores, pessoas e animais. Em 2009, o mestre recebeu o prêmio de melhor artesão do ano pelo Museu Théo Brandão, referência de Alagoas, e menção honrosa do SESC – Alagoas (Alagoas, 2016; Madeiro, 2017b). Uma réplica das obras “o leão”, de André, e a “sereia”, de Zezinho, integram o Circuito Alagoas Feita à Mão. A iniciativa foi realizada pela Sedetur/AL e consiste na instalação de quatro esculturas gigantes na orla marítima de Maceió.

Lagoa da Canoa também é um celeiro de artistas. O mestre Raimundo, quando jovem, trabalhou numa fábrica de calçados em São Paulo, onde aproveitou os materiais descartados para produzir e vender peças de artesanato. Ao retornar para Alagoas, conheceu o mestre Zezito Guedes, responsável por aprimorar suas técnicas e introduzi-lo no mercado da arte. Raimundo talha na madeira a imagem de pessoas, animais e favelas multicoloridas. Essa última é sua marca registrada, pois, reflete suas vivências na capital paulista. Hoje é considerado um dos principais artesãos alagoanos com peças expostas em São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro (Alagoas, 2016; Lima, 2017a). O mestre Antônio Dedé recebeu o título de Patrimônio Vivo de Alagoas por ser um grande percussor da arte em sua terra. Começou a entalhar esculturas em madeira quando criança, e transformou seu ofício em negócio. Infelizmente faleceu em 2017, mas deixou seu legado para seus filhos Antônio José, Ismael, Adailton, Jailton, Maurício e Maria Cícera (Alagoas, 2016; Lima, 2017d).

Os fios e tecidos também chamam atenção através do trabalho da mestra Maria de Clarice em São Sebastião. É considerada Patrimônio Vivo de Alagoas por manter viva a tradição da renda de bilro. A origem da técnica no município é desconhecida, principalmente por não estar situado numa região litorânea, mas curiosamente se tornou a capital dos bilros de Alagoas. A mestra também desenvolve trabalhos comunitários em São Sebastião, ensinando jovens e crianças a aprender essa arte (Alagoas, 2021; Dantas, 2015). Em Boca da Mata existe o grupo Amor Caseado, que produz peças utilitárias e decorativas bordadas com o ponto caseado. A iniciativa surgiu após um grupo de 10 mulheres realizar uma oficina da técnica com a professora Gisele Dâmaso. O aumento da demanda pelos produtos fez com que o grupo se oficializasse em 2013. O projeto cresceu e atualmente conta com 79 integrantes (Alagoas, 2020). As artesãs Zenilda, Zenaide e Zeneide, conhecidas em Arapiraca como irmãs Petuba, descobriram a arte como um meio para viver. Aprenderam a esculpir pedra no laboratório de próteses do mestre Zezito Guedes. Apesar de trabalharem juntas, desenvolvem peças individualmente. As principais características de seus trabalhos são a criatividade e os traços marcantes e expressivos. Também aprenderam com sua mãe, Dona Marinete, a produzir painéis de tecido com aplicações ilustrativas. Suas obras costumam representar cenas do cotidiano da vida no interior do Estado (Madeiro, 2017b). Roberto Neves também é um artesão que merece destaque, apesar de sua tipologia ser pouco explorada na região. O artista reside em Palmeira dos Índios e desenvolve esculturas em ferro.

Segundo a pesquisa, a região da Caatinga é a menos representativa em relação as demais, com apenas 1% de participação no artesanato. Contudo, o mestre Chico Cigano, natural de Batalha, é um dos poucos representantes com um talento nato para o artesanato em madeira. Seu primeiro contato com a matéria-prima foi através da marcenaria, na adolescência. Mais tarde, desenvolveu seu lado artístico e, como autodidata, criou esculturas de animais, bancos, cadeiras e quadros decorativos. Um dos pontos fortes de seu trabalho é o respeito ao meio ambiente, pois utiliza madeiras mortas em seu estado natural. Suas obras já foram expostas na França, Itália e Bélgica (Alagoas, 2016; Madeiro, 2017a).

A região de Caminhos do São Francisco é a segunda mais importante no contexto artesanal alagoano. Apresenta uma parcela de 21% de participação, correspondente a 43 pontos. A madeira é mais influente nessa região, com 30 pontos. Em segundo lugar, os fios e tecidos, com 8 pontos. O couro aparece em terceiro, com 2 pontos, sendo também seu principal polo de exploração. Existem dois núcleos de produção em que se destaca o artesanato em madeira. O primeiro é o povoado Ilha do Ferro, situado nas margens do rio São Francisco, em Pão de Açúcar. O grande percussor foi o mestre Fernando Rodrigues, que embaixo de uma árvore, na frente de sua casa, inspirou muitos jovens a desenvolver seu lado artístico através da madeira. Ele faleceu em 2009, mas seus filhos e netos ainda vivem do artesanato. Atualmente em sua antiga casa funciona o Ateliê Boca do Vento, com peças para comercialização, e no povoado existe um museu em sua homenagem, com peças de todos os artesãos da ilha (Lima, 2017c). Quem se destacou no ofício foi seu genro, mestre Valmir, que desenvolve cadeiras, bancos e mesas inspirado nas formas da natureza do sertão (Alagoas, 2016). Outros dois mestres também têm notoriedade na ilha. O mestre Aberaldo aprendeu a manusear a madeira com seu pai, que produzia canoas para os pescadores da região. Sua primeira miniatura de barco fez muito sucesso, sendo comercializada entre os turistas. Desde então, trabalha no segmento a mais de 34 anos. Apesar de se destacar na produção de barcos e pássaros, sua marca registrada são os bonecos, que variam de formato, e incluem desde esculturas gigantes até argolas decorativas para guardanapo (Alagoas, 2016). Já o mestre Petrônio se dedicou à atividade após ser desafiado pelo mestre Fernando a produzir um ex-voto. Suas peças tem um caráter lúdico e rústico, que podem ser cruas ou multicoloridas. Para o artesão, a natureza é sua maior fonte de inspiração e uma obra nunca será semelhante à outra (Alagoas, 2021). Ao todo foram identificados 30 artesãos que desenvolvem artesanato em madeira na ilha. Destes, alguns tem suas peças nas coleções dos principais colecionadores de arte e galeristas do país. São eles: Vavan, Vieira, Leno, Salvinho, Eraldo e Zé Crente.

O segundo núcleo de destaque é a cidade histórica de Penedo, também considerada um dos principais eixos de povoamento no período colonial. Nesse local inspirador reside o mestre Timaia, considerado um dos únicos mestres artesãos alagoanos que produz santos. Sua obra, de cunho religioso, é inspirada nas igrejas e edificações históricas de sua terra. Aprendeu o ofício por influência de seu pai e avô e hoje ensina sua arte ao seu filho Newfrancis (Alagoas, 2021). O mestre Claudionor Higino é natural de Sergipe, mas reside em Penedo desde criança. Aprendeu a arte de entalhar a madeira com o mestre Antônio Pedro dos Santos, um dos principais santeiros da cidade. Após muita dedicação ao seu trabalho, foi reconhecido Patrimônio Vivo de Alagoas em 2014 (Silva et al., 2016). Em Piaçabuçu, o artista popular Zé da Véia se destaca por suas esculturas em madeira. Realiza miniaturas de embarcações e edificações históricas. Em 2011, recebeu o título de Artesão do ano de Alagoas (Alagoas, 2021).

Os fios e tecidos produzidos nas margens do rio São Francisco são repassados entre gerações. Foi desta forma que a mestra Maria de Lourdes, a partir dos ensinamentos de sua avó, aprendeu a transformar retalhos e linhas em bonecas de pano. Em 2011 foi considerada Patrimônio Vivo de Alagoas (Alagoas, 2021). Todavia, a principal técnica desenvolvida a partir dos fios e tecidos é o bordado. A citar, por exemplo, o bordado Boa Noite, uma evolução do redendê, e atualmente é bastante difundido no povoado Ilha do Ferro em Pão de Açúcar. Nessa comunidade as artesãs aplicam o bordado em tecidos de linho e algodão, transformando-os em produtos vinculados às tradições ribeirinhas (Dantas, 2015). Em Penedo existem duas associações muito representativas, Fulô A e Pontos e Contos, que desenvolvem produtos como acessórios, vestuários e itens decorativos a partir dos bordados. No povoado Entremontes, em Piranhas, uma associação de artesãs detém o saber fazer dos bordados redendê e ponto cruz.

É nessa região também que o couro exerce maior influência. Os principais exemplares da tipologia encontram-se na Estação Cangaço, associação localizada em Piranhas, que utiliza o couro da tilápia para produzir artigos pessoais como bolsas, sapatos e acessórios. Em Pão de Açúcar reside o artista popular Beto de Meirus, que também desenvolve artigos em couro. Por fim, as fibras, matéria-prima utilizada pela Associação de Mulheres Artesãs Quilombolas, localizada na Serra das Viúvas em Água Branca. Os objetos são feitos pelo trançado das fibras de cipó e bananeira e palhas de ouricuri e milho extraídos da própria região, se destacando pelas características quilombolas, principalmente por serem utilizados pela comunidade (Romero, 2014).

A região Costa dos Corais exerce pouca influência no artesanato alagoano, com apenas 14 pontos, ou seja, 7% de participação. A principal tipologia é a das fibras vegetais, com 4 pontos. Em segundo lugar ocupam os fios e tecidos, e a madeira, ambos com 3 pontos. Devido à abundância de coqueirais, muitos artesãos utilizam as fibras vegetais para criar seus produtos. A artesã Laudinete percebeu o potencial econômico da tipologia, aprendeu as técnicas de trançado com Dona Véia e fundou o grupo Belas Artes em Porto de Pedras, onde repassou seus conhecimentos para outras mulheres. O ofício se tornou uma fonte de renda e uma forma de valorizar a cultura na região. No catálogo de produtos estão luminárias, cestos, jogos americanos, bolsas, entre outros (Artesol, 2021a). Outro núcleo de artesãos que se sobressai é a Associação Mulheres de Fibra em Maragogi. Seus integrantes inovaram ao introduzir as fibras de bananeira na técnica do bordado filé, considerado Patrimônio Cultural Imaterial de Alagoas. Esta combinação consegue dar forma a objetos decorativos, utilitários e de uso pessoal. Os conhecimentos foram adquiridos através das comunidades vizinhas e, após diversas capacitações, a associação foi formalizada, se tornando uma forma de introduzir as mulheres que trabalhavam na agricultura em atividades culturais lucrativas (Artesol, 2021b).

Em relação aos fios e tecidos, se sobressai a renda singeleza, considerada Patrimônio Imaterial de Alagoas, na Associação Artecer em Paripueira. A transmissão de saberes para a comunidade ocorreu por Luzinete Valentin, que aprendeu a renda através de uma babá proveniente de Portugal. As artesãs produzem enxovais e vestuários femininos (Cavalcanti et al., 2018). Quanto à madeira, o artesão Carlos Campos, residente em Paripueira, elabora peças utilizando a técnica da xilogravura. Produz imagens que remetem à cultura alagoana, a exemplo da figura do folguedo guerreiro. Na Barra de Santo Antônio, o artesão Adeildo Santos, ou Nem, produz mobiliários e esculturas a partir de troncos retorcidos.

A região Grande Maceió contabiliza 18 pontos, correspondente a 9% de participação no artesanato alagoano. Os fios e tecidos lideram, com 9 pontos. A madeira, em segundo, com 4 pontos. As fibras vegetais, em terceiro, com 3 pontos. A região é primordialmente conhecida por seus fios e tecidos. Existem 11 associações em Maceió que desenvolvem produtos nessa tipologia, utilizando a técnica do filé, principalmente no bairro Pontal da Barra, situado às margens da lagoa Mundaú. Esse vínculo identitário entre cursos hídricos e técnica ocorre porque, para produzir o bordado é necessário usar uma rede, que se assemelha as redes de pesca utilizadas pelos pescadores da região. Por ser uma tradição secular, repassada através das mulheres portuguesas durante o período de colonização, também existem exemplares semelhantes em Portugal. É comum encontrar as artesãs tecendo o filé nas portas de suas casas ou ateliê, no Pontal da Barra (Dantas, 2015). Dentre as associações mais relevantes estão o Instituto do Bordado Filé de Alagoas e a Associação dos Artesãos do Pontal da Barra. Ambas desenvolvem vestuários e artigos de decoração para o lar. Além do bordado filé, existem 23 mulheres em Maceió que utilizam técnicas como o crochê, macramê, trançado e diversos bordados para produzir artigos de decoração para casa, brinquedos, vestuário e acessórios como bolsas, colares, brincos e pulseiras. É importante salientar que essas são mulheres atuantes em feiras e eventos em Alagoas e no Brasil.

O artesanato em madeira tem quatro representantes. O mestre Arlindo, natural de Pernambuco, reside em Alagoas há mais de 40 anos. Descobriu seu talento aos 13 anos, ao observar um homem esculpindo madeira na rua e pensar que poderia fazer igual. O artesão produz miniaturas em palito de fósforo e as comercializa no Mercado do Artesanato de Maceió, no bairro Levada, além de sempre participar de feiras e exposições nacionais. Algumas de suas obras foram usadas a abertura da novela “Da cor do Pecado” da Rede Globo (Alagoas, 2016, 2021; Lima, 2017b). Já o mestre Pedrocas, considerado Patrimônio Vivo de Alagoas, descobriu seu dom na infância e há mais de 50 anos esculpe animais e objetos em madeira. Sua aptidão foi potencializada ao ser discípulo do mestre Zezito Guedes, durante o período que residiu em Arapiraca. Seu ateliê está localizado em Satuba, na Reserva Ecológica do Catolé. Sua principal inspiração vem da natureza e de suas poesias, que lhe concederam o título de “Poeta da Madeira” (Alagoas, 2016, 2021; Lima, 2017d). Em Maceió, um importante projeto que vincula artesanato e ressocialização é a Fábrica da Esperança. A iniciativa surgiu através da Secretaria de Ressocialização de Inclusão Social de Alagoas (Seris/AL) e um de seus objetivos é oferecer oficinas de artesanato para os reeducandos. Dentre as técnicas ensinadas estão o bordado filé, pintura, tornaria, corte e costura. Os produtos são comercializados em pontos físicos, assim como em feiras e eventos locais e nacionais. O dinheiro arrecadado é depositado no Fundo Penitenciário para manutenção do programa. Em contrapartida, os presidiários envolvidos no projeto têm redução de um dia de pena para cada três trabalhados e recebem ¾ de um salário mínimo (Alagoas, 2017a).

A região Lagoas e Mares do Sul é a principal responsável por contribuir com o artesanato alagoano, com um total de 63 pontos, ou seja, 31% de participação. Em primeiro lugar, com 35 pontos, estão os fios e tecidos, seguidos da madeira, com 7 pontos. Em terceiro lugar, com 4 pontos, estão as pedras e os materiais sintéticos. Marechal Deodoro é uma das principais cidades alagoanas onde as mulheres produzem rendas e bordados. O filé é o bordado mais popular, devido sua à facilidade de execução e comercialização. O labirinto já foi uma das principais técnicas, entretanto por necessitar maior dedicação e ter vendas dificultadas pelo alto preço, muitas artesãs o abandonaram, preferindo outras categorias de bordados. Dentre as peças produzidas estão os jogos americanos, toalhas de mesa e colchas (Dantas, 2015). A renda singeleza também é expressiva, principalmente durante as décadas de 1950 e 1960. Contudo, em 1970 foi ameaçada pela produção de rendas industrializadas. Para evitar sua extinção, em 2000 foi criado o projeto “(Re)bordando o Bico Singeleza” em Marechal, cujo objetivo era a realização de oficinas para disseminar a técnica para gerações futuras (Cavalcanti et al., 2018). Ao todo foram contabilizadas seis associações na região, são elas: Associação das Mulheres Rendeiras de Marechal Deodoro, Associação dos Artesãos Criativos Massaguerenses, Cooperativa dos Artesãos de Barra Nova, Grupo das Artesãs de Labirinto, Grupo das Artesãs de Singeleza e Mercado das Rendas e Bordados.

Na madeira quem se destaca é o mestre Nelson da Rabeca, Patrimônio Vivo de Alagoas, nascido em Joaquim Gomes e residente em Marechal Deodoro. Além de ser um instrumentalista espontâneo, é referência na produção de rabecas no território nacional. Seus primeiros instrumentos foram construídos autodidatamente, logo após se encantar por um violinista na televisão. Foram diversas tentativas de formas e madeiras até chegar ao som ideal. Logo em seguida aprendeu a tocar e a compor (Alagoas, 2021; Dantas, 2015).

O município de Coruripe é referência na produção de fibras vegetais, pois concentra a maior quantidade de artesãs que trabalham organizadamente no Estado. Existem duas associações, a Associação das Artesãs do Pontal de Coruripe e a Associação Pontal Art, que utilizam a fibra do ouricuri como matéria-prima. O trançado das fibras é uma herança indígena introduzida na comunidade. Por ser uma região composta majoritariamente por praias, os produtos mais vendidos são vinculados ao turismo de sol e praia, como chapéus e bolsas. Contudo, devido ao aumento da demanda pelos produtos, as artesãs optaram por expandir seu catálogo de produtos, incluindo artigos decorativos para casa como tapetes, cestos, descanso de prato, dentre outros. Além disso, conjugaram a palha do ouricuri à do coqueiro, por ser mais abundante. O município vizinho, Feliz Deserto, também produz artefatos feitos da palha do ouricuri. A Associação dos Artesãos de Feliz Deserto tem papel fundamental na disseminação da técnica e promoção dos produtos em feiras e eventos locais e nacionais (Carvalho, 2015). Esses exemplos mostram ser possível garantir uma renda através da atividade artesanal, tendo como resultados o aumento do número de associadas e melhoria do padrão de vida.

A região dos Quilombos ocupa o terceiro lugar da classificação, com um total de 33 pontos e 16% de participação. São atribuídos 17 pontos para o barro, se tornando a região de referência para a tipologia; 8 para os fios e tecidos; e 5 para a madeira. Em União dos Palmares está localizada a Comunidade de Remanescentes Quilombolas do Muquém que reúne os descendentes do antigo Quilombo dos Palmares. Situada próxima ao rio Mundaú, grande parte das famílias extrai o barro de suas margens para produzir peças artesanais. Devido à articulação dos artesãos, foi formulada a Associação da Comunidade Muquém de Remanescentes Quilombolas. O principal nome é a mestra Irinéia, considerada Patrimônio Vivo de Alagoas. A artesã aprendeu a manusear o barro com sua mãe, inicialmente produzindo utilitários e posteriormente esculturas que remetem as vivências da comunidade. Dentre suas peças mais famosas estão as “cabeças”, a “jaqueira” e o “beijo”, essa última foi feita em homenagem ao seu falecido marido Antônio. Dona Irinéia já foi finalista de um prêmio promovido pela UNESCO e teve esculturas exibidas na Expo de Milão a convite dos organizadores. A repercussão de seu trabalho influenciou no aumento do número de visitantes em sua comunidade e proporcionou melhorias socioeconômicas para outros artesãos que se dedicam à produção do artesanato em cerâmica (Alagoas, 2016, 2021; Chaves, 2017b).

Em Capela, o principal núcleo de produção artesanal é o Ateliê João das Alagoas, comandado pelo mestre João das Alagoas, Patrimônio Vivo do Estado. O artesão começou a manusear o barro na infância, enquanto fazia seus brinquedos: cavalos, bois e cangaceiros. Sua obra mais famosa é o boi, que retrata histórias do folclore nordestino, dos casamentos, dos batizados e das mais típicas brincadeiras de rua das crianças brasileiras. João recebeu diversos prêmios em sua carreira e suas obras integram importantes coleções de arte popular em museus e galerias do Brasil e exterior. Em seu ateliê que repassa as técnicas para os mais novos. Sil, com as representações das jaqueiras e cenas cotidianas do interior; Leonilson, com suas peças religiosas; e Nena, com seus bois vazados (Alagoas, 2016; Chaves, 2017a). Uma réplica de 6 metros da obra “o beijo” de Dona Irinéia e o “boi” de João das Alagoas integram o Circuito Alagoas Feita à Mão na orla de Maceió. Quanto aos fios e tecidos, se destacam a Associação das Bordadeiras e Costureiras de Capela, a Associação dos Artesãos de Cajueiro e a Associação do Artesanato de União dos Palmares.

4. Conclusão

A relevância do artesanato tem se tornado pauta de debates e de políticas públicas nos últimos anos, em diversos meios, tendendo a aumentar a visibilidade e a importância desse segmento, inclusive para o desenvolvimento do turismo, em várias regiões do Brasil e do Mundo. Também é perceptível um certo prestígio de artesãos, artistas populares e mestres artesãos alagoanos, que têm suas obras inseridas em exposições e galerias nacionais e internacionais.

A partir desse estudo, foi possível compreender dimensões e potencialidades do artesanato alagoano, as quais podem servir como insumos essenciais para o fomento do turismo, tanto pelas inciativas públicas e privadas, quanto por indivíduos e comunidades autóctones. O reconhecimento de saberes e fazeres populares, a exemplo do artesanato, consegue promover desenvolvimento socioeconômico em localidades, a partir da valorização de elementos de sua produção cultural, assim como da aproximação entre habitantes locais e visitantes. Esses fatores contribuem para resgatar o sentimento de pertencimento dessas pessoas, e podem reduzir desigualdades a partir do fomento de oportunidades sócio-econômico-culturais.

Após analisar a distribuição territorial das tipologias artesanais em Alagoas, observou-se que as matérias-primas predominantes estão diretamente relacionadas aos recursos naturais e culturais das regiões turísticas estudadas. As principais oportunidades para desenvolvimento do turismo vinculado aos aspectos culturais do artesanato, em Alagoas, são: os fios e tecidos na região Lagoas e Mares do Sul; a madeira na região Caminhos do São Francisco; o barro na região dos Quilombos; e a madeira na região Agreste. Essas regiões concentram uma maior quantidade de artesãos envolvidos em processos semelhantes, o que poderá facilitar a ação pública e privada com reformas estruturantes, doação de equipamentos, cursos profissionalizantes aos integrantes dessas comunidades, ações de marketing turístico, etc. As demais regiões tiveram números de recorrência de tipologias inferior a essas, apesar de reconhecermos, aqui, a relevância de toda produção artesanal no Estado, principalmente como elemento de atratividade turística. As regiões aqui apontadas como as de menor representatividade também poderão ter suas produções artesanais transformadas em componentes da oferta turística, a partir do exemplo das regiões principais.

O fluxo turístico nas regiões Grande Maceió, Costa dos Corais, Lagoas e Mares do Sul e Caminhos do São Francisco são mais expressivos em relação ao restante do Estado, pois os turistas optam por destinos de sol e mar. Desta forma, os segmentos turísticos de valorização cultural, como o turismo cultural, criativo e de base comunitária, podem complementar os circuitos tradicionais e fomentar o turismo nas outras regiões, questão que merece ser aprofundada em outros estudos, assim como nas políticas públicas para esses setores.

Esse estudo, apesar de explicitar potencialidades culturais, ligadas ao processo artesanal, que podem agregar no desenvolvimento turístico de Alagoas, limitou-se a uma pesquisa bibliográfica e documental. Desta forma, é essencial o desenvolvimento de outras abordagens sobre o objeto aqui estudado, sejam eles qualitativos e/ou quantitativos, a partir da coleta de dados primários.

5. Referências

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