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Percursos no Afuá*
As fotografias a seguir, foram produzidas no âmbito de pesquisa realizada nos anos de 2015 e 2016 na qual abordei a temática da identificação e valoração do patrimônio cultural edificado e tive Afuá, cidade do Pará, localizada ao norte do arquipélago do Marajó, como exemplo de reflexões sobre bens passíveis de reconhecimento, para além das características presentes nos sítios já protegidos no Norte do Brasil.
[sobre Afuá] A primeira coisa que vem na minha cabeça é aquele barco chegando numa cidade rodeada por água, e com as pessoas andando de bicicleta. (Andra Ataíde, 34 anos, 2016, em entrevista)
Para investigar os fenômenos culturais manifestados espacialmente, adotei pesquisa exploratória no núcleo urbano do município, subsidiada por entrevistas com pessoas residentes e roteiros de observação registrados com fotografias. As experiências de campo foram a oportunidade de observar e mesmo, interagir, nas tramas da vida cotidiana dos sujeitos em Afuá.
Então, também é uma cidade diferente de todas, eu sempre costumo dizer que Afuá é uma cidade que a mãe diz assim "Menino sai do meio da rua", aí a gente diz "menino sai de baixo da rua", eles estão embaixo da rua, juntando alguma coisa que caiu ali pra "menino sai de baixo da rua" em outras cidades você não diz isso, diz "sai do meio da rua" "olha carro".... "menino sai de baixo da rua, olha a formiga", então Afuá ela tem todo esse estilo de vida que nós temos. (Sarito, 2015, em entrevista)
As bicicletas e o “bicitáxi” são uma caraterística já intrínseca à paisagem urbana de Afuá. São vários os tipos e adaptações deste veículo, desde ambulâncias a carros de bombeiros e são adaptadas conforme a necessidade, são inseridos volantes, cores contrastantes, sistema de iluminação e de som..., 2016.
Por suas características topográficas e hidrográficas, de estar encerrada nos limites de três rios, e de estar, a cidade inteira, sobre área alagável, a população em Afuá lida constantemente com o regime de cheias, conhecido localmente como “lançante” ou dias de “água grande”. Essa relação com as águas também estabelece características únicas à cidade, que a destaca de outros contextos de vilas ribeirinhas nas Amazônias.
Porque a maré aqui é grande, quando ela entra é como eu lhe digo, o Afuá todinho, o terreno mesmo vai no fundo, quando a lançante é grande e quem não está acostumado a ver, quando tá aqui fica com medo...porque vai tudo no fundo. (Professora Sibila Jardim, 2016, em entrevista)
De acordo com Tângari et al (2016, p. 3), Afuá é suscetível às ações de um mundo globalizado “que suprimem distâncias geográficas e dissolvem fronteiras físicas e sociais”, entretanto ainda se beneficia de um conjunto de atributos que lhe confere o status de uma cidade ribeirinha: “a ideia de cidade ribeirinha possui forma e conteúdo presentes na arquitetura, no traçado da cidade, nos jardins e na paisagem que estão inscritas aos elementos hídricos amazônicos.” (Tângari et al, 2016, p. 3)
Sob o prisma do patrimônio edificado, no núcleo de ocupação inicial de Afuá já há grande diversidade tipológica, com construções de um e dois pavimentos, de madeira, ainda em maior quantidade, mas com várias unidades de alvenaria onde prevalecem unidades de uso comercial. Destaco que nas edificações com dois pavimentos é comum observar sacadas corridas, e guarda-corpos com balaustradas, mesmo naquelas unidades já substituídas por concreto. Essa solução funciona como uma separação visual e tipológica do programa de necessidades dessas unidades, onde geralmente o segundo pavimento abriga uma moradia e o térreo o comércio.
Para Simões (2014), as habitações em Afuá expressam uma maneira peculiar de utilização das cores. Há uma abundância delas e “do encontro entre as casas, igreja e comércios surgem composições inusitadas, que formam ruas inteiras de cores e nos enchem os olhos” (Simões, 2014, p, 76). Vale destacar que carpinteiros navais também atuam na construção de casas, o que, preliminarmente, pode ter reflexo na forma como os ornatos são trabalhados nos balcões e guarda-corpos.
Ainda sobre a questão das edificações, percebi que ainda há um caráter que norteia a concepção das construções, uma referência na maneira de produzir a forma da casa e da cidade, independentemente da solução de sistema construtivo ou tecnologia adotada. Os ornatos de fachada, a configuração do sistema de coberturas e cromatismos são reproduzidos em vários substratos e seguem uma mesma linha estético-formal que caracteriza a ambiência do lugar.
Um dos achados da pesquisa em Afuá, aponta para a ainda atual necessidade de se repensar a proteção do legado edificado no Norte do Brasil, sobretudo se considerarmos a heterogeneidade das formas espaciais, hábitos de morar na região. No caso de bens culturais de natureza material ainda reproduzidos cotidianamente, como é o caso da arquitetura vernacular ribeirinha, o que deveria se buscar resguardar, para além dos objetos, são as referências aos modos de vida impressos neles. De outro modo, caso o foco da preservação seja a matéria, descolada da visão de mundo dos sujeitos que a produzem, instrumentos de patrimonialização pouco têm a oferecer, senão uma chancela institucional aos fenômenos sociais que já existem mesmo fora das fronteiras do reconhecimento dos agentes de Estado.
Por fim, outra questão trazida pela pesquisa é a preocupação de que a produção e reprodução do espaço urbano de Afuá entre nos circuitos hegemônicos da atual reorganização global da economia capitalista e se iguale a modelos homogeneizados urbano-industriais de outras regiões. Sobre essa questão, e para finalizar essa breve apresentação, recorro ao alerta de Boaventura de Souza Santos (2004, p. 45) quando afirma que “estamos perante uma luta cultural. A cultura cosmopolita e pós-colonial aposta na reinvenção das culturas, para além da homogeneização imposta pela globalização econômica”, e esse processo não reconhece a existência igualitária de outros saberes, tendendo a “silenciamentos, exclusões ou liquidações” do que não se adequa à conjuntura hegemônica.
[sobre Afuá] A primeira coisa que vem na minha cabeça é aquele barco chegando numa cidade rodeada por água, e com as pessoas andando de bicicleta. (Andra Ataíde, 34 anos, 2016, em entrevista)
Então, também é uma cidade diferente de todas, eu sempre costumo dizer que Afuá é uma cidade que a mãe diz assim "Menino sai do meio da rua", aí a gente diz "menino sai de baixo da rua", eles estão embaixo da rua, juntando alguma coisa que caiu ali pra "menino sai de baixo da rua" em outras cidades você não diz isso, diz "sai do meio da rua" "olha carro".... "menino sai de baixo da rua, olha a formiga", então Afuá ela tem todo esse estilo de vida que nós temos. (Sarito, 2015, em entrevista)
As bicicletas e o “bicitáxi” são uma caraterística já intrínseca à paisagem urbana de Afuá. São vários os tipos e adaptações deste veículo, desde ambulâncias a carros de bombeiros e são adaptadas conforme a necessidade, são inseridos volantes, cores contrastantes, sistema de iluminação e de som..., 2016.
Porque a maré aqui é grande, quando ela entra é como eu lhe digo, o Afuá todinho, o terreno mesmo vai no fundo, quando a lançante é grande e quem não está acostumado a ver, quando tá aqui fica com medo...porque vai tudo no fundo. (Professora Sibila Jardim, 2016, em entrevista)