Resumo: Locais de interesse geopatrimonial têm, em regra, alto potencial para lazer, turismo e educação, propiciando a prática do geoturismo urbano. A promoção do entendimento da leitura da paisagem, da interpretação do modo como se deu o estabelecimento da cidade no seu substrato físico, a ocupação do espaço urbano e os desafios impostos pelo meio natural para a sua evolução, permitem entender melhor a cidade no seu todo. Por isso, o geoturismo urbano torna-se um complemento dos roteiros turísticos urbanos e culturais já consolidados, normalmente nos Centros Históricos das principais cidades, assim como dos roteiros de Turismo Balnear Litoral, nos casos em que isso se proporciona, através do acréscimo das novas informações relacionadas com a importância da geologia, geomorfologia, hidrologia e pedologia para o urbanismo, no seu sentido mais amplo. O objetivo deste artigo é discutir, através de amplo resgate bibliográfico, o conceito de Geoturismo, especificamente o urbano, utilizando como estudo de caso o Centro Histórico de João Pessoa, através da proposta de um roteiro que abarca elementos do patrimônio natural e cultural dispersos pela área.
Palavras-chave: Geoturismo, Centro Histórico, João Pessoa.
Abstract: Sites of geoheritage interest have, as a rule, high potential for leisure, tourism and education, providing the practice of urban geotourism. The promotion of understanding of the reading of the landscape, the interpretation of the way in which the city was established in its physical substrate, the occupation of urban space and the challenges imposed by the natural environment for its evolution, allow a better understanding of the city as a whole. Therefore, urban geotourism becomes a complement to the already consolidated urban and cultural tourist itineraries, usually in the Historic Centers of the main cities, as well as to the Coastal Bathing Tourism itineraries, in cases where this is provided, through the addition of new related information with the importance of geology, geomorphology, hydrology and pedology for urbanism, in its broadest sense. The objective of this article is to discuss, through a broad bibliographic review, the concept of Geotourism, specifically the urban one, using the Historic Center of João Pessoa as a case study, through the proposal of a route that includes elements of the natural and cultural heritage dispersed throughout the city.
Keywords: Geotourism, Historical Centre, João Pessoa.
Resumen: Los sitios de interés geopatrimonial tienen, por regla general, un alto potencial para el ocio, el turismo y la educación, facilitando la práctica del geoturismo urbano. La promoción de la comprensión del paisaje, la interpretación de la forma en que la ciudad se constituyó en su sustrato físico, la ocupación del espacio urbano y los desafíos que impone el entorno natural para su evolución, permiten una mejor comprensión de la ciudad como un entero. Por tanto, el geoturismo urbano se convierte en un complemento a los itinerarios turísticos urbanos y culturales ya consolidados, normalmente en los Centros Históricos de las principales ciudades, así como a los itinerarios de Turismo de Baños Costeros, en los casos en los que este se prevea, mediante la incorporación de nuevos itinerarios relacionados, información con la importancia de la geología, la geomorfología, la hidrología y la pedología para el urbanismo, en su sentido más amplio. El objetivo de este artículo es discutir, a través de una amplia revisión bibliográfica, el concepto de Geoturismo, específicamente el urbano, utilizando el Centro Histórico de João Pessoa como estudio de caso, a través de la propuesta de una ruta que incluye elementos del medio natural y patrimonio cultural disperso por toda la ciudad.
Palabras clave: Geoturismo, Centro Histórico, João Pessoa.
Artigos originais
Geoturismo e o caso do Centro Histórico de João Pessoa (PB)
Geotourism and the case of the Historical Centre of João Pessoa (PB)
Geoturismo y el caso del Centro Histórico de João Pessoa (PB)
Recepción: 21 Julio 2022
Aprobación: 13 Octubre 2023
No geopatrimônio de uma área, na forma de afloramentos rochosos, com seus minerais, fósseis, estruturas e texturas, nos solos, nos corpos d’água, assim como nas grandes formas de relevo ou no patrimônio cultural de um determinado Centro Histórico, estão inseridas informações que ajudam a contar a história desse local, da sua geodiversidade e de como os georecursos foram utilizados, em um determinado tempo histórico, do ponto de vista cultural. Assim, aliam-se as Geociências, a cultura e a história do local em que estão inseridas essas informações.
A depredação da natureza, devida ao aumento do consumo e de práticas econômicas e sociais inadequadas, obriga alguns setores da economia a se adaptarem a atividades conservacionistas, tanto voltados para o meio biótico quanto para o abiótico. O geoturismo também se encaixa nesse contexto.
As cidades costeiras, por natureza, são destinos turísticos de ‘sol e mar’. Somado ao fato de possuírem paisagens belíssimas, que entrelaçam esses elementos naturais a uma histórica riquíssima, cujos primórdios estão vinculados diretamente a este geopatrimônio, torna-se necessário interligar natureza, história e cultura ao turismo, pois assim fundamenta-se o conhecimento ambiental, fortalecem-se os laços históricos entre natureza e sociedade e incrementa-se a economia local por meio de uma prática já enraizada, inserindo novos personagens que indiretamente faziam parte do sistema. Ademais, a sustentabilidade está enraizada nas práticas geoturísticas e a participação de uma comunidade local consciente dessa situação pode gerar um incremento de renda, cujo patrimônio abiótico servirá como novo atrativo turístico, podendo dinamizar áreas com economia estagnada.
Compete ao professor da Faculdade de Lazer e Turismo da Buckinghamshire College, Dr. Thomas Hose, em 1995, introduzir o conceito de geoturismo na literatura como sendo “o fornecimento de facilidades interpretativas e de serviços que possibilitem aos turistas adquirir conhecimento e entendimento da geologia e geomorfologia de um sítio (incluindo sua contribuição para o desenvolvimento das Ciências da Terra) além do nível de mera apreciação estética” (Hose, 1995, p. 17, tradução livre).
Dessa maneira, o autor pretendeu adicionar o meio abiótico, em especial os geossítios, às atividades turísticas, com o intuito, num primeiro momento, de divulgar as Geociências, na forma de estruturas geológicas e geomorfológicas que sejam importantes no entendimento da evolução e história da Terra e, num segundo momento, de desenvolver economicamente as regiões onde ocorrem.
Muitas vezes, o geoturismo tem sido enquadrado no ecoturismo, devido ao seu viés natural e ao seu caráter conservacionista (Brilha, 2005). Ao longo da história, várias definições foram propostas sobre o ecoturismo, que apesar das diferenciações, são unânimes em caracterizá-lo como um segmento do turismo de natureza[1], sendo uma atividade executada em áreas naturais, com o objetivo de admirar e desfrutar da paisagem, de maneira sustentável, por vezes incluindo o estudo dos elementos da fauna e da flora (Ceballos-Lascurain, 1987; Eagles, 2001, entre outros). A participação da comunidade local nesse processo é fundamental.
O Ministério do Turismo[2] no Brasil, considera algumas opções de atividades turísticas no país, a exemplo do turismo cultural, turismo de estudos e intercâmbio, turismo de esportes, turismo de pesca, turismo náutico, turismo de aventura, turismo de sol e praia, turismo de negócios e eventos, turismo rural, turismo de saúde e o ecoturismo, sem fazer referência ao geoturismo, que se considera estar inserido no ecoturismo.
O geoturismo, por outro lado, possui algumas vantagens em relação ao ecoturismo, como não estar restrito à sazonalidade, podendo se desenvolver durante todo o ano; não estar dependente dos hábitos da fauna; por ser um turismo de nicho, não ocorre sobrelotação; serve como complemento para áreas tradicionalmente turísticas e promove o artesanato ligado aos elementos da geodiversidade ( Brilha, 2005; Newsome e Downling, 2006). Acrescenta-se que, em ambiente urbano, o geoturismo acaba por entrelaçar o patrimônio cultural aos elementos da geodiversidade ou até mesmo ao geopatrimônio, na forma de rochas, do relevo, dos recursos hídricos e do solo, o que enriquece a experiência turística.
Datam de 1860 os primeiros indícios de motivações turísticas voltadas ao conhecimento do geopatrimônio, em especial da geologia e da geomorfologia (McFarlane, 2005). Segundo o autor, o professor Willian Turl oferecia seus conhecimentos geocientíficos aos turistas que tivessem interesse de se aprofundar no entendimento da petrologia em áreas montanhosas europeias.
A introdução da definição do ‘geoturismo’ acabou por nortear dois grandes posicionamentos acerca da temática na comunidade acadêmica: uma visão restrita, como a de Hose (1995), onde na maioria das vezes o prefixo geo era sinônimo de geológico ou, no máximo, geomorfológico, restringindo essa atividade a zonas naturais/rurais, como os geoparques e excluindo as zonas urbanas. Seguidores dessa tendência, cita-se Newsome e Dowling (2006), Ruchkys (2007), Moreira (2008), entre outros. E, a partir do conceito proposto pela National Geographic (2001 apud Stueve et al, 2002), foi lançada uma visão ampla, holística e mais abrangente da paisagem, focada não somente na paisagem natural mas também na cultura das áreas em que se desenvolve, ampliando os ativos do destino. Destacam-se as definições de Buckley (2003), Newsome e Dowling (2010), a Declaração de Arouca (2011), entre outras. Essa visão mais ampla da atividade será seguida nesta tese, cuja definição será proposta a seguir. Os dois posicionamentos distintos encontram-se sumarizados na Tabela 1, com as suas principais características.
De acordo com as definições apresentadas, a maior parte da atividade geoturística ocorre nos geoparques, ou seja, com grande interação com o meio biótico. Entretanto, como visto até então, podemos destacar o potencial geoturístico de outros espaços, como as regiões costeiras e as zonas urbanas, que também podem servir de palco para a atuação do geoturismo. Seja em zonas urbanas, rurais ou outro espaço qualquer, o deslocamento das pessoas por meio de trilhas ou roteiros pré-definidos torna-se um meio importante de contato e apreciação com o meio físico circundante.
Hose (1998), considerando o grande afluxo turístico em áreas costeiras inglesas, adiciona uma subdivisão ao geoturismo, denominada geoturismo costeiro. O ambiente costeiro, segundo o autor, é uma zona conflitante, onde a dinâmica marinha se entrelaça ao fluxo turístico, fornecendo um espaço instável do ponto de vista ambiental, e os impactos se potencializam, requerendo um planejamento mais intenso visando sua proteção, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, refere-se a uma área de grande potencial geoturístico justamente por essa dinâmica natural que lhe confere valor científico. Desse modo, vários geoparques e projetos de geoparques tem na paisagem costeira seu principal lócus de atividade geoturística (Açores e Figueira da Foz - PT; Geomon - no País de Gales, entre outros).
O geoturismo urbano se manifesta como uma importante área dentro do geoturismo; assim como este ultimo, apresenta um aspecto conceitual restrito (strictu sensu) e um amplo (lato sensu).
Em um sentido restrito, ao se conhecer e mapear o patrimônio cultural, onde se incluam igrejas, casarios, cemitérios, monumentos, estradas pavimentadas, entre outros, ao descrever sua arquitetura e história, identificar as litologias pertencentes, caracterizá-las petrograficamente e, se possível, identificar sua procedência, pode-se propor medidas que incentivem e garantam sua geoconservação e divulguem sua geodiversidade (Pereira et al., 2013; Pereira e Amaral, 2014). O patrimônio natural abiótico inserido na zona urbana, a exemplo de pedreiras, parques com fontes de água doce, cascatas, formas de relevo específicas, entre outros, também podem fazer parte de roteiros geoturísticos urbanos nesse sentido restrito.
Por sua vez, a promoção do entendimento da leitura da paisagem, da interpretação do modo como se deu o estabelecimento da cidade no substrato físico, a ocupação do espaço urbano e os desafios impostos pelo meio físico, para tal, permitem entender o geoturismo urbano em um sentido lato. Convém salientar que o geoturismo urbano torna-se um complemento a roteiros já consolidados, normalmente nos Centros Históricos das principais cidades turísticas, através do acréscimo dessas novas informações.
Afinal, as rochas possuem minerais, texturas e estruturas que possibilitam contar a história do planeta, além de serem fontes de informação sobre o passado tecnológico, social e econômico de povos que utilizavam esses georecursos na edificação dessas construções (Stern et al, 2006). As formas de relevo, os recursos hídricos e pedológicos são outros elementos da geodiversidade que são condicionadores do assentamento e expansão urbana e, como tal, também podem ser utilizados no contexto do geoturismo urbano.
Hose (2000) considera o cemitério de Rochdale, Condado de Lancashire, Inglaterra, como o local precursor do geoturismo urbano, em 1881, cujos visitantes tinham acesso a 30 pequenos pilares rochosos que contavam a história da criação da Terra pelo ótica da Geologia. Entretanto, nos meios científicos modernos, as discussões acerca do geoturismo urbano são bastante recentes, sobretudo a partir de meados dos anos 2000, e numa dimensão extremamente inferior quando comparada às zonas não urbanas.
Na Europa, roteiros urbanos que inserem os aspectos geológicos e geomorfológicos, principalmente, são muito comuns no meio científico, a exemplo de Londres (Robison, 1982), Zaragoza (Carillo e Gisbert, 1993), a divulgação de sítios paleontológicos ex situ em Lisboa (Silva, 2009), Segóvia (Díez-Herrero et al., 2011), Lisboa (Caetano et al., 2011), entre outros. A divulgação desses roteiros aos turistas inseriria a atividade do geoturismo urbano nessas cidades.
Neste artigo, o Geoturismo será definido como uma atividade que se localiza na interface do turismo de natureza, no caso do ecoturismo, e do turismo cultural, sempre tendo o conhecimento como motivação principal, e pode se desenvolver tanto em ambientes onde prevaleçam os aspectos naturais quanto em ambientes urbanos, divulgando e promovendo a geodiversidade e seu geopatrimônio, num sentido mais restrito, ou a sua relação com as civilizações e culturas, num sentido mais lato, de maneira sustentável. Consiste na adição do geopatrimônio à atividade turística, focado em locais de interesse geoturístico, beneficiando as comunidades locais e dando uma nova experiência turística aos visitantes.
Assim, o geoturismo, seja ele urbano ou rural/natural, envolve três grandes elementos que se entrecruzam: o geopatrimônio, o território e o turismo, sendo que o geopatrimônio, objeto em questão, está inserido em um determinado território, em que a promoção e o desenvolvimento da atividade turística é resultado da ação conjunta dos gestores (poder público), agências turísticas, turistas, acadêmicos e comunidade local, cada qual tendo um papel fundamental nessa atividade (figura 1).
O processo de turistificação consiste na implantação ou desenvolvimento da atividade turística em espaços turísticos ou com potencialidade para o turismo (Cruz, 2000). Dessa maneira, o geoturismo tem a capacidade de turistificar o geopatrimônio, por meio da territorialização dessa atividade em locais específicos, desde que esse geopatrimônio mostre inegável valor para uso turístico. O problema é que, muitas vezes, a geodiversidade e seu geopatrimônio não são devidamente valorizados, mesmo quando carregados de um potencial que os torna únicos.
Assim, é papel do meio acadêmico desenvolver métodos que permitam avaliar e selecionar os sítios mais interessantes para a prática do geoturismo, assim como desenvolver ferramentas que permitam o conhecimento da geologia, geomorfologia, hidrologia e pedologia do local, para difundir aos visitantes, os turistas. O geoturismo combina lazer e educação científico-cultural, capacitando a valorização e geração de novas atrações voltadas ao geopatrimônio (Cunha, 2013).
O poder público tem um papel essencial como dinamizador de estratégias de planejamento, gestão, monitoramento e divulgação do geopatrimônio e do geoturismo, em parceria com entidades privadas, universidades, comunidade local, centros de pesquisa, cooperativas da área, entre outros órgãos, cujo (re)ordenamento do território, com ações e reações perante a apropriação, é uma consequência natural.
Dessa maneira, pensando em áreas naturais e costeiras, o geoturismo funciona como um mecanismo de desenvolvimento de uma atividade sustentável, contribuindo para a geoconservação e para a divulgação de seu geopatrimônio, melhorando a qualidade de vida da população, gerando fundos, através da atribuição de novos valores e significados à área onde se desenvolve; pensando-se em áreas urbanas, especialmente nos centros históricos, entrelaça-se o geopatrimônio ao patrimônio cultural, incentivando o sentido de identidade cultural, ao aumentar a consciência da população local e dos visitantes a esses patrimônios, que veem as edificações do Centro Histórico e a paisagem que a circunda com um novo olhar.
A primeira conferência internacional para discutir estratégias acerca do geoturismo ocorreu em 1998, no Reino Unido, em Belfast (Hose, 1998). Posteriormente, refletindo o crescimento do geoturismo no mundo, ocorreram muitos outros encontros científicos, como as conferências globais, sendo a primeira em 2008, em Perth, Austrália, seguindo-se em 2010, na Malásia; 2011, em Oman; na Islândia, em 2014. Nesse quadro insere-se também a Conferência de Geoturismo e Patrimônio Mundial, em Pretória, na África do Sul (2009) e o Congresso Internacional de Geoturismo, em sua única edição em 2011, em Arouca, Portugal. O Chile, em 2011, 2014 e 2017, sediou o I, II e III Simpósio de Geoparques e Geoturismo, promovido por sua Sociedade Geológica, enquanto a Polônia, em 2017, sediou a 2ª Conferência Internacional de Geopatrimônio e Geoturismo (a primeira havia sido na Sérvia, em 2010).
As duas primeiras publicações voltada exclusivamente para o geoturismo foram os livros “Geotourism - the Geological attractions of Italy for tourists”, escrito por Matteo Garofano, em 2003, que apresenta locais de interesse geoturístico na Itália e como fazer bom usufruto desses (Garofano, 2003), e “Geotourism - sustainnability impacts and management”, publicado pelo geólogo australiano David Newsome, em 2006, com edição de Ross Dowling (Newsome, 2006). Posteriormente, vários outros foram publicados, muitos de cunho regional. Em 2004, foi impressa a primeira revista dedicada exclusivamente ao Geoturismo, o ‘Geoturystyka’, na Polônia, seguida da romena ‘Geojournal of Tourism and Geosites’, datada de 2008 na versão inglesa.
Este trabalho visa pôr em prática, como produto final, um roteiro geoturístico no Centro Histórico de João Pessoa (Paraiba, Brasil), divulgador do meio abiótico e que funcione como um gatilho para o desenvolvimento de uma consciência geoconservacionista, por um lado, e como um dinamizador da economia local, por outro. Após um exaustivo trabalho bibliográfico e de campo realizado no contexto de uma tese de doutoramento (Pereira, 2019), pretende-se, agora, apresentar os resultados de uma série de etapas: i) inventariação regional e concomitante a uma avaliação qualitativa dos locais selecionados, pertencentes ao meio abiótico e ao patrimônio cultural; ii) avaliação do meio abiótico do ponto de vista semiquantitativo, a partir de uma proposta de metodologia que dará suporte à definição dos Locais de Interesse (elementos geopatrimoniais), sensu Pereira et al (2013); iii) definição dos Locais de Interesse que, pelo seu valor, serão selecionados para compor o Roteiro Geoturístico.
Uma das etapas para a inserção do geoturismo no contexto turístico do Centro Histórico consiste na divulgação da geodiversidade, do Geopatrimônio e do modo como ele se articula com o próprio Património Histórico da cidade, onde a geointerpretação tem papel fundamental, uma vez que um dos objetivos do geoturismo é a divulgação das Geociências para os visitantes, que passam a conhecer a paisagem circundante através de uma nova ótica, assim como mitigar possíveis ameaças ao meio abiótico visitado, no caso das áreas naturais. Neste caso, a educação ambiental, para resultados mais efetivos, tornase crucial, tanto para as comunidades receptoras, quanto para os turistas. Afinal, um turista sensibilizado em relação à importância dos atrativos visitados é um turista consciente de que a sustentabilidade traz consequências benéficas ao ambiente, tornando a educação como a base da atividade geoturística.
As zonas urbanas, conforme referido anteriormente, podem servir de palco para a atuação do geoturismo, onde o deslocamento das pessoas por meio de trilhas ou roteiros pré-definidos torna-se um meio importante de contato e apreciação do meio físico, do Patrimônio Histórico – Cultural e das suas relações.
A existência de trilhas interpretativas (Moreira, 2011) atribui nova função aos roteiros, do ponto de vista geoturístico, ao enriquecer a experiência dos turistas, que passam a conhecer o patrimônio natural, em especial o abiótico, e o patrimônio cultural sob outro prisma, além de favorecer a conscientização ambiental. Esses roteiros podem ser personalizados (trilhas guiadas) ou não personalizados (autoguiadas, com ajuda de folders e mapas, entre outros meios).
Atualmente, as trilhas tradicionais no Centro Histórico de João Pessoa são promovidas por diversas agências de turismo e acompanhadas por guias credenciados que conhecem, essencialmente, os aspectos históricos do patrimônio cultural local. O Departamento de Arquitetura da UFPB – Universidade Federal da Paraiba, através do projeto ‘Memória João Pessoa’ (site www.memoriajoaopessoa.com.br), disponibiliza um passeio digital por inúmeros monumentos do Centro Histórico mostrando sua arquitetura, história e evolução urbana, sem enfatizar os georecursos utilizados nas edificações e o papel do substrato físico, especialmente o relevo, os recursos hídricos e o solo na escolha do sítio onde a cidade nasceu e se expandiu.
O roteiro geoturístico urbano aqui proposto (Figura 2) inclui monumentos que refletem a geodiversidade local por meio dos georecursos empregados em sua edificação ou que apresentam a maior variedade litológica possível, quando esses georecursos são provenientes de outras áreas. Uma mais-valia para esse roteiro foi, também, inserir as formas de relevo e os recursos hídricos como fatores-chave para o estabelecimento e expansão urbanos, em uma perspectiva da utilização da Paisagem Cultural, que faz deles representantes do geopatrimônio urbano.
Destaques: (19) Academia Paraibana de Letras; (20) Centro Cultural São Francisco; (21) Fonte de Santo Antônio; (22) Praça d. Ulrico; (23) Mosteiro de São Bento; (25) Falha de Sanhauá.
AutorO mapa geoturístico mistura elementos de informação geocientífica quanto à geodiversidade e ao geopatrimônio per se, com elementos culturais e turísticos, de modo a que o público tenha facilidade de interpretá-lo. Desse modo, para o Centro Histórico, com a presença de infraestruturas turísticas mais completas, foram priorizadas as informações turísticas básicas, especialmente a malha viária.
A extensão total do percurso proposto é de 1670 metros, a ser percorrido por um veículo, considerando a topografia do terreno, sendo dispendidas cerca de 5 horas no trajeto total. A distância entre os pontos é 130 m (1 – 2), 210 m, ida e volta (2 – 3), 360 m (3 – 4), 100 m (4 – 5) e 650 m (5 – 6).
A Academia Paraibana de Letras (19), fundada em 1941, tem o calcário nas cercaduras principais, apresentando um estilo arquitetônico civil urbano do Brasil colônia. Em 1990 foi criado o Jardim dos Academos, em seu pátio, com 12 placas de membros famosos, tendo como base o tonalito.
O calcário é o principal elemento utilizado na construção do Conjunto Franciscano (20), com magníficas obras de cantaria em seu frontão e interior e uma cruz do cruzeiro em frente. O piso do adro possui fósseis de conchas.
Localizado no interior do Conjunto Franciscano, nas vertentes voltadas para oeste, a uma altitude de cerca de 22 metros, a Fonte de Santo Antônio (21) se encontra em uma grande depressão. Assenta-se diretamente sobre o calcário da Formação Gramame, podendo ser classificada como uma ‘fonte de contato geológico’.
Outra igreja dos primórdios da cidade, o Mosteiro de São Bento (23) é uma obra prima da arquitetura barroca, com belíssimas obras de cantaria em calcário, a matéria prima essencial da igreja.
A praça D. Ulrico (22) se localiza em um ponto nevrálgico da cidade alta, entre as ladeiras da Borborema, a sul, e a Ladeira de São Francisco, a norte, os dois primeiros caminhos formados na nascente cidade para se atingir a cidade baixa. Na praça destaca-se, no centro, um monumento a Nossa Senhora de Lourdes, possuindo como base um augen-gnaisse, com cristais centimétricos elípticos de K-feldspato, orientados preferencialmente, contornados por fitas de quartzo, biotita e magnetita. No meio-fio da ladeira da Borborema, blocos retangulares de calcário denotam sua primitiva existência, provavelmente de meados do século XIX.
A configuração do terreno do Centro Histórico em alto e baixo é resultado de uma falha normal que cruza o setor ocidental dos tabuleiros litorâneos, com direção nordeste. Este falhamento encaixa os tributários rios Marés e Sanhauá, este último visível no Largo São Frei Pedro Gonçalves, o que justifica o afloramento de calcários da Formação Gramame na vertente destes tabuleiros, ao longo deste plano de falha, logo abaixo do muro de arrimo do Hotel Globo.
Assim, o roteiro se dá paralelo ao trajeto que unia a cidade alta à baixa, o mais antigo da cidade. Inclui uma panóplia de edificações, monumentos, fontes e obeliscos com grande valor cultural e estético (como os belíssimos trabalhos de cantaria em calcário das igrejas de Santo Antônio e São Bento), e científico (fósseis no piso do adro da Igreja de Santo Antônio, a fonte Santo Antônio, uma fonte de contato geológico, o augen-gnaisse e o ortognaisse da base dos bustos de Nossa Senhora de Lourdes e Nossa Senhora das Neves, respectivamente, e a falha geológica do Sanhauá - 25). O Largo de São Frei Pedro Gonçalves, ponto final do roteiro, foi estabelecido em um terreno elevado associado ao referido plano de falha, e de onde se tem uma belíssima visão panorâmica da bacia do Rio Paraíba, especialmente ao pôr-do-sol.
O papel do geoturismo é aproximar o público à geodiversidade e ao geopatrimônio da área visitada, estejam eles in situ ou ex situ, através de estratégias de geointerpretação adequadas às características socioculturais desse mesmo público. Assim, a interação com o meio abiótico sensibilizará o turista/geoturista para percebê-lo sob uma nova ótica, propiciará a divulgação da geodiversidade e do geopatrimônio, servirá como ferramenta para a educação da população local e dos turistas, assim como divulgará as Geociências para além das salas de aula, visando a conservação e gestão desse geopatrimônio e do patrimônio cultural associado.
O principal geoproduto obtido a partir do mapeamento dos locais de interesse foi o Mapa Geoturistico do Centro Histórico, com seu roteiro contendo cinco locais de interesse. Seu caráter interdisciplinar e de material geoeducativo tem o papel de conscientizador e sensibilizador em direção à geoconservação e à popularização das Geociências.
A visão holística permitiu abrir um leque de novas discussões interdisciplinares ao possibilitar experiências culturais distintas das tradicionais, ao redescobrir as raízes culturais que permitem um sentido de lugar e uma reverência ao mundo natural, através do reconhecimento e celebração da criatividade referente ao patrimônio abiótico.
Se a paisagem natural e suas feições têm servido de inspiração para a literatura e as artes desde os primórdios, nos tempos atuais elas têm sido ferramentas de estudos científicos de geoconservação e geodivulgação, proporcionando alcançar um público maior que o do meio acadêmico. Assim, buscou-se também, através dessa análise de correlação do meio físico com o meio cultural, redescobrir um sentido de geoconsciência por meio do apelo estético que a paisagem instiga e de sua importância para a sociedade.
O segmento ‘sol e mar’ é o principal atrativo turístico da região de João Pessoa, aliado, de maneira secundária, a uma rica história e cultura, mas que negligencia o potencial geoturístico latente. O roteiro geoturístico serve, adicionalmente, para a promoção do geoturismo como uma mais-valia, inserindo no contexto turístico tradicional as informações acerca do meio abiótico até então esquecidas. Assim, promover-se-á a passagem de um turismo de massas para um turismo de nicho, mais sustentável sob o viés ambiental, social e cultural.
Destaques: (19) Academia Paraibana de Letras; (20) Centro Cultural São Francisco; (21) Fonte de Santo Antônio; (22) Praça d. Ulrico; (23) Mosteiro de São Bento; (25) Falha de Sanhauá.
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