Editorial
Muito se falou nos últimos meses em inteligência artificial e nos usos que podem ser dados às ferramentas que foram lançadas recentemente como o Chat GPT. Os debates centraram, principalmente, sobre os limites de seu uso e sobre o impacto que essas ferramentas virão a causar no mundo em que vivemos, quem perderá empregos e quais funções serão substituídas por estas soluções. Mesmo no meio acadêmico, há preocupação a respeito e as universidades começam a se mobilizar para evitar o que seria um uso indevido da inteligência artificial.
Obviamente, essa é um tema que merece reflexão aprofundada. E que deve ser feita a partir de tudo o que já sabemos e fazemos com essas ferramentas. Mas talvez a principal questão de nossos tempos é o que é ser humano. Mais precisamente, onde foi parar o elemento humano no mundo em que vivemos? O que fazemos em nossas vidas que de fato é essencialmente humano?
Com o passar do tempo vamos normalizando certas tarefas e comportamentos robotizados que vão tirando nossa própria humanidade. A começar pelas tarefas que nossos trabalhos vêm nos demandando e que exigem pouca criatividade e muita repetição. E, também, invadem nosso tempo livre, passando por comportamentos e passatempos que apenas nos tomam uma das coisas mais preciosas que temos à nossa disposição: o tempo! O tempo de estar presente, o tempo de viver aqui e agora.
Se conseguirmos utilizar ferramentas de inteligência artificial para automatizar o trabalho que pode ser delegado a um robô, tanto melhor! Nós do CVT sabemos da importância do desenvolvimento de novas ferramentas tecnológicas, mas também entendemos, como Manoel de Barros, que há muita sabedoria que a tecnologia não alcança.
A ciência pode classificar
e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular
quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação
perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
Fuente: Manoel de Barros
Neste número (assim como em todos os demais), apresentamos alguns textos de pessoas reais, que escrevem sobre problemas que importam a seres humanos. Como sempre, procuramos valorizar justamente o valor do elemento humano em cada um dos textos que chega até nós.
Começamos este volume com a publicação do texto de Viviane Costa Fonseca de Almeida Medeiros, Mayara Ferreira de Farias, Francisco Fransualdo de Azevedo intitulado “Experiências comunitárias e o processo de desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária nas Praias de Batoque e Canto Verde”. A Especulação imobiliária e uma luta de décadas são alguns dos elementos deste artigo que traça uma reflexão sobre desenvolvimento e rede de pertencimento local, e como o turismo e a economia solidária podem ser uma saída para pensar o mundo de uma maneira bastante própria.
Se o elemento humano ganha destaque no primeiro texto, no segundo o debate é justamente como lidar com as transformações provocadas pelas plataformas (tecnológicas) de consumo compartilhado no turismo. Tiago Juliano se dedica a identificar os principais avanços e lacunas na legislação consumerista diante dos novos desafios impostos dos novos modelos de negócio baseados no compartilhamento, no caso do turismo.
Gilberto de Araujo Guimarães e Laura Marques Castelhano escrevem um texto bastante humano sobre as razões e motivações da hospitalidade. Um tema amplo e complexo que foi abordado de uma forma interdisciplinar e teórica, passando pela psicologia e filosofia.
Isabel Christina Araújo Da Silva, Kettrin Farias Bem Maracajá discursam sua pesquisa sobre a importância da gastronomia no desenvolvimento do turismo na Paraíba. A partir de informações coletadas junto a turistas que frequentaram a região, as autoras defendem um maior envolvimento da comunidade local por meio da produção dos produtos cultivados na região.
O artigo de Pedro de Alcântara Bittencourt Cesar apresenta um estudo sobre três metodologias distintas que qualificam dimensões turísticas de localidades brasileiras, aplicadas a alguns municípios da serra gaúcha. Por meio da análise destas metodologias, seus pontos de contato, sobreposições e divergências, o autor observa como elas podem se somar como ferramenta para melhor compreender o território, seus posicionamentos e possibilidades turísticas.
“Turismo e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: uma análise a partir da produção nacional e das políticas públicas brasileiras”, de Luciana Davi Traverso, Tiago Zardin Patias, Claudia Toselli e Lenise David da Silva, faz uma importante análise sobre a indústria do turismo e o desenvolvimento sustentável, pensando no futuro da humanidade.
Ouro Preto aparece com destaque neste número do CVT. Erick Alan Moreira Ferreira e Rafael Henrique Teixeira da Silva debatem a relação conflituosa entre turismo e patrimônio a partir do caso da cidade mineira. O artigo discorre sobre as tensões entre mercantilização do patrimônio para fins turísticos e as consequentes desigualdades manifestas no território, tecendo conexões com motivações políticas, institucionais e econômicas que estão no entorno da sua preservação.
Ouro Preto também é objeto de um ensaio fotográfico e multimídia nesta edição. A partir de uma experiência pré-pandemia, Eduardo Martino e Katia Augusta Maciel contam essa história em texto e principalmente diversos registros imagéticos sobre a cidade, que inclui além de inúmeras fotografias, um vídeo 360°.
Para encerrar este número do CVT, uma entrevista sobre o empreendedorismo e a força do patrimônio imaterial para o desenvolvimento local. Ilram Albuquerque entrevistou Rodrigo Nunes, Ana Cê e Leco Lisboa, fundadores da Cia. de Aruanda, que desenvolve diversas ações relacionadas a economia criativa local no bairro de Madureira, na cidade do Rio de Janeiro.
Nós do CVT seguimos apostando no humano e na importância das relações profundas entre as pessoas. E no que isso significa. É isso o que nos interessa. Esperamos que aproveitem mais este número de nossa revista.