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Paisagens de Aprendizagem: acampamentos norte-americanos de verão e suas possibilidades educacionais1
Lance W. Ozier
Lance W. Ozier
Paisagens de Aprendizagem: acampamentos norte-americanos de verão e suas possibilidades educacionais1
Educação. Revista do Centro de Educação, vol. 42, núm. 2, pp. 267-284, 2017
Universidade Federal de Santa Maria
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Resumo: Por mais de 100 anos pesquisadores do campo da educação têm se preocupado com “hiatos de aprendizagem no verão” de estudantes que demonstram descréscimo de aprendizagem durantes os meses de verão fora da escolar. Ao mesmo tempo, acampamentos norte-americanos de verão tem fornecido paisagens para aprendizagem de inúmeras gerações de estudantes em idade escolar com o intuito de aprimorar habilidades e construir competências. A despeito da atual disponibilidade das experiências de acampamento para atenuar esse “hiato de aprendizagem de verão”, as reformas educacionais contemporâneas não têm ainda reconhecido a aparente conexão natural entre acampamentos e escolas. Esse artigo examina, assim, tanto os laços históricos e teóricos significativos que subjazem as configurações do movimento de campistas e da escolar formal, quanto as possibilidades contemporâneas dos acampamentos para a aprendizagem do século 21, cujas competências envolvem o estabelecimento de vínculos sociais e colaborativos, redefinição de papeis, de confiança, independência e aprimoramento academic. As conclusões indicam a signficativa importância das experiências de aprendizagem nos acampamentos para as crianças, como também a necessidade de formulação de políticas educacionais que criem oportunidades de aprendizagem extra-curriculares – tais como oferecidas pelos acampamentos de verão.

Palavras-chave:Acampamentos de verãoAcampamentos de verão,AprendizagemAprendizagem,Experiências educacionais extra-curricularesExperiências educacionais extra-curriculares.

Abstract: For over 100 years educational researchers have concerned themselves with a “summer learning gap” for students who experience academic losses during the summer months they are away from school. Simultaneously, American summer residential camps have provided landscapes of learning for generations of school children to improve skills and build competencies. Despite the current availability for camp experiences to fill the “summer learning gap” experienced by students during the summer vacation, contemporary education reform initiatives have largely not recognized the seemingly natural connection between camp and school. This article examines the significant historical linkages and theoretical underpinnings that relate the American camp movement and formal school settings, as well as contemporary possibilities for camps to serve as learning landscapes for 21st century learning outcomes that include relationship building, role modeling, collaboration, confidence, independence, and academic enhancement. Conclusions of the article indicate the significant role of camp experiences in the learning lives of children, and the need for policy makers to adopt reforms that include provisions for out-of-school time learning opportunities such as summer camp.

Keywords: Summer camp, Learning, Educacional experiences out-of-school.

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Paisagens de Aprendizagem: acampamentos norte-americanos de verão e suas possibilidades educacionais1

Lance W. Ozier
The City College of New York, Estados Unidos
Educação. Revista do Centro de Educação, vol. 42, núm. 2, pp. 267-284, 2017
Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 29 Julho 2017

Aprovação: 25 Agosto 2017

Acampamento de verão

O farfalhar de passos mistura-se com a uma infinidade de vozes que se elevam a céu aberto, onde estrelas cintilam como luzes de cidades de mundos distantes. Não muito longe do brilho sereno de vagalumes e lanternas, os sonhos de verão voam dentro das jovens cabeças que descansam em barracas e cabanas, em campos e florestas. Por mais de 150 anos, os acampamentos de verão prosperam na América do Norte, tanto como lugar de recreação como de desenvolvimento educacional.

É nos Estados Unidos que os acampamentos infantis começaram e onde alcançaram maior sucesso (Paris, 2008). Henderson et al. (2007, p.755) define “acampamento” como “experiências grupais organizadas ao ar livre que utilizam de líderes treinados para atingir objetivos determinados de antemão”. Além disso, Penny A. James (2009), um pesquisador da North Carolina State University identificou quatro estágios que descrevem a evolução da experiência organizada de acampamentos do último século: 1) estágio recreacional: dos anos de 1860 a 1920; 2) estágio educacional: de 1920 até 1950; 3) estágio de orientação social e responsabilidade: de 1950 a 1970; 4) estágio de Novas Orientações: 1970 aos dias de hoje (DeGraaf, Ramsing, et al, 2002; James, 2009).

Nesse sentido, os propósitos da experiência dos acampamentos organizados de verão evoluíram ao longo do tempo. Todavia, ainda que prioridades tenham sido alteradas, mesmo os diretores dos primeiros acampamentos reconheciam o valor educacional da experiência dos acampamentos de verão, por exemplo, o educator C. HanfordHenderson, fundador do Acampamento Marienfeld situado no Alto do Rio Delaware, em 1896. Henderson planejou um “acampamento de estudo” que combinaria um currículo formal com recreação ao ar livre, escrevendo depois que os acampamentos representavam “inédita e magnífica oportunidade educacional” (Paris, 2008, pp.36-37). Logo depois, a faculdade de educação da Columbia University tornaria-se o endereço estratégico mais importante acerca dos acampamentos no âmbito da Educação.

O discurso de Ben Solomon (1930, p.15-16) intitulado “Acampamento como um Movimento Nacional” foi impresso na edição de março da revista Camp Life, estabelecendo cinco abrangentes valores do acampamento: recreacional, de construção física, de formação do caráter, educacional e espiritual. Dentro desse construto, existem vários subconjuntos de acampamentos, incluindo, acampamentos privados, a maioria dos quais foram separados de acordo com a religião dos participantes, e acampamentos administrados por organizações ou “organizacionais”, gerenciados por grupos de jovens ou centros comunitários, assim como um importante subconjunto de instituições de caridade. Ainda que esses “acampamentos” sejam iniciativas valiosas, eles não tipificam a experiência de acampamento das crianças.

Minha pesquisa, portanto, focou-se na forma predominante de acampamento: os acampamentos de verão “sleep-away”. Por definição, nessas instituições, as crianças passam tanto a noite quanto o dia longe de casa. Para ser considerado um acampamento “sleep-away”, as atividades duram pelo menos uma semana, do que apenas uma noite ou duas. A fim de preservar a especificidade da definição, não incluo as excursões de curta duração, ou acampamentos de inverno ou mesmo “familiares” – os quais acolhem pais e filhos –, tampouco acampamentos de caridade que abrigam crianças da classe trabalhadora sob supervisão de suas mães (Paris, 2008).

Acampamento como lugar de desenvolvimento juvenil

O acampamento é uma paisagem vital para aprender e viver, assim como outras instituições que educam desde uma variedade de experiencias de vida, tais como famílias, comunidades e escolas. Os jovens frequentam os acampamentos por uma série de razões, e desde 1970, os acampamentos tem se dedicado cada vez mais ao desenvolvimento positivo da juventude. Não obstante, minha pesquisa se focou nos acampamentos que privilegiam aspectos da abordagem de “desenvolvimento juvenil” em detrimento de aspectos recreacionais e de aventura ao ar livre. Embora esses sejam componentes valiosos da experiência bem planejada de um acampamento, o modelo que abarca o desenvolvimento juvenile adequa-se melhor ao interesse pelos acampamentos como locais de aprendizagem. O desenvolvimento juvenil tem sido definido por uma multiplicidade de estudos que identificaram o desenvolvimento social como um aspecto fundamental para uma vida bem sucedida, tanto no âmbito acadêmico, quanto no da obtenção de habilidades críticas que contribuem para a desenvolvimento do indivíduo. Essa outra pesquisa conclui que essas habilidades envolvem: 1) comunicação efetiva; 2) habilidade para trabalhar cooperativamente com outros; 3) autocontrole emocional e adequada expressão; 4) empatia e capacidade de posicionamento; 5) otimismo, humor, autoconfiança; 6) habilidade para planejar e estabelecer metas; 7) resolução de problemas e conflitos de maneira ponderada e não violenta; e, 8) abordagem de aprendizagem continua das situações da vida (Elias & Weissber, 2000; Zin, Weissberg, et al., 2004). Para melhor compreender os fatores que promovem a aquisição dessas habilidades ou o desenvolvimento dos adolescentes, pesquisadores do Search Institute estabeleceram 40 qualidades de desenvolvimento (Leffert, Benson, et al., 1998). Essas 40 qualidades foram categorizadas em 8 domínios que representam as características internas e externas de uma criança e seu ambiente: 1) apoio; 2) capacitação; 3) limites e expectativas; 4) uso construtivo do tempo; 5) compromisso com a aprendizagem; 6) valores positivos; 7) competências sociais; 8) identidade positiva (Leffert, Benson, et al., 1998).

Pesquisas mais recentes sugerem que a participação em acampamentos impacta o jovem de várias maneiras, tais como no desenvolvimento afetivo (auto-estima e autoconceito), cognitivo (conhecimento, habilidades, atitudes), comportamental (autocontrole e intenções comportamentais), físico, social e espiritual (Powell, 2003). Teorizações contemporâneas sobre a experiência em acampamentos organizados incluem “resultados de mensuração de desempenho” a fim de definir os benefícios oriundos dos acampamentos. O artigo intitulado “Youth Development Outcomes of the Camp Experience” (Thurber, Schuler, et al., 2007), consiste em um estudo autorizado pela American CampAssociation que demonstrou que o acampamento geralmente beneficia crianças a criar autoconfiança e autoestima, ajudando as mesmas a fazer novos amigos, mostrando qualidades de liderança e crescente disposição para novas experiências.

Por essas razões é necessário pensar nos acampamentos não apenas como fábricas de diversão, como sugere muitas vezes a cultura popular. Este conjunto de atividades de inovação profundamente pesquisado de desenvolvimento juvenil e de habilidades de aprendizagem do século XXI deixa claro que os acampamentos americanos de verão são produtos de influências intencionais e intelectuais. Com efeito, é possível pensar no acampamento como aquilo que acontece quando se atravessam três diferentes fatores que todas as comunidades em franco desenvolvimento possuem: relações de apoio, responsabilidade compartilhada e pessoal, assim como amor pela aprendizagem e contínuo desenvolvimento. O indivíduo que acampa, muitas vezes, reflete sobre como, durante vários anos de experiência de acampamento, ele assume aspectos desses três (e mais) valores; e teve êxito em simultamente fazer amigos e a se tornar mais independente, adquirindo novas habilidades.

Campus

Da palavra latina campus (ou campo) pode-se encontrar uma ligação etimológica entre a palavra campi (relacionada à escolas) e os Acampamentos. Essas duas intituições não apenas compartilham uma raiz comum, mas, em conjunto, contabilizam inúmeras horas de envolvimento e experiência, influenciando crianças e adultos norte-americanos. De maneira geral, as famílias lembram da experiência nos campus como a única outra estrutura que ultrapassa a influência dos acampamentos e da escola. As relações entre acampamentos e escola foram historicamente bem estabelecidas e, muitas vezes, se confudem. Em sua história de acampamentos de verão e de formação da juventude americana, Abigail A. Van Slyck (2006) escreve: “os acampamentos privados, por exemplo, eram geralmente fundados, de propriedade e operados por um ou dois indivíduos (às vezes um casal), muitas vezes educadores” que trataram a experiência de acampamento como uma extensão da experiência escolar, não raro contratando os mesmos professorspara trabalharam em ambos os espaços. Além do compartilhamento de pessoal, existem ainda mais relações formais entre acampamentos e escolas desde o início dos anos de 1900. Por exemplo, na década de 1910, os acampamentos privados foram listados em sua própria seção no A Handbook of American Private Schools, de Porter Sargent. Em 1924, inicia-se uma publicação separada de Porter Sargent, intitulada A Handbook of Summer Camps, o qual proporciona uma lista abrangente de acampamentos privados. No mesmo período, a revista Red Book “adotou uma política editorial que procurou consistentemente promover o trabalho e das escolas privadas e do acampamento cultural”, começando a publicar guias próprios.

Essas publicações exemplificam os caminhos formais em que os acampamentos (sobretudo privados) e as escolas (também privadas) estavam conectados, ou ao menos atendiam a uma clientela similar. A despeito da participação mútua de sujeitos que acampam e funcionários nessas escolas e acampamentos privados, o conteúdo das duas experiências, entretanto, teriam sido mutualmente exclusivas. Ou seja, durante as décadas entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, John Dewey (1938) publicou Experiência e Educação, delineando um currículo de ambientes de aprendizagem cooperativos, democráticos que enfatizavam um processo interativo entre estudantes e professores e aprendizado experiencial, uma linguagem com que a maioria dos profissionais dos acampamentos continua ainda hoje confortável.

Encorajados por essa mudança de pedagogia e de filosofia, os líderes do National Council of Teachers of English também procuraram incorporar a educação experiencial, “recomendando em 1935 que a nação [adotasse] um Currículo de Experiência em Inglês”, organizado em torno da filosofia de Dewey. Ainda que os programas experienciais educativos tenham persistido nos acampamentos, as ideias de Dewey lentamente desapareceram das poucas escolas nas quais foram experimentadas na década de 1960 (Applebee, 1974).

Nas décadas seguintes, embora acampamentos e escolas compartilhassem frequentemente recursos humanos, não houve influência pedagógica generalizada das práticas de aprendizagem experiencial dos acampamentos em relação aos currículos escolares. Apesar desse cisma histórico entre acampamentos e escolas, o momento sugere, no entanto, um renovado interesse em uma maior colaboração entre os mesmos, de modo a tornar os acampamentos de verão modelos de aprendizagem dessa época do ano.

Acampamentos e salas de aula

Ao identificar vínculos na rede de instituições educacionais que nos envolvem e imaginar todos os espaços nos quais podemos adquirir informação, processos e habilidades nos conduzem a uma variedade de pontos entre pessoas e lugares. Hope Jensen Leichter (1978), ao escrever para uma edição especial do Teachers College Record identificou muitas dessas instituições como sendo “locais de trabalho, associações, bairros, amigos, instituições religiosas, (e) museus”. Cada uma dessas instituições contribui, a sua maneira, para um desenvolvimento holístico do sujeito intelectual, cultural, social, acadêmico, sendo que boa parte dessa rede existe para além dos muros da escola. Nesse sentido, assim como as crianças abordam as atividades de aprendizagem em ambientes de sala de aula, habilidades similares são adquiridas por intermédio da experiência nas famílias, nas comunidades e assim mesmo em acampamentos. A filósofa da educação, Maxine Greene (1978) sugere que experiências significativas de aprendizagem “não podem, obviamente, acontecer apenas dentro das escolas e pelo agenciamento das escolas”. Esses espaços, de acordo com Greene, são criados e vividos em “salas de estar, playgrounds, locais de trabalho, estúdios e salas de espera”. Greene poderia facilmente se referir aos acampamentos quando defende a aprendizagem que ocorre por intermédio de muitas configurações, entre muitos indivíduos e grupos de pessoas.

Configurações educacionais, paisagens e espaços

Uma vez que configurações educacionais nos acolhem em todos os lugares, pode-se dizer que o acampamento é apenas um dentre muitos espaços nos quais ocorre uma grande quantidade de ensino e aprendizagem. A questão se torna, então, se as características dos acampamentos se qualificam como experiências educacionais propriamente ditas. O célebre historiador da educação, Lawrence Cremin (1978) fornece uma ampla definição de educação como sendo um “esforço deliberado, sistemático e sustentado para transmitir, evocar ou construir conhecimento, comportamentos, valores, habilidades e sensibilidades e qualquer outro aprendizado que resulte de esforço direto ou indireto, intencional ou não”. Cada elemento dessa definição lembra e ilumina um componente do acampamento, relacionando e legitimando ainda mais seu papel como instituição educacional.

Além disso, o acampamento tem a capacidade de imaginar os espaços e paisagens tradicionais de aprendizagem de maneira diferente. Ruth Vinz (2004), que evoca uma abordagem quase filosófica a essa questão sobre onde a aprendizagem ocorre, imagina o acampamento como um “lugar de construção/produção” no qual começamos ou tentamos entender o que uma “aprendizagem interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar pode significar” e como esses lugares podem ser atualizados em nosso cotidiano.

Essa forma de pensar, raramente, se é que acontece alguma vez, tem seu lugar na escola. No entanto, a presença de adultos com variados habilidades e interesses torna esse assunto possível nos acampamentos. Esses indivíduos fornecem a paixão e os recursos para “sensibilizar o tutor” e “provocar formas usuais de olhar o mundo para novas imagens do possível”, tal como nos lembra Herbert Kohl (1994) acerca dos adultos e dos tutores de sua infância. Conselheiros, professors e outros adultos nos acampamentos têm a liberdade de criar robustos cursos de discussão para crianças. Revistas de Literatura lidam, muitas vezes, com as modificação das percepções desconfortáveis e misóginas acerca das mulheres por parte da sociedade, bem como tornam as crianças ativistas sociais, trabalhando com cartografia e orientação, com a ecologia, tendo ampla disponibilidade de livros para ler.

Um esforço conjunto entre os envolvidos para enfatizar o processo e não apenas o resultado, define muitas vezes a aprendizagem no acampamento diferentemente de outras configurações, principalmente nas escolares, que continuam a depender de testes de altas competências para mensurar o sucesso. À medida que as crianças são encorajadas a se apropriar de suas próprias experiências, ativando sua curiosidade e confiando em seu próprio senso de motivação, aumenta-se a probalidade de moldar aquilo que Kohl lembra que o habilitou a “tomar o controle consciente de [sua própria] educação”.

Mensageiro comum

Além do acampamento, as crianças participam obviamente de múltiplas configurações educacionais e uma vez que é possível que as crianças combinem os horizontes expandidos adquiridos nos acampamentos com as experiências escolares mais fundamentais, as formas típicas de aprendizagem e pensamento das crianças podem ser dramaticamente alteradas. Nesses casos, as crianças se tornam o “mensageiro comum” entre essas configurações, permitindo que as formas espirais e cíclicas de coleta de informações emerjam, ao invés de modelos tipicamente lineares (Leichter, 1978). Na medida em que as crianças começam a passar por e participar nessas variadas configurações, a aprendizagem se torna vinculada ao indivíduo de maneiras as mais significativas, viajando com elas, dando maior senso de propósito e valor do processo, como também acentuando a prática de aprendizagem.

O aluno que se mantém focado torna-se o “mensageiro comum” entre as configurações do acampamento e da escolar, combinando diversas experiências, informações e variados aprendizados. A tarefa de delinear as complexidades dessas relações é muito extensa. E, uma vez que as crianças reconhecem uma distinção entre a configuração do acampamento e a da escolar, suas capacidades de transferir habilidades adquiridas de uma experiência para um espaço diferente faz-se inteiramente possível. Crianças que participam de acampamentos se beneficiam da experiência de um programa específico, o qual leva a participar com jogos de complexa estruturação, de explorar o mundo natural e cultivar talentos e interesses artísticos, abrangendo, assim, o componente de aprendizagem passiva.

O “mensageiro comum” pode tomar muitas formas e assumir muitas responsabilidades. Às crianças talvez seja atribuído de forma mais comum esse papel. Tanto no ambiente do campo como no da escola (e, até certo ponto, nas configurações familiares e comunitárias), as crianças frequentemente são as beneficiárias das energias dos adultos e dos professores. Escolas dedicam uma enorme quantidade de energia e recursos para garantir que todas as crianças obtenham as habilidades necessárias para que se tornem membros produtivos e competentes de uma sociedade democrática. Anos são dedicados a condicionar crianças a um meio de vida pela leitura, escrita e matmática, acentuados por cursos em ciência e estudos sociais.

Embora avançados de uma maneira muito diferente, acampamentos e escolas compartilham uma agenda similar e também comum. Ou seja, ambos passam uma quantidade de tempo focando na criança como um sujeito aprendente. Crianças que participam de acampamentos se beneficiam das experiências, interações e da aprendizagem tanto nos acampamentos quanto nas escolas. Suas ideias se tornaram ligadas e conectadas de maneira tal que não seriam possíveis sem ambas as configurações. Como vimos, o que é aprendido na escola é muitas vezes reforçado e fundamento das atividades no acampamento e vice-versa.

Ligações ao longo do tempo

A catalogação e organização na consciência de um indivíduo do processo dessas experiências ao longo do tempo é fundamental para analisar as relações entre todas as configurações identificadas até agora. Diversos e variados são esses momentos de vida, adquiridos aqui e acolá, tanto conscientes quanto subliminares, eles ajudam a reunir ferramentas e habilidades úteis ao indivíduo à medida que avançam para outras configurações.

A própria natureza dessas ligações permeia os muros das instituições educacionais, eventualmente se infiltrando com força suficiente para se libertar e se tornar algo melhor. Sendo assim, o acampamento apresenta-se como algo mais do que uma instituição educacional. É um espaço, uma configuração, uma tela. Livre das regras e regulamentos da escola, no acampamento poucas são as barreiras instituicionais que se colocam entre professor e aluno. As configurações entre todos os atores são livres para evoluir e se multiplicar, outras formas são incorporadas. O acampamento, diferentemente de qualquer outra organização, torna-se uma paisagem vital para aprender e viver. Instituições que educam desde uma variedade de experências de vida, incluindo-se famílias, comunidades e escolas, convergem e se justapoem uma a outra, resultando em um aprendizado sem precedentes. Com o surgimento das escolas de verão, os acampamentos podem combater o chamado “mais do mesmo”. A reforma da educação pública se baseia na contribuição e na inovação do setor privado, mantendo-se fiel aos valores de acesso amplo e igual para que as crianças tenham oportunidades.

Ligações entre família e acampamentos

A natureza permanente (ao longo do ano) de muitas organizações de acampamento, que incluem reuniões e viagens de inverno oferece às familias a oportunidade de fortalecer a comunicação entre pais e a equipe de tempo integral que nelas trabalham. Os vínculos entre esses grupos propiciam uma miríade de oportunidades às familías para acolher os benefícios residuais da experiência das crianças nos acampamentos. À medida que o número de intercâmbios e a interação são mantidos ao longo de muitos anos, a partilha de conhecimento, valores, atitudes, habilidades – a aprendizagem – se torna ainda mais valiosa. No contexto desse relacionamento, cada parte é responsável, em certo grau, por assumir e alternar papéis, ora como professor ora como aluno. Ou seja, famílias têm igual experiência de modo a informar a organização do acampamento sobre como melhor lidar com as suas respectivas crianças, assim como a organização do acampamento tem potencial e responsabilidade para ensinar e compartilhar com os pais e as famílias.

Dito de outro modo, ainda que as crianças participem dos acampamentos, e se encontrem disntantes de suas famílias, elas carregam normas e comportamentos que se originam em suas respectivas casas. Esses comportamentos domésticos permanecem influentes, afetando não apenas uma criança, mas também outras crianças de diferentes famílias com as quais a mesma entra em contato. Múltiplas normas e valores de diferentes famílias chegam ao acampamento por meio das crianças que dele participam. Muitas crianças, consequentemente, beneficiam-se do ensino de muitas famílias, no contato de umas com as outras.

Como evidência das ligações família-acampamentos, um estudo recente sobre campistas conduzido por Deborah Bialeschki et al. (2002) solicitou aos pais que fornecessem respostas à perguntas abertas vários meses depois da conclusão de um acampamento. Uma das primeiras questões indagava sobre como os pais percebiam o modo como as crianças haviam sido afetadas por seu envolvimento no acampamento. Os pais notaram que seus filhos se tornaram “mais independentes” e, concomitantemente, “mais maduras e responsáveis”. Um familiar declarou “[que sua filha] se tornou mais aberta e não tão tímida”. Um familiar de outra família disse: “acredito que [fulana] descobriu sobre si mesma coisas que ela não sabia que ela tinha”. Outros pais mencionaram ter notado em seus filhos “habilidades interpessoais desenvolvidas e uma atitude mais atenciosa”. Por exemplo, os pais disseram: “suas habilidades sociais estão melhorando continuamente” e “sua atitude está melhor. Ela aprendeu a trabalhar em grupo”. Outro familiar declarou “ela se tornou mais preocupada com os outros por meio de suas experiências”.

Bialeschki nos recorda que indivíduos que frequentam acampamentos e pais tornam-se conscientes dos “benefícios psicológicos, sociais e físicos da experiência nos acampamentos”. Independentemente se os comentários são de um estudante do quinto ano ou de um pai, todos eles articulam muitos dos valores tradicionalmente relacionados à ida ao acampamento. As atividades que requerem habilidades físicas num ambiente natural resultaram numa maior consciência ambiental e sentimentos de competência física. As interações sociais cotidianas em uma comunidade de compartilhamento resultaram em um crescimento reconhecido acerca da resolução de problemas e habilidades interpessoais. O efeito combinado foi o de autoempoderamento e crescimento pessoal, o qual atingiu todos os aspectos da vida da criança para além dos limites do acampamento.

Como evidência do “mensageiro comum” ou das instâncias nas quais as crianças criaram vínculos entre instituições, combinando diversas experiências, informações e outras formas de aprendizagem entre si são trazidas por um dos pais entrevistados por Bialeschki que transmitiu um ponto de vista pungente ao ilustrar as possibilidades e implicações presente na criança que iam além da experiência do acampamento: “este programa não apenas auxiliou minha filha, mas também me ajudou significativamente”. As crianças transmitem claramente as experiências vividas nos acampamentos com suas famílias e, por conseguinte, com as comunidades para as quais elas retornam, aumentando as possibilidades de uma aprendizagem sem restrições, acrescentando o potencial social da mesma comunidade. Por exemplo, as crianças que participam de acampamentos podem se tornar mais responsáveis, tratar os outros com respeito e cuidado, tornarem-se lideranças e boas cidadãs no retorno às suas comunidades de origem, colocando essas atitudes em ação em sua casa, na escolar, na vida cotidiana. Entre os diferentes espaços, paisagens e valores identificados até agora, as crianças têm a chance de moldar e vincular essas imagens em experiências sólidas, as quais são combinadas com outras ao longo do tempo, construindo uma série de aprendizados potentes.

Para distinguir os acampamentos e da salas de aula

Oportunidades de aprendizagem acontecem em todos os lugares e, ao mesmo tempo, nas configurações do acampamento, oferecendo às crianças uma experiência única para explorar, descobrir, apreciar e experimentar. A criação de tal espaço abundante para as crianças, em que novos significados e entendimentos podem emergir, resulta naquilo que Maxine Greene (1978) chama de “risco de arriscar”.

As ocasiões para que as crianças escolham, sejam desafiadas e reflitam – para de fato arriscarem a arriscar – são muito frequentemente ausentes do diálogo, quando existe diálogo na escola. A apreciação sincera das ideias das crianças como reais e valiosas, como sendo verdades, ocorre mais provavelmente em ambientes não estruturados, geralmente opostos à configuração institucional das escolas. Como resultado, as atitudes e percepções do aluno – o participante – se tornam muito mais complacentes em relação à aprendizagem e ao avanço das informações, habilidades e procedimento em lugares como o do acampamento. Essa combinação de risco e sucesso, em um lugar em que as crianças podem se sentir seguras e confortáveis com suas tentativas e erros, pode produzir um maior desenvolvimento e resultados mais produtivos. As crianças precisam desesperadamente do tempo para negociar com outras crianças e adultos as contradições e complexidades, de modo a considerar alternativas e identificar as mais adequadas e convincentes.

Examinar a educação e o nosso mundo de aprendizagem pelas lentes daquilo que Greene (1978) descreve como algo “determinado e predefinido” seria perigoso e infeliz. Noções progressivas, indiferentes a fronteiras e limites, são necessárias para que possa alcançar um nível de compreensão que seja capaz de moldar de maneira mais apropriada o ensino e a aprendizagem – versões abertas que abracem e valorizem de igual modo todas as configurações e os links que existem entre esses espaços. O reconhecimento do acampamento como uma sala de aula é capaz, portanto, de ampliar a nossa visão.

Perspectiva sazonal da aprendizagem

A questão aqui não é apenas sobre onde aprendemos, mas quando aprendemos. Pesquisadores da Educação têm, por mais de um século, se interessado por uma abordagem sazonal da aprendizagem que busca determinar se existem ou não meses durante o ano nos quais as crianças são mais propensas a progredir academicamente. Em todos os países, excluindo-se aqueles em que o calendário escolar se prolonga durante todo o ano, os sistemas escolares seguem tradicionalmente o calendário agrário, originalmente criado para permitir o trabalho e a agricultura, ao invés das férias e relaxamento modernos. O interesse pela sazonalidade da aprendizagem remonta a um conjunto de trinta e nove estudos concluídos por Cooper, Nye, Charlton, Lindsey e Greathouse (1996), o mais antigo datado de 1906 (White, 1906). Esses estudos apontam essencialmente para a mesma conclusão: todos os jovens experimentam perdas de aprendizagem quando não participam de atividades educativas durante o verão. Em termos de resultados de testes padronizados, a pesquisa é clara ao concluir que estudantes demonstram menor aproveitamento ao fim do verão em relação ao início das férias de verão (Cooper, 1996).

A perda cumulativa de aprendizagem no verão em crianças é ainda mais marcante. Em média, estudantes perdem mais de dois meses e meio de equivalência de nível escolar em habilidades de operação matemática, e quase dois meses de desenvolvimento da capacidade de leitura é perdido por estudantes de baixa renda. Além disso, estudos revelam que as maiores áreas de perda de aprendizagem em todos os estudos, a despeito de sua classe social, dizem respeito a conhecimento factual e procedimental (Cooper, 1996).

Richard Rothstein, antigo colunista da seção educacional do New York Times e agora pesquisador associado do Instituto de Política Econômica, concorda que “as crianças menos favorecidas recebem menos apoio educacional durante os verões e depois da escola”. Sua pesquisa confirma que esse diferencial “atraso de verão” ocorre em parte devido ao fato de que a aprendizagem de crianças de classe média é reforçada nesse período do ano – “elas leem mais, viajam e aprendem novas habilidades sociais e emocionais em acampamentos e atividades esportivas organizadas” (Rothstein, 2005, p.13). Mais recentemente, um documento de pesquisa publicado pela Rand Education (Wiseman, 2011, p.01), mencionou que os programas de aprendizagem de verão “têm o potencial de ajudar crianças e jovens a melhorar os resultados acadêmicos e extra acadêmicos”. Esses “outro resultados” estão bem documentados no campo do desenvolvimento da juventude. É à medida que o sinal bate ao final do período escolar e a temporada de verão começa, que os acampamentos de verão respondem a esses “hiatos de aprendizagem de verão”, oferecendo experiências de aprendizagem abrangentes e de alta qualidade, que não está necessariamente fundamentada na configuração das salas de aula. A forte escolarização é um traço essencial das sociedades modernas, entretanto, muito do que significa ser educado e intelectualmente competente envolve atitudes, formas de apreciação, disposições, conhecimento tácito e metacognitivo que dependem da passagem por uma “boa escola” e, também, de boas experiências fora da escola (Gordon, Bridglall et al., 2005). De fato, uma revisão abrangente da aprendizagem fora da sala de aula, intitulada Educação Suplementar: o currículo oculto do alto rendimento acadêmico (Gordon, Bridglall et al, 2005, p.42-43), refere que

os programas de desenvolvimento juvenil mais eficazes apresentam conteúdo acadêmico e recreativo ao mesmo tempo. Programas de alta qualidade permitem também que jovens examinem vários tópicos, habilidades e projetos que os interessam profundamente, mas que podem não estar claramente vinculados ao currículo escolar, aumentando a capacidade de pensamento criativo e de resolução de problemas.

Perceber o déficit de ganhos é ap enas parte do desafio, reconhecendo maneiras pelas quais os acampamentos podem reforçar a experiência das crianças fora da sala de aula. Combater essa lacuna de aprendizagem é um empreendimento digno. As medidas de teste padronizadas representam apenas a maneira mais convencional pela qual nossa sociedade pensa sobre a aprendizagem e, muitas vezes, a legitima. Muito poucas pesquisas investigam os modos pelos quais os acampamentos podem reforçar as experiências de aprendizagem das crianças fora da sala de aula, não apenas como um esforço para aumentar os resultados dos testes convencionais, como também para combater a “queda de rendimento no verão” de maneira que se possa reconhecer todas as formas de aprendizagem e os locais em que essas experiências podem se dar.

Possibilidades educacionais

Os verões sempre pertenceram às crianças, cujas férias frequentemente não são tomadas como tempo e espaço próprios para a aprendizagem. Todavia, os acampamentos e os verões que eles ocupam têm servido como “paisagens de aprendizagem” (Greene, 1978) para muitas gerações de campistas. Ainda que as escolas tenham sido tradicionalmente encarregadas com a função de aprimorar academicamente nossas capacidades de viver e trabalhar numa sociedade em constante transformação, os acampamentos têm obtido reconhecimento como um espaço vital de aprendizagem, mais notadamente por aqueles que não são suficientemente atendidos na sala de aula. Identificar os vários espaços nos quais a aprendizagem ocorre e o valor de cada configuração é crucial quando se pretende enfatizar a experiência do acampamento como uma alternativa viável às escolas de verão obrigatórias. Peg Smith (2009, p.04), diretora executiva da American Camp Association, diz que a solução “não é confinar às crianças a salas de aula em escolas de tempo integral”; e continua: “a resposta está em propostas de desenvolvimento muito mais naturais que promovem a aprendizagem experiencial, que melhoram as habilidades físicas e sociais, que ensina as crianças a arriscar de forma prudente em um ambiente seguro, e que expandem a criatividade, possibilitando maior inovação”. Compreender as características da aprendizagem nos acampamentos, as características da aprendizagem na escola e as formas pelas quais as crianças relacionam cumulativamente uma a outra, reforça a singularidade dessas instituições e as possibilidades de mútua contribuição.

A reforma da educação pública baseia-se na contribuição e na inovação do setor privado, mantendo-se fiel aos valores de acesso igualitário e amplo a todas as crianças, a fim de que essas tenham oportunidades educacionais dentro e fora da sala de aula. Como afirma Smith (2009), “a experiência do acampamento relaciona-se com um ambiente de aprendizagem bem testado e viável, que contribui para a saúde geral e o desenvolvimento das crianças, dos jovens e dos adultos”; a autora solicita, ademais, aos formuladores de políticas públicas que “reformulassem a questão [...] a fim de introduzir a importância do entendimento de como as crianças aprendem – ou não passam nos testes” (Smith, 2009, p.04). Professores, conselheiros, alunos, campistas, organizações e instituições operam de forma coletiva e independente para reformar nossos entendimentos e crenças incontestáveis acerca do que é possível. As pesquisas nessa área podem ajudar os acampamentos a obter maior reconhecimento como espaços vitais de aprendizagem no verão, mais notadamente para aqueles que estão em condições de fazer de sua promessa uma realidade para todas as crianças.

Os acampamentos não são singulares em seus potenciais para promover experiências de aprendizagem de alta qualidade durante os meses de verão. Entretanto, essa distinção se baseia na natureza das relações entre campistas e seus arredores, que aproveitam a criatividade e realizam experiências diferentes de outras de verão que simplesmente não são empregadas para que os acampamentos não corram o risco de se tornarem exatamente iguais às salas de aula de uma determinada escola. O sentido de pesquisa nesta área é excelente e pode resultar em uma colaboração potencialmente maior entre as organizações de acampamentos e as instituições escolares, como recursos dedicados a envolver ainda mais crianças durante o período das férias de verão, para pensar e desenvolver competências que tornem seu ano letivo mais bem-sucedido.

A cada verão nos acampamentos, as crianças desfrutam de programas recreativos, artísticos, de natureza e de aventura que podem ajudá-las a adquirir habilidades importantes que nem sempre são explicitamente ensinadas na sala de aula. As crianças praticam esportes, desenvolvem relações positivas entre pares, habilidades sociais e um sentimento de pertencimento. Tudo isso, de acordo com Gordon (2005, p.43), “cria condições sociais e psicológicas positivas para a aprendizagem acadêmica”, quando os campistas retornam às suas escolas ao final das férias de verão.

Educação para a "nova economia"

Alguns anos atrás realizei um estudo com crianças que haviam frequentado acampamentos de verão por pelo menos seis ou sete anos (Ozier, 2012). Solicitei, naquela ocasião, que elas conversassem comigo sobre suas experiências nos acampamentos; suas histórias davam provas evidentes de que o acampamento de verão é um lugar importante para as crianças aprenderem e crescerem. Recentemente, campistas pertencentes ao meu estudo, atribuíram o desenvolvimento de suas habilidades à experiências nos acampamentos – confiança, liderança, habilidades sociais, independência, autonomia –, descritas em livros e artigos como um importante fator não-cognitivo essencial para o sucesso na “nova economia”. As evidências sugerem que os acampamentos constituem um lugar mais provável para que jovens e adultos adquiram e pratiquem essas importantes habilidades, a fim de que possam imaginar maneiras de melhor se adaptarem aos desafios de um mundo em constante mudança.

O texto de William Pounstone intitulado “Você é inteligente o bastante para trabalhar no Google?” descreve a “nova economia” no contexto da decisão da corporação Google para mudar as técnicas de contratação dos candidatos ao trabalho “para além da apreensão de conjuntos de habilidades particulares, mensurando sua capacidade de inovação e resolução de problemas”. Poundstone fornece diversos e intrigantes exemplos que ilustram como as novas questões na entrevista de emprego do Google enfatizam a inteligência como mais do que aquilo que se aprende na escola”, ou seja “trata-se da capacidade de argumentar bem e compreender as sutilezas do mundo que nos rodeia”. Indústria e economia têm historicamente impulsionado as reformas educacionais necessárias para preparar as crianças para o mundo do trabalho. As escolas geralmente ficam para trás; ao obterem esse tipo de visão, os educadores podem ensinar os alunos a aprender, bem como o que aprender, permitindo que os alunos adotem mais propriedade e controle sobre seus próprios aprendizados. Os acampamentos, de outro lado, têm sido líderes em dar paridade semântica entre o conhecimento cognitivo e as habilidades de desenvolvimento juvenil essenciais para a aprendizagem.

Em seu texto “Como as crianças se tornam bem sucedidas”, de 2012, Paul Tough chama à atenção a essa tensão entre “o que se conhece” e “como se usa o que se conhece” ao questionar “as hipóteses cognitivas” ou a crença “de que o sucesso depende fundamentalmente de habilidades cognitivas – do tipo de inteligência que pode ser mensurada em testes de Q.I., incluindo as habilidades para reconhecer letras e palavras, para calcular, para detectar padrões – e que a melhor maneira de desenvolver essas habilidades é praticar tanto quanto possível, começando o mais cedo possível”. Em seu último livro, Tough procura substituir essa suposição ao enfatizar a noção de que as habilidades não-cognitivas são mais cruciais do que o poder cerebral para alcançar o sucesso, incluindo: persistência; autocontrole; curiosidade; tomada de consciência; autoconfiança.

Além disso, uma revisão recente da literatura sobre o papel dos fatores não-cognitivos na formação do desempenho escolar publicada pela University of Chicago Consortium on Chicago School Research (Farrington et al., 2012) identificou comportamentos, atitudes e estratégias que são fundamentais para o sucesso na escola e na vida adulta. Esses fatores incluíam assiduidade, hábitos de trabalho, gerenciamento de tempo, comportamento de busca por auxílio, autocontrole, persistência e habilidades de resolução de problemas que permitem que estudantes gerenciem com sucesso novos ambientes e atendam novas demandas acadêmicas e sociais. Para quem conhece o poder da experiência dos acampamentos de verão, essa lista parece familiar em relação às características que os campistas trazem consigo ao final do verão para suas respectivas casas.

Com efeito, os estudos da American Camp Association (Thurber, 2007) chegaram à conclusões semelhantes que se alinham muito estreitamente com essa lista de fatores não cognitivos – 3.395 famílias cujos filhos frequentaram um dos oitenta dias diferentes ou residentes de acampamentos de verão, mediram o crescimento da experiência do pré-acampamento ao pós-acampamento em quatro aspectos distintos: identidade positiva; habilidades sociais; habilidades físicas e reflexivas; valores positivos.

Por mais de 150 anos, os acampamentos proporcionaram paisagens de aprendizagem para as gerações de campistas à moda antiga, dando às crianças o espaço para praticar aquilo o que aprendem na escola e, também, para explorar meios de entender o que eles conhecem em novas configurações, diferentes da sala de aula (Ozier, 2010). Na verdade, apesar das salas de aula terem a conotação social de ser o espaço exclusivo para aprendizagem, as escolas, muitas vezes, não conseguem fazer com que os jovens se preparem para as demandas da nova economia. Em sua publicação mais recente, o educador David Conley (2014), do Educational Policy Improvement Center, sugere que a maioria dos alunos não tem oportunidade para praticar uma série de estratégias de aprendizagem quando passam pela escolar. Um motivo se deve, segundo Conley, ao fato de que o desenvolvimento de técnicas de aprendizagem leva tempo e requer prática. De outro lado, os acampamentos preservam para as crianças a chance de desacelerar, de perceber, de participar, de se engajar e interagir com seu próprio mundo. Um programa de acampamento, ao contrario da maioria dos currículos escolares, desperta a criança para atividades desafiadoras que incentivam a inovação e a exploração, o mesmo tipo de inovação que cria empregabilidade e de exploração por intermédio das quais descobertas são feitas.

Em uma recente crônica publicada na revista Education Week, Conley (2013) clama pelo renomeamento de fatores não cognitivos – os quais infelizmente não haviam sido sequer nomeados. Reivindica um novo nome para aquilo que usualmente remete “ao não pensamento”. Conley sugere o termo “fatores metacognitivos”. Ele pergunta retoricamente: “não estamos observando uma forma mais elevada de pensar quando vemos os alunos persistirem em tarefas difíceis, tais como lidar com a frustração; estabelecendo e realizando metas; buscar ajuda; trabalhar cooperativamente; desenvolver, gerenciar e perceber seu senso de auto eficiência?”

Em um estudo realizado anteriormente (Ozier, 2012), percebi como as histórias contadas por crianças que participaram de acampamentos de verão exemplificavam o argumento de Conley, incluindo processos metacognitivos como: “me expus a novas ideias”; “tive inspiração para seguir em frente”; “aprendi novas coisas”; “fiquei bem comigo mesmo”; “experimentei novos papeis”; “aprendei a conversar com os outros”; “tornei-me eu mesmo”; “aprendi a evitar a pressão dos colegas”.

Ainda que a pesquisa nos diga que o acampamento auxilia as crianças a aprender de maneiras que melhoram o desempenho escolar, porque ainda temos dificuldade em persuadir as pessoas de que os acampamentos talvez sejam mais adequados às crianças para proporcionar o tipo de experiência que alunos precisam? Não é mais provável que é exatamente nesses acampamentos que podem surgir novos cidadãos com as características de aprendizagem do nosso século que o nosso mundo demanda? Face a alteração das paisagens econômicas e educacionais, como os acampamentos de verão permanecem abertas à necessidade de desenvolvimento de fatores metacognitivos/não-cognitivos mesmo que tenhamos em conta a tradição? Como os próximos 150 anos de acampamento continuarão a preparar as crianças para as novas demandas mundiais?

Novas fronteiras

Apenas no ano passado, a American Camp Association convocou uma força-tarefa para examinar o vínculo entre a pesquisa sobre fatores metacognitivos/não cognitivos e as formas pelas quais os acampamentos desenvolvem essas habilidades a cada verão em milhões de jovens e adultos. Cada um precisa fazer a sua parte – é importante auxiliar os professores, estudantes e familiares a aprender a importância dos benefícios da aprendizagem por intermédio da experiência do acampamento. Tratar-se-ia simplesmente de melhorar o que eles já fazem, os acampamentos já se encontram bem posicionados para se tornarem um importante elemento do espectro educacional necessário para se ter sucesso neste século e além – ou como designa Gordon (2005) da Yale University e da Columbia University, de “educação complementar” necessária para um alto desempenho acadêmico na escolar e na vida na nova economia.

Os acampamentos norte-americanos de verão são frequentemente vistos como ferramentas confiáveis no trabalho de equipar as crianças com habilidades à moda antiga, ao fornecer experiências atraentes para que os jovens aprendam por si mesmos. Os acampamentos abrem as crianças a possibilidades que elas talvez não tenham visto antes; no acampamento, a imaginação floresce – local em que as crianças podem explorar conceitos e colocar ideias de cabeça para baixo, criando abertura para mudar a forma como essas veem o mundo e como o mundo pode interagir conosco. Não me surpreende, portanto, que essas características baseadas na exploração sejam próprias das características de alunos que frequentam acampamentos de verão; os resultados das oportunidades experienciadas na comunidade dos acampamentos, demonstra que esses se constituem como espaços para jovens para aprender práticas e habilidades que os levarão a um futuro melhor; se esperamos que a próxima geração de jovens crie um mundo em que identifiquem deficiências e procurem repará-las, os acampamentos de verão devem ser, então, reconhecidos como locais-chave para o desenvolvimento de relacionamentos, de responsabilidade e da curiosidade necessária às crianças para, como nos lembra a filósofa da educação Maxine Greene (2012), imaginar como as coisas deveriam ser e como elas podem ser.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 Tradução: Marcelo de Andrade Pereira.
2 A noção de acampamento de verão (Summer Camp) encontra correspondência, em certa medida, no termo colônia de férias. Todavia, no contexto da cultura norte-americana, os Summer Camps adquirem uma significação mais específica e arraigada àquela cultura do que comumente se entende por colônia de férias – como se poderá observar ao longo do texto. Optou-se, assim, por se traduzir o termo de maneira literal, à guisa de conservar o sentido do termo no seu contexto original de enunciação. [Nota do Tradutor].
Autor notes

160 Convent Ave, NY 10031. New York, Estados Unidos.

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