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Teoria multicultural em trabalhos acadêmicos e sua relação com as práticas pedagógicas
Teoria multicultural em trabalhos acadêmicos e sua relação com as práticas pedagógicas
Educação. Revista do Centro de Educação, vol. 42, núm. 2, pp. 347-360, 2017
Universidade Federal de Santa Maria

Recepção: 05 Julho 2016
Aprovação: 10 Março 2017
Resumo: O presente artigo tem por objetivo investigar como a teoria do multiculturalismo se apresenta em trabalhos acadêmicos disponíveis no Portal CAPES e a possível relação destes trabalhos com as práticas pedagógicas. Na primeira parte do trabalho efetuou-se uma revisão bibliográfica sistematizada, em seguida realizou-se uma busca com critérios de período, considerando o momento em que se afloram as discussões referentes ao o multiculturalismo no Brasil. E, por fim, foram analisados os trabalhos selecionados buscando respaldo em autores como Hall (2003), MacLaren (2000), Silva (2000), entre outros. Ainda que seja um tema já instituído no universo acadêmico, a análise revela que este assunto ainda merece ser mais pesquisado, sobretudo em relação à discussão do multiculturalismo e sua articulação às práticas pedagógicas, de modo que contribua para propiciar, a pesquisadores e professores, processos de reflexão que permitam construir uma educação mais justa e democrática.
Palavras-chave: Diferença, Diversidade cultural, Práticas pedagógicas.
Abstract: The present article aims to investigate how the theory multiculturalism is presented in the academic works available in the CAPES Portal and the possible relation of these works with the pedagogical practices. In the first part of the work a systematized bibliographical review was carried out, followed by a search with period criteria, considering the moment in which the discussions regarding the multiculturalism in Brazil surface. And, finally, the selected papers were analyzed, seeking support in several authors such as Hall (2003), MacLaren (2000), Silva (2000), among others. Although it is a theme already established in the academic universe, the analysis reveals, that this subject still deserves to be researched, especially in relation to the discussion of multiculturalism and its articulation with pedagogical practices, so that so that it contributes to provide researchers and teachers whit reflection processes that allow the construction of a more just and democratic education.
Keywords: Difference, Cultural diversity, Pedagogical practices.
Introdução
O presente artigo proporciona algumas reflexões referentes à teoria multicultural, sua articulação com a educação e a prática docente. Entende-se que o tema do multiculturalismo, premente no contexto escolar, deve ser pautado na discussão dos currículos escolares e na formação dos professores. Diante dessa situação, é importante compreender como está sendo abordada a teoria multicultural nos trabalhos acadêmicos, apresentando dados e resultados de um estudo baseado nas informações contidas no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no período que abrange os anos de 2011 e 2012.
Esta pesquisa surgiu a partir de alguns questionamentos: como se manifestam, no recorte temporal estabelecido, os estudos em relação à diversidade cultural na educação, tendo como referência os descritores e categorias: diversidade cultural, identidade e etnia? Como é abordada a teoria multicultural? Quais os principais autores que embasam suas concepções, as influências teóricas mais significativas e os enfoques metodológicos mais evidentes? Quais as principais relações apresentadas com as práticas pedagógicas nos trabalhos analisados?
Tendo em vista estas questões, para o desenvolvimento desta pesquisa, buscou-se apresentar o multiculturalismo como um conceito teórico-metodológico. Para tanto, foi necessária uma aproximação com estudos acerca do multiculturalismo e da diversidade na educação. Em seguida, os dados propriamente ditos foram mapeados e analisados.
Referencial teórico
Sob a égide de movimentos sociais, o multiculturalismo contribuiu para estabelecer leis e políticas públicas. Com isso, passou, também, a ser incorporado às pesquisas realizadas no Brasil, tendo como influência, principalmente, os estudos culturais. Embora seja um termo ainda em construção, interessa a dimensão que o multiculturalismo vem tomando na educação, visto que tem sido compreendido como um campo que busca respostas à diversidade cultural, social e enfrentamento aos preconceitos.
Para Silva (1999), o multiculturalismo se refere a estudos voltados às diferentes culturas espalhadas em diversos lugares do mundo, já que no multiculturalismo não há uma única cultura, mas sim culturas - explicitando a pluralidade que envolve o termo, e a impossibilidade de sua hierarquização por um grupo. No entanto, a não paridade cultural ocasiona preconceitos e exclusões.
Historicamente, o multiculturalismo constitui-se por um movimento social que teve início nos Estados Unidos, visando à luta pelos direitos civis dos grupos dominados, e só ganhou força no âmbito estadunidense e mundial, pois os grupos silenciados num primeiro momento não calaram sua voz e se uniram nos movimentos sociais reivindicando seus direitos.
Assim, de acordo com vários autores como Candau (2008_a, b, c), Canen (2008), Canen e Santos (2009), Moreira e Câmara (2008) e McLaren (1997), o multiculturalismo tem sido compreendido como um campo teórico, prático e político que busca respostas à diversidade cultural e desafio a preconceitos, com ênfase na identidade como categoria central para se pensar em uma educação valorizadora da pluralidade no contexto escolar.
No campo teórico, conforme os autores acima citados, o multiculturalismo pode ser considerado um conceito polissêmico que encerra diversos modelos que expressam e discutem a questão da pluralidade cultural, e que vão desde perspectivas mais conservadoras e pouco problematizadoras da realidade, que apenas constatam a existência da diversidade, afirmando a hegemonia cultural já existente, até perspectivas mais críticas, que questionam os discursos que constroem a identidade e a diferença, e em que a relação entre cultura e poder é trazida à tona. Dentro dessa perspectiva, este artigo trata do multiculturalismo em sua vertente crítica, comprometida não apenas com o reconhecimento da diversidade, mas com o questionamento das relações de poder desiguais que acentuam e produzem as diferenças e conduzem a atitudes de preconceito e exclusão.
Aproximam-se desse tema as perspectivas apontadas pelos estudos pós-coloniais, os quais destacam que na história da formação das sociedades, o padrão cognitivo esteve e continua associado ao padrão de poder. Em alguns estudos, como o de McLaren (2000), em sua abordagem pós-colonial, defende-se não só a valorização da pluralidade cultural, mas o questionamento e a problematização do processo de construção de identidade, da alteridade e das diferenças.
Nesse sentido, trabalhos na perspectiva multicultural têm apontado a relevância da educação para o desafio a preconceitos raciais, rumo a uma visão democrática e plural que permita o diálogo entre culturas e avance no desempenho positivo de alunos de universos culturais diversos.
Ao escolher e delimitar as produções relacionadas ao multiculturalismo busca-se, também, um diálogo com a construção do campo das políticas públicas no Brasil, do qual aquelas estão intrinsecamente ligadas, visto que de acordo com Hall (2003, p.50), “o multiculturalismo refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.”
O impulso nas ações político-pedagógicas voltadas para transformação das práticas curriculares das escolas vem tornando a educação cada vez mais igualitária e acolhedora da diversidade sociocultural. Essas mudanças político-pedagógicas significativas trazem novos desafios para as escolas e as universidades, no sentido de desconstruir uma estrutura curricular monocultural, que é outro aspecto imprescindível a se questionar, voltada para a valorização dos saberes e da cultura da classe dominante, garantindo a construção de currículos e práticas educativas multiculturais que valorizem e dialoguem com a diversidade de valores, saberes, crenças e costumes trazidos pelos alunos para as escolas, valorizando a pluralidade cultural e à necessidade de superar estereótipos, preconceitos e hierarquização cultural em currículos e práticas pedagógicas.
Diante dessas considerações, o presente artigo busca situar a emergência do multiculturalismo como campo de pesquisas no contexto educacional brasileiro.
Metodologia
Este estudo acerca da produção acadêmica em multiculturalismo centrou-se na busca e na análise de investigações, de caráter bibliográfico, que têm o multiculturalismo em seu eixo central. Caracteriza-se por uma abordagem qualitativa de pesquisa, por ser descritiva e analítica. Para Minayo (2001), “a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes.”
Assim, a metodologia se constitui de mapeamento, leitura do material para identificar como o multiculturalismo se faz presente nos trabalhos selecionados para análise. A partir do levantamento teórico, em um primeiro momento, lançaram-se os descritores multiculturalismo, interculturalismo, diversidade e educação multi/intercultural no banco de dados da CAPES; com isso, conseguiu-se o montante de mil e noventa teses e dissertações que incorporam, de forma explícita, o descritor do multiculturalismo em suas reflexões, na área da educação, no que compreende o recorte temporal de 2011 a 2012. Enfatiza-se que, apesar de a pesquisa se reportar aos anos de 2003 a 2013, não foram encontrados trabalhos com datas anteriores a 2011 e 2012, tendo em vista que o banco de dados só forneceu trabalhos completos a partir de 2011. Desta forma, o próprio resultado da busca acabou por definir o recorte temporal utilizado nesta pesquisa.
Desta forma, os dados foram organizados em tabelas, nas quais se buscava detectar trabalhos em que o multiculturalismo aparecia de forma explícita, bem como aqueles em que se anunciavam preocupações multiculturais ou potenciais multiculturais.
Os dados foram agrupados por categorias temáticas centrais, as quais foram formuladas mediante análise das palavras-chave, dos resumos e de consulta às teses e dissertações. As referidas categorias são: práticas pedagógicas e currículo por abordarem diretamente questões relacionadas à prática pedagógico-curricular do professor; formação de professores, por tratar da questão de formação inicial ou continuada de professores; e educação e relações étnico-racial, por apresentarem questões que possuem potenciais multiculturais, tais como os trabalhos relacionados aos estudos de raça e etnia. Esclarece-se que, de acordo com as categorias elencadas para análise, não foram contemplados trabalhos acadêmicos relacionados ao gênero, à orientação sexual, religião, educação especial, aos moradores de ruas, às periferias ou favelas, da área rural, ciganos, imigrantes, falantes de línguas minoritárias, tensões entre igualdade e diferenças, Direitos Humanos, dentre outros, pois, conforme a delimitação estabelecida para o presente estudo, tais escolhas demandariam o estudo de diferentes referenciais teóricos para construir o escopo de análise. Escolha que, por outro lado, pode ser retomada em trabalhos posteriores por possuírem potenciais de análise no campo da Educação.
Assim, os trabalhos analisados, além de serem enquadrados nas categorias: práticas pedagógicas, currículo, formação de professores, educação e relações étnico-racial, também foram classificados como detentores de potencial multicultural ou multiculturalmente explícitos. Os trabalhos foram considerados detentores de potencial multicultural quando utilizaram as categorias ligadas ao multiculturalismo (raça, etnia, diversidade cultural, identidade, inclusão, exclusão, entre outros), ou quando revelaram questões/preocupações ligadas à valorização da diversidade cultural, mas não se denominam claramente multiculturais. Foram considerados multiculturalmente explícitos aqueles que utilizaram declaradamente o termo multi/interculturalismo e/ou tenham, como referencial teórico, os seus pressupostos.
Seleção dos dados
É importante salientar, que, nos limites do presente artigo, não se optou por uma relação quantitativa dos trabalhos, mas sim pela análise das tendências discursivas neles evidenciadas. Vale registrar que a análise desenvolvida neste artigo faz parte de pesquisa mais ampla, tendo-se dado um recorte das etapas analisadas. Este recorte se refere somente aos trabalhos, a partir dos quais, os dados foram analisados, ficando, para uma fase posterior, a análise de outros trabalhos igualmente relevantes.
Desta forma, se esclarece que, neste estudo, foram priorizados trabalhos que se constituem como dimensão relevante na prática pedagógica, o que justifica o recorte em termos da seleção de principais áreas temáticas dos trabalhos pesquisados.
No levantamento geral das produções acadêmicas apresentadas no Portal da CAPES, foram encontrados cento e trinta e cinco trabalhos para o descritor “Multiculturalismo”, dos quais foram selecionados vinte e nove com potenciais a serem analisados, porém, apesar do termo aparecer nas palavras-chave, não corresponde ao recorte teórico selecionado. Sendo assim, foram analisados cinco trabalhos que mais dizem respeito ao que está proposto no presente trabalho, sendo os demais trabalhos descartados.
Para o descritor Interculturalismo foram encontrados nove, porém somente um na área da educação, o qual repete no descritor “Multiculturalismo”. Para o descritor “Diversidade Cultural”, foram encontrados setecentos e noventa e oito trabalhos, sendo cento e setenta e quatro com potenciais a serem analisados, porém somente sete foram analisados por corresponderem efetivamente ao teor do trabalho. Nos descritores “Educação Multicultural” e “Educação Intercultural” foram encontrados quarenta e dois e cento e seis trabalhos, respectivamente, sendo dezesseis e quarenta e dois trabalhos com potenciais a serem analisados, porém foram analisados somente dois trabalhos do descritor “Educação Intercultural” e dois trabalhos do descritor “Educação Multicultural” por estabelecerem um diálogo mais efetivo com as propostas deste trabalho.
Faz-se necessário frisar que vários trabalhos aparecem repetidos nos descritores. Outro fator que merece ser destacado é que, na busca, muitos trabalhos completos não foram encontrados, dificultando a análise. Outros ainda não estavam associados às práticas pedagógicas, portanto foram descartados neste momento.
Análise dos dados
Do processo de seleção dos textos acadêmicos no site da CAPES, apresenta-se, neste artigo, a análise de quinze trabalhos, os quais, após sua leitura, foram agrupados em quatro categorias, as quais são: Práticas Pedagógicas, Currículo, Formação de Professores e Educação e relações étnico-racial. Cabe ressaltar que estas categorias emergem das propostas apresentadas nos trabalhos selecionados. Assim, dos quinze trabalhos escolhidos, cinco destes compõem a categoria “Práticas Pedagógicas”; três a categoria “Currículo”; três a categoria “Formação de Professores” e quatro trabalhos a categoria “Educação e relações étnico-racial, cuja análise apresenta-se a seguir.
Práticas pedagógicas
Na categoria “Práticas Pedagógicas” estão os trabalhos de Simionato (2012) e Campos (2011), considerados detentores de potenciais multiculturais e os trabalhos de Vieira (2011), Jitsumori, (2011) e Ribeiro (2011), foram considerados explicitamente multiculturais.
Simionato, (2012) discute a educação bi/multilíngue e o processo de alfabetização em uma comunidade escolar localizada em contexto de imigração ucraniana, em Prudentópolis/PR. O trabalho aborda a construção de identidades profissionais de educadoras de crianças bilíngues, a partir de sua articulação com as identidades pessoais e institucionais, por meio de narrativas e experiência de desenvolvimento profissional docente. Discute as variadas dimensões identitárias (pessoal, profissional e institucional) e sua relação com as culturas institucionais, ressaltando o caráter dinâmico e em construção da categoria identidade.
Campos, (2011), em seu trabalho, apresenta a preocupação em compreender como a cultura popular está inserida no currículo escolar e entender as relações de poder instituídas que impedem uma práxis educativa voltada para a diversidade étnico-cultural no contexto escolar, utilizando categorias consideradas centrais para o multiculturalismo crítico, tais como: diferença, diversidade cultural e relações de poder.
Os trabalhos de Vieira (2011), Jitsumori, (2011) e Ribeiro (2011) foram considerados explicitamente multiculturais: o primeiro trabalho, Vieira (2001) utilizou de forma clara pressupostos e autores que desenvolvem referenciais teóricos multiculturais críticos, na discussão acerca de uma experiência de trabalho que buscava articular as práticas pedagógicas do ensino/aprendizagem para jovens e adultos e a necessidade de fortalecer a autoestima e a construção da identidade dos educandos desta modalidade.
O segundo trabalho, Jitsumori (2011) traz preocupações com cultura, identidade, diferença e, como são construídas no ambiente escolar, abordando autores multiculturais críticos e pós-coloniais.
Ribeiro (2011) mostra a preocupação nas discussões e debates multiculturais com viés crítico referente à construção plural de identidades e das diferenças. No que tange à educação, essa construção está embasada nas teorias críticas e pós-coloniais que destacam as desigualdades, as injustiças sociais e, por conseguinte, criticam o fracasso escolar.
Constata-se que a perspectiva do multiculturalismo abordada nesses trabalhos está relacionada com os pressupostos defendidos pelo multiculturalismo crítico ou de resistência, pois, além de ressaltar a diversidade cultural, considera também a pluralidade de identidades culturais, a heterogeneidade, opondo-se à padronização e uniformização defendida pelos grupos dominantes, defendendo os direitos à diferença.
Currículo
Na categoria “Currículo” foram identificados três trabalhos, sendo dois considerados explicitamente multiculturais e um com características potencialmente multiculturais.
Os trabalhos explicitamente multiculturais: Ferreira (2012) apresenta a preocupação com a diversidade, abordando aspectos a respeito de currículo e multiculturalismo, bem como uma análise de documentos oficiais e estudo empírico. Sustenta-se, fundamentalmente, em pressupostos teóricos de Candau, Canen, McLaren, Moreira, dentre outros autores. Nesta tendência dá-se ênfase aos conteúdos curriculares em uma perspectiva multicultural, valorizando o que se espera de conteúdos para alunos culturalmente diferenciados. Pio de Souza (2011) aborda as práticas curriculares multiculturais atentas à diversidade étnico-racial e às identidades plurais, que são fundamentais para garantir o direito à educação de qualidade e a formação para a cidadania. Esse trabalho discute temas centrais do multiculturalismo crítico.
Ponciano (2011) apresenta aspectos potencialmente multiculturais. Trata o conteúdo com perspectivas multiculturais, como, diversidade cultural, o preconceito e o racismo. Demonstra, sob o ponto de vista histórico, que a população negra no Brasil sempre foi colocada à margem da sociedade.
Formação de professores
Na categoria “Formação de Professores” foram analisados três trabalhos, Xavier (2011), Genro de Souza (2011) e Coppete (2012), todos considerados explicitamente multiculturais. Xavier (2001) utiliza pressupostos e autores que desenvolvem referenciais teóricos multiculturais críticos e pós-coloniais. Na discussão a respeito de uma experiência de formação continuada para professores e gestores escolares busca articular conteúdos pedagógicos da formação à perspectiva multicultural. Utiliza como categorias centrais: pluralidade cultural, identidade, diferença, hibridismo e relações de poder.
No segundo trabalho, Genro de Souza (2011) apresenta preocupações voltadas para a criação de processos educativos, gerando a integração e a interação criativa, crítica e cooperativa tanto entre os diferentes sujeitos, quanto entre seus contextos sociais, econômicos, políticos e culturais.
Coppete (2012) discute a formação de profissionais da educação aptos a trabalharem na perspectiva da educação inclusiva, enfatizando o pensamento curricular e a diversidade conforme entendida nas políticas educacionais. Utiliza pressupostos e autores que abordam o multiculturalismo crítico e pós-colonial.
Educação e relações étnico-racial
Na categoria “Educação e relações étnico-racial”, foram encontrados quatro trabalhos, sendo todos considerados explicitamente multiculturais. O primeiro, Santos (2011), aborda pressupostos e autores que desenvolvem referenciais teóricos multiculturais críticos e pós-coloniais na discussão. Apresenta preocupações com a diversidade e com a prática pedagógica implicando decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo com vistas a fins comuns, demandando uma prática educativa coerente com objetivos e uma ética fundada no respeito às diferenças. Analisa, também, como as questões étnico-raciais são abordadas, discutidas e problematizadas na EJA, a partir do marco temporal da promulgação da Lei 10.639/2003 e do Parecer 03/2004.
O segundo trabalho, Calderoni (2011) tem como objeto de pesquisa investigar as concepções dos docentes de uma escola pública da educação básica a respeito da igualdade/diferença da identidade indígena, identificando eventuais fatores em torno desses conceitos que, ao estabelecer relações com alunos índios, interferem na sua alteridade.
O trabalho de Rosa (2012) aborda preocupações acerca do modo com que os indígenas são representados nos livros didáticos de História à partir da Lei 11.645/08. Para tal pesquisa a autora utilizou pressupostos e referências de autores multiculturais críticos e pós-coloniais.
Rodrigues (2011), por sua vez, apresenta o objetivo de analisar as condições teóricas, as práticas e as políticas que possibilitaram a ascensão do conceito de “diversidade” nas políticas públicas de educação entre os anos de 2003 a 2006. Mostra a preocupação com a diversidade abordada nas políticas públicas atuais.
No geral, observa-se que o levantamento e a análise dos dados realizados nessa etapa da pesquisa evidenciaram que as tendências mais constantes nos trabalhos analisados se referem à importância da formação do professor, os saberes e práticas pedagógicas para o avanço na superação das diferenças existentes no contexto educacional. No que se refere especificamente aos trabalhos selecionados como sendo portadores de potenciais multiculturais, eles utilizavam, em sua maioria, como referenciais, a perspectiva dos estudos culturais e/ou o pós-estruturalismo. Nos referidos trabalhos observou-se o referencial teórico que teve como pressupostos os estudos de Bhabha, Bourdieu, Bauman, Candau, Canclini, Canen, Derrida, Fleuri, Freire, Gadotti, Santos, Silva, entre outros.
Em relação aos trabalhos considerados explicitamente multiculturais, conforme observado, dois podem ser classificados como pertencendo à perspectiva multicultural crítica: Ferreira (2012) e Pio de Souza (2011); dez como imbuídos de uma perspectiva multicultural crítica e pós-colonial: Vieira (2011); Jitsumori (2011); Ribeiro (2011); Xavier (2011); Genro de Souza (2011); Coppete (2012); Calderoni, (2011); Rosa (2012); Santos (2011) e Rodrigues (2011).
Observou-se que uma das tendências foi a preocupação multicultural com ênfase em identidades coletivas, com destaque para a identidade indígena, Rosa (2012) e Calderoni (2011). Trabalhos nessa linha desenvolveram-se a partir de uma visão multicultural pós-colonial, ressaltando a diversidade dentro da categoria indígena, de modo que se levem em conta as configurações culturais e as expectativas dessas identidades nas escolas, entendidas como espaços de fronteira.
Nessa perspectiva das identidades coletivas, como questão central multicultural, destacam-se estudos no tocante à identidade negra, Santos (2011), Ponciano, (2011) e Souza (2011), que abordam a discriminação e o racismo no currículo, no livro didático e no cotidiano escolar. Identidades coletivas de jovens e adultos, Vieira (2011), enfatiza a necessidade de concepções de formação continuada de professores que leve em conta as identidades culturais específicas dessa população.
Outra tendência foi a preocupação com a diversidade cultural dos professores e a explicitação de possíveis conteúdos curriculares, tanto das escolas como de formação docente, que levassem em conta a diversidade cultural, Jitsumori (2011); Campos (2011); Ribeiro (2011); Xavier (2011); Souza (2011) e Coppete, (2012), trabalhos que trazem à tona a necessidade de maior articulação entre os saberes dos cursos de formação continuada e os saberes docentes.
Considerações finais
A análise da produção acadêmica indica que, de forma geral, o multiculturalismo desponta como cerne de preocupações, embora ainda de forma sutil, devido à pouca frequência com que aparece de forma explícita, nos trabalhos. Assim, na leitura dos trabalhos foi possível depreender, em alguns casos, que a informação da temática, seja nas palavras-chave ou títulos de teses e dissertações, faz-se de forma desarticulada ao todo do trabalho, ocasionando que o tema não seja plenamente abordado nas pesquisas em desenvolvimento.
As preocupações multiculturais puderam ser detectados em poucos trabalhos que, apesar de não estar explícito o multiculturalismo, tenderam a desenvolver a temática para a diversidade cultural, utilizando pressupostos teóricos que indicavam propensão multicultural. Constatou-se que os trabalhos analisados, apresentaram contribuições consistentes para as reflexões das práticas pedagógicas, para se trabalhar com a diversidade no contexto escolar.
Assim, várias contribuições foram extraídas dos trabalhos analisados e se situam no sentido de problematizar a cultura escolar dominante, seu caráter monocultural, e enfrentar a questão das diferenças na ação educativa. Ressaltam também que o multiculturalismo lida com um referencial teórico complexo. São apontadas, igualmente, embora de modo disperso, contribuições da perspectiva multicultural como, por exemplo: mesmo considerando que há diferentes visões da diferença, esta perspectiva pode ajudar a trabalhá-la no cotidiano escolar. Além disso, favorece a retomada da discussão dos os conteúdos escolares nos currículos, e oferece elementos para se trabalhar questões como preconceito e discriminação, bem como desvela questões étnicas e raciais presentes na escola, ajudando a “trabalhar” com as diferenças.
Quanto à relação entre didática e multiculturalismo, assinalam alguns desafios como, por exemplo, a necessidade de romper com a ideia de que a diferença é um problema, uma vez que, no imaginário presente na cultura docente, a homogeneização seria um fator de facilitação do trabalho pedagógico. Também se configura como uma questão especialmente desafiadora, a formação docente para o uso de metodologias de ensino inclusivas nas salas de aula.
Outra postulação é que o livro didático seja adaptado para se trabalhar as questões dos grupos minoritários, como negros e índios, revelando a situação real desses povos sem deixá-los à margem da evolução histórica e social.
É importante salientar que, apesar de muitos trabalhos parecerem com potenciais para serem analisados (por aparecer na descrição dos trabalhos palavras relativas ao multiculturalismo), a maioria dos trabalhos não estabeleciam ligação direta com as práticas pedagógicas, por isso, neste momento, foram descartados.
Este número reduzido de trabalhos relacionados com a questão pedagógica é um dado importante, visto que a produção do multiculturalismo deveria visar ao debate com questões educacionais e práticas pedagógicas. No entanto, parece confirmar que, embora preocupações com relação às questões levantadas pelo pensamento multicultural possam vir a se expressar em dissertações e teses na área educacional, quando lidam com questões relativas às práticas educativas do multiculturalismo, ainda não se configuram, de forma expressiva, como campo de reflexões explícitas, na produção acadêmica.
Assim, aponta-se a necessidade de mais pesquisas que narrem experiências multiculturais realizadas no campo da prática pedagógica, tal como postulam Boyle-Baise & Gillette (1998), os quais destacam a importância de que se realize um maior número de estudos que revelem como professores e formadores de professores têm realizado, no cotidiano de suas práticas pedagógicas, experiências com pedagogias críticas e multiculturais.
Este dado levantado refere-se à necessidade de se analisar os desafios na implementação do olhar multicultural crítico no cotidiano educacional, visto que, na prática escolar, verifica-se que ainda pouco se fala e se vive a pluralidade (cultural, racial, de gênero, língua, orientação sexual, dentre outras). Isso mostra que as pesquisas, se consideradas a sua necessidade e seus resultados, pouco têm atingido o cerne da questão neste quesito. Os problemas multiculturais presentes nas escolas permanecem ainda no obscurantismo.
A prevalência destes trabalhos se encontra nas regiões sudeste e sul brasileiras. Acredita-se que a quantidade maior de trabalhos nessas regiões é devido à maior concentração de Instituições de Ensino Superior nessas partes do país. As Universidades que têm desenvolvido o maior número de pesquisas sobre multiculturalismo estão justamente nas regiões onde essas Instituições de Ensino estão mais consolidadas e, por isso, recebem um volume maior de recursos para desenvolver projetos, além de ter maior número de Programas de Pós-Graduação e isso justifica a maior produção de dissertações e teses.
Dentre as ênfases detectadas, constatou-se que há um predomínio de trabalhos fundamentados teoricamente em perspectivas multiculturais mais críticas e pós-coloniais e uma grande diversidade de temáticas encontradas. Verificou-se também que nesses estudos teóricos, prevalece a metodologia qualitativa, na forma de estudos e análises documentais e de políticas, de perspectivas analíticas do contexto escolar, em detrimento de estudos de campo.
Observou-se que, em termos de identidades, o foco pareceu recair naquelas marginalizadas, tomadas de formas coletivas, particularmente referentes aos negros e indígenas, em detrimento de pesquisas com identidades plurais, no contexto de escolas públicas, bem como poucos estudos acerca do currículo em ação, suas dimensões e seus impactos em contextos escolares e, de formação docente multicultural.
As sugestões e contribuições da análise efetuada, em termos epistemológicos, implicam as pesquisas que tomam as identidades coletivas como foco, para que possam enriquecer-se de visões multiculturais críticas e pós-coloniais, tratando de forma mais explícita os processos de hibridização identitária e superação a binarismos.
Seria importante, também, analisar formas de articulação dos estudos multiculturais pós-coloniais à realidade e ao planejamento escolar, de modo que se verificam maneiras pelas quais a hibridização identitária e a pluralidade podem ser associadas ao cotidiano escolar, com o currículo e a formação docente, tanto inicial quanto continuada, para além de disciplinas específicas que tratem dessas questões.
Da mesma forma, como contribuição do trabalho, recomenda-se, a partir do olhar multicultural pós-colonial, a intensificação de estudos das histórias de vida, narrativas e ações dos atores escolares e de formação docente, entendendo tais vozes plurais como constitutivas das identidades institucionais e como protagonistas de ações curriculares.
São essas narrativas dos atores, na discussão de suas próprias histórias que vão sustentar a crítica ao colonialismo e ao modelo imposto, buscando a ruptura com a história única, pois a vocação do pós-colonial, como discurso inédito, é o comprometimento político com a crítica ao colonialismo e com a desconstrução de suas ideologias engessadas.
Salienta-se também a importância da parceria entre a Universidade e as Escolas, com a produtiva troca de saberes no contexto da formação inicial ou continuada dos professores. Essa atitude pode representar instância multicultural transformadora, na medida em que permite o encontro entre diferentes culturas e novas sínteses dele decorrentes, rumo a uma educação valorizadora da diversidade cultural e promotora do sucesso e da equidade.
Argumenta-se que a análise de diferentes experiências permitiu visualizar em que medida tais ações podem contribuir para a formação de identidades, discentes e docentes multiculturalmente comprometidas com a valorização da diversidade cultural e o questionamento aos mecanismos silenciadores e formadores das desigualdades. Ao mesmo tempo, que superar preconceitos existentes no meio educacional, procurando revelar seus potenciais, se configura como um dos caminhos propostos pelo multiculturalismo crítico.
Como resultado deste estudo cita–se a ampliação do olhar sobre os diferentes grupos excluídos no contexto escolar, o reconhecimento da existência de preconceitos velados na escola e o desenvolvimento de uma visão positiva, e em alguns casos proativa, das diferenças.
Entende-se, pois, que não é possível esgotar o assunto, contudo, é possível levantar questões e reflexões que remetem à importância de levar em conta o multiculturalismo na formação das identidades dos sujeitos que atuam tanto no cenário escolar, na esfera pública, bem como na formação de professores.
Nesse sentido, enfatiza-se que são fundamentais os estudos que articulem as perspectivas multiculturais com as práticas pedagógicas, e que possam configurar-se como caminho a ser mais explorado, desafiador e instigante, de modo que contribua para propiciar, a pesquisadores e professores, processos de reflexão que permitam construir uma escola mais justa e democrática e, consequentemente, mais alinhada com a realidade sociocultural plural brasileira.
Portanto, o presente estudo visou contribuir para este debate, objetivando ir além da discussão teórica e abordando tentativas de tradução do multiculturalismo para a prática, por intermédio de ações pedagógicas. Esta opção mostrou que é necessário entender o multiculturalismo no âmbito tanto de identidades individuais e coletivas como também institucionais, no seio de lutas políticas e de espaços coletivos institucionalizados. Espera-se que este seja um ponto de partida para outros debates necessários neste momento de tensões e discussões na sociedade e no campo educacional.
Referências
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Autor notes
Universidade Estadual do Centro-Oeste. PR 153, KM 07. Riozinho CEP: 84500-000. Irati, Paraná, Brasil