Perspectivas de valorização dos profissionais da educação no plano nacional de educação (2014-2024)
Education professionals of recovery prospects in education national (2014-2024)
Perspectivas de valorização dos profissionais da educação no plano nacional de educação (2014-2024)
Educação, vol. 43, núm. 3, pp. 431-448, 2018
Universidade Federal de Santa Maria
Recepção: 22 Dezembro 2017
Aprovação: 23 Março 2018
Resumo: O presente texto tem como objetivo analisar a relação entre planejamento educacional, gestão sistêmica e valorização dos profissionais da educação no Brasil. Discute-se, inicialmente, o processo de reivindicação conjunta de sistemas e planos de educação no País. Em seguida, com respaldo metodológico na Análise de Conteúdo, desenvolvemos inferências sobre o disposto no PNE (2014-2024), com ênfase tanto para o exercício de interpretação do que é explicitamente anunciado por meio dessa Política Educacional, quanto para as projeções a respeito de seus prováveis rebatimentos, especialmente sobre a categoria docente. Conclui-se que, em face da necessidade de articulação entre os entes de poder federado para fins de viabilização das metas e estratégias do PNE, faz-se imprescindível a constituição do Sistema Nacional de Educação, que assumirá a incumbência de levar a efeito o Regime de Colaboração na gestão da política educacional entre os sistemas de educação instituídos nas três esferas administrativas, conforme o disposto na Constituição Federal de 1988, na LDB/1996 e no próprio PNE em vigor. Vislumbra-se, com tal providência, garantir que a atenção e respostas às demandas educacionais, aqui sendo destacadas àquelas referentes à valorização dos profissionais da educação, sejam incorporadas sistemicamente pela gestão Federal, Estadual e Municipal, evitando, assim, que o Poder Local, esfera economicamente mais frágil da federação, assuma isoladamente as incumbências que, em respeito aos princípios federativos, constitui responsabilidade a ser compartilhada.
Palavras-chave: Plano Nacional de Educação, Profissionais da Educação, Educação pública.
Abstract: The present text aims to analyze the relationship between educational planning, systemic management and valuation of education professionals in Brazil. The process of joint claim of education systems and plans in the country is discussed initially. Then, with methodological support in Content Analysis, we developed inferences about PNE (2014-2024), with emphasis on both the exercise of interpretation of what is explicitly announced through this Educational Policy, as well as for the projections regarding its probable refutations especially on the teaching category. It is concluded that, in view of the need for coordination be-tween the federated power entities for the purpose of enabling PNE's goals and strategies, it is essential to establish the National Education System, which will assume the responsibility of carrying out the Regi-me of collaboration in the management of educational policy between the education systems established in the three administrative spheres, according to the provisions of the 1988 Federal Constitution, LDB / 1996 and PNE itself. It is hoped, with such a providence, to ensure that the attention and responses to the educational demands, here being highlighted to those referring to the valorization of the education professionals, are systematically incorporated by Federal, State and Municipal management, thus avoiding that Local Government, economic sphere of the federation, assume in isolation the tasks that, in respect of federative principles, constitute a responsibility to be shared.
Keywords: National Education Plan, Education professionals, Public education.
Considerações iniciais
A realização do planejamento educacional nas esferas de poder nacional, estadual e municipal, há muito reivindicado por sujeitos sociais ligados aos vários segmentos comprometidos com a educação pública no Brasil, tem recebido recentemente reforço com a paulatina incorporação da gestão sistêmica ao campo da educação. O movimento emblemático de reconhecimento desse paradigma gestionário foi evidenciado pelas conferências de educação que ocorreram nos âmbitos municipal e estadual (em 2009), assim como no nacional (CONAE, em 2010), nas quais se buscou ratificar os fundamentos da gestão democrática (participação social cidadã, autonomia, descentralização, controle social, entre outros), e se indicou o paradigma sistêmico de gestão como mecanismo viabilizador da política nacional de educação (ANDRADE, 2014).
Com efeito, no contexto atual da luta pela melhoria da educação no País, tem-se reerguido a bandeira pela implantação do plano educacional em cada ente federativo, pari passu ao processo de instituição de sistemas educacionais, também nas três esferas de poder federado. Faz-se oportuno destacar que a Lei 13.005/2014, que sanciona o Plano Nacional de Educação (2014-2024), determina, em seu Art. 13, que o Sistema Nacional de Educação (doravante SNE) deve ser instituído no prazo de dois anos contados a partir da publicação da lei (BRASIL, 2014). A concepção de planos educacionais, portanto, está imbuída de cumprir o papel viabilizador da cooperação entre sistemas de educação.
Bordignon (2009), fundamentando-se na concepção de sistema desenvolvida nas Ciências Sociais, propõe princípios que considera fundantes à gestão sistêmica da educação, são eles: totalidade, sinergia, intencionalidade, autonomia, organização e normatização. Sobre o princípio de totalidade, entende-se a necessária interdependência/ conectividade das partes no todo, sem a qual não adquirem significado, “ainda quando situado como subsistema, porque inserido num todo maior, no qual funciona como parte, não perde a dimensão de totalidade no seu âmbito próprio” (BORDIG-NON, 2009, p. 25).
Quanto ao princípio da sinergia, compreende-se que as partes, quando articuladas, assumem novo significado no todo pela troca de energia, que gera sinergia e transfere a cada uma a força das demais. Neste sentido, a força do todo se torna maior do que a soma das forças de suas partes. Já o princípio da intencionalidade constitui a razão do sistema. Nesse caso, a finalidade da gestão sistêmica é a “energia que liga as partes no todo” (idem, p.26).
O princípio da autonomia é referido como identidade/capacidade de autorregulação do sistema. A organização estabelece a articulação, as inter-relações das partes no todo, em vista da finalidade comum. A organização das partes no todo estrutura o sistema. Assim, os diferentes enfoques da teoria das organizações convergem para um ponto comum: concebem a organização como um sistema constituído por um conjunto de partes situadas como variáveis mutuamente dependentes. Por último, o princípio da normatização constitui-se elemento essencial para garantir a efetividade dos princípios anteriores. Faz-se pertinente inferir que o grau de autonomia de um sistema é determinado por sua intencionalidade e pelas normas que o instituem. Por conseguinte, “a norma geral estabelece limites, mas não subordinação. No espaço dos limites definidos pela norma, o sistema se situa como sujeito dotado de autonomia e organização própria” (BORDIGNON, 2009, p. 28).
Pode-se conceber que esse conjunto de princípios elencados por Bordignon (2009) serve tanto ao debate sobre o desafio de levar a efeito a implantação de sistemas de educação quanto de planos educacionais no âmbito dos três entes de poder federa-do. Em conformidade com esse entendimento, podemos considerar que é por meio da consecução do Plano de Educação que se pode articular os elementos que vão conferir a intencionalidade creditada ao paradigma sistêmico de gestão da educação.
Por conseguinte, é com base nesses princípios concebidos comumente para o sistema e para o plano de educação que analisaremos, neste trabalho, as metas e estratégias estabelecidas no atual PNE destinadas à valorização dos profissionais da educação, buscando problematizar a relação entre suas potencialidades, seus limites e seus condicionantes para a materialização nas políticas públicas para a educação no conjunto das unidades federativas do País.
O trabalho analítico dos dados foi realizado por meio da Análise do Conteúdo. Tal perspectiva teve como propósito compreender o registrado explicitamente, assim como produzir inferências a partir da fonte principal que subsidiou o presente ensaio, ou seja, o PNE (2014-2024). O exercício de produção de inferências constituiu fase intermediária entre a descrição das características do texto e a interpretação (BARDIN, 2007). A partir das inferências produzidas e do aporte teórico consultado sobre o tema, apresentamos nossas interpretações e considerações sobre o tema em estudo.
O texto está subdivido didaticamente em três partes. Primeiramente, apresentaremos considerações sobre a renovação, na conjuntura atual, da defesa pela disseminação conjunta de sistemas e planos de educação no Brasil. Em seguida, analisaremos o conteúdo do PNE (2014-2024) no tocante à atenção aos profissionais da educação, considerando as seguintes dimensões: a) ingresso e formação; b) remuneração e carreira; e c) condições de trabalho docente. Por fim, tecemos considerações finais a respeito da dinâmica de materialização do PNE até o momento, bem como as expectativas para a efetivação de suas metas e estratégias nos próximos anos de sua vigência.
Sistema e Plano Nacional de Educação no Brasil: uma reivindicação renovada
Conforme analisa Saviani (1999), o movimento que passa a reclamar os planos de educação tem origem nas mesmas bases em que se introduz a ideia dos sistemas de educação no Brasil. Este autor destaca que “o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova lança a ideia de plano de educação como um instrumento de introdução da racionalidade na educação visando dar-lhe organicidade, isto é, organizando-a na forma de sistema” (SAVIANI, 1999, p.133).
Pode-se considerar que o ideal defendido nos anos 1930, pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação, constituiu importante marcha no sentido da instituição do PNE como preceito constitucional da Carta Magna de 1934, nos termos de seu Art. 150, Alínea a, que estabelece, ineditamente, a competência da União para “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País” (BRASIL, 2001a).
Apesar dessa importante conquista na Constituição de 1934, as inúmeras contramarchas presentes nas décadas seguintes, especialmente a retirada do tema nos períodos ditatoriais (Ditadura Vargas/1937-1945 e Golpe Militar/1964-1985), sufocaram as proposições de plano que foram esboçadas nos períodos de abertura democrática. Com efeito, apenas nas décadas de 1980/90 a retomada da luta pelo PNE logra sucesso, passando a integrar novamente o conteúdo da legislação educacional (Constituição federal-CF/1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-L-DB/1996).
Foram passados 69 anos entre o manifesto dos pioneiros e a consecução do primeiro PNE do Brasil, sancionado pela Lei nº 10.172, em 09 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001b). Não obstante seu significado histórico e sua relevância estratégica e política para o que se esperava da educação na virada de milênio, estudos reportando-se ao marco temporal em que o PNE (2001-2010) entrou em vigor (MEN-DONÇA, 2002; DIDONET, 2001; VALENTE; ROMANO, 2002) já assinalavam a necessidade de desdobramento do PNE em planos estaduais e municipais de educação, considerando, sobretudo, que a atuação das esferas administrativas locais, bem como a participação de suas instâncias de representação social é que poderiam garantir que o PNE não fosse, em exclusivo, um plano da União, mas de toda a sociedade. O fato é que essa necessidade não foi atendida, tendo sido constatado a diminuta incorporação do planejamento educacional como parte indispensável da gestão da educação.
Na realidade, após os dez anos de vigência do PNE (2001-2010), as prioridades elencadas para a década, quanto à elevação da escolaridade da população; à melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis; à redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública; e à democratização da gestão da educação pública, tiveram como principal empecilho a inexistência de um Sistema Nacional de Educação que pudesse resguardar o devido compartilhamento da responsabilidade entre União, estados e municípios com a implementação das metas educacionais estabelecidas.
Faz-se pertinente reconhecer que há, no atual contexto histórico, uma importante conquista no que diz respeito à disseminação do planejamento educacional nas três esferas de poder federado. Esse entendimento pode ser concebido em face da Lei 13.005/2014 estabelecer que "os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei (Art. 8º )".
Considerando-se que os dados disponibilizados pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em relação ao ano de 2014, constatavam que 44,4% dos Estados e 56,4% dos municípios não possuíam Plano de Educação, sabia-se que o País estava diante da necessidade de uma força-tarefa para que fosse possível o alcance da universalização dos Planos no conjunto dos entes federados. Pois bem, é justo reconhecer que os esforços tanto da sociedade civil organizada, quanto dos poderes governamentais lograram êxito quanto ao notável avanço na construção de planos educacionais, resultando na elevação para 81,48% dos estados e 98,1% dos municípios com seus planos de educação sancionados[1].
É evidente que tais dados não atestam a real resposta que se espera da imprescindibilidade dos Planos para a consecução de resultados educacionais exitosos no País, pois é sabido quão desafiador é fazer com que os planos não se convertam em mera carta de intenção (VALENTE e ROMANO, 2002), mas que mobilizem as instâncias e, sobretudo, os sujeitos coletivos envolvidos com a educação em prol da defesa de que cada meta e estratégia estabelecida seja devidamente cumprida, resguardando a devida coerência com o que é esperado para o País, até 2024.
Cabe chamar a atenção para o fato de que constam, no atual PNE, importantes ações a serem desenvolvidas pelo poder público, que já começam a ficar com exíguo espaço de tempo para sua realização, pois foram previstas para efetivação ao longo do ano de 2016. A esse respeito, podem-se mencionar pendências de cumprimento das seguintes exigências: a) criação de um Sistema Nacional de Educação, b) aprovação de leis específicas para os sistemas de ensino, que disciplinem a gestão democrática da educação pública, c) regulamentar o Artigo 23 da Constituição Federal que trata da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, d) garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, política nacional de formação dos profissionais da educação.
Há de se reconhecer quão grande é o desafio do Estado Brasileiro para cumprir tais exigências. Por isso mesmo, é oportuno a observância de políticas públicas já apresentadas ao País, ora por meio de políticas emergenciais, como é o caso do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR, ou apenas em caráter experimental, no caso da Prova Nacional de Concurso para Ingresso na Carreira Docente (Prova Docente), tema que retomaremos mais adiante neste trabalho. O que é importante reconhecer sobre essa matéria é que ações já experimentadas embrionariamente e de forma pontual, podem e devem ser consideradas no sentido de agilizar políticas educacionais reivindicadas na ordem do dia.
Nesse sentido, tem-se por perspectiva que a implementação sistêmica do PNE (2014-2024) corrobore a equalização de oportunidades educacionais no conjunto dos municípios e estados, sobretudo, quando se refere ao provimento de condições objetivas e subjetivas necessárias à melhoria da qualidade da educação, como: a) adequação do número de escolas e de salas de aula ao quantitativo de alunos, de acordo com as exigências de cada etapa e modalidade de ensino; b) disponibilização de material didático em conformidade com as necessidades de cada etapa da educação; e c) admissão e valorização dos profissionais da educação. Na sequência, dedicaremos atenção específica a esse último aspecto por constituir o foco central deste texto.
Análise do PNE (2014-2024): aspectos relacionados aos profissionais da educação
A valorização dos profissionais da educação tem permanecido na pauta de reivindicação na história do movimento de proposição do sistema e do PNE, mantendo-se também a ênfase em três dimensões, são elas: a) ingresso e formação; b) remuneração e carreira; e c) condições de trabalho docente. A reapresentação desse pleito na atual conjuntura expressa, por um lado, a relevância com que cada uma dessas dimensões é reconhecida para alcançar os objetivos de melhoria da educação almejada pela sociedade brasileira, por outro lado, a necessidade de repetir metas que já se esperava tê-las alcançado ao longo dos anos 2000.
A esse respeito, o PNE anterior (2001-2010) havia dedicado uma de suas seis seções exclusivamente ao tema Magistério da Educação Básica. O Plano apresentava diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas para a formação dos professores e valorização do magistério. Já na meta 01 previa-se garantir a implantação de planos de carreira para o magistério. Contudo, o que se observou após sua vigência foi a diminuta repercussão dessa promessa no contexto das redes estaduais e municipais de educação, da mesma forma que não houve o devido avanço quanto ao cumprimento da meta 02, que anunciava implementar, gradualmente, uma jornada de trabalho docente de tempo integral, quando conveniente, cumprida em um único estabelecimento escolar.
Outras pretensões que já haviam sido inseridas no PNE/2001 continuam na ordem do dia, como a oferta de formação específica, em cursos de licenciatura plena, para professores da educação básica, assim como a realização de programas de formação inicial e continuada para o pessoal técnico e administrativo. Tais demandas, entre outras, estão contempladas no atual PNE. É importante ficar atento para o fato de que, na lei que o sanciona, assume-se a perspectiva de cobertura do conjunto das demandas educacionais do País por meio da materialização do regime de colaboração recíproca entre a União, os Estados e os Municípios, sendo este um mecanismo já recomendado pela CF/1988, especialmente em seus artigos 1º, 18, 23, 29, 30 e 211 (BRASIL, 2009).
Cabe inicialmente salientar que, no PNE vigente, a promessa de investimento na valorização dos profissionais da educação encontra-se diretamente explicitada nas suas metas 1, 7, 15, 16, 17, e 18. Com efeito, a concretização de grande parte das proposições dispostas no Plano, como: a) o compromisso de universalizar o atendimento escolar da população de quatro e cinco anos, do ensino fundamental de nove anos, bem como do ensino médio para a população de quinze a dezessete anos; b)a garantia de oferta de educação em tempo integral; c) a expectativa de atingir médias nacionais para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); e d) a pretensão de elevar a qualidade da oferta das modalidades de educação [...], reclama, indubitavelmente, o cumprimento das metas correspondentes ao provimento de ações voltadas para a valorização dos profissionais da educação, assim como a ação compartilhada por parte das esferas da gestão pública.
Faz-se pertinente ressaltar que a exigência de articulação entre os entes de poder federado, para fins de consecução de respostas às demandas referentes ao desafio de prover ações de valorização dos profissionais da educação, responde ao princípio de sinergia da gestão sistêmica (BORDIGNON, 2009), compreendendo-se, aqui, que a atuação das e entre as partes, leia-se os municípios, os estados e a União, deve zelar pela garantia de que haja equidade na efetivação das metas e estratégias do PNE, evitando-se, neste caso, que o Poder Local, elo economicamente mais frágil da federação, deixe de cumprir o disposto no Plano por incapacidade financeira ou técnica, por exemplo.
É pertinente reconhecer a vinculação entre o que se coteja no conjunto do Plano e a atenção inadiável aos profissionais da educação. As metas que tratam da universalização de níveis de ensino, especialmente as metas 1, 4 e 5, por exemplo, têm como uma de suas estratégias justamente a promoção de formação inicial e continuada dos profissionais da educação, assim como o estímulo a articulação entre a pós-graduação, núcleos de pesquisa e cursos de formação desses profissionais.
O mesmo acontece quando se declara o fomento à qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades de ensino, com previsão de melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, buscando-se atingir médias nacionais para o IDEB até 2021. Para vencer esse desafio, coloca-se novamente a necessidade de investimento na valorização dos profissionais da educação. Para tanto, dentre outras estratégias, propõe-se estabelecer ações efetivas especificamente voltadas para a promoção, prevenção, atenção e atendimento à saúde e à integridade física, mental e emocional desses profissionais (Estratégia 7.31).
O reconhecimento da imprescindibilidade dos profissionais da educação para alcançar tanto as metas de universalizar/ampliar a oferta educacional, quanto a grande meta de melhorar a qualidade da educação básica (DOURADO, 2011), é emblemático para o que se pode referir ao conjunto das metas do Plano, uma vez que para viabilizar os resultados educacionais esperados são necessárias importantes mudanças no que concerne à prática docente. Nesse sentido, a urgência na proposição de políticas educacionais com foco na valorização dos profissionais da educação e, sobretudo, a materialização do princípio de intencionalidade por parte de todos os sistemas de educação corresponsáveis pela efetivação do PNE, equanimemente nos três entes de poder federado, constituem a referência primordial para a garantia de políticas públicas destinadas a esses profissionais ao longo da década em curso, com atenção especial para ações relacionadas ao ingresso e formação, à remuneração e carreira e às condições de trabalho.
Na sequência, topicalizaremos cada uma dessas dimensões à luz do conteúdo do PNE (2014-2024) e de parte da legislação educacional pertinente.
Ingresso na carreira
Apesar de recorrente, a qualidade da formação, assim como o rigor quanto aos critérios para ingresso na carreira constituem o ponto de partida para a discussão desta seção do texto. A reincorporação dessas exigências não se trata de mera vanguarda aos elementos basilares para o que se compreende por valorização dos profissionais da educação. O que está em causa é que importantes prerrogativas já cotejadas para a melhoria da formação e para a qualificação da forma de ingresso na carreira pública no setor educacional ainda não reverberaram, sistemicamente, no planejamento e gestão pública no País.
O preceito legal que contingencia a investidura em cargo ou emprego público à aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas determinadas concessões previstas em lei para cargo em comissão (CF/1998, Art. 37, inciso II; LDB/1996, Art. 67), continua a ser um forte gargalo no âmbito da administração pública direta, indireta ou fundacional, sobretudo de parte dos Municípios, onde o que se constata é a reincidência do descumprimento da obrigatoriedade do concurso para o conjunto das áreas, inclusive para a Educação.
Não há no âmbito do atual PNE uma meta exclusiva para explicitar como o Plano tratará da viabilização do concurso público como política educacional no País. Entretanto, esse tema aparece como uma das estratégias para assegurar a existência de planos de carreira para os profissionais da educação. Trata-se da estratégia 18.3 que requisita ao poder público,
realizar, por iniciativa do Ministério da Educação, a cada 2 (dois) anos a partir do segundo ano de vigência deste PNE, prova nacional para subsidiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mediante adesão, na realização de concursos públicos de admissão de profissionais do magistério da educação básica pública.
Na realidade, o conteúdo dessa estratégia (18.3) do PNE já fora contemplado pela Portaria Normativa nº 3/2011 do Ministério da Educação que instituiu, no âmbito do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, a Prova Nacional de Concurso para o Ingresso na Carreira Docente, para subsidiar a admissão de docentes para a educação básica no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2011)[2].
A realização de prova nacional a cada dois anos, como dispõe a Estratégia 18.3 do PNE, não significa que o País, enfim, tenha consolidado aquilo que tanto a CF/1988 quanto LDB/1996 já requisitavam para ingresso na carreira pública, uma vez que não há contingenciamento para que todos os entes federados adotem, necessariamente, a convocação de selecionados pela Prova Nacional. O que se conseguiu foi de fato propor a implantação de uma alternativa de seleção pública de caráter unificado para o País, mas que serve apenas como um subsídio para que cada ente federado, resguardando-se o princípio da autonomia, entendido aqui como capacidade de autorregulação inerente ao paradigma sistêmico de gestão da educação, decida se vai aderir ou não. O certo é que esta alternativa não tem sido sequer discutida com a devida atenção, nem mesmo pelas instâncias representativas da categoria docente.
Cabe considerar que o debate sobre o ingresso na carreira precisa ter lugar na elaboração dos planos educacionais dos estados e dos municípios, considerando-se a defesa do concurso público e o impacto que essa medida pode atingir, sobretudo nas municipalidades onde, em muitos casos, essa exigência legal cede lugar à manutenção forçosa das contratações temporárias, colocando em xeque o cumprimento dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no processo de ingresso na carreira pública.
Nesse sentido, tão importante quanto à consolidação da prerrogativa do concurso para ingresso no serviço público é o controle sobre as formas e finalidades das contratações temporárias para o fim de prestação de serviço educacional na esfera estatal[3]. Pode-se conceber que o uso legítimo dessa opção de seleção, no caso específico do setor da educação, precisa ser rigorosamente acompanhado pelos órgãos de controle do poder público, uma vez que essa alternativa também pode ser utilizada para perpetuar contratos que deveriam vigorar por tempo determinado, mas que acabam se estendendo por longos anos, usando-se, à revelia da lei, de mecanismo esdrúxulo para a admissão e demissão do profissional.
Sabe-se que essa prática, além de constituir “capital político” para aqueles gestores que cobram “fidelidade partidária” daqueles que dependem desses contratos temporários para sobreviver, também constitui forma de desvalorizar os profissionais e o próprio campo educacional, uma vez que toda a pauta defendida para esse setor, envolvendo formação, carreira e condições de trabalho, fica prejudicada.
A incorporação desse item integrante da valorização dos profissionais do magistério público da educação básica, nos planos de educação nas três esferas de poder federado, constitui passo fundamental para o tratamento sistêmico da exigência em discussão, uma vez que a construção e sistematização do planejamento educacional em cada âmbito de governo demandará a realização de diagnóstico que dimensione, com rigor, qual é o real quadro de demanda por profissionais efetivos. Trata-se de levar a efeito os princípios fundantes de um sistema, conforme já explicitamos em seção anterior (BORDIGNON, 2009), podendo-se destacar especialmente a necessidade de articulação entre as esferas governamentais e, por consequência, a consecução de pacto entre elas no que concerne ao cumprimento dos princípios de intencionalidade e sinergia entre os sistemas de educação, na perspectiva de fazer valer que aquilo que consta no PNE seja necessariamente considerado como parte intrínseca da proposição e implementação dos planos estaduais e municipais de educação.
Faz-se oportuno reconhecer que duas das estratégias estabelecidas para a meta 18 do PNE são pertinentes para o enfretamento desta questão. São elas:
estruturar as redes públicas de educação básica de modo que, até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério e 50% (cinquenta por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais da educação não docentes sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes escolares a que se encontrem vinculados (Estratégia 18.1);
realizar anualmente, a partir do segundo ano de vigência deste PNE, por iniciativa do Ministério da Educação, em regime de colaboração, o censo dos (as) profissionais da educação básica de outros segmentos que não os do magistério (Estratégia 18.5).
Estabelecera-se, portanto, o desafio de que, até 2016, 90% dos profissionais do magistério em exercício no País deveriam integrar o quadro permanente do Poder Público. Há de se reconhecer a relevância do amparo legal já existente tanto para a regulamentação da prova nacional (Portaria Normativa/MEC, nº 3/2011), quanto para a redução do tempo de contratação temporária para profissionais da educação (LDB/1996, Art. 85). Contudo, está posto o desafio de fazer com que as exigências aqui discutidas para ingresso na carreira sejam assumidas pelos diversos segmentos que exercem interlocução entre a sociedade civil organizada e o Estado governista, no sentido de provocar reverberação desse pleito nas políticas para educação, inscritas nos planos educacionais das três esferas de poder federado.
Formação inicial e continuada
No que diz respeito à formação como uma das dimensões constituintes da valorização dos profissionais da educação, faz-se pertinente destacar as metas 15 e 16 do PNE (2014-2024), dedicadas especial e diretamente à previsão de como a formação desses profissionais deve ser levada a efeito pela Política Educacional Brasileira, assumindo-se o regime de colaboração entre os três entes de poder federado como mecanismo, por meio do qual se vislumbra a viabilidade do conjunto das estratégias para cada uma dessas metas. A exigência de colaboração deve contemplar, inclusive, a atenção à formação continuada em nível superior de graduação e pós-graduação gratuita por área de atuação dos profissionais.
Referindo-se especificamente à formação inicial dos profissionais da educação, a Meta 15 do PNE assegura que todos os professores e as professoras em atuação na educação básica devem possuir formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Não há prazo imediato estabelecido, no âmbito do Plano, para cumprimento desta meta, fato que deixa margem para que o poder público utilize o decurso dos dez anos de vigência do PNE para apresentar e levar a efeito ações voltadas ao atendimento desta demanda. Não obstante essa imprecisão quanto ao início de uma atuação objetiva do Estado com vista à universalização da formação de nível superior para o conjunto dos docentes brasileiros, dados do Censo Escolar (2013) apontam que 25% do total de docentes da educação Básica do País cursaram apenas o Ensino Médio. São exatos 534.404 docentes sem curso superior (INEP, 2014).
Mas, a meta de pleno atendimento da demanda por formação inicial não será atendida apenas com a oferta de formação para os 25% dos docentes que ainda não possuem licenciatura, uma vez que há ainda aqueles professores que atuam em área distinta da sua formação inicial, portanto, necessitam de uma segunda licenciatura, neste caso, nova formação inicial, considerando a especificidade da área que cada professor de fato desenvolve sua carreira profissional. Trata-se, portanto, de um grande desafio a ser enfrentado no âmbito do planejamento e gestão da educação, mas que, até 2016, ainda não se tem claro como e quando a União, os Estados e os Municípios irão cumprir.
Faz-se justo e pertinente reconhecer que o Governo Brasileiro demonstrou reconhecimento da necessidade de ação do Estado em resposta a essa demanda, ao lançar o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR, em janeiro de 2009. Esse Plano, que na realidade é um Programa emergencial, voltado especificamente para professores em exercício na rede pública de ensino, formou, até 2015, 12.103 professores em curso de licenciatura e outros 51.008 professores da educação básica estão vinculados a cursos superiores pelo Programa. Como se vê, essa política pública tem produzido resultado, mas a soma dos que já concluíram com os que ainda estão vinculados ao Programa ao longo dos sete anos de sua vigência totalizam apenas 12% da demanda por formação inicial docente em curso superior. É com base nesse dado que se reforça a necessidade de maior atenção para o cumprimento do que consta na meta 15, nos oito anos restantes do PNE.
Faz-se imprescindível considerar, de imediato, estratégias previstas no conjunto do Plano, como: a) ampliar o programa permanente de iniciação à docência (15.3); b) implementar programas específicos para formação de profissionais da educação para as escolas do campo, de comunidades indígenas e quilombolas e para a educação especial (15.5); e c) implementar cursos e programas especiais para assegurar formação específica na educação superior, nas respectivas áreas de atuação, aos docentes com formação de nível médio na modalidade normal, não licenciados ou licenciados em área diversa da de atuação docente, em efetivo exercício (15.9).
Além das estratégias supramencionadas, também é preciso garantir financiamento estudantil a discentes matriculados em cursos de licenciatura para que esses possam dispor de insumos que permitam-lhes desenvolver sua formação adequadamente, condição que a grande maioria não dispõe.
Faz-se importante ressaltar que o atendimento da demanda por formação inicial e continuada dos profissionais da educação reclama, urgentemente, o exercício de planejamento educacional articulado entre os entes federados. O ponto de partida inadiável é a realização de diagnóstico das reais necessidades estaduais e municipais de formação de profissionais da educação. Tal item do planejamento não tem sido cumprido historicamente, pelo menos com o aprofundamento necessário. A relevância dessa iniciativa está na necessidade de se dimensionar precisamente as áreas e subáreas que demandam concentração de investimento de formação profissional.
Há aqui um exemplo claro de necessidade de que haja sinergia e compartilhamento de intencionalidade entre os sistemas de educação instituídos em cada esfera administrativa, uma vez que se trata de processo formativo a ser garantido, preferencialmente, por instituições públicas de ensino superior, ou seja, a União e os estados, que são responsáveis, predominantemente, pela formação em nível superior, devem solidarizam-se, por princípio, com os municípios, desenvolvendo programas de formação inicial e/ou continuada que contemplem e integrem profissionais da educação vinculados aos três entes federados.
Outra importante estratégia estabelecida pelo PNE é a que fomenta a oferta de cursos técnicos de nível médio e tecnológicos de nível superior destinados à formação, nas respectivas áreas de atuação, dos (as) profissionais do magistério público da educação básica, que não os docentes (15.10)[4].
Com efeito, há de se sublinhar que o PNE estabeleceu que seria implantado, no prazo de um ano de sua vigência, política nacional de formação continuada para os profissionais da educação de outros segmentos que não os do magistério. Essa previsão, disposta na estratégia 15.11, também aparece como ação a ser construída em regime de colaboração entre os entes federados. Sabe-se quão importante é essa iniciativa para impulsionar a melhoria da qualidade dos serviços desenvolvidos no e pelo setor educacional, ressaltando-se que parte significativa deles não é, em exclusivo, atribuição dos docentes. Portanto, a atenção ao conjunto dos segmentos envolvidos com o processo educativo deve ter por base a mesma exigência dos demais temas que ocupam lugar no planejamento educacional: partir de diagnóstico, apresentar metas e estratégias e prever avaliação.
Remuneração e carreira
A reivindicação historicamente empreendida pela remuneração e carreira condigna com o nível de formação é parte, não somente da luta pela valorização dos próprios profissionais da educação, mas também pelo prestígio que a área educacional precisa ser reconhecida - de fato e de direito. É justo considerar que a publicação da Lei Federal nº 11.738/2008, que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, constitui importante conquista para a área e que a presença desse tema no atual PNE já parte de um importante referencial, a partir do qual se vislumbra objetivamente qualificar o pleito a ser perseguido pela categoria.
Tem-se já de início uma “questão de ordem”: é preciso que o valor da menor remuneração dos profissionais da educação com nível superior seja correspondente ao que se remunera, em média, aos demais profissionais com igual nível de escolarização. Essa exigência foi incorporada ao PNE, especificamente em sua meta 17, quando oficializa de forma objetiva esse pleito, ao estabelecer que até o final do sexto ano de vigência do Plano, o piso já deve se equiparar ao rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente. Trata-se de uma causa pela qual vale a pena endossar a luta. O que se conhece é que hoje o valor do piso que é pago aos profissionais da educação fica em torno de 50% do valor que se paga, em média, aos demais profissionais. Outra questão a ser posta é que não se pode circunscrever o pleito pela melhoria da remuneração ao nível de pagamento do piso. Há certos gestores que anunciam que “pagam o piso” como que este fosse o teto salarial dos profissionais.
Na realidade, a luta pela melhoria do piso já deve conter a reivindicação pela institucionalização de planos de carreira. Ora, mas uma vez estamos diante da exigência de consecução e efetivação de planejamento educacional nas unidades federativas do País. O que se tem atualmente a esse respeito, no âmbito dos estados e municípios, é algo muito incipiente, apesar de que este indicativo é contemplado pela lei do piso, em seu art. 6º, quando diz que todos os entes de poder federado deveriam elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009.
Mais uma vez, carece realçar a necessidade de cumprimento dos princípios de sinergia e normatização que temos creditados à gestão sistêmica da educação. Ocorre que a plena efetivação tanto do piso salarial profissional nacional quanto de planos de carreira para os profissionais do magistério público da educação básica, demandam imprescindível articulação entre as três esferas administrativas, uma vez que há reconhecida incapacidade de parte significativa dos municípios, além de alguns estados, para proverem, com recursos próprios, a remuneração e perspectivas de progressão na carreira dos profissionais sob sua responsabilidade imediata.
Outro gargalo que aflige os profissionais da educação e depõe contra o que se espera como valorização da carreira é o exercício da jornada de trabalho em dois ou mais estabelecimentos de ensino, estando, cerca de 21% desses profissionais, também comprometidos com três turnos de trabalho diários (INEP, 2014), quase sempre vinculados a diferentes esferas administrativas. Esse fato tem mascarado o real grau de desprestígio com a remuneração e carreira da categoria, uma vez que em face da extenuante carga-horária assumida, a renda obtida ao final do mês parece razoável, ainda que equivalente ao que profissionais de outras categorias recebem por apenas um vínculo. Essa realidade, mesmo já bem conhecida, seu enfrentamento tem sido relegado a segundo plano.
Sobre esse tema, o PNE explicita a exigência da implantação gradual do cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar. Não obstante, essa é uma proposta de política educacional que, apesar de seu valor público, sua condição de implementação depende fortemente da viabilidade política, pois, como já dissemos, boa parte dos profissionais possuem vínculos empregatícios com mais de uma esfera administrativa, sendo que qualquer ação nesse campo demanda articulação entre poderes governamentais que, como também se sabe, em muitos casos dispensa o reconhecimento do valor público das políticas em função de outros interesses de cunho político-partidários. Isso significa que há necessidade de que essa meta esteja não somente inscrita no PNE, mas também incorporada à pauta mais ampla do pacto federativo que fora recomendado pela Carta Magna e tem sido almejado historicamente pela sociedade brasileira.
Condições de trabalho
Não há uma meta no PNE tratando exclusivamente da melhoria das condições de trabalho dos profissionais da educação. Com efeito, esse subtema é parcialmente contemplado em diferentes metas do Plano, como as que já ressaltamos ao tratar, por exemplo, do subtema “remuneração e carreira”. Contudo, o que se busca alcançar em relação às condições de trabalho é mais amplo do que aquilo que se tematiza em torno das questões salariais e de progressão na carreira.
Há necessidade de se dimensionar de forma mais minuciosa o que constitui condições imprescindíveis para que o exercício dos profissionais da educação seja valorizado e corrobore o esforço necessário para garantir o que consta na meta 7 do PNE, que explicita o objetivo de fomentar a qualidade da educação básica em todas as suas etapas e modalidades. Uma das ações que demanda urgência de ser inserida na agenda do poder público é o enfrentamento sistemático dos graves problemas que afetam o clima e a cultura organizacional das instituições educacionais (ANDRADE, 2013).
Para fazer frente a essa questão, faz-se urgente romper com os processos rígidos e autoritários de organização e gestão, a inadequação do espaço físico, a escassez de recursos e insumos necessários à prática educativa, o fraco compromisso com o projeto pedagógico, o descrédito com o papel desenvolvido pelos conselhos escolares, entre outros. É preciso conceber que o ambiente educacional deve ser o lugar onde as pessoas em geral, especialmente seus profissionais, “gostem do que fazem e sintam prazer em estar ali” (LÜCK, 2009). Todavia, essa é uma realidade ainda distante no campo da educação pública. O que se constata é o sentimento de estranhamento no e pelo trabalho, marcado, por exemplo, pela apatia em desenvolver o ofício da docência.
É possível reconhecer estratégias apresentadas pelo PNE que podem responder parcialmente as demandas mais recentes relacionadas às condições de trabalho, como o acesso à rede mundial de computadores em banda larga de alta velocidade, promovendo a utilização pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação, mas também há proposições que revelam o tamanho do atraso acumulado no setor, como a estratégia 7.18, que apresenta o desafio de assegurar a todas as escolas públicas de educação básica o acesso a energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo dos resíduos sólidos, dentre outros serviços considerados básicos para qualquer ambiente decente.
Enfim, a imagem caótica, amplamente publicizada do lugar onde se desenvolve a educação pública, não apenas arrefece o ânimo dos profissionais que se encontram na ativa, mas também gera desmotivação para aqueles que poderiam decidir pela carreira profissional na área da educação. Isto significa que investir na melhoria das condições de trabalho docente cumpre uma pauta inadiável à valorização dos profissionais que já atuam na educação, mas também constitui ação imediata no sentido de resgatar o respeito e apreço que o setor educacional deve possuir, de forma que a imagem que se projeta do lugar onde se realiza o processo educacional seja convidativa, inclusive para os que desejam investir e seguir carreira nessa área.
Considerações finais
No presente trabalho abordamos elementos concernentes à valorização dos profissionais da educação, previstos no Plano Nacional de Educação em vigor no País. Buscamos fundamentar as possibilidades de materialização das metas e estratégias do PNE à luz da perspectiva recente de instituição da gestão sistêmica em cada ente de poder federado.
A esse respeito, cabe salientar que a ausência de um Sistema Nacional de Educação (SNE), incumbido da viabilização do Regime de Colaboração entre os elos da federação, limita a consecução de um plano nacional que repercuta suas metas de forma equânime na totalidade do campo educacional do País, da mesma forma que a ausência da cultura de planejamento educacional nas esferas de poder federado compromete profundamente a organicidade do modelo sistêmico, uma vez que não se reconhecem parâmetros que possam fazer valer os princípios de totalidade, sinergia, intencionalidade, autonomia, organização e normatização (BORDIGNON, 2009), tratados neste estudo como fundamentos precípuos à gestão sistêmica da educação em todas as esferas administrativas.
Como exemplo desse fato, constatou-se que o conjunto das prioridades elencadas no PNE/2001, no que diz respeito às dimensões da valorização profissional que aqui tematizamos, teve implementação reduzida especialmente porque não foi levado a efeito por meio de estratégias e ações articuladas com os planos estaduais e municipais de educação.
O certo é que não há como vislumbrarmos metas concebidas para impactarem a federação como um todo, sendo que sua efetivação fique a mercê da decisão do executivo local. A reedição dessa prática gestionária oferece o risco de importantes proposições para o campo da valorização dos profissionais da educação ser arbitrariamente descartadas por força de interesses, por parte de chefes do executivo nas três esferas de poder, alheios ao que se cotejou e inscreveu na agenda do Estado brasileiro. Diante disso, tem-se fundamentado a concepção sistêmica como alternativa viável à gestão pública (ANDRADE, 2014), para a qual se convoca a participação dos sujeitos coletivos locais indicados por instâncias democráticas da sociedade civil organizada, além da própria representação do executivo.
Faz-se pertinente advogar que a dinâmica de criação de sistemas de educação, especialmente no âmbito dos municípios, além de constituir-se em instrumento que assegura o direito do Poder Local emitir diretrizes educacionais em colaboração com os demais sistemas, também se constitui em base para que o SNE cumpra a solicitação dos diversos grupos que pleiteiam que este se articule com os estados e os municípios, assumindo, genuinamente, a Política Educacional do País, o que inclui indubitavelmente as demandas de ação do Estado apontadas ao longo deste trabalho, com perspectiva de que as metas e estratégias do PNE (2014-2024) tenham, na aliança com os entes federados, a mola mestra para sua implementação.
Referências
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Notas