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Bem-estar em Invertebrados: um parâmetro ético de responsabilidade científica e social da pesquisa?

¿Bienestar en invertebrados: un parámetro ético de la responsabilidad científica y social de la investigación?

Invertebrate well-being: an ethical parameter of scientific and social research responsibility?

Marta Luciane Fischer *
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Brasil
Juliana Zacarkin Santos **
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Brasil

Bem-estar em Invertebrados: um parâmetro ético de responsabilidade científica e social da pesquisa?

Revista Latinoamericana de Bioética, vol. 18, núm. 1, pp. 18-35, 2018

Universidad Militar Nueva Granada

Recepção: 09 Maio 2017

Revised: 25 Julho 2017

Aprovação: 21 Novembro 2017

Resumo: Objetivou-se avaliar a promoção do bem-estar de invertebrados usados em pesquisa por meio da sua representação no meio científico, divulgação das pesquisas e inclusão nos debates éticos. A análise atestou predomínio de abordagens biológicas, utilitaristas em animais de interesse médico e econômico, cuja incipiência de informações sobre as condições de obtenção, manipu­lação e experimentação comprometem a reprodutibilidade e desenvolvimento da área. Discute-se a inclusão dos invertebrados nos debates éticos cuja reivindicação de normatizações e pro­teção, demanda a instrumentalização do pesquisador em busca pela excelência técnica e ética no planejamento, execução e divulgação de sua pesquisa a fim de fortalecer o contrato social e cientifico gerador de benéficos para ciência e para qualidade de vida do animal.

Palavras-chave: bioética, ética animal, especismo, invertebrados, integridade na pesquisa.

Resumen: Nuestro objetivo fue evaluar la promoción del bienestar de invertebrados utilizados en la in­vestigación a través de su representación en la comunidad científica, la difusión de las inves­tigaciones y la inclusión en los debates éticos. El análisis arrojó como resultado el predominio de los enfoques biológicos, utilitaristas en animales de interés médico y económico, cuya insi­piencia de informaciones sobre las condiciones de obtención, manipulación y experimentación comprometen la reproducibilidad y desarrollo del área. Se discute la inclusión de los inverte­brados en los debates éticos cuya reivindicación de normas y protección, demanda la instru­mentalización del investigador en busca de la excelencia técnica y ética en la planificación, eje­cución y difusión de sus investigaciones, con el fin de fortalecer el contrato social y científico generador de beneficios para la ciencia y para la calidad de vida del animal.

Palabras clave: bioética, ética animal, especismo, invertebrados, integridad en la investigación.

Abstract: We aimed to evaluate the promotion of the welfare of invertebrates used in research through their representation in the scientific community, the dissemination of research and inclusion in ethical debates. The analysis resulted in the predominance of biological, utilitarian approa­ches in animals of medical and economic interest, whose incipience of information on the con­ditions of collecting, manipulation, and experimentation compromise the reproducibility and development of the area. It is discussed the inclusion of the invertebrates in the ethics deba­tes, whose claim for standards and protection, demands the exploitation of the researcher in search of technical and ethical excellence in the planning, execution and dissemination of his research to strengthen the social and scientific contract generator of benefits to science and to the animal’s quality of life.

Keywords: Bioethics, animal ethics, speciesism, invertebrates, integrity in research.

Cómo citar: Fischer, M. L. y Zacarkin Santos, J. (2018). Bemestar em invertebrados: um parâmetro ético de responsabilidade científica e social da pesquisa? Revista Latinoamericana de Bioética, 18(1), 18-35. Doi: https://doi.org/10.18359/rlbi.2865

Introdução

A utilização de animais como meio de co­nhecimento desenvolve-se há mais de 2 mil anos atrelada à discussão sobre sua legiti­midade confrontando evidências biológi­cas convergentes e divergentes entre ani­mais humanos e não-humanos (Fischer e Oliveira, 2012). A adesão aos testes em ani­mais é embasada no antropocentrismo e na convicção mecanicista de que os animais não possuem consciência, enquanto o repú­dio incompatibiliza-os com o direito animal, conclamando por técnicas substitutivas (Fe­lipe, 2009; Fischer e Oliveira, 2012). Contu­do, a legislação foi estruturada na proteção dos vertebrados, apoiada em evidências de que os invertebrados, embora possam pos­suir nocicepção, associando respostas invo­luntárias ao dano tecidual, nem todos são dotados de senciência, ou seja, processos mentais conscientes associativos de respos­tas emocionais negativas ao dano (Elwood 2011, Crook 2013). As exceções referem-se à Suécia, que inclui todos os invertebrados nas normativas legais e o Reino Unido e Canadá, que incluem os cefalópodes (Regis e Cornelli, 2012), corroborando a aderência de cientistas ao Manifesto de Cambridge atestando a exis­tência de receptores para dor em invertebra­dos como moluscos e artrópodes e o questio­namento da suficiência dessa evidência para suas inclusões na comunidade moral, pro­vendo-os de proteção legal (Low, 2012).

No Brasil, embora a proteção jurídica dos animais configure desde o Código Civil de 1916, incrementado na Constituição Fede­ral de 1988, se consolidou com a imple­mentação das Leis de Crimes Ambientais (9.605/1998) e Arouca (11.794/2008) (Fischer e Oliveira, 2012, Lira et al., 2016) (Brasil, 1916, 1988, 1998), sendo que a última regulamen­ta os procedimentos experimentais com vertebrados submetendo as pesquisas e as aulas práticas às normatizações do Conse­lho Nacional de Experimentação Animal (CONCEA) por meio da Diretriz Brasilei­ra para o Cuidado e a Utilização de Animais para fins Científicos e Didáticos (DBCA) e supervisão de uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) (CONCEA, 2015).

A DBCA condiciona a pesquisa com vertebrados a uma justificativa válida, rele­vância científica, ausência de métodos alter­nativos e aplicação do princípio dos 3R’s (CONCEA, 2015). O princípio dos 3R’s (Repla­cement, Reduction e Refinement) (Russell e Burch, 1959) preconiza a redução ao máxi­mo do número de animais, sem prejuízo ao experimento; o refinamento metodológi­co, tecnológico e estatístico visando o míni­mo de sofrimento e dor, além de prover ao animal condições que elevem o grau de bem-estar-animal (BEA) antes, duran­te e após a intervenção; e a substituição dos animais por métodos alternativos tecno­lógicos ou por animais com menor grau de senciência. Nestes, inserem-se os inverte­brados, sendo o uso legitimado pela destitui­ção de senciência (Mather, 2011).

A base filosófica e ética com relação aos animais tem variado pouco, sendo contra­posta em princípios contratualista, utili­tarista e abolicionista (Mather, 2011). A primeira considera a aplicação do BEA vinculado a interesses próprios; a segunda atrela perdas/ganhos quanto à atribuição moral ao princípio da igual-consideração-de-interesses em não sofrer dos animais (Singer, 2004); e a última, liderada pelo movimento pró-animal, defende o direito dos animais de não serem explorados como recursos para nenhuma necessidade huma­na, ampliando o princípio-da-igual-consi­deração-de-interesses em não sofrer, para interesse em viver, uma existência plena e natural, contudo ainda apoiada no sencio­centrismo (Regan, 2004, Francione, 2013). As demandas da sociedade contemporânea não encontram respaldo integral nas abor­dagens tradicionais demandando o estabele­cimento de novos paradigmas pautados em correntes éticas biocêntricas e ecocêntri­cas. Enquanto a primeira considera o valor intrínseco de cada animal, independente da sua complexidade física (Felipe, 2009), o ecocêntrismo visa a valoração do ecossiste­ma como um todo, priorizando o equilíbrio do ambiente e valor intrínseco da natureza (Almeida, 2010).

A distinção entre invertebrados e verte­brados é artificial e meramente acadêmica, uma vez que os mesmos congregam cerca de 95% da fauna e de todos os filos do Reino Animalia, cuja diversidade e abundância é intrínseca à manutenção da vida cumprin­do funções vitais na cadeia alimentar, como decompositores e polinizadores (New, 1995; Mather, 2011). O pouco conhecimen­to e disseminação de informações sobre a senciência dos invertebrados (Fischer, Libre­lato, Cordeiro, e Adami, 2016) somada à atri­buição cultural de sua maleficência (New, 1995, Horvath et al., 2013) resulta na aderên­cia por grande parte da sociedade, incluindo pesquisadores e acadêmicos, da não atribui­ção de status moral, considerando-os incog­niscientes, inconscientes e não sencientes (Naconecy, 2007), automaticamente privan­do-os de cuidados.

A senciência cientificamente apoia­da nas evidências de estrutura do sistema nervoso, fisiologia, comportamento, evolu­ção, cognição e repertório comportamental, têm sido testadas e paulatinamente identi­ficadas em invertebrados (Crook e Walters, 2011, Fiorito et al., 2014, Knutsson, 2016), contudo apoiadas na crença que quan­to mais complexo é o sistema nervoso mais impacto terá um BEA empobrecido (Broom, 2013). No entanto, o benefício-da-dúvida tem sido proposto como princípio ético alia­do ao princípio da precaução, uma vez que até o presente momento não há conheci­mento científico suficiente para refutar sua senciência, logo a dúvida deve garantir que sejam tratados de maneira a favorecer seu BEA (Elwood, 2011, Oliveira e Goldim, 2014). Neste contexto questões éticas na utiliza­ção de invertebrados têm sido apontadas e refletidas (Nash, 2004; Mather e Ander­son, 2007; Carruthers, 2007; Clark, 2015), clamando pelo aprofundamento dos conhe­cimentos sobre a senciência (Levine, 1974; Harvey-Clark, 2011), para que esses animais sejam incluídos na esfera de proteção legal (Dutra, Oliveira, 2010; Oliveira e Goldim, 2014). A educação é indicada como uma chave para a mudança na concepção, cons­cientizando sobre a importância ecológi­ca dos invertebrados (Nash, 2004; Tlusty et al., 2013). Oliveira e Goldim (2014) alertaram para a necessidade de mudanças na conduta e responsabilidade na utilização dos inver­tebrados para fins científicos, ressaltando a importância de utilizar mecanismos para melhorar as condições de sua manutenção (Levine, 1974; Santos-Silva et al., 2015), bem como a utilização de analgesia e anestesia durante procedimentos e eutanásia condi­zentes (Crook e Walters, 2011; Lewbart e Mosley, 2012).

Diante da consolidação das normati­zações das pesquisas com vertebrados e na expectativa que o meio científico tem compreendido os motivos que conclamam mudanças de conduta ética em uma pesqui­sa íntegra com animais, ultrapassando a mera determinação legal e burocrática, a pergunta norteadora do presente estudo é se esses novos paradigmas têm sido incor­porados pelo meio acadêmico para inver­tebrados mesmo sem a obrigação legal. As hipóteses testadas foram: a) a inserção cien­tífica e a responsabilidade social da pesqui­sa com invertebrados justifica a cobrança por uma pesquisa técnica e eticamente ínte­gra; b) a concepção da ética animal apenas sob o viés burocrático pode comprometer a integridade na pesquisa ao negligenciar as demandas de BEA dos invertebrados; c) a concepção de cuidado com o modelo animal é incompatível com o especismo; d) A Bioé­tica constitui-se de ferramenta na instru­mentalização do pesquisador quanto a deci­sões consistentes e conscientes de porquê, quando e como utilizar animais, além de subsidiar debates em outros segmentos sociais. Desta forma, objetivou-se: a) carac­terizar a representação dos invertebrados no meio científico; b) verificar se as condu­tas demandadas para uma pesquisa ética já têm sido adotadas; c) examinar os argumen­tos, valores e princípios éticos defendidos pelos percursores da reflexão sobre a inclu­são dos invertebrados nos debates éticos; d) promover a reflexão sobre a importância dos invertebrados e a sua inclusão nos deba­tes bioéticos, com intuito de contribuir para mudanças de paradigmas nas condutas e a normatização das pesquisas assim como da responsabilidade social e ética das mesmas. Esse estudo se justifica diante da necessi­dade de instrumentalizar os pós-graduan­dos que utilizam animais em suas pesquisas, que sua responsabilidade social e científi­ca deve ultrapassar as determinações legais e prezar pela integridade técnica e ética de seus resultados.

Material e métodos

A presente pesquisa se constitui numa aná­lise quali e quantitativa com caráter explo­ratório e descritivo.

Abordagem científica dos invertebrados

A categorização das pesquisas com inver­tebrados foi realizada através da quantifi­cação temporal de textos científicos recupe­rados do portal da CAPES utilizando como descritores o nome em latim de filos repre­sentativos cientificamente contendo mais de 2000 espécies descritas (Porifera, Cnida­ria, Platyhelminthes, Nematoda, Rotifera, Annelida, Mollusca, Echinodermata, Bryo­zoa e Arhtropoda, subdividido, em Insec­ta, Myriapoda, Arachnida e Crustacea) con­dicionados aos termos: conservation, drugs, food, tests, survey, toxicity, biology, behavior e control. A amostragem foi realizada no dia 5/4/2016, contemplando artigos indexados até 31/12/2015. O viés decorrente da réplica de registros foi minimizado buscando a ho­mogeneização dos resultados utilizando os mesmos filtros para todos os termos amos­trados em um mesmo período.

Divulgação de pesquisa com invertebrados

A avaliação da conduta de cientistas direcio­nada aos invertebrados se deu por meio da análise exploratória das descrições dos mé­todos veiculados em publicações nacionais e internacionais, distribuídas equitativamen­te nos estratos A1/A2/B1, na área interdisci­plinar da avaliação/2012 (Plataforma Sucu­pira, 2014), na expectativa que periódicos de classificação mais alta exija maior rigor nas pesquisas veiculadas. Foram considerados no máximo 15 artigos de cada revista para cada categoria, acessando do mais recente para o mais antigo, até o ano de 2009. O ma­terial para análise foi recuperado dos sites de revistas disponibilizados gratuitamen­te, sendo avaliados 50 artigos de cada tema: biologia, comportamento, controle, ecolo­gia e experimentação, cuja categorização por meio da técnica de análise de conteúdo de Bardin (2011), resultou nas catego­rias: a) Tipo de estudo e autorizações (co­leta e CEUA); b) Obtenção do animal: cole­ta, fixação, captura, anestesia e transporte; c) Experimento: manutenção (laboratório, natureza), descrição; d) Macro e microam­biente: temperatura, umidade, fotoperíodo, tamanho do recipiente, substrato, alimen­tação, limpeza; e) Finalização e destinação. Estas categorias foram eleitas por serem os critérios exigidos para a realização de pes­quisas com vertebrados cujo BEA valida a integridade da pesquisa (CONCEA, 2015).

Inserção dos invertebrados nos debates éticos

Os artigos analisados foram recuperados do portal da CAPES utilizando o descritor invertebrates condicionados a ethics, con­siderando a indexação até 31/12/2015, resultando em 89 artigos, destes 38 se refe­riam ao CEUA, 26 não atendiam ao tema, 15 eram duplicados, restando dez textos, com os quais foram somados outros quatro obtidos de referências dos artigos analisa­dos. O conteúdo foi submetido à análise ex­ploratória quanto: a) objetivo; b) problemas identificados; c) correntes éticas balizado­ras; d) fundamentos éticos; e) propostas de solução, sequencialmente organizado e de­finido o centro da investigação; a descrição analítica, contemplando a identificação de pontos convergentes e divergentes; e a in­terpretação com análise, reflexão e intuição baseada no estabelecimento de relações com a realidade e conexões de ideias.

Análise de dados

Para a análise dos dados categóricos de fre­quência da área de conhecimento dos artigos científicos de cada filo, foi considera­do como hipótese nula a homogeneidade da amostra, para tal o valor absoluto das publi­cações de cada área foi comparado em um mesmo filo utilizando o teste não-paramé­trico qui-quadrado, considerando o nível de significância de 95%.

Resultados

Abordagem científica dos invertebrados

O registro de publicações resultou em 70.770 textos científicos com predominân­cia de Crustacea e de pesquisas sobre biolo­gia (figura 1).

Frequência relativa dos registros de publicações científicas com invertebrados
Figura 1.
Frequência relativa dos registros de publicações científicas com invertebrados

A homogeneidade da amostra foi testada para cada filo por meio do teste do qui-quadra­do sendo os valores significativamente maio­res (P<0,05) acompanhados de asterisco (*).

Divulgação de pesquisa com invertebrados

As informações disponibilizadas sobre as condições de BEA em artigos científicos, apresentaram baixa referência à licença de coleta e CEUA. As informações sobre ob­tenção e manutenção dos animais não apre­sentaram padrão e foram em sua maioria in­cipientemente descritas (figura 2).

Número de artigos contemplante dos critérios de BEA de invertebrados
Figura 2.
Número de artigos contemplante dos critérios de BEA de invertebrados

A homogeneidade de cada categoria anali­sada foi acessada pelo teste do qui-quadra­do, sendo destacados os valores significati­vamente expressivos (*) e inexpressivos (-) (P<0,05). Seta para baixo representa amostras em que todos foram significativamente inex­pressivos, e para cima, expressivos.

Inserção dos invertebrados nos debates éticos

A maioria dos textos recuperados com abor­dagem ética dos invertebrados eram pos­teriores ao ano 2000, sendo apenas três deles brasileiros. A descrição analítica reve­lou que a maioria detém mais de um obje­tivo sendo a falta de empatia um dos prin­cipais problemas apontados, predominando à corrente ética bem-estarista e o princí­pio-da-igual-consideração-de-interesses, se­guido pelo cuidado. As propostas engloba­ram mudanças de postura ética com relação aos invertebrados e sua inclusão na legis­lação de proteção animal (figura 3).

Descrição analítica dos artigos sobre ética em invertebrados
Figura 3.
Descrição analítica dos artigos sobre ética em invertebrados

Discussão

Os resultados do presente estudo possibilitam o balizamento dos debates sobre a consoli­dação dos invertebrados nas discussões éticas. Por meio de análises quali e quantitativas se atestou que a relevante assimilação dos inver­tebrados pelo meio acadêmico não é simétrica à promoção de condutas éticas na realização da pesquisa e veiculação dos resultados. Fato este que pode atrasar ou até mesmo inviabi­lizar a aplicação de normativas éticas e legais nas pesquisas científicas com invertebrados.

A análise da produção científica eviden­ciou que a inserção das pesquisas com inver­tebrados reflete a diversidade de espécies e inter-relações com a sociedade, princi­palmente daquelas que provêm benefícios e malefícios diretos e indiretos (New, 1995, Mather, 2011), destacando-se estudos com crustáceos, moluscos e nematódeos. O mérito médico, econômico, farmacêutico ou ecológi­co de algumas espécies requer estudos básicos de biologia, tal como atestado na pesqui­sa e corroborado New (1995) que muito do conhecimento disponível advém da manu­tenção de invertebrados em laboratórios para experimentos, aulas, suprimento alimentar ou desenvolvimento de tecnologia. Justa­mente por se constituírem de estudos bási­cos, é necessário que se preze pela integrida­de, veracidade, reprodutibilidade e potencial de transpor da teoria para aplicação.

O direcionamento das pesquisas para invertebrados de interesse médico e econô­mico, legitima uma ciencia fundamentada em princípios utilitaristas. Embora seja idôneo priorizar os estudos com animais que deman­dam intervenção diante dos impactos negati­vos na sociedade, New (1995) atentou para a necessidade de abordagens de conservação. Sendo esta tanto ao intuito de proteção de uma fauna pobremente conhecida, munida de poucos especialistas, ineficiente metodo­logia, inábil inserção em processos de comunicação e educação, bem como na utilização da estrutura de populações e comunidades como indicadores da saúde ambiental. New (1995) assinalou que a cultural demonização dos invertebrados tem configurado como um obstáculo para programas de conser­vação, mesmo diante do número mínimo de espécies com potencial de danos e inerente importância na manutenção dos ecossiste­mas. Contudo, tal como atestado no presente estudo, a representatividade de inventários ainda é insipiente. Considerando que apenas cerca de 10% das espécies do planeta foram descritas, New (1995) indicou a necessidade de aproximadamente 1000 anos para descre­ver apenas insetos cujo número de espécies desconhecidas provavelmente ultrapasse os 10 milhões. Segundo o autor, se faz necessário um esforço internacional na determi­nação de estratégias e desenvolvimento de técnicas de coleta e análises dos dados.

A análise dos procedimentos metodológi­cos apontou a deficiência de informações, o que inviabiliza a comparação e consequen­te avanço científico. Segundo Cooper (2011), diante da importância dos invertebrados e consequente despertar de interesse da ciên­cia, o cuidado direcionado para aqueles indi­víduos mantidos cativos deve ser tão alto quanto os destinados aos vertebrados, sendo o cuidado diretamente refletido na qualidade e integridade da pesquisa.

A pouca referência às CEUA está atrelada ao uso de invertebrados não ser regulamen­tado na maioria dos países, incluindo o Brasil (CONCEA, 2015). Consequentemente, 79% das comissões participantes do Workshop que discutiu os sucessos e vicissitudes das CEUAs (Fischer et al., 2014) afirmou não avaliar pesquisas com invertebrados, mesmo diante da solicitação de pesquisadores subju­gados a exigências editorais estrangeiras e de órgãos de fomento específicos. Por outro lado, CEUAs como da Pontifícia Universida­de Católica do Paraná (PUCPR) possui proto­colo específico e o número de invertebrados liberados já totalizam 15% (Fischer; Libre­lato, 2012), englobando ostras, carangue­jos, moluscos, mexilhões, anêmonas, minho­cas, moscas, larvas de insetos, lagartas, bara­tas e aranhas em protocolos de pesquisa e aulas práticas (Fischer et al., 2014). O prin­cipal argumento contrário à avaliação de um projeto com invertebrados é a incipiên­cia de parâmetros norteadores que inviabili­zam uma avaliação eficaz. Contudo a DBCA, mesmo para vertebrados, alerta que não se deve considerar a ausência de parâmetros como justificativa, cujas deficiências devem ser superadas com o desenvolvimento de estudos pilotos e monitoramento do compor­tamento do animal. Oliveira e Goldim (2014) ressaltaram que os protocolos experimentais devem ser criteriosos, nos quais as ausên­cias de parâmetros fisiológicos mais refinados possam ser supridas com estudos comporta­mentais (Elwood, 2011). Crook (2013) estimu­lou jovens pesquisadores e pós-doutorandos, que normalmente treinam integrantes da equipe e que rotineiramente estão em conta­to com as criações, a sistematizarem os proce­dimentos. Desta forma, avaliar o quanto a mudanças inseridas no processo de criação e manipulação resulta em animais mais saudá­veis. O autor incentivou a análise do compor­tamento natural e a publicação de etogra­mas com padrões motores normais e aber­rantes obtidos em diferentes condições, com e sem anestésicos, analgésicos e enriqueci­mento ambiental e identificação de sinais de desconforto e distresse. Consequentemen­te, cada laboratório que detém criações de invertebrados contribuiria para uma rede de conhecimento e melhoria de BEA em uma escala global. Knutsson (2016) foi além, apon­tando que a atenção dispendida para animais silvestres e invertebrados devem ultrapas­sar a legislação específica de captura e mane­jo e promover reflexões éticas sobre BEA de invertebrados, coletas didáticas redundantes, coleta por esgotamento, técnicas de mani­pulação e conservação, além do impacto do pesquisador no ambiente e no controle de pragas, clamando por métodos menos invasi­vos, principalmente preventivos.

A justificativa CEUA ter sido pouco abor­dada nos textos avaliados não está atrelado a pouca necessidade de autorizações de cole­ta/captura, uma vez que dispõe-se de seve­ras leis ambientais nacionais e internacio­nais. Segundo New (1995), a legislação para invertebrados beneficia o grau de exploração visando a sustentabilidade da fauna como recurso e atua na regulamentação de trans­porte e introdução de espécies exploradas na alimentação ou no controle biológico. A apli­cação dessas leis apresenta muitas limitações e vem sofrendo severas críticas, uma vez que o tamanho e distribuição dos animais inviabilizam a proteção individual, necessitando que o ecossistema seja protegido como um guarda-chuva para manutenção da integri­dade biológica. O direcionamento para uma proteção maior para espécies ameaçadas também esbarra no problema de como certi­ficar dessa condição e a competência na iden­tificação. Logo, o policiamento é difícil, prin­cipalmente em áreas remotas, cujas leis não têm sido hábeis na proteção dos ambientes como um todo. Por outro lado, os pesquisa­dores atribuem à burocracia para autoriza­ção um atraso nas pesquisas, provavelmen­te se abstendo voluntariamente de percorrer os processos burocráticos para legalização de suas pesquisas. No Brasil, as autorizações via SISBIO, Instituto Chico Mendes de Conser­vação da Biodiversidade (ICMBIO, 2017) monitoram além das espécies amostradas, a quantidade, local e metodologia. Embora não sejam cobrados BEA e não haja referên­cia à adesão a princípios éticos, o formulário preenchido com cautela e responsabilidade pode se constituir de uma ferramenta para construção de uma pesquisa íntegra.

Apesar da maioria das metodologias anali­sadas envolverem a manutenção de inver­tebrados em laboratório, não houve asso­ciação com a descrição da obtenção dos mesmos. Um número significativamente baixo de autores se preocuparam em descre­ver o transporte e relatar o uso de anestési­cos. O descaso na descrição de informações sobre as condições de obtenção e transporte omite dados importantes que podem influen­ciar o organismo e consequente resposta às intervenções experimentais e na interpre­tação dos resultados. Negligenciar a influên­cia das condições de captura e transporte, ou deixar de adotar medidas para minimizar o impacto da mudança de ambiente e estres­se, além de ser um descuido com o animal, podem comprometer a qualidade dos resulta­dos da pesquisa, conforme tem sido atestado em vertebrados (Crissimuma e Almeida, 2006, CONCEA, 2015), e sugerido por Fischer, Ague­ro, Rodrigues, Silva, Moser, (2016) como uma orientação para normatização da conduta ética em consonância com a responsabilidade ética e social da pesquisa. Documentos oficiais como normas técnicas e operacionais associa­das com vigilância, prevenção e controle de zoonoses já alertam para condutas na coleta e transporte dos animais vivos (Brasil, 2016).

Mesmo diante do aumento do uso de invertebrados nas pesquisas, a isenção do uso de anestésicos e analgésicos é uma práti­ca comum (Cooper, 2011, Knutsson, 2016), apoiada na inexistência de senciência e de fármacos específicos. Porém pesquisado­res como Dutra e Oliveira (2010), Lewbart e Mosley (2012) e Knutsson (2016) têm alerta­do para a importância da insensibilização da dor causada pela manipulação e experimen­tação como uma conduta ética e responsá­vel. Cooper (2011) revisou os métodos dispo­níveis em literatura atestando que embo­ra haja respostas específicas, condicionadas ao grau de susceptibilidade às intervenções dos fármacos, estado nutricional e de hidra­tação, a maioria dos métodos químicos de imobilização são livres de riscos. Segundo os manuscritos analisados as referências à fina­lização do animal e destino pós-pesquisa já passaram a configurar em estudos de contro­le, ecologia e experimentais, provavelmen­te refletindo a incorporação de uma condu­ta internalizada para vertebrados. Cooper (2011) e Lewbart e Mosley (2012) ressaltaram que os animais devem ser monitorados antes, durante e após a administração dos fármacos, considerando que os parâmetros de BEA e confirmação do relaxamento, sedação e euta­násia, que podem ser difíceis de serem ates­tados pelo fato da expressão desses proces­sos serem, todavia, desconhecidos, diver­sificados ou dúbios, tais como animais que adotam a tanatose como estratégia de defe­sa. Logo a ausência de movimento necessa­riamente não representa ausência de dor e sofrimento. Para o autor o desenvolvimento de anestésicos e métodos de eutanásia para invertebrados devem se igualar aos de verte­brados, estruturados há mais de um século, ressaltando a importância destes na quali­dade da pesquisa e no BEA. Para Lewbart e Mosley (2012) o aumento do uso econômico, ambiental, científico e doméstico justificam uma medicina de invertebrados.

A mesma reflexão se aplica à incipiência de informações sobre as condições de manu­tenção. Supreendentemente foi insignificati­vamente o montante de artigos que veicula­ram informações sobre condições do macro e microambiente elementares tais como temperatura, umidade relativa do ar, fotoperío­do, recinto, substrato, alimentação e limpe­za, apresentando uma aderência um pouco maior, mais ainda não significativa nos estu­dos experimentais. O fato de alguns pesqui­sadores considerarem os processos cogniti­vos dos invertebrados menos complexos, leva erroneamente à concepção que estes apresen­tem respostas automáticas e independentes de fatores externos, consequentemente despri­vilegiam condições que favoreçam a eleva­ção do seu BEA. A inexistência de protocolos e indicativos de dor e desconforto em inver­tebrados não deve ser tomado como justi­ficativa para desconsiderar esse parâmetro na condução da pesquisa (Broom, 2013), mas sim, se constituir de uma área de desenvolvi­mento de pesquisa e tecnologia inovadoras e congregar informações como as relatadas por Horvath et al. (2013). Crissimuma e Almeida (2006) destacaram a incapacidade do animal em controlar suas reações metabólicas devido a fatores externos, como comprometedora dos resultados e automaticamente a integrida­de da pesquisa. Resultados diferentes podem ser obtidos, mesmo aplicando os mesmos parâ­metros experimentais, quando realizados com animais em diferentes condições ambientais. Knutsson (2016) acrescentou a necessidade da regulação de BEA nas indústrias que praticam processos cruéis, tais como na produção da seda e carmim, e para os quais já existem alter­nativas sintéticas.

A análise qualitativa dos estudos pionei­ros na promoção de discussões a respeito da inserção dos invertebrados nos debates éticos permitiu a identificação de duas linhas de reflexão: do ponto de vista ecológico e do filo­sófico, sendo possível a confluência de ambas por um mesmo autor.

Na abordagem ecológica destacaram-se a reivindicação de legislação e programas de educação ambiental objetivando conscienti­zar diferentes segmentos da sociedade quan­to à importância de valores como respeito, precaução e sustentabilidade. Esta aborda­gem concebeu os invertebrados como recur­sos finitos e essenciais na manutenção dos ecossistemas para estas e futuras gerações (Horvath et al., 2013, Lira et al., 2016). Essa visão permeia áreas ambiental, econômica e jurídica balizadas pelo incentivo ao desen­volvimento de tecnologias que minimizem a superexploração (New, 1995) estimulando a busca por soluções que não prejudiquem o avanço técnico-científico, que ao mesmo tempo respeitem o ambiente visando equilí­brio entre a exploração de recursos naturais e a conservação da biodiversidade. O princí­pio da sustentabilidade trabalhado conjunta­mente com o princípio de responsabilidade diante da vulnerabilidade da natureza (Jonas, 2006) abarca a tendência em assumir valores ecocêntricos, cuja atenção não é voltada para o indivíduo em si, mas para a teia de rela­ções estabelecidas em um ecossistema. Neste contexto Fischer e Tamioso (2013) pontua­ram a insistência da academia de não atribuir impacto às coleções científicas e didáticas de invertebrados apoiadas em projeções estatís­ticas que atestam pouco prejuízo nas popu­lações apoiadas na abundância e alta taxa reprodutiva (Cooper, 2011, Lira et al., 2016), mas que segundo New (1995) podem poten­cializar as chances de extinção de determina­das espécies.

A concepção dos invertebrados como modelo animal todavia é balizada por uma visão antropocêntrica/utilitarista e uma falsa sensação de conduta ética ao crerem estar praticando o princípio dos 3R’s ao substituir vertebrados por invertebrados (Knutsson, 2016). Contudo, há uma mobilização para que o mesmo princípio seja aplicado para inverte­brados visando minimizar a dor e sofrimen­to em intervenções com diferentes graus de invisibilidade (Crook, 2013). Desta forma, a justificativa e relevância do estudo devem ser fundamentadas em evidências e argu­mentos lícitos e idôneos; reduzir o número de animais sacrificados; incentivar o desen­volvimento de protocolos e tecnologia de biomarcadores para identificação de baixos graus de BEA e sua imediata mitigação; e buscar a substituição por métodos alternati­vos (Fiorito et al., 2014). Para Knutsson (2016) as evidências de que os invertebrados podem sentir dor devem ser suficientes para redu­zir o sofrimento. Logo, quando possível não devem ser utilizados para atividades cien­tíficas e acadêmicas e nunca deveriam ser utilizados como alimento ou matéria prima, contudo até sua abolição, devem ser subme­tidos às normatizações no uso industrial e no controle. Crook (2013) e Cooper (2011) alerta­ram que caso o foco da justificativa esteja na correta identificação de dor, distresse e sofri­mento, a promoção da BEA dos invertebra­dos permanecerá estagnada. Neste momen­to são necessárias mais informações sobre macro e microambiente, alimentação, inte­ração social e manipulação associados com o habitat e hábitos específicos.

Nas reflexões pautadas no ponto de vista filosófico os autores abordaram a refle­xão da necessidade de mudança do status de inferioridade atribuído aos invertebrados. Contudo, ainda se identifica discursos utilita­ristas senciocêntricos e especistas que legiti­mam a utilização dos invertebrados mesmo atreladas a uma justificativa lícita e com isen­ção de dor e sofrimento (Felipe, 2009). Ressal­ta-se que nesse universo embora tenha predo­minado a demanda por incorporação de prin­cípios éticos do cuidado, igual-consideração-de-interesses e do benefício-da-dúvida, os textos que referiram-se ao princípio dos 3R`s mostraram associação com a ética utilitaris­ta/bem-estarista e a demanda por trabalhos técnicos que atestem a senciência e proteção legal dos mesmos. Francione (2013), contrário a qualquer utilização de animais como recur­sos para contemplar uma necessidade huma­na, não apresenta uma posição clara com relação aos invertebrados, evidenciando que o especismo está presente mesmo nos movi­mentos mais radicais, denominado por Naco­necy (2007) como a Ética para vertebrados.

A similaridade da senciência de moluscos e humanos segundo Crook e Walters (2011) gera a obrigação moral de alocar cuidados a estes animais. Elwood (2011) indicou que 60% de 13 grupos de invertebrados investigados responderam aos requisitos para senciência, contudo diante da ausência de dados conclu­sivos sugeriram cuidados mais humanitá­rios consistentes com a ideia de que alguns invertebrados sentem dor. Para Naconecy (2007) semelhanças fisiológicas, comporta­mentais e genéticas são evidências suficien­tes para conceder o benefício-da-dúvida. Portanto, deve-se considerar que a preocu­pação e o cuidado em relação aos invertebra­dos são necessários devido ao valor intrín­seco a cada ser vivo e seu direito a integri­dade física independente da confirmação de sua senciência (Carruthers, 2007, Mather, 2011). Broom (2013) ressaltou que a demanda por proteção está atrelada ao valor atri­buído ao animal e esta pesa na decisão do porquê e quanto respeitar, considerar suas necessidades e usar meios para minimizar o sofrimento. Para o contexto científico e legal os parâmetros que comprovem a senciência são importantes, contudo Knutsson (2016) frisou que do ponto filosófico deve-se ques­tionar o que será feito com essa informação. Fischer, Librelato, Cordeiro, e Adami. (2016) identificaram diferentes percepções da dor, emoções e afetividade em invertebrados cujo entendimento da natureza gradual da cons­ciência fenomenal e estudos que subsidiam a existência de comportamento autônomos e complexos em muitas espécies balizam a necessidade de uma postura ética pautada em valores biocêntricos. Nesta visão, deve-se respeitar todo ser vivo que se move para se prover e almeja a sobrevivência, independentemente do tipo de senciência que detém. Os autores concluíram que embora a capaci­dade de sentir já tenha configurado como um parâmetro idôneo para segregar o ser huma­no da fauna, atualmente não se constitui de um argumento exclusivo e válido, justifican­do a aplicação integral do princípio da igual-consideração-de-interesses. Knutsson (2016) alertou que diante da expressividade numé­rica dos invertebrados, se de fato sentem dor, potencialmente considerada pela ciência, a quantidade de sofrimento imposta ao reino animal pelos humanos será catastrófica.

Identificando a necessidade do meio cien­tífico na utilização dos invertebrados e ao mesmo tempo a falta de informações quanto à realização e na veiculação dos experimen­tos, somando-se à preocupação emergente em discutir as questões éticas que permeiam as relações do ser humano com os inverte­brados, percebe-se a necessidade de uma ferramenta mediadora e de promoção de diálogo. Argumentações éticas do contexto ecológico, utilitarista ou abolicionista (New, 1995, Fischer, Librelato, Cordeiro, e Adami, 2016, Crook, 2013, Mather, 2011, Lira et al., 2016) compactuam com a importância da comunicação e da educação, visando a apro­ximação de instâncias regulatórias, pesqui­sadores e sociedade por meio da promoção de cursos, treinamento, produção de guias na educação formal e não formal nos níveis de ensino básico, técnico ou superior. Atuando em instâncias legislativa, executiva e fiscali­zadora públicas, privadas ou do terceiro setor. Com potencial de impacto no desenvolvi­mento cientifico, políticas públicas, convê­nios internacionais e esforços para aumen­tar o conhecimento sistemático, biológico e ecológico das espécies. Como coadjuvan­te desse processo se faz necessário conhe­cer a concepção e percepção de diferen­tes segmentos da sociedade (Mather, 2011, Fischer, Librelato, Cordeiro e Adami, 2016, Fischer e Tamioso, 2013 e 2016) e direcionar as intervenções (Horvath et al., 2013). Segun­do Mather (2011), à medida que informações científicas são acessíveis para sociedade, o valor intrínseco do animal é aumentado e mais cuidado é direcionado, abolindo atitu­des tradicionais cruéis como ferver caran­guejos vivos para alimentação (Cooper, 2011). Crook (2013) sugeriu, ainda, aprimoramento na comunicação com ativistas, consideran­do o seu histórico com relação às mudanças de condutas com os vertebrados e potencial poder de presença pública. Neste sentido, a Bioética a partir de seu caráter interdis­ciplinar e de busca de soluções para ques­tões ambientais globais (Fischer et al., 2017) poderia compor comitês multidisciplinares para avaliação e direcionamento de pesqui­sas e intervenções como proposta para outras questões como ecoturismo, animais sinantró­picos e crise hídrica (Fischer e Moinari, 2016). Por meio da promoção do diálogo entre o meio acadêmico, a sociedade, órgãos gestores e também dar voz aos invertebrados, visan­do encontrar as alternativas que atendam e representem, da melhor maneira possível, os interesses sociais, científicos e éticos.

Considerações Finais

Os resultados do presente estudo eviden­ciam que a importância científica dos in­vertebrados se mostrou assimétrica a preocupação com seu BEA. As lacunas identificadas na condução e veiculação de pesquisas, não condizem com o momento atual de avanço tecnológico, requerimen­to pela sociedade de esforços para solução de questões complexas e requisição de estu­dos inovadores e de excelência. A ausência de parâmetros na obtenção e manipulação de invertebrados pode atrasar essas expec­tativas, uma vez que muitos dados veicula­dos não podem ser validados, replicados e comparados devido à incipiência de infor­mações. Além disso, podem acarretar em interpretações errôneas, incompletas que não geram ciência e demandam o uso de cada vez mais animais. Para os estudos com vertebrados tem se caminhado na busca de minimizar este viés, através de regulamen­tações que exigem que parâmetros míni­mos sejam obedecidos para a realização de pesquisas, logo clamam-se por protocolos mínimos para invertebrados, mesmo dian­te da diversidade de hábitos e habitats e por recomendações especificas que assegu­rem a segurança humana, ambiental e BEA dos animais durante as intervenções e con­sequentemente, veiculação das reais con­dições em que as pesquisas ocorreram.

Concomitante ao desenvolvimento de pesquisas que atestam a senciência nos inver­tebrados, os pesquisadores devem aplicar os princípios éticos da igual-consideração-de-in­teresses e do benefício-da-dúvida funda­mentados em concepções éticas biocêntri­cas e ecocêntricas cuja ausência de exigências legais deve ser irrelevante diante da ineren­te associação das atitudes de precaução e cuidado em relação aos invertebrados com a responsabilidade científica e social dos pesqui­sadores. Uma ciência de excelência se faz por meio de uma pesquisa íntegra, logo o pesqui­sador deve se ater ao rigor na elaboração, execução e divulgação da sua pesquisa. A escolha do modelo animal e a sua consequen­te obtenção, manipulação e experimentação deve ser realizada consistentemente e cons­cientemente de forma a prover condições para que atinja elevados graus de BEA e que todas as intervenções e condições experimentais sejam integralmente informadas, contribuin­do igualmente para avanços na área de BEA de invertebrados. Consequentemente, a pesqui­sa de qualidade retroalimentará a relação de confiança entre Sociedade e Ciência.

O pesquisador, caso não seja instrumen­talizado para assumir integralmente sua responsabilidade científica e social, pode­rá ser inserido em uma condição de vulne­rabilidade diante de um sistema acadêmico, meritocrático e competitivo que o valoriza e o categoriza pela quantidade de publicações. A Bioética tem o papel de intermediar o diálogo entre os atores envolvidos em uma questão ética e intervir na busca de solução consensual e justa para todos. Assim, a partir do conhecimento dos argumentos de pesqui­sadores, editores, patrocinadores e socieda­de balizados por valores comuns de prover uma ciência consistente, apoiada nos prin­cípios éticos da responsabilidade, honestida­de e imparcialidade, a Bioética deve prover instrumentos técnicos e legais para condução de uma pesquisa técnica e eticamente ínte­gra, por meio de processos educativos promo­ vidos pelas instituições de ensino e CEUAs. O pesquisador diante desses instrumentos formativos, consultivos, normativos e buro­cráticos deve se comprometer em se capaci­tar e cumprir com integridade as etapas de uma pesquisa científica e assumir sua repon­sabilidade social quanto à qualidade e fideli­dade dos dados, assim como a responsabilida­de ética quanto a não geração de sofrimento e vulnerabilidades.

Agradecimentos

A estagiária graduanda do Curso de Ciências Biológicas Bianca Cardoso da Silveira Carval­ho pela ajuda na coleta de dados.

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Autor notes

* Bióloga, Mestre e Doutora em Zoologia. Programa de Pós-Graduação em Bioética. Docente da Escola Ciências da Vida. Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: marta.fischer@ pucpr.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1885-0535
** Licenciada em Ciências Biológicas e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Bioética da PUCPR. E-mail: juliana.zacarkin@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8577-6603
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