Artigos
ANÁLISE DAS COMPRAS PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS NA SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
ANALYSIS OF SUSTAINABLE PUBLIC PROCUREMENT OF THE ENVIRONMENT SECRETARIAT OF SÃO PAULO STATE
ANÁLISE DAS COMPRAS PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS NA SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO
Gestão e Regionalidade, vol. 34, núm. 100, pp. 22-37, 2018
Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS
Recepção: 04 Dezembro 2015
Aprovação: 24 Outubro 2017
RESUMO: Este trabalho possui o objetivo de analisar a implantação e a operação das compras públicas sustentáveis na Secretaria do Meio Ambiente (SMA) do estado de São Paulo. Nas licitações sustentáveis se incluem critérios socioambientais nos editais. Foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva com uma abordagem qualitativa das compras públicas sustentáveis na SMA. Foram analisados documentos, registros de arquivos e entrevistas. O estado de São Paulo é um dos mais organizados em termos de licitações sustentáveis, e a SMA concentra informações tanto em termos estaduais quanto em termos da própria secretaria. No estado de São Paulo, considera-se licitação sustentável o produto ou o serviço que possua o selo Socioambiental e/ou edital que inclua critérios socioambientais. A análise evidenciou os esforços da SMA em realizar compras públicas sustentáveis, no entanto foram identificados alguns problemas quanto a sua efetiva contribuição socioambiental. Destaca-se que não existe uma classificação das licitações sustentáveis (considera-se a inclusão de qualquer critério sustentável) e que não há uma profissionalização (ausência de padronização e de pesquisas).
Palavras chave: Licitações sustentáveis, implantação, operação.
ABSTRACT: The goal is to analyze the implementation and operation of sustainable public procurement in the Secretariat of Environment of São Paulo (SMA). In sustainable procurement include environmental criteria in tenders. An exploratory and descriptive research with a qualitative approach to sustainable procurement in the SMA was held. Documents were analyzed, file records and interviews. The state of São Paulo is one of the most organized in terms of sustainable procurement and the SMA together information both in state terms and in terms of their own office. In the state of São Paulo is considered sustainable procurement product or service that has the Environmental Seal and / or edict that includes social and environmental criteria. The analysis showed SMA’s efforts to realize sustainable public procurement, however identified some problems regarding its real environmental contribution. It should be noted that there is no classification of sustainable bids (it is considered to include any sustainable criteria) and that there is no professionalization (lack of standardization and research).
Keywords: Sustainable procurement, implementation, operation.
1. INTRODUÇÃO
O governo pode exercer o papel de importante promotor do desenvolvimento sustentável, e um exemplo prático do potencial de influência dos governos são as compras públicas sustentáveis. A licitação sustentável trata-se de um mecanismo cujo objetivo consiste em promover o desenvolvimento sustentável por meio das compras governamentais com a inserção de critérios, no edital licitatório, que consideram aspectos socioambientais. O poder público, seja na esfera federal, estadual ou municipal, adquire uma grande variedade de produtos, serviços e obras. As compras governamentais incorporaram fatores que vão além do menor preço, assim, tem sido comum a determinação de requisitos específicos que incluem critérios sustentáveis nas licitações (BIM, 2011; BRAMMER; WALKER, 2011; ICLEI, 2008).
A Administração Pública pode promover a responsabilidade socioambiental em suas aquisições (FERREIRA, 2012). Dessa forma, as licitações de produtos e serviços sustentáveis podem ser relevantes para a conservação do meio ambiente e para uma melhor relação custo/benefício, considerando o médio ou longo prazo, se comparado com licitações que apenas se valem do critério de menor preço (ABREU; FEITOSA; MOTTA, 2012). Não existem dados que precisem os gastos do Estado com compras sustentáveis. Estima-se que esse valor esteja na casa de 15% do PIB, em média (ABREU; FEITOSA; MOTTA, 2012; BIM, 2011). Entretanto, uma análise mais aprofundada desses dados evidencia que é expressivo o poder de compra do Estado (VALENTE, 2011). O governo, como consumidor de grande escala, pode incentivar a inovação, estimular a competição na indústria, de forma a garantir aos produtores retornos pelo melhor desempenho socioambiental de seus produtos, por meio de incentivos ou da demanda do mercado (BRASIL, 2010b).
Cabe destacar que, apesar de haver legislações específicas, a prática das compras públicas sustentáveis ainda não é uma realidade em todos os órgãos públicos. Por ser uma prática nova, falta ainda capacitação e suporte para os servidores e existem muitas dúvidas para a sua efetivação. As compras públicas sustentáveis podem ser uma forma de o governo auxiliar na solução de problemas ambientais, pois expande a demanda por produtos/serviços que consideram critérios socioambientais e dá exemplo para as outras organizações (WILLARD, 2008).
Bim (2011) salienta que o adjetivo “sustentável” engloba o tripé: ambiental, social e econômico, e suscita a dúvida se, na prática, as compras públicas podem realmente ser sustentáveis. Talvez, por isso, são tidos como sinônimos os termos: “licitações sustentáveis”, “compras públicas sustentáveis”, “ecoaquisições”, “compras ambientalmente amigáveis” e “licitação positiva” (BRASIL, 2010b; FERREIRA, 2012).
Neste trabalho, são utilizados os termos licitações sustentáveis e compras públicas sustentáveis e tem o objetivo de analisar a implantação e a operação das compras públicas sustentáveis na Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo.
2. REVISÃO DE LITERATURA: COMPRAS PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS
Entre as discussões sobre a evolução dos contratos públicos, o papel das compras governamentais, como um estímulo para o desenvolvimento sustentável, tem sido um tema de especial interesse nos últimos anos (McCRUDDEN, 2004; WEISS; THURBON, 2006). Nesse sentido, licitação sustentável é uma maneira de utilização racional dos recursos naturais, de eficiência e economicidade no uso de tais recursos, que contribui para o meio ambiente. Emerge da consciência do Estado como um grande consumidor, que deve preservar o meio ambiente, por meio de um consumo sustentável (BIM, 2011).
A compra pública sustentável pode ser entendida como um processo em que as organizações, em suas licitações e contratações, valorizam os custos efetivos nas condições de longo prazo, considerando as consequências ambientais, sociais e econômicas em relação a: elaboração de projeto; utilização de materiais renováveis; métodos de produção; logística e distribuição; uso, operação, manutenção, reuso; opções de reciclagem e comprometimento dos fornecedores ao longo de toda a cadeia produtiva. Esses itens fundamentam-se no conceito estabelecido no Procuring the Future, elaborado em junho de 2006 pela Força-Tarefa Britânica para Licitações Sustentáveis (UNITED KINGDOM, 2006).
Países desenvolvidos e regiões em desenvolvimento têm usado as compras públicas para exercer objetivos sociais. Nesse sentido, em meados dos anos 1990, vários governos começaram a tomar medidas para adoção das políticas de compras que contribuem para a obtenção de resultados ambientais. A partir de 2002, alguns países colocaram em prática (ou iniciaram) o desenvolvimento de orientações para compras públicas sustentáveis, destacam-se: Argentina, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, Japão, México, República da Coreia e União Europeia (UN, 2008). As iniciativas de compras públicas sustentáveis no mundo são recentes. Os governos nacionais, nas definições das suas políticas de compras públicas sustentáveis, estratégias e planos de ação, criam suas próprias definições e abordagens. Os temas e princípios muitas vezes aparentados incluem (UNEP, 2013):
atingir outras metas para as boas práticas de aquisição, incluindo custo-benefício, transparência, equidade, não discriminação, concorrência, comprovação e prestação de contas;
equilibrar fatores econômicos, ambientais e sociais na tomada de decisões de adjudicação de contratos;
geração de benefícios para a sociedade e/ou redução de resultados sociais negativos;
geração de benefícios para o meio ambiente e/ou redução dos impactos ambientais;
consideração dos impactos de um produto ou serviço que está sendo comprado em relação ao seu ciclo de vida completo;
busca por eficiência de recursos e poupança financeira;
contribuição para a otimização de custos, incluindo o incentivo de custeio do ciclo de vida ou métodos de custeio de longa vida;
melhorar a qualidade dos produtos e serviços disponíveis no mercado;
demonstrar liderança e, ao fazê-la, gerar novas oportunidades de mercado para mais empresas verdes, produtos e serviços.
A extensão e a natureza das práticas de implementação das compras públicas sustentáveis variam significativamente entre os países. A Unep (2009b) fez um levantamento com as partes interessadas para nomear os países que consideram estar em estágio avançado e os inovadores em compras públicas sustentáveis. O Brasil ficou em décimo quinto, em termos de líder, em compras públicas sustentáveis e em segundo como inovador em ações que envolvem as licitações sustentáveis. No Brasil, foi iniciada em 1999 a Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, que estimula os gestores públicos à incorporação de princípios e critérios ambientais em suas atividades (VALENTE, 2011).
O ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (fundado originalmente como ICLEI – International Council for Local Environmental Initiatives, Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais) – é uma associação internacional democrática de organizações governamentais nacionais e regionais que assumiu o compromisso com o desenvolvimento sustentável (ICLEI, 2005, 2010). Convém esclarecer que as licitações sustentáveis objetivam a introdução de critérios de ordem socioambiental nos procedimentos de compras governamentais, com políticas voltadas para a mudança no comportamento de consumo, visando à sustentabilidade do desenvolvimento, além da manutenção do equilíbrio ecológico (COMPRAS PÚBLICAS..., 2008b).
As compras públicas sustentáveis são ferramentas que permitem aos governos alavancar os gastos públicos, a fim de promover políticas sociais, ambientais e econômicos do país, além de contribuir para a criação de mercados para tecnologias apropriadas e soluções inovadoras (UNEP, 2009a). Em outras palavras, as compras sustentáveis são aquelas em que se tomam atitudes para que o uso dos recursos materiais seja o mais eficiente possível. Para isso, é preciso integrar os aspectos socioambientais em todos os estágios do processo de compra. Os produtos sustentáveis são relacionados a (BRASIL, 2013):
utilização de menos recursos naturais;
composição com menos materiais perigosos ou tóxicos;
vida útil estendida;
menor consumo de água ou energia em sua produção ou uso;
alternativa de ser reutilizado ou reciclado;
geração de menos resíduos (por exemplo: ser feito de material reciclado, usar menos material na embalagem ou ser reciclado pelo fornecedor).
O Ministério do Meio Ambiente tem um viés ambiental sobre as licitações sustentáveis. Entretanto, Araújo e Souza (2012) complementam acrescentando questões sociais, tais como a não utilização de mão de obra escrava e de trabalho infantil em seus fornecedores; e a UNEP (2009b) inclui justiça social, equidade, segurança, direitos humanos e condições de trabalho. É interessante acrescentar que a compra pública sustentável se refere à integração de critérios ambientais, sociais e econômicos nos estágios do processo licitatório. Assim, uma compra é tida como sustentável quando o comprador considera a necessidade real de se efetuar a compra, as circunstâncias em que o produto/serviço/obra foi gerado, os materiais utilizados e as condições de trabalho de quem os gerou e, ainda, uma avaliação de como o produto se comportará em sua vida útil e em sua disposição final (ICLEI, 2008). Para a UNEP (2009b), as compras públicas sustentáveis caracterizam-se como um processo em que as organizações públicas atendem suas necessidades de bens, serviços, obras e serviços de uma forma que alcance valor em termos de geração de benefícios para a organização, sociedade e economia, ao mesmo tempo que minimiza os danos ao meio ambiente. Para isso, vinculam-se:
fatores econômico-financeiros que incluem os custos dos produtos e serviços ao longo do seu ciclo de vida (aquisição, manutenção, operações e custos de gerenciamento de fim de vida, incluindo a destinação final);
fatores sociais que incluem justiça social, equidade, segurança, direitos humanos e condições de trabalho;
fatores ambientais que incluem as emissões gasosas, efluentes líquidos, geração de resíduos sólidos, alterações climáticas, biodiversidade e uso de recursos naturais.
Nesse mesmo enfoque, Meneguzzi (2011) expõe que licitações sustentáveis consideram a sustentabilidade socioambiental dos produtos e os processos a eles relativos. Ou seja, uma compra pública sustentável integra critérios ambientais, sociais e econômicos em todos os estágios do procedimento licitatório. Os parâmetros das licitações sustentáveis são variados, podendo envolver (BIM, 2011):
Especificações técnicas do produto: que variam conforme os materiais utilizados, realçando-se, além das especificações do produto/serviço, a exigência de licenças, certificações ou cadastros legalmente exigíveis.
Especificações de desempenho: estão relacionadas à cobrança de resultados ambientais; assim, os licitantes são livres quanto aos meios, podendo gerar maior economia ou eficiência de determinado processo ou na escolha de um bem que seja mais sustentável.
Especificações de método de produção ou prestação: ocorre quando o poder público impõe determinados modos ambientalmente defensáveis de produção/prestação.
Projetos sustentáveis: esse critério mescla as descrições anteriores, estando relacionado principalmente com a contratação de obras e serviços de engenharia que visem à sustentabilidade.
O Quadro 1 sintetiza as principais teorias discutidas sobre as licitações sustentáveis:
| Definições e características de licitações sustentáveis: | – Necessidade real de se efetuar a compra (BRASIL, 2013; ICLEI, 2008); |
| – Identificação e priorização de produtos mais sustentáveis (BRASIL, 2013); | |
| – Inserção de critérios socioambientais (BIM, 2011; BRASIL, 2013; COMPRAS PÚBLICAS..., 2008b; ICLEI, 2008; UNEP, 2009b); | |
| – Valorização de custos considerando as consequências ambientais, sociais e econômicas (UNITED KINGDOM, 2006). | |
| Especificações técnicas do produto: | – Uso, operação, manutenção, reuso (UNITED KINGDOM, 2006); |
| – Composição com menos materiais perigosos ou tóxicos (BRASIL, 2013); | |
| – Geração de menos resíduos (Ibidem); | |
| – Vida útil estendida (Ibidem). | |
| Especificações de desempenho: | – Avaliação da vida útil do produto (ICLEI, 2008); |
| – Alternativa de ser reutilizado/reciclado (BRASIL, 2013); | |
| – Logística e distribuição (UNITED KINGDOM, 2006); | |
| – Opções de reciclagem (Ibidem); | |
| – Disposição final (ICLEI, 2008; UNEP, 2009a). | |
| Especificações de método de produção ou prestação: | – Condições de trabalho dos produtores (ICLEI, 2008; UNEP 2009b); |
| – Materiais renováveis (UNITED KINGDOM, 2006); | |
| – Utilização racional dos recursos naturais (BRASIL, 2013; BIM, 2011; ICLEI, 2008); | |
| – Eficiência e economicidade no uso dos recursos (BIM, 2011); | |
| – Menor consumo de água ou energia em sua produção/uso (BRASIL, 2013). |
O Quadro 1 retoma a teoria discutida de forma sintética. Existem críticas quanto às compras públicas sustentáveis com o pretexto de que produtos sustentáveis são mais caros. Entretanto, Meneguzzi (2011) afirmou que, mesmo ocorrendo um possível acréscimo nos preços devido às especificações sustentáveis, haverá, ao longo do tempo, uma vantagem econômica no decorrer da vida útil do produto, como exemplo cita as lâmpadas fluorescentes. A seção seguinte abordará a metodologia empregada neste trabalho.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo se desenvolveu considerando dois tipos de pesquisa: exploratória e descritiva. Sobre a utilização de dois tipos de pesquisa, ressalta-se que, na estratégia do estudo de caso, a ferramenta exploratória pode ser combinada com a descritiva (YIN, 2010). Neste estudo, utilizou-se da abordagem qualitativa. Conforme Collis e Hussey (2005), os dados qualitativos examinam e refletem as percepções para obter um entendimento de atividades sociais e humanas. Assim, a abordagem qualitativa é uma opção do pesquisador e se justifica por ser uma maneira de entender a natureza de determinado fenômeno social.
Como estratégia de pesquisa, optou-se pelo estudo de caso que, segundo Eisenhardt (1989), é uma estratégia que busca compreender a dinâmica presente em cada cenário e que, geralmente, combina métodos de coleta de dados e pode ser utilizado para conseguir uma descrição. Godoy (2010) comentou sobre o estudo de caso qualitativo ressaltando que seu uso denota um maior interesse do pesquisador em compreender os processos sociais, que ocorrem em determinado contexto, as relações estabelecidas entre as variáveis.
A implantação das compras públicas sustentáveis é voluntária para os órgãos públicos e é um eixo temático da Agenda Ambiental da Administração Pública – A3P (BRASIL, 2017). No Brasil, há destaque para ações em Mato Grosso, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal e, principalmente, São Paulo. Assim, o caso selecionado é o das compras públicas sustentáveis realizadas pela Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo (SMA). A escolha deste caso se deu em função de ser o estado mais avançado no processo de implementação, bem como amparado em termos de legislações (BRASIL, 2012). A SMA concentra informações tanto em termos estaduais quanto da própria secretaria. Outro critério importante dessa escolha foi o acesso e disponibilidade dos gestores para coleta de dados a partir de entrevistas e fornecimento de documentos.
Estudos qualitativos podem ser organizados com a definição de categorias de análise. Neste estudo, utilizam-se de categorias a priori, que são deduzidas da teoria e que fundamentam a pesquisa, como caixas em que as unidades de análise serão colocadas (BARDIN, 1977). As categorias de análise são: (i) Implantação das licitações sustentáveis; (ii) Procedimentos das compras públicas sustentáveis e (iii) Critérios sustentáveis. Uma vez definidas as categorias de análise, esquematizou-se o plano de coleta de dados definindo as etapas da pesquisa, as fontes de evidência e os informantes. Foram utilizadas três fontes de evidência: documentação, registro em arquivo e entrevistas (YIN, 2010). As entrevistas foram realizadas pelos informantes da pesquisa e, para cada etapa, foi desenvolvido um roteiro de entrevista.
Na primeira etapa, os registros de arquivos analisados foram o Decreto Estadual n. 53.336/2008 (SÃO PAULO, 2008) e o Decreto Estadual n. 50.170/2005 (Idem, 2005). A outra fonte de evidência foi a entrevista semiestruturada com a diretora do Centro de Políticas Públicas do estado de São Paulo (entrevistada SMA). A segunda etapa tratou da operação das licitações sustentáveis na SMA. Os documentos e arquivos de registro dessa etapa foram os editais e as atas indicados. Além disso, foram realizadas entrevistas com os envolvidos com as compras públicas sustentáveis. Os entrevistados foram: o diretor do Departamento de Suprimentos e Apoio à Gestão de Contratos –DSAGC (entrevistado SMAd) e a responsável pelo Centro de Programação e Controle de Estoques (entrevistada SMAr). As respostas, quando utilizadas nos resultados, estão identificadas com os respectivos locutores.
Sobre a análise de caso, Eisenhardt (1989) apontou ser comum a elaboração de relatórios detalhados do estudo de caso que, frequentemente, são puras descrições, porém fundamentais para o desenvolvimento da ideia. A autora salienta que é interessante a prática de comparar conceitos, teorias ou hipóteses emergentes com literaturas existentes que deve englobar perguntas, como “o que é semelhante?”, “o que contradiz?” e “por que razão?”. Os dados brutos coletados no campo foram revistos e corrigidos, permitindo a inclusão de anotações reflexivas. No processo de coleta e análise dos dados, houve uma multiplicidade de dados, informações e conteúdos.
Neste trabalho foi utilizada a análise de conteúdo, que, para Minayo (2001), é uma forma de análise de informações sobre o comportamento humano, e o protocolo sugerido por essa autora. Na primeira etapa, o pesquisador realizou a pré-análise com organização do material coletado de forma a escolher os documentos (revisão da literatura, legislações e licitações) e dados da entrevista a serem utilizados, bem como estabeleceu o recorte que seria analisado em relação a compras públicas sustentáveis. Na segunda etapa, foi feita a exploração do material na qual foram criadas as categorias de análise. Por fim, na terceira etapa, os dados foram organizados, analisados, interpretados, realizando-se inferências sobre a relação entre compras públicas sustentáveis e indução do estado para o desenvolvimento sustentável.
4. RESULTADOS E ANÁLISE
Neste tópico são apresentados os resultados e a análise dos dados, sendo consideradas as diversas fontes de coleta citadas nos procedimentos metodológicos.
4.1. Considerações sobre as compras públicas sustentáveis no estado de São Paulo
O estado de São Paulo possui iniciativas de ordem normativa no sentido de incorporar preceitos de caráter ambiental em suas licitações. O Decreto Estadual 50.170/2005 institui, na Administração Estadual, o selo Socioambiental, que é fornecido aos produtos que adotem, pelo menos, um dos seguintes critérios:
fomento a políticas sociais;
valorização da transparência da gestão;
economia no consumo de água e energia;
minimização na geração de resíduos;
racionalização do uso de matérias-primas;
redução de emissão de poluentes;
adoção de tecnologias menos agressivas ao meio ambiente;
utilização de produtos de baixa toxicidade.
Silva e Barki (2012) afirmaram que os critérios adotados por selos oficiais, tais como, o selo Socioambiental do estado de São Paulo, são base para determinar o que é um produto sustentável. Sobre a operação, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente é quem analisa e valida o item com base nos critérios socioambientais. A entrevistada SMA aponta que o “trabalho de classificação e de revisão é contínuo”; o selo pode ser dado a produtos que se enquadrarem, ao menos, em um dos critérios listados e, ainda, alguns itens podem perder o selo mediante nova análise. Após aprovação, a Secretaria da Fazenda disponibiliza o selo no item, inserindo-o no Catálogo de Materiais (CadMat), que pode ser consultado no endereço eletrônico da Bolsa Eletrônica de Compras do Estado de São Paulo – BEC/SP (SÃO PAULO, 2012a).
Foram desenvolvidos os Estudos Técnicos de Serviços Terceirizados (CadTErc) com o objetivo de divulgar as diretrizes para contratações de fornecedores de serviços terceirizados visando à padronização de especificações técnicas e preços referenciais dos serviços mais comuns e que representam os maiores gastos do estado. O CadTerc deve ser utilizado pelos órgãos da Administração Pública Estadual e traz especificações socioambientais para a contratação de serviços (SÃO PAULO, 2012b).
É interessante destacar que o Decreto Estadual n. 53.336/2008 tem como objetivo a implantação, promoção e articulação de ações que insiram os critérios socioambientais nas contratações públicas do estado de São Paulo. Nesse sentido, são considerados os mesmos critérios listados no selo Socioambiental; entendendo-se, entretanto, que esse decreto dá liberdade aos órgãos públicos para listarem critérios socioambientais que vão além dos traçados no CadMat ou no CadTerc. Para a sua operação, cada órgão ou entidade nomeou no mínimo duas pessoas para compor a Comissão Interna de Contratações Públicas Sustentáveis.
As licitações sustentáveis no estado de São Paulo especificam os critérios socioambientais na fase da preparação e alguns são verificados na fase da habilitação e, os demais, na execução. Na fase de preparação, realiza-se a descrição do produto/serviço com especificações sustentáveis, podendo utilizar como base o produto cadastrado no CadMat com o selo Sustentável ou as especificações socioambientais do CadTerc. Além disso, também podem ser incluídas exigências quanto às condutas socioambientais dos fornecedores. Na fase da habilitação, exigem-se as comprovações ou declarações, e, na fase de execução, supervisiona-se a entrega do bem/serviço (Figura 1).

As compras públicas sustentáveis do estado de São Paulo não são centralizadas; sendo assim, cada órgão é responsável por todas as etapas de compra para a aquisição de bens, serviços e obras que demanda. A seguir, apresentam-se como são os procedimentos e como estão organizadas as compras públicas sustentáveis na Secretaria do Meio Ambiente, paralelamente, analisam-se os editais referenciais indicados pelo órgão. Em uma análise preliminar dos editais licitatórios indicados, foram encontrados os mesmos documentos quanto à habilitação dos fornecedores, denominados aqui de documentos-padrão. A documentação-padrão envolve documentos referentes a habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhista, qualificação econômico-financeira e outras comprovações (declarações que inexistem impedimento legal). Na documentação-padrão, ressaltam-se alguns aspectos sociais e éticos, tais como a formalização da organização, o pagamento de impostos (INSS, FGTS e tributos da União), atendimento às normas de saúde e segurança do trabalho e dos direitos do trabalhador. Todos esses aspectos são considerados de ordem normativa.
4.2. Secretaria do Meio Ambiente (SMA)
A SMA foi criada a partir do Decreto Estadual n. 24.932/1986 (SÃO PAULO, 1986) com o objetivo principal de promover a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental, além de coordenar e integrar atividades ligadas à defesa do meio ambiente.
4.2.1. Implantação das licitações sustentáveis
Os entrevistados afirmaram que a implantação das compras públicas sustentáveis, na SMA, deu-se a partir de 2007, com a criação de um grupo de compras públicas sustentáveis, criado por meio de um Decreto. No caso, o Decreto n. 53.336/2008 (Idem, 2008), que instituiu o Programa Estadual de Contratações Públicas Sustentáveis e estabeleceu a nomeação, em cada órgão ou entidade, uma Comissão Interna de Contratações Públicas Sustentáveis (COMPRAS PÚBLICAS..., 2008a). A entrevistada SMAr faz parte desse grupo desde a criação deste como membro e, atualmente, como presidente. De início, o grupo começou a pensar como seriam estruturadas as licitações sustentáveis, promovendo a participação em palestras e cursos fomentados principalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo ICLEI.
A secretaria passou a intensificar a compra de produtos que possuíam o selo Socioambiental e a realizar ações em prol da prática sustentável nas compras públicas. Na fala do diretor, a SMA passou a
pensar em utilizar, principalmente […], os itens que constam no cadastro de produtos do Sistema BEC com o selo Socioambiental. A grande vantagem da administração do estado de São Paulo […] é facilitar para quem está fazendo a compra saber que teve alguém que fez uma pré-análise deste produto e este produto tem o selo Socioambiental. (Entrevistado SMAd)
O entrevistado SMAd busca promover a capacitação continuada de sua equipe com temas que envolvem contratos e licitações, fazendo com que, no mínimo, uma pessoa participe, a cada ano, de alguma capacitação com recursos da secretaria. Entre as capacitações, que são variadas, inclusive algumas gratuitas como a participação em assembleias promovidas pela prefeitura, aborda-se a temática de compras públicas sustentáveis.
4.2.2. Procedimentos das compras públicas sustentáveis
Os procedimentos das compras públicas sustentáveis na SMA, de acordo com os entrevistados, são centralizados, ou seja, ocorrem por meio do Departamento de Suprimentos e Apoio à Gestão de Contratos (DSAGC). Os institutos e entidades têm autonomia para realizar as suas próprias compras; entretanto, utilizam as atas de registros de preços realizadas pelo departamento. Assim, segundo o entrevistado SMAd, os compradores podem até não perceber, mas estão adquirindo produtos com especificações sustentáveis. Em 2014, o departamento movimentou cerca de seis milhões em contratos por mês.
O entrevistado apontou que a SMA
coloca cláusulas e condições que são ambientalmente corretas e eles [institutos e entidades] vão por ‘tabela’, quando eles estão contratando nem percebem isto e acabam fazendo compras corretas […]. Assim, a gente garante um dos princípios do registro de preços que é a padronização das compras. (Entrevistado SMAd)
Para os entrevistados SMAd e SMAr, as compras públicas ocorrem em duas fases: a interna e a externa. Há diferenças entre as compras públicas e as compras públicas sustentáveis na fase interna, pois essa fase envolve os processos antes da publicação do edital de licitação, em que são realizadas as pesquisas de mercado, a determinação de um preço referencial e estudos para não restringir fornecedores a apenas um.
A fase externa, que se inicia com a publicação do edital, não apresenta diferenças. Tanto as compras públicas comuns quanto as compras públicas sustentáveis seguem os mesmos procedimentos. Ainda sobre os procedimentos, o entrevistado apontou que
o processo licitatório na administração pública amadureceu, todo mundo faz uma boa licitação […]. Você tem um pregão que dificulta superfaturamento e que consegue preços compatíveis. Mas se, por outro lado, com o preço bom, você recebe um produto que não licitou, então o preço é ruim, é péssimo, porque ele entregou um produto diverso do que você pediu. (Entrevistado SMAd)
4.2.3. Critérios sustentáveis
A SMA utiliza uma grande variedade de critérios socioambientais de acordo com os produtos, serviços ou obras. Bim (2011) registra que se introduzem critérios de ordem socioambiental nos procedimentos de compras objetivando a sustentabilidade nas licitações. Os entrevistados SMAd e SMAr afirmam que a maioria dos critérios sustentáveis está embutida nos produtos e serviços que possuem o selo Socioambiental. Ainda assim, a SMA pode incluir mais especificações do produto/serviço e quesitos quanto à habilitação do fornecedor.
Em relação aos serviços terceirizados, os entrevistados citaram o CadTerc. Os valores referenciais são revistos periodicamente e todos os estudos possuem o selo Socioambiental. Os entrevistados destacaram que os estudos levantam até a questão do descarte dos materiais utilizados na prestação do serviço. Segundo eles, existem ainda critérios socioambientais delimitados pela legislação, citando como exemplo o Programa Paulista de Biocombustíveis instituído pelo Decreto Estadual n. 59.038/2013 (SÃO PAULO, 2013a) que trata da compra de veículos movidos a álcool. A legislação define também alguns critérios que habilitam o fornecedor, como o cumprimento das leis que tratam, por exemplo, da não utilização de trabalho infantil e do trabalho escravo.
Ainda sobre critérios socioambientais, o entrevistado explicou que
existe uma resolução conjunta entre a Secretaria do Meio Ambiente e a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos […] que diz que nós temos que, obrigatoriamente, comprar ou dar preferência a produtos que tenham o selo em detrimento aos que não têm, e se não foi utilizada deve ser justificada. (Entrevistado SMAd)
No caso, trata-se da Resolução Conjunta SMA/SSRH n. 2 (2012), que dispõe sobre procedimentos relacionados às Contratações Públicas Sustentáveis (SÃO PAULO, 2013b).
Sobre a habilitação do fornecedor, os entrevistados expuseram que a SMA não exige certificados fornecidos por órgãos particulares e acreditam que isso seja vedado pelo Tribunal de Contas. Entretanto, é comum a exigência de selos e certificados do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT NBR), que são órgãos públicos credenciadores. O Inmetro oferece certificados voluntários e compulsórios, mas os órgãos públicos só podem exigir os obrigatórios.
Os entrevistados indicaram dois editais que consideram como referências nas compras públicas sustentáveis: um edital sobre o serviço de locação de máquinas de bebidas quentes e outro sobre o registro de preços de pneus, descritos a seguir.
4.2.4. Edital SMA1
Para fins de identificação de critérios socioambientais, dois editais foram analisados. O primeiro foi o edital de pregão eletrônico 05/2014/GS, processo 6.890/2014, oferta de compra 260101000012014OC00008, identificado ao longo do texto como Edital SMA1. Ressalta-se que a licitação foi realizada por intermédio do BEC/SP, do tipo pregão eletrônico de menor preço, objetivando a prestação de serviços de fornecimento automático de bebidas quentes, estimado em 17.600 doses/mês, com os equipamentos, materiais e insumos necessários à sua execução para a Secretaria do Meio Ambiente.
A máquina de autosserviço possibilita a preparação das seguintes bebidas quentes (café expresso curto, café expresso longo, café com leite, leite, chocolate, cappuccino, cappuccino com chocolate ou mocaccino e chá). Seu contrato é de 15 meses, sendo que a contratante pode alterar os insumos cuja marca, qualidade ou paladar não seja satisfatório. Cabe à contratada a realização de serviços de manutenção preventiva e corretiva das máquinas. Sobre a habilitação, além da documentação-padrão, o edital exige também um atestado que o licitante executou ou está executando a contento, serviços de natureza similar ao da licitação.
Nessa licitação, foram realizadas quatro propostas, das quais foram classificadas três. Depois da fase de negociação e verificação da documentação, quanto à habilitação, chegou-se ao vencedor. Assim, em relação à prestação de serviços de fornecimento automático de bebidas quentes, estimado em 17.600 doses/mês, com os equipamentos, materiais e insumos necessários à sua execução, a empresa JP Smart Vending Operadora de Máquinas Automáticas (06.281.829/0001-96) foi vencedora, com o valor mínimo de R$ 11.968,00 (R$ 0,68 por dose).
4.2.5. Edital SMA2
O segundo edital analisado foi o registro de preços para futuras aquisições de pneus para a Secretaria do Meio Ambiente e órgãos participantes. O edital de pregão eletrônico 05/2013/DSAGC/RP, processo 2833/2013 e oferta de compra: 260122000012013oc00025 (Edital SMA2), sendo a licitação realizada por meio do BEC/SP.
Os objetos constantes no Edital SMA2 são pneus relacionados na Tabela 2 (apresentada mais adiante com os dados de menor valor e os respectivos vencedores). Quanto à habilitação, além da documentação-padrão, o edital determina que seja entregue uma declaração que a empresa atende à Lei Federal n. 12.305/2010 (BRASIL, 2010a) e à Lei Estadual n. 12.300/2006 (SÃO PAULO, 2006), e que está de acordo com Termo de Compromisso firmado junto com a Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo ou de acordo com plano de logística reversa de pneus.
O artigo 33 da Lei n. 12.305/2010 (BRASIL, 2010a) exige a estruturação e a implementação de um sistema de logística reversa, com o retorno dos produtos após o uso pelo consumidor de alguns produtos, entre eles, pneus. A Lei Estadual n. 12.300/2006 (SÃO PAULO, 2006) institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos, que considera que a indústria de materiais de transporte deve desenvolver um plano de gerenciamento prevendo a destinação dos resíduos gerados. Anexo ao edital, encontra-se o Termo de Compromisso para Responsabilidade Pós-Consumo de Pneus Inservíveis que trata do compromisso da SMA, da Cetesb e da Reciclanip quanto a destinação/tratamento de pneus. Na especificação dos objetos do edital licitatório, na descrição dos pneus, não foram apresentados critérios socioambientais, por se tratarem de pneus, sendo a logística reversa o principal critério socioambiental do edital.
Nessa licitação, participaram nove empresas. Para cada item, foram entregues propostas de menor valor, variando de quatro a nove propostas por item. Apesar das nove empresas participantes, os vencedores se concentrarem em apenas três: Comercial Douglas de Pneumáticos Ltda., Pneulinhares Comércio de Pneus Ltda. e Roda Brasil Comércio de Peças para Veículos Ltda. Os itens 5, 9, 11, 12, 13, 17, 20, 25 e 27 não foram aprovados pelo pregoeiro, pois os preços propostos estavam abaixo do preço referencial (Ata SMA2).
4.3. Compras públicas sustentáveis e ações socioambientais
O órgão público é o responsável pela elaboração do edital e pelo processo licitatório. As compras públicas sustentáveis incluem critérios socioambientais nos editais licitatórios visando reduzir impactos negativos ao meio ambiente e promover ações sociais (BIM, 2011; BRASIL, 2013; COMPRAS PÚBLICAS..., 2008b; ICLEI, 2008; UNEP, 2009b). A primeira etapa da pesquisa envolveu a implantação e a organização das compras públicas sustentáveis no estado de São Paulo. No estado de São Paulo, foi instituído o selo Socioambiental com o Decreto Estadual n. 50.170/2005 (SÃO PAULO, 2005), que pode ser consultado no Sistema BEC pelos órgãos públicos; no CadMat, para produtos e, no CadTerc, para os serviços.
As compras públicas sustentáveis no estado de São Paulo são regidas pelo Decreto Estadual n. 53.336/2008, que instituiu a implantação, promoção e articulação de ações que inserem os critérios socioambientais nas aquisições do estado de São Paulo, considerando os mesmos critérios do selo Socioambiental. No estado de São Paulo, consideram-se compras públicas sustentáveis aquelas em que o órgão público descreve o objeto licitado, pautando-se no CadMat/CadTerc, escolhendo, assim, um produto/serviço com o selo Socioambiental. Outra situação de compra pública sustentável ocorre quando se acrescentam critérios socioambientais em relação ao produto, serviço e/ou fornecedor.
A segunda etapa da pesquisa tratou da operação das licitações sustentáveis na Secretaria do Meio Ambiente. O órgão estudado afirmou adquirir produtos e serviços que tenham o selo Socioambiental e, comumente, incluir critérios sustentáveis em seus editais. Salienta-se que em uma das etapas do processo licitatório (FERNANDES, 2003), na habilitação, os licitantes precisam apresentar uma documentação-padrão, que comprove as informações do licitante e o cumprimento de aspectos normativos, e podem ser exigidos mais documentos comprovatórios. É interessante salientar que a inclusão de critérios socioambientais depende do produto/serviço. Foram indicados dois editais em que se notaram inclusões de critérios socioambientais quanto ao objeto licitado, quanto à habilitação e quanto a especificações da prestação do serviço. A partir das atas de cada edital, foi possível identificar os fornecedores, vencedores da licitação.
A JP Smart Vending Operadora de Máquinas Automáticas, vencedora do Edital SMA 1, teve que se adaptar às exigências do edital, relacionando-se com um novo fornecedor, o de copos de papel, até então, para os entrevistados SMAr e SMAd a contratada tinha apenas fornecedores de copo de plástico. Para os envolvidos com a elaboração do edital, os copos de papel são mais ambientalmente corretos do que os de plástico, entretanto não foi realizado nenhum estudo de ciclo de vida para se chegar a essa decisão, nem mesmo foram encontradas evidências que comprovassem benefícios ambientais com a substituição do material.
É importante ressaltar que os servidores envolvidos com as compras públicas sustentáveis parecem não ter uma formação específica que os fundamentem na escolha de critérios socioambientais adequados. O estado de São Paulo também não oferece suporte para a definição de mais critérios socioambientais para produtos que não estão listados com o selo Socioambiental. A análise deste edital evidencia que as especificações do produto não consideraram efetivamente a análise do ciclo de vida (BRASIL, 2013; ICLEI, 2008) e a geração de menos resíduos (BRASIL, 2013). Dessa forma, as especificações técnicas do produto e de desempenho (BIM, 2011) e as especificações de método de produção ou prestação (BIM, 2011; BRASIL, 2010b; FERREIRA, 2012) foram comprometidas em termos de compras públicas sustentáveis.
O Edital SMA 2 expõe a logística reversa dos pneus inservíveis, assim, as contratadas, o governo (que inclui os usuários) e a Reciclanip assumem tal compromisso. A Reciclanip organiza pontos de coleta e o transporte para a destinação final ou para as empresas que utilizam como combustível alternativo ou na fabricação de solado de sapato, borracha de vedação, duto pluvial, piso para quadra poliesportiva, piso industrial, tapete e manta asfáltica (RECICLANIP, 2007).
A logística reversa é uma importante ação sustentável considerando os impactos que os pneus causam ao meio ambiente e à sociedade, e está de acordo com as especificações de desempenho (BIM, 2011) de licitações sustentáveis, no que diz respeito à logística e distribuição (UNITED KINGDOM, 2006) e disposição final (ICLEI, 2008; UNEP, 2009a). O envolvimento de varejistas, indústrias e governo, com o apoio da Reciclanip, parece demonstrar ações sustentáveis por parte do governo, que é visto como o promotor dessa articulação de vários membros da cadeia de suprimentos, o que evidencia o comprometimento dos fornecedores ao longo de toda a cadeia produtiva (UNITED KINGDOM, 2006).
A SMA insere critérios socioambientais nos editais pensando em suprir a demanda pública e reduzir impactos negativos ao meio ambiente e à sociedade (Ibidem). Uma vez que é vasta a variedade de produtos/serviços demandados, os critérios socioambientais variam conforme o contexto (BIM, 2011; BRASIL, 2013; COMPRAS PÚBLICAS..., 2008b; ICLEI, 2008; UNEP, 2009b). O processo licitatório inclui a elaboração de edital visando atender a uma demanda do governo. No edital são definidos os requisitos contratuais, as cláusulas de qualificação, as condições de compra, as especificações do produto/serviço. Os dois editais da SMA incluíram critérios de acordo com o objeto licitado, no entanto ainda houve equívocos quanto aos critérios sustentáveis. Segundo McCrudden (2004), os contratos públicos podem ser uma alavanca para se cumprir os objetivos governamentais mais amplos, como estimular a inovação no mercado, usando o dinheiro público para apoiar ações ambientais ou sociais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou analisar a implantação e a operação das compras públicas sustentáveis na Secretaria do Meio Ambiente do estado de São Paulo. Para fundamentar esta pesquisa foi realizada uma revisão de literatura sobre compras públicas sustentáveis e também uma pesquisa empírica considerando as licitações sustentáveis no âmbito da Secretaria do Meio Ambiente. Como já mencionado, no estado de São Paulo existe o selo Socioambiental, instituído pelo Decreto Estadual n. 50.170/2005, sendo uma maneira de o governo do estado de São Paulo mostrar para os compradores os produtos e serviços que possuem alguma preocupação socioambiental. Além disso, o Decreto Estadual n. 53.336/2008 instituiu as compras públicas sustentáveis no estado, considerando também a inclusão de critérios socioambientais nos editais licitatórios.
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente (SMA), as licitações sustentáveis foram implantadas no estado de São Paulo a partir do Programa Estadual de Contratações Públicas, em 2007, com a nomeação do Grupo de Compras Públicas Sustentáveis. Para o órgão estudado, as diferenças entre as compras públicas e as compras públicas sustentáveis estão apenas na fase antes da publicação do edital, especialmente relacionadas à elaboração dos requisitos do produto/serviço. A SMA utiliza o Sistema BEC, o CadMat e o CadTerc; além de considerar o selo Socioambiental, é comum a inclusão de critérios nos produtos/serviços e de habilitações do fornecedor em termos sustentáveis.
Percebeu-se que não existe uma classificação das licitações sustentáveis, sendo assim, a compra pública sustentável ocorre quando se insere qualquer critério sustentável no edital. Esse fato simplifica as licitações sustentáveis, considerando como compra pública sustentável a inclusão de qualquer critério socioambiental. Entretanto, o ideal seria ter uma classificação das compras públicas sustentáveis em termos de benefícios para o meio ambiente e para a sociedade, mesmo sendo muito complexo classificar critérios socioambientais, devido à variedade de requisitos que podem ser aplicados aos produtos/serviços demandados.
Percebeu-se que não há uma profissionalização das compras públicas sustentáveis, não existe uma padronização, nem mesmo estudos aprofundados que comprovem a efetiva contribuição socioambiental dessas compras, tais como ciclo de vida dos produtos. Isso faz parecer que os responsáveis pelas compras públicas decidem os critérios sustentáveis de forma intuitiva e que nem sempre contribuem com fatores socioambientais positivos que deveriam, entretanto, notaram-se os esforços em prol da sustentabilidade nas compras públicas que devem ser pautadas.
Para estudos futuros, seria interessante uma análise documental dos editais de compras públicas sustentáveis para o levantamento dos critérios socioambientais adotados. Convém lembrar que este estudo focalizou as compras públicas sustentáveis na SMA, sendo analisados dois editais indicados pelos órgãos públicos. Dadas essas características, os resultados apresentados delimitaram-se a esses contextos, não podendo, portanto, serem generalizados.
REFERÊNCIAS
ABREU, G. V.; FEITOSA, A. R.; MOTTA, L. Experiência da agenda ambiental na administração pública: A3P no Ministério do Meio Ambiente. In: BLIACHERIS, M. W.; FERREIRA, M. A. S. O. (Orgs.). Sustentabilidade na administração pública: valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 155-171.
ARAÚJO, G. C.; SOUZA, M. T. S. Compras de públicas sustentáveis de carne bovina na Prefeitura de São Paulo: um enfoque na Secretaria Municipal de Educação. Revista Gestão Pública: Práticas e Desafios, Recife, v. 3, n. 5, p. 213-235, 2012.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1977.
BIM, E. F. Considerações sobre a juridicidade e os limites da licitação sustentável. In: SANTOS, M. G.; BARKI, T. V. P. (Coords.). Licitações e contratações públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 175-217.
BRAMMER, S.; WALKER, H. Sustainable procurement in the public sector: an international comparative study. International Journal of Operations & Production Management, Bingley, v. 31, n. 4, p. 452-476, 2011.
BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 ago. 2010a. Seção 1, p. 3.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Governos Locais pela Sustentabilidade. Guia de compras públicas sustentáveis para administração federal. Brasília, DF: MP, 2010b. Disponível em: <https://goo.gl/8oZyAv. Acesso em: 3 maio 2011.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Iniciativas Legislativas Estaduais de Licitação Sustentável. Mma.gov, Brasília, DF, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/RYFxPq. Acesso em: 2 jul. 2014.
BRASIL. Licitação Sustentável: compras públicas sustentáveis. Mma.gov, Brasília, DF, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/czNufi. Acesso em: 28 dez. 2012.
BRASIL. A3P: parceiros com Termo de Adesão. Mma.gov, Brasília, DF, 2017. Disponível em: <https://goo.gl/s8vHJY. Acesso em: 28 dez. 2012.
COLLIS, J.; HUSSEY, R. Pesquisa em administração. Tradução Lucia Simonini. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
COMPRAS PÚBLICAS... Ações das Comissões Internas. Compras Sustentáveis, 2008a. Disponível em: <https://goo.gl/dPw6MF. Acesso em: 3 nov. 2014.
COMPRAS PÚBLICAS... Institucional. Compras Sustentáveis. São Paulo, 2008b. Disponível em: <https://goo.gl/JtFdBT. Acesso em: 3 maio 2011.
EISENHARDT, K. M. Building theories from case study research. Academy of Management Review, Briarcliff Manor, v. 14, n. 4, p. 532-550, 1989.
FERNANDES, C. C. C. Transformações na gestão de compras da administração pública brasileira. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, 8., 2003, Ciudad de Panamá. Actas… Caracas: Clad, 2003.
FERREIRA, M. A. S. O. Licitações sustentáveis como instrumento de defesa do meio ambiente: fundamentos jurídicos para a sua efetividade. In: BLIACHERIS, M. W.; FERREIRA, M. A. S. O. (Orgs.). Sustentabilidade na administração pública: valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 83-105.
GODOY, A. S. Estudo de caso qualitativo. In: GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. (Orgs.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégicas e métodos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 115-146.
ICLEI – INTERNATIONAL COUNCIL FOR LOCAL ENVIRONMENTAL INITIATIVES. O Iclei. Iclei.org, São Paulo, 2005. Disponível em: <https://goo.gl/CdkgW4. Acesso em: 11 abr. 2011.
ICLEI – INTERNATIONAL COUNCIL FOR LOCAL ENVIRONMENTAL INITIATIVES. Programa de Compras Públicas Sustentáveis (CPS). Iclei.org, São Paulo, 2008. Disponível em: <https://goo.gl/jFefcZ. Acesso em: 11 abr. 2011.
ICLEI – INTERNATIONAL COUNCIL FOR LOCAL ENVIRONMENTAL INITIATIVES. Iclei: governos locais pela sustentabilidade. Planejamento.gov, Brasília, DF, 2010. Disponível em: <https://goo.gl/bu1xzK. Acesso em: 4 maio 2011.
McCRUDDEN, C. Using public procurement to achieve social outcomes. Natural Resources Forum, Hoboken, v. 28, n. 4, p. 257-267, 2004.
MENEGUZZI, R. M. Conceito de licitação sustentável. In: SANTOS, M. G.; BARKI, T. V. P. (Coords.). Licitações e contratações públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 19-38.
MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
RECICLANIP. Formas de destinação: para onde vão os pneus inservíveis. Reciclanip.org, São Paulo, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/hst1Mz. Acesso em: 10 nov. 2014.
SÃO PAULO (Estado). Decreto Estadual nº 24.932, de 24 de março de 1986. Institui o Sistema Estadual do Meio Ambiente, cria a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 25 mar. 1986. Seção 1, p. 1-2.
SÃO PAULO (Estado). Decreto Estadual nº 50.170, de 4 de novembro de 2005. Institui o Selo Socioambiental no âmbito da Administração Pública estadual e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 5 nov. 2005. Seção 1, p. 1.
SÃO PAULO (Estado). Lei Estadual nº 12.300, de 16 de março de 2006. Institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos e define princípios e diretrizes. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 17 mar. 2006. Seção 1, p. 1-4.
SÃO PAULO (Estado). Decreto Estadual nº 53.336, de 20 de agosto de 2008. Institui o Programa Estadual de Contratações Públicas Sustentáveis e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 21 ago. 2008. Seção 1, p. 1.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Bolsa Eletrônica de Compras. Bec.sp, São Paulo, 2012a. Disponível em: <https://goo.gl/hVu1PY. Acesso em: 12 jan. 2014.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. CadTerc: Estudos Técnicos de Serviços Terceirizados. Bec.sp, São Paulo, 2012b. Disponível em: <https://goo.gl/AyZXup. Acesso em: 3 nov. 2014.
SÃO PAULO (Estado). Decreto Estadual nº 59.038, de 3 de abril de 2013. Institui o Programa Paulista de Biocombustíveis e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 4 abr. 2013a. Seção 1, p. 1.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Programa Estadual de Contratações Públicas Sustentáveis: Relatório 2011/2012. São Paulo: SMA, 2013b. Disponível em: <https://goo.gl/W9KmhK. Acesso em: 2 dez. 2014.
SILVA, R. C.; BARKI, T. V. P. Compras públicas compartilhadas: a prática das licitações sustentáveis. Revista do Serviço Público, Brasília, DF, v. 63, n. 2, p. 157-175, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/qzjA89. Acesso em: 27 nov. 2014.
UN – UNITED NATIONS. Public Procurement as a tool for promoting more Sustainable Consumption and Production patterns. Sustainable Development Innovation Briefs, New York, n. 5, Aug. 2008.
UNEP – UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Sustainable Public Procurement: background. Unep.fr, [S.l.], 2009a. Disponível em: <https://goo.gl/sCsPRw. Acesso em: 2 jan. 2014.
UNEP – UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. What is sustainable public procurement? Unep.fr, [S.l.], 2009b. Disponível em: <https://goo.gl/SkpVKk. Acesso em: 2 jan. 2014.
UNEP – UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Sustainable Public Procurement: a global review. Final report. Paris: Unep, 2013.
UNITED KINGDOM. Department for Environment, Food and Rural Affairs. Procuring the Future. London: Defra, 2006. Disponível em: <https://goo.gl/au7GgY. Acesso em: 20 abr. 2011.
VALENTE, M. A. L. Marco legal das licitações e compras sustentáveis na administração pública. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/4H7aUN. Acesso em: 11 jan. 2013.
WEISS, L.; THURBON, E. The business of buying American: public procurement as trade strategy in the USA. Review of International Political Economy, Abingdon, v. 13, n. 5, p. 701-724, 2006.
WILLARD, B. A liderança do governo na busca da sustentabilidade. eJournal USA, Washington, v. 13, n. 3, p. 33-39, 2008.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução Ana Thorell. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.