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ANÁLISE DO DESENHO E USO DO BALANCED SCORECARD EM UM CENTRO DE SERVIÇOS COMPARTILHADOS

ANALYSIS OF THE DESIGN AND USE OF BALANCED SCORECARD IN A SHARED SERVICES CENTER

Ilse Maria Beuren
Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Guilherme Eduardo de Souza
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Henrique Portulhak
Universidade Federal do Paraná, Brasil

ANÁLISE DO DESENHO E USO DO BALANCED SCORECARD EM UM CENTRO DE SERVIÇOS COMPARTILHADOS

Gestão e Regionalidade, vol. 34, núm. 101, pp. 23-39, 2018

Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS

Recepção: 22 Junho 2016

Aprovação: 16 Novembro 2017

RESUMO: O estudo objetiva analisar o desenho e uso do Balanced Scorecard em um centro de serviços compartilhados (CSC). Um estudo de caso foi realizado em um CSC que utiliza o Balanced Scorecard (BSC) em seu processo de gestão de desempenho. Para a coleta dos dados utilizou-se a plataforma proposta por Ferreira e Otley, a fim de visualizar possíveis adaptações do modelo original do BSC na estrutura de acordo com as peculiaridades de unidades de serviços compartilhados. Os resultados apontam que as características predominantes do CSC, como estrutura, estratégia e indicadores direcionados a otimizar processos por meio de redução de custos e prazos, exercem influência no BSC, afetando substancialmente a forma como é utilizado. Conclui-se que o framework de Ferreira e Otley ofereceu descrições holísticas do desenho do BSC e da maneira como é utilizado em uma estrutura organizacional com serviços compartilhados.

Palavras chave: Balanced Scorecard, desenho e uso do BSC, centro de serviços compartilhados.

ABSTRACT: The aim of this study is to analyze the design and use of the Balanced Scorecard in a shared services center (SSC). A case study was conducted in a SSC that uses Balanced Scorecard (BSC) in their performance management process. The framework proposed by Ferreira and Otley was used for data collection in order to visualize possible adaptations of the original BSC model in the SSC, according to the peculiarities of the units constituting it. The results indicate that the prevailing characteristics of SSC, such as structure, strategy, and indicators directed at optimizing processes through cost and deadline reduction, have influence on BSC, substantially affecting the way it is used. It is concluded that Ferreira and Otley’s framework provides holistic descriptions of SSC design and of how it is used in an organizational structure with shared services.

Keywords: Balanced Scorecard, design and use of BSC, shared services center.

1. INTRODUÇÃO

O controle gerencial busca assegurar a sobrevivência organizacional ao conduzir o foco dos empregados para as atividades da instituição, especialmente aquelas ligadas às estratégias adotadas, constituindo-se em atividade-chave para qualquer organização (ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2006; OTLEY, 1994).

Dentre as atividades de controle gerencial enfatizadas na literatura e no ambiente empresarial, destaca-se a avaliação de desempenho, que visa facilitar a implementação da estratégia definida e a promoção de melhorias no desempenho organizacional (FRANCO-SANTOS; LUCIANETTI; BOURNE, 2012). Como afirmam Silveira-Martins et al. (2013), a medição do desempenho é um mecanismo importante para que as organizações criem capacidades a fim de manter ou melhorar seu status quo em cenários econômicos dinâmicos e, por consequência, de grande competitividade.

Um dos artefatos de avaliação de desempenho disponíveis para uso nas organizações é o Balanced Scorecard (BSC). Ele foi concebido para promover o balanceamento entre medidas financeiras e não financeiras, e é considerado um dos mais importantes desenvolvimentos dessa natureza já realizados na área de Contabilidade Gerencial (ITTNER; LARCKER, 2001; KAPLAN, 2009; KAPLAN; NORTON, 1992).

Sua aplicação ocorreu em organizações de diversos países, tanto em instituições privadas quanto públicas, bem como em organizações com ou sem fins lucrativos (KAPLAN, 2009). Tal afirmação é confirmada por pesquisas empíricas realizadas com essa temática, como os relatos de experiências de aplicação do BSC em municípios portugueses (MENDES et al., 2012), em universidades libanesas (ALJARDALI; KADERI; TADJINE, 2012) e em organizações sem fins lucrativos da Alemanha (GREILING, 2010).

Braam e Nijssen (2004) ressaltam que são diversas as formas de interpretação e utilização do modelo BSC, cada uma com diferentes finalidades. De acordo com os autores, a intensidade de utilização desse artefato possui impacto no desempenho da organização, porém a qualidade e a forma como é utilizado constituem-se em elementos-chave para seu sucesso. A preocupação com o desenho e uso do BSC também é destacada por Kaplan e Norton (1997), ao afirmarem que falhas nesses processos podem levá-lo a fracassar.

A preocupação manifestada pelos autores evidencia a importância de conhecer por meio de pesquisas empíricas a forma como o BSC é concebido e utilizado nas empresas. No entanto, Chenhall (2003) alerta que pesquisas empíricas realizadas na área de sistemas de avaliação de desempenho tendem a focalizar apenas alguns aspectos de tais artefatos, o que contribui para a exposição de resultados conflitantes, ambíguos ou espúrios.

Visando promover abordagens mais abrangentes e integradas dos sistemas de avaliação de desempenho quanto a seu desenho e uso, Ferreira e Otley (2009) propõem uma plataforma de análise desses instrumentos. De acordo com os autores, esse modelo, pautado especialmente nas contribuições presentes nas obras de Simons (1995) e Otley (1999), permite fornecer uma visão holística dos principais aspectos de um sistema de avaliação de desempenho, relacionados a sua estrutura, operação e uso, em vez de abordar apenas aspectos específicos desses sistemas.

A referida plataforma já foi utilizada em estudos empíricos por Collier (2005) em empresa multinacional da Austrália, Oyadomari et al. (2012) em uma empresa brasileira distribuidora de materiais elétricos, Pone (2012) em operadoras de telefonia móvel da Albânia, Beuren e Teixeira (2014) em instituição de ensino superior privada localizada na região Sul do Brasil. Contudo, não foram identificadas pesquisas que aplicaram essa plataforma de investigação em centros de serviços compartilhados (CSC). Tal abordagem torna-se relevante ao presumir-se que a aplicação da referida plataforma seja peculiar na concepção de serviços compartilhados, dadas as suas características organizacionais distintivas.

Os CSC são estruturas concentradas de atividades administrativas que buscam fornecer às organizações vantagens competitivas por meio da redução de custos e da melhoria do nível desses serviços, algo difícil de alcançar em estruturas tradicionais que mantêm tais serviços dispersos nas unidades da corporação (HERBERT; SEAL, 2012; QUINN; COOKE; KRIS, 2000). Assim, seus gestores devem lançar mão de sistemas de avaliação de desempenho, como o BSC, para que possam ser alcançados os objetivos estabelecidos quando da criação da área de serviços compartilhados (SOUZA; CORRÊA, 2011).

Com base no exposto, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: Como o Balanced Scorecard foi desenhado e é utilizado em um centro de serviços compartilhados? Assim, objetiva-se analisar o desenho e uso do BSC em um centro de serviços compartilhados. Utilizou-se a plataforma proposta por Ferreira e Otley (2009) com a premissa da necessidade de realização de adaptações no modelo original do BSC na organização objeto de estudo, considerando as peculiaridades nos objetivos de uma unidade de serviços compartilhados.

O estudo se justifica pela relevância da aplicação da plataforma proposta por Ferreira e Otley (2009) em pesquisas empíricas que buscam abordar tais sistemas de forma mais holística, vislumbrando a possibilidade de contribuição para o desenvolvimento mais sistemático do conhecimento nesse campo. Ferreira e Otley (2009) reconhecem a necessidade de evidências empíricas para a validação da robustez e adequação do modelo, especialmente na realização de estudos de caso. Assim, este estudo pretende contribuir com o rol de pesquisas empíricas realizadas com essa plataforma para validação e julgamento de sua adequação.

É possível encontrar na literatura acadêmica alguns relatos de estudos de caso promovidos em unidades de serviços compartilhados utilizando como temática o Balanced Scorecard, como as pesquisas de Silva, Santos e Santos (2005) e Kuo e Wu (2012). A principal distinção da pesquisa aqui proposta está na adoção de uma plataforma abrangente, capaz de fornecer uma visão holística dos principais aspectos do desenho e uso do sistema adotado.

A escassez de estudos sobre Contabilidade Gerencial abordando a temática de serviços compartilhados, como apontado por Souza e Corrêa (2011) e Herbert e Seal (2012), é um forte argumento para a realização dessa investigação. Esses autores também sugerem o desenvolvimento de novos estudos na área, com abordagens relacionadas à criação de medidas financeiras e não financeiras para a avaliação de desempenho, cuja lacuna se vislumbra explorar neste estudo.

A importância da pesquisa em um CSC é reforçada pela crescente implementação dessa estrutura nas organizações desde a década de 1990 (BERGERON, 2003), já presente em organizações privadas de reputação global, como American Express, General Electric, Hewlett-Packard, IBM e Johnson & Johnson (Ibidem), e em organizações do setor público (MCIVOR; MCCRACKEN; MCHUGH, 2011).

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Balanced Scorecard

O surgimento de novas técnicas, artefatos ou instrumentos de Contabilidade Gerencial tem sido considerado uma resposta às necessidades dos gestores diante da competitividade do cenário global, o que mantém a relevância dessa atividade no mundo empresarial (CHENHALL; LANGFIELD-SMITH, 1998).

Determinados artefatos de Contabilidade Gerencial foram elaborados para contribuir com o processo estratégico da organização, buscando traduzir a estratégia em termos operacionais e orientar o processo de tomada de decisão dos gestores (KAPLAN; NORTON, 2001). Esses artefatos combinam informações financeiras e não financeiras com foco na estratégia organizacional (CHENHALL; LANGFIELD-SMITH, 1998; KAPLAN, 2009).

Entre os artefatos gerenciais que incluem tais elementos estão os sistemas de avaliação de desempenho, voltados a “quantificar a eficiência e eficácia das ações” (NEELY; GREGORY; PLATTS, 1995, p. 81). Para Ferreira e Otley (2009), os sistemas de avaliação de desempenho são utilizados pelas organizações para, entre outras funções, transmitir objetivos e metas em toda a organização, auxiliar no processo estratégico e facilitar a mudança e o aprendizado organizacional.

O Balanced Scorecard, proposto em 1992 por Robert S. Kaplan e David T. Norton, está entre os instrumentos de avaliação de desempenho que buscam realizar a ligação entre indicadores e estratégia, também conhecidos como sistemas estratégicos (ITTNER; LARCKER; RANDALL, 2003) ou contemporâneos (FRANCO-SANTOS; LUCIANETTI; BOURNE, 2012) de avaliação de desempenho.

O BSC é composto por medidas financeiras e não financeiras organizadas em quatro perspectivas distintas do negócio (financeiro, clientes, processos internos e aprendizado e crescimento), que devem ser evocadas com a realização de quatro questões básicas: (i) como os clientes nos veem?; (ii) em que devemos ser excelentes?; (iii) podemos continuar a melhorar e criar valor?; (iv) como vamos olhar para os acionistas? (KAPLAN; NORTON, 1992). Os autores argumentam que, ao combinar as quatro perspectivas, o BSC pode esclarecer os gestores sobre os inter-relacionamentos entre desempenho operacional e desempenho financeiro, o que possibilita melhorias no processo de tomada de decisão.

Kaplan e Norton (1996) aduzem que o modelo BSC tem sido utilizado para diversos propósitos, especialmente para comunicação e melhoria da estratégia, alinhamento de metas individuais e das unidades com a estratégia definida, ligação dos objetivos com os orçamentos e metas e alinhamento de iniciativas. Mooraj, Oyon e Hostettler (1999) ressaltam a importância do BSC como elemento facilitador de um processo de feedback 360°. Nørreklit (2000) argumenta que seu principal papel está na construção da racionalidade organizacional.

No entanto, o BSC não é um sistema isento de críticas. Nørreklit (2000) afirma que pressupostos relacionados às ligações de causa e efeito no modelo de avaliação de desempenho são considerados questionáveis, especialmente quanto as suas ligações com a satisfação dos clientes, o que pode resultar na definição de indicadores falhos e, consequentemente, baixo desempenho, além de comportamentos disfuncionais. Notou-se que tais ligações nos indicadores elaborados não são bem entendidas pelas empresas, e também questiona se o BSC é capaz de refletir as estratégias definidas nas diversas áreas gerenciáveis da empresa, como marketing, recursos humanos, pesquisa e desenvolvimento e tecnologia da informação.

Verificou-se a relevância das seguintes críticas: (i) exclusão de partes interessadas; (ii) possível negligência à missão; (iii) possível negligência a fatores culturais; (iv) pouca participação dos colaboradores; (v) rejeição de medidas consideradas inadequadas; (vi) sobrecarga de trabalho e resistência dos empregados; (vii) número excessivo de medidas; (viii) dificuldade de consenso na elaboração do BSC.

A despeito das críticas conferidas ao BSC, esse artefato apresenta-se como uma inovação disseminada na Contabilidade Gerencial, atraindo contínuo interesse de gestores e pesquisadores (NØRREKLIT et al., 2012) e sendo adotado em diversas formas de organização (KAPLAN, 2009), cujas particularidades devem ser observadas para obtenção de resultados coerentes com seus objetivos (BISBE; BARRUBÉS, 2012; KAPLAN, 2009). Os CSC podem ser considerados formas particulares de organização, com estrutura e objetivos distintos que devem ser conhecidos para uma possível aplicação do BSC.

2.2. Serviços compartilhados

Considera-se que o surgimento dos serviços compartilhados advém da necessidade de minimização de processos não relacionados ao core business das empresas e às limitações dos modelos de negócio mais tradicionais, tendo em vista a existência de diversos processos administrativos das unidades de negócio identificados em duplicidade na organização (como finanças, recursos humanos e tecnologia da informação) e que acabam desviando o foco dos gestores dessas unidades das operações consideradas estratégicas (como compras, produção, logística e vendas) (BERGERON, 2003; SCHULMAN et al., 2001).

Serviços compartilhados representam a união de processos de suporte em uma organização separada, fazendo desses processos o centro de seu próprio negócio. Com isso, ao mesmo tempo em que os gestores das unidades de negócio obtêm maior enfoque nos seus processos principais ao serem liberados da gestão de atividades de suporte – outrora consideradas como aquelas que agregam pouco valor –, as áreas de serviços compartilhados, ao enfocar essas atividades de suporte, são capazes de perceber ganhos em eficiência e eficácia nessas operações, promovendo resultados positivos para a organização (SCHULMAN et al., 2001).

Uma definição funcional de serviços compartilhados é proposta por Schulman et al. (2001), quando afirmam que tal prática envolve a concentração de recursos da empresa em atividades geralmente difundidas ao longo da organização, visando servir os clientes internos de modo a auxiliá-los a satisfazer os clientes externos, provendo serviços de alto nível com baixo custo. Bergeron (2003) define os serviços compartilhados como uma estratégia na qual as funções de um negócio são concentradas em uma nova unidade semiautônoma, estruturada de modo a promover eficiência, redução de custos, criação de valor e melhorias nos serviços prestados aos clientes internos como qualquer empresa competitiva no mercado.

Nota-se que Schulman et al. (2001) e Bergeron (2003) utilizam em suas definições de serviços compartilhados o termo “concentração” em vez de “centralização”. O foco dos serviços compartilhados não se trata de mera centralização, já que tal enfoque carrega uma mentalidade corporativa voltada à matriz da empresa, o que, de acordo com esses autores, reduz a responsabilidade do pessoal quanto à diminuição de custos e nível de serviço.

O enfoque de concentração remete à negociação direta entre as unidades de negócio e a área de serviços compartilhados. As negociações de serviços que serão transferidos ao nível de serviço desejado ocorrem diretamente entre as partes por meio de Acordos de Níveis de Serviço, habilitando a captação dos melhores elementos da centralização e da descentralização, como padronização, economias de escala e motivação para atender às necessidades dos clientes como no mercado (BERGERON, 2003; SCHULMAN et al., 2001).

A utilização de serviços compartilhados pode resultar em diversos benefícios para a organização. Schulman et al. (2001) elencam os seguintes: (i) aumento do poder de barganha com fornecedores quanto a condições e preços; (ii) economias de escala com a padronização e a concentração de atividades de tesouraria, contas a pagar, contas a receber e administração de estoque; (iii) padronização de processos e procedimentos; (iv) foco na adoção e uso de melhores práticas; (v) melhoria na acurácia e uniformidade das informações; (vi) foco das unidades de negócio no core business da organização.

Sob o ponto de vista organizacional, Bergeron (2003) aponta os seguintes benefícios esperados: (i) redução de custos; (ii) melhoria dos serviços; (iii) menores distrações das atividades principais da entidade; e (iv) possibilidade de transformação da área de serviços compartilhados em um centro de lucro, ao concentrar atividades externas à organização. Na perspectiva dos centros de serviços compartilhados, o autor indica os seguintes benefícios: (i) aumento da eficiência a partir da padronização de processos e aplicação de novas tecnologias; (ii) redução das necessidades de pessoal; e (iii) economias de escala.

Depreende-se do exposto que há proposições teóricas de benefícios decorrentes da adoção de serviços compartilhados em organizações. Isso também é observado em trabalhos empíricos, como em Borman (2010), Faria e Gonçalves (2010) e Ramphal (2011). Pode-se presumir que para a obtenção dos benefícios esperados ser possível, os centros de serviços compartilhados devem utilizar sistemas de controle gerencial para acompanhar os resultados obtidos e alinhar os objetivos ao longo dessa nova estrutura organizacional. Um desses sistemas de controle gerencial é o Balanced Scorecard, conforme relatado em proposições e estudos empíricos a seguir elencados.

2.3. Balanced Scorecard (BSC) em centros de serviços compartilhados (CSC)

Não se pode esperar que o BSC seja utilizado da mesma forma em todas as organizações, já que cada uma possui seu conjunto de regras tácitas ou explícitas (BISBE; BARRUBÉS, 2012; MOORAJ; OYON; HOSTETTLER, 1999). Especialmente naquelas que possuem prioridades estratégicas distintas das organizações privadas, adaptações ao modelo são requeridas (LAWRIE; COBBOLD; MARSHALL, 2004; KAPLAN, 2009).

Na premissa de que as prioridades estratégicas de unidades que englobam atividades operacionais diferem das prioridades de unidades de suporte administrativo, pode-se esperar que os CSC realizem o desenho e o uso do BSC com adequações, até porque, como afirma Marciniak (2013), a avaliação de desempenho em serviços compartilhados é uma ferramenta necessária para demonstrar que a mudança organizacional responsável pela formação dessa nova estrutura resultou em melhorias de eficiência e redução de custos.

Quanto às proposições, nota-se na literatura acadêmica a adaptação sugerida por Schulman et al. (2001). Os autores entendem que as quatro dimensões do BSC para serviços compartilhados poderiam ser: (i) financeira (baseada na contabilidade, no balanço patrimonial e em relatórios de custos); (ii) parceria (satisfação do cliente, reputação da marca/imagem, serviço ao cliente); (iii) operação (desempenho de processos, benchmarking, confiança, produtividade); (iv) inovação (novas patentes, satisfação do empregado, turnover).

Serra (2012) desenvolveu uma proposta de BSC para um centro de serviços compartilhados, utilizando as perspectivas propostas por Kaplan e Norton (1992) e considerando a estratégia adotada pelo CSC. O estudo resultou no desdobramento da proposta para as áreas pertencentes à unidade (tesouraria, contas a receber, contas a pagar, serviços de apoio, contabilidade geral, sistemas de informação) e na propositura de remuneração variável ligada ao alcance das metas definidas e aos indicadores do BSC.

Silva, Santos e Santos (2005) realizaram estudo de caso em um CSC pertencente a uma empresa de produção e comercialização de gêneros alimentícios. O BSC observado continha as seguintes perspectivas: a) financeira (custos e despesas); b) parceiros (satisfação do serviço e percepção de valor); c) excelência operacional (melhoria contínua, realização de objetivos de desempenho e serviços entregues); d) aprendizado e crescimento (avaliação de competências e matriz de conhecimento). Segundo os autores, a adoção do BSC pelo CSC favoreceu ações diretamente ligadas às expectativas firmadas na criação da unidade administrativa. Com a adoção do modelo de avaliação de desempenho, foram percebidos ganhos acima do esperado nas quatro perspectivas do BSC, considerando as relações de causa e efeito. Os custos incorridos foram 13,2% menores em comparação ao mercado, 24,3% menores do que o orçado e 23,3% menores do que no ano anterior.

Kuo e Wu (2012) realizaram estudo de caso em uma unidade de serviços compartilhados pertencente a uma concessionária de veículos. Os principais enfoques do estudo foram o processo de implantação do BSC na unidade analisada e os efeitos cognitivos e de mudanças comportamentais nos empregados a partir da adoção do BSC. Os resultados mostraram forte aderência dos empregados à estratégia da unidade com a adoção do BSC, além de mudança comportamental, partindo de uma posição de foco na execução de seu trabalho para uma postura de foco na execução da estratégia da unidade.

Diante dos relatos dos estudos empíricos que aliam BSC e serviços compartilhados, nota-se que foram abordadas até então questões relativas ao processo de implantação, seus resultados e aspectos específicos de seu desenho. Portanto, permanecem lacunas quanto a um estudo abrangente relativo ao desenho e uso do sistema de avaliação de desempenho nessas áreas. Com isso, apresenta-se a seguir o delineamento metodológico elaborado com vistas a fornecer uma visão holística sobre a aplicação do BSC em um CSC, utilizando-se a plataforma preconizada por Ferreira e Otley (2009).

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa de abordagem qualitativa emprega como estratégia o estudo de caso. Para responder a questão de pesquisa, realizou-se um estudo de caso em um CSC localizado na região Sul do Brasil, que configurava um caso único e holístico (YIN, 2001). A escolha dessa unidade de serviços compartilhados decorre do fato de ela utilizar o BSC para avaliação de desempenho, além de se tratar de uma estrutura consolidada por estar em operação há mais de sete anos e envolver diversas atividades de back office (financeiro, recursos humanos, logística e central de relacionamento) para unidades do grupo empresarial situadas na América Latina e Europa.

Como plataforma à realização do estudo de caso, para analisar o desenho e uso do sistema de avaliação de desempenho, optou-se pela aplicação da proposta elaborada por Ferreira e Otley (2009), justificada na introdução deste estudo, conforme Figura 1.

– Estrutura do sistema de gestão de desempenho
Figura 1
– Estrutura do sistema de gestão de desempenho
Fonte: Ferreira e Otley (2009).

A plataforma exibida na Figura 1 constitui-se de 12 questões, sendo as primeiras oito funcionais, consideradas centrais para o entendimento do sistema de avaliação de desempenho, e as quatro seguintes sobre cultura e fatores contextuais que impactam no desenho e uso dos sistemas de controle gerencial e contribuem para a construção de uma descrição mais holística do sistema (FERREIRA; OTLEY, 2009). Tanto as questões funcionais como as contextuais do roteiro de entrevista foram replicadas da proposta de Ferreira e Otley (2009).

A partir da plataforma de Ferreira e Otley (2009) foi possível traçar estratégias de seleção dos indivíduos e de abordagem para cada questão. Com isso, evidências foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas com gestores das áreas de recursos humanos, finanças e atendimento ao cliente da organização, no período de abril a maio de 2015, com duração média de 81 minutos. Todas as entrevistas foram registradas em gravador de áudio e posteriormente transcritas e analisadas em conjunto com os documentos fornecidos pela empresa a fim de verificar seu alinhamento teórico-empírico ao framework de Ferreira e Otley (2009).

4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

O CSC investigado pertence a um conglomerado empresarial que atua nos setores de tecnologia industrial e predial, bens de consumo e energia, realizando atividades de back office exclusivamente para as unidades do grupo. O grupo possui mais de 100 anos, com presença nacional há pelo menos 60 e consta no ranking Fortune Global 500 do ano de 2014 entre as maiores empresas globais. Mantém em seu quadro mais de 300 mil funcionários e possui faturamento anual em torno de 48 bilhões de euros, dos quais aproximadamente 20% são consumidos por custos administrativos e de distribuição, geridos em sua maioria por CSC distribuídos em 15 países.

Na caracterização do perfil dos entrevistados foi solicitado que identificassem sua posição hierárquica, a relação com a empresa, além de possíveis pontos capazes de contribuir para o entendimento de suas interações com o sistema de avaliação de desempenho. Os dados levantados estão expostos no Quadro 1.

Quadro 1
– Perfil dos entrevistados
FunçãoÁreaTempo na empresa (anos)Tempo na função (anos)EscolaridadeFormação Acadêmica
GestorRecursos humanos72Superior CompletoEconomia
GestorCentral de atendimento125Superior CompletoRelações Públicas
GestorFinanceiro101Superior CompletoAdministração

As respostas às questões da entrevista foram enquadradas no framework apresentado na Figura 1, de modo a sintetizar o desenho e uso do sistema de avaliação de desempenho dentro do CSC. No Quadro 2, são apresentadas as principais características levantadas para cada item da plataforma teórica.

Quadro 2
– Características do sistema de avaliação de desempenho
Componentes do frameworkCaracterísticas
Visão e missãoA empresa atualizou recentemente o posicionamento da marca, valores, missão e visão, unificando-os entre todas as unidades.
A missão e a visão citadas pelos gestores do CSC demonstram alinhamento parcial com a missão e a visão oficial da empresa.
O foco comum dos gestores está relacionado à redução de custos, aumento da qualidade e expansão do rol de serviços prestados.
A comunicação é realizada por meio de reuniões e rede social interna.
Fatores-chave de sucessoSão elencados anualmente cinco fatores principais a partir do BSC.
O BSC é visto como uma ferramenta de planejamento de longo prazo.
Os clientes pressionam por foco na redução de custos, tempo de execução das atividades e taxa de erro.
São realizadas pesquisas de satisfação com o cliente para avaliar aspectos subjetivos, enquanto os indicadores-chave de sucesso (em inglês Key Performance Indicator – KPI) traduzem o alcance de pontos quantitativos.
Estrutura organizacionalNota-se que a estrutura é altamente hierarquizada e centralizada. Há o uso constante de manuais produzidos pela matriz ou pelos donos dos processos.
Utiliza Performance Management Systems equipes enxutas. Novas contratações devem ser justificadas ao corporativo pela precificação dos processos atendidos.
Os gestores coordenam vários grupos e têm sua autonomia circunscrita a assuntos que não impactem o core business ou aumentem os custos.
À medida que a relação entre o CSC e as áreas corporativas se desenvolve, há melhora subjetiva na autonomia do CSC.
Estratégias e planosO processo ocorre de forma top-down: as definições se originam na divisão europeia e o CSC faz o desdobramento para os gestores.
Há preocupação constante com custos e limites orçamentários.
Funções estratégicas devem permanecer na divisão (corporativo). O CSC tende a comportar estritamente funções de back office.
O CSC tem função de prover informações para a alta administração, sem participação direta no âmbito estratégico.
A comunicação acontece via reuniões para apresentação dos desdobramentos.
Principais medidas de desempenhoMedidas de desempenho objetivas combinadas com aspectos comportamentais.
São utilizados indicadores para custos, tempo de realização das atividades e erros.
Medidas vinculadas às expectativas dos donos do processo.
Preocupação em deixar claro para os colaboradores que as funções desempenhadas se relacionam a objetivos mais amplos da organização.
Os KPI gerais são exibidos em monitores espalhados pela empresa, os KPI individuais são discutidos separadamente.
Definição de metasAs metas são estabelecidas em termos anuais e dificilmente sofrem ajustes.
As metas se originam dos Acordos de Níveis de Serviço de cada processo.
As metas são traçadas nos níveis individual, departamental e geral.
Avaliação de desempenhoÉ utilizado plano de desenvolvimento individual para a progressão na carreira.
O feedback oficial é realizado periodicamente, mas o gestor faz o seu acompanhamento semanal com um feedback não oficial.
São avaliados os KPI e mais oito competências comportamentais a partir dos aspectos observáveis.
Ainda que se tente reduzir a subjetividade, o gestor se utiliza do feeling nos pontos comportamentais.
Sistema de recompensasUso predominante de recompensas financeiras.
Programas de incentivo a atitudes positivas, como cooperação, em que o indicado recebe bônus para compras.
Programa de melhoria contínua de processos que oferece bônus aos participantes.
As recompensas acompanham os cenários a partir de um escalonamento com fatores máximos, médios e insatisfatórios.
Fluxos de informações, sistemas e redesAo final de cada ano, é feita uma comparação entre o planejado e o realizado, e a partir dessa análise ocorrem revisões para os próximos ciclos de planejamento.
Há trabalho de coaching individual, mas as metas existentes não demonstram forte preocupação com o aprendizado.
Workshops são promovidos periodicamente para discussão dos resultados atingidos.
Maior foco nos resultados e pouca atenção destinada aos métodos utilizados pelos gestores.
Uso do sistema de gestão de desempenhoOs KPI estão fortemente relacionados com a avaliação.
Predominância do uso das informações para diagnóstico.
Uso dos KPI para benchmarking global com outros CSC.
Mudança no sistema de gestão de desempenhoA mudança da estratégia global da empresa, em decorrência de fatores econômicos e do aprendizado na operação do CSC, tem exigido ajustes no sistema.
As metas utilizadas para calibrar o sistema têm se tornado cada vez mais agressivas.
Uma mudança na gestão do CSC trouxe maior confiança no sistema e os funcionários têm entendido melhor o que se espera deles e como atingi-lo.
Força e coerênciaA relação entre BSC, objetivos anuais, KPI do CSC, métricas dos processos e monitoramento individual é vista como clara e coesa pelos gestores.
A nova gestão conseguiu introduzir um aumento da controlabilidade pelos gestores.
Há o sentimento de que fatores subjetivos são difíceis de ser captados, mas o sistema tem sido capaz de cumprir o necessário devido ao foco do CSC ser altamente quantitativo.

Observa-se no Quadro 2 que o CSC apresenta forte viés operacional, pois concentra as atividades de suporte nas divisões do core business. Assim, o foco é restrito a temas como redução de custos, otimização do tempo e diminuição da taxa de erros que, quando mantidos abaixo do estipulado pelos Acordos de Níveis de Serviço, são entendidos como de boa qualidade e elevam a satisfação dos clientes. Esse contexto é motivo de discrepância entre os gestores, pois a empresa lançou recentemente uma nova orientação para sua estratégia e cultura organizacional, composta por objetivo, motivação, foco estratégico, força e valores, cada um com desdobramentos mais detalhados que devem guiar toda a organização. No entanto, os gestores fazem pouca referência a esses elementos e valores, foco estratégico e força se confundem, revelando que as alterações ainda estão sendo absorvidas.

Essas características do CSC apontam para diferenças no uso do Balanced Scorecard quando comparado com a proposta original de Kaplan e Norton (1992). No CSC em questão, a situação retratada por meio do framework de Ferreira e Otley (2009) mostra uma estrutura em transição que, devido a mudanças na gestão e no reposicionamento da marca, passa por um aumento de produtividade e de confiança, tanto dos funcionários quanto dos clientes, mas ainda tem dificuldades para superar o foco em aspectos operacionais e absorver preocupações estratégicas, agora consideradas unificadores pela empresa. No entanto, o posicionamento da empresa, atualizado recentemente, não esclarece a relevância da dimensão de aprendizado e crescimento, o que se acentua com a falta de ênfase de indicadores para essa dimensão em seu BSC, embora este tenha sido concebido a partir das dimensões tradicionais (financeiro, clientes, processos internos e aprendizado e crescimento). Um dos gestores argumenta que “no CSC, por conta de encarecer o custo da operação, treinamento nunca foi muito visto. Então, tem ano que as pessoas não fazem treinamento, só alguns treinamentos obrigatórios”.

Mesmo as dimensões mais utilizadas denotam autonomia restrita e foco financeiro, como esclarece outro gestor ao ilustrar seu processo: “os nossos colaboradores têm metas basicamente relacionadas ao alcance dos nossos KPI, os targets que os nossos clientes definem. Logo, as metas deles estão ligadas a isso. Tem que manter conforme o definido, conforme o desejado pelo cliente”. Esse mesmo gestor ainda ressalta que: “todos eles têm metas de melhorias, então eles também tendem a identificar melhorias nos processos para que possam sugerir mudanças nos mesmos e ter um ganho, seja monetário, de produtividade, ou de satisfação”. As referidas particularidades estão representadas na Figura 2.

– Causa e efeito do BSC no CSC estudado: desenho e uso
Figura 2
– Causa e efeito do BSC no CSC estudado: desenho e uso
Fonte: Dados da pesquisa, adaptado de Kaplan e Norton (1996).

Destaca-se no Esquema A da Figura 2 as setas pontilhadas que conectam as atividades de treinamento (perspectiva de aprendizado e crescimento) com taxa de erro (perspectiva de processos internos) e tempo de entrega (perspectiva de clientes), evidenciando as implicações da ausência do enfoque em treinamentos e capacitação nas relações de causa e efeito. Nesse esquema é apresentado o desenho do BSC da empresa no contexto do seu uso pelos gestores. Essa dinâmica revela uma inversão na relação de causa e efeito entre custo e satisfação do cliente (seta pontilhada), sendo a redução de custos (perspectiva financeira) a principal causa do efeito satisfação do cliente (perspectiva de clientes), que seria a medida final da eficácia do CSC enquanto unidade do grupo empresarial. A constatação de que a redução de custos (perspectiva financeira) é a principal causa do efeito satisfação do cliente (perspectiva de clientes) é aplicada ao desenho no Esquema B, e sua análise conjunta evidencia as divergências entre o desenho tradicional do BSC e o uso adaptado à realidade do CSC.

Em decorrência das características específicas e do direcionamento estratégico do CSC, nota-se pouca autonomia de decisão e forte dependência de divisões do core business, chamadas de clientes ou donos do processo. Isso torna o uso do BSC limitado e talvez distorcido, a ponto de os gestores o verem como um instrumento unicamente de planejamento a longo prazo. O uso interativo preconizado por Simons (1995) prevê características dinâmicas e preditivas, mas o que se observou no CSC em questão foi a predominância do uso diagnóstico.

Quanto ao framework utilizado, Ferreira e Otley (2009) destacam que os sistemas de crenças e limites podem estar além do domínio das subsidiárias, o que implica estender a análise para toda a organização a fim de identificar o ajuste de cada sistema de controle e prover uma perspectiva mais compreensível. O perfil do CSC em análise e sua dependência de outras unidades da empresa podem contribuir para explicar a dificuldade da leitura dos sistemas de crenças e limites. Esses, conforme as entrevistas e os documentos analisados, estão ajustados somente aos Acordos de Níveis de Serviço, que posteriormente se traduzem em KPI e resultam no entendimento de que os custos devem ser os balizadores das atividades exercidas. A estrutura do sistema de gestão de desempenho do CSC objeto de estudo pode ser compreendida em uma perspectiva holística na Figura 3.

– Estrutura do sistema de gestão de desempenho do CSC estudado
Figura 3
– Estrutura do sistema de gestão de desempenho do CSC estudado
Fonte: Dados da pesquisa, adaptado de Ferreira e Otley (2009).

Considerando a síntese das informações pautadas na plataforma de Ferreira e Otley (2009) representada na Figura 3, nota-se que o framework Performance Management Systems (PMS) oferece descrições holísticas do desenho do BSC e da forma como é usado em uma estrutura organizacional com serviços compartilhados. Indica-se que a plataforma possibilitou análises críticas a respeito do sistema de avaliação de desempenho aplicado na unidade objeto de estudo, como no caso das possíveis inconsistências na definição de causa e efeito entre as perspectivas do desenho utilizado pelo CSC.

Embora o framework de Ferreira e Otley (2009) permita uma análise holística, dois pontos chamam atenção. Primeiro, aspectos culturais intrínsecos não foram captados na análise: o CSC em questão compõe a estrutura de uma empresa multinacional de origem europeia e sua matriz se encarrega de tomar as decisões estratégicas e desdobrá-las ao seu grupo de CSC; no entanto, a metodologia não elucidou possíveis características particulares ao caso brasileiro. Segundo, ainda que o referido framework capture alguns aspectos das relações de poder, sua caracterização fica dispersa no instrumento, já que pouco é evidenciado sobre os mecanismos de enfrentamento no CSC quanto às pressões das outras áreas e de como isso pode se refletir no sistema de avaliação de desempenho.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo analisou-se o desenho e uso do Balanced Scorecard em um centro de serviços compartilhados, utilizando-se o framework PMS proposto por Ferreira e Otley (2009). Fundamentado em estudos dos referidos autores e nas alavancas de controle de Simons (1995), visou-se a análise integrada dos aspectos estratégicos, seus desdobramentos em medidas de desempenho e a congruência de seu uso, evidenciando as interfaces do sistema de controle gerencial utilizado pela empresa.

A aplicação da plataforma revelou que o CSC investigado utiliza o BSC a partir de suas quatro dimensões tradicionais. No entanto, embora o desenho do BSC siga seu formato original, o uso demonstrou: (i) restrições provenientes do direcionamento estratégico, com forte apelo para a redução de custos; (ii) estrutura organizacional vertical e centralizada, com dependência dos donos dos processos para o estabelecimento dos objetivos, KPI e métricas; (iii) uso das informações com características de diagnóstico, com metas anuais rígidas e resultados utilizados como feedback; (iv) menor margem para avaliações subjetivas, tendo em vista o foco quantitativo da gestão da estrutura; (v) pouca ênfase em elementos de aprendizado e crescimento organizacional, gerenciados pelo sistema.

Os sistemas de crenças e limites podem ser reconhecidos pela análise da missão, visão, estratégia, planos e fatores-chave de sucesso (FERREIRA; OTLEY, 2009), que nesse caso apontam para a difusão de uma mentalidade focada em eficiência operacional, com redução de custos, prazos e taxas de erro, e em que os limites de ação são estabelecidos pelo nível de serviço acordado com os clientes internos que transferiram seus processos de back office para o CSC. Em consonância a esse sistema, foi observado nas entrevistas que há preocupação constante em não tomar decisões que possam afetar os quantitativos acordados.

O sistema de avaliação da empresa é percebido pelos gestores como coeso e nítido, com forte conexão entre todos os seus níveis, o que pode decorrer do uso simplificado do BSC e do foco em medidas objetivas de desempenho atreladas a recompensas financeiras. Mudanças em virtude da nova gestão, que investiu em uma abordagem mais clara dos indicadores, levaram ao aumento da confiança no sistema. Em contraponto, o reposicionamento da marca e fatores econômicos têm levado à delimitação de objetivos cada vez mais agressivos, o que chama atenção dos empregados.

Em síntese, a aplicação do framework de Ferreira e Otley (2009) no CSC pesquisado denota um sistema de avaliação de desempenho com quase nenhuma preocupação não financeira, limites bastante rígidos e um sistema de crenças que tem como valores a busca pela melhoria contínua dos processos por meio do controle de custos e prazos. Nesse contexto, também é intrigante a percepção demonstrada a respeito da baixa ênfase em aprendizado e crescimento, dado a necessidade de alcançar níveis de serviço que proporcionem diminuição de erros e aumento de qualidade na entrega. Mesmo isso se justifique pelo enfoque na diminuição de custos, por vezes pode ser considerado uma postura contraditória ou enviesada dos objetivos estratégicos do CSC.

O uso interativo das informações se mostra mais presente em fatores comportamentais, com feedback e coaching constantes. No entanto, as informações dos processos seguem predominantemente características de diagnóstico, com decisões top-down e monitoramento de resultados para recompensas pelo alcance de metas em áreas-chave. O uso interativo foi observado apenas no encorajamento de melhorias constantes nos processos, com aumento da especialização, mas não na utilização estratégica das informações de forma dinâmica para a tomada de decisões.

Dessa forma, as evidências elencadas indicam que elementos estratégicos e características típicas de um CSC exigem adaptações no desenho e no uso de um sistema estratégico de avaliação de desempenho como o BSC, o que pode fornecer subsídios para a compreensão dessas relações e especificidades por acadêmicos e gestores de organizações com estruturas assemelhadas.

Tal fato é reforçado com as evidências deste estudo de que a ausência de adaptação das relações de causa e efeito no modelo BSC, de modo que esse modelo se adeque às especificidades de um CSC, pode comprometer a compreensão dos gestores sobre qual a medida final de desempenho mais indicada, nesse caso a satisfação dos clientes em vez da redução de custos. Essa situação específica de CSC é corroborada por Marciniak (2013, p. 217, tradução nossa), ao afirmar que “é uma falha típica que os CSCs se concentrem nos custos e no orçamento em vez do mais importante: a satisfação do cliente”.

As conclusões expostas precisam ser consideradas com parcimônia, já que este estudo abordou apenas um nível hierárquico, sem apresentar as diferenças que podem ocorrer entre os diferentes níveis. Ressalta-se também que foi analisado apenas o CSC, sem abordar as divisões que migram seus serviços para essa estrutura. Além disso, não foi possível distinguir todos os sistemas e suas interfaces, o que pode levar a uma interpretação parcial da realidade vivenciada no CSC. Recomenda-se que as limitações apontadas sejam aprofundadas e/ou ampliadas em estudos futuros.

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Endereço dos autores: Ilse Maria Beurenilse.beuren@gmail.comGuilherme Eduardo de Souzacontabilidade.guilhermesouza@gmail.comHenrique Portulhakhenrique.portulhak@ufpr.br

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