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CONTROLE SOCIAL: A ATUAÇÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS NA REGIÃO NORDESTE
SOCIAL CONTROL: THE ROLE OF MUNICIPAL COUNCILS IN THE NORTHEAST REGION OF BRAZIL
CONTROLE SOCIAL: A ATUAÇÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS NA REGIÃO NORDESTE
Gestão e Regionalidade, vol. 34, núm. 101, pp. 74-90, 2018
Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS
Recepção: 06 Maio 2016
Aprovação: 06 Março 2018
RESUMO: O objetivo deste estudo é apresentar uma análise sobre a atuação dos conselhos municipais na região Nordeste do Brasil, tomando-se como referência as fiscalizações realizadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) no âmbito do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos. Buscou-se identificar as falhas porventura existentes quanto à atuação dessas instituições no acompanhamento das diversas políticas públicas relacionadas à área de saúde, educação e assistência social. Para tanto, foram examinados os relatórios dos 61 municípios fiscalizados nos anos de 2011 e 2012. A análise de conteúdo permitiu constatar problemas recorrentes relativos à atuação dos conselhos, principalmente no que diz respeito ao acompanhamento da execução dos recursos públicos e à falta de capacitação dos conselheiros, o que dificulta o pleno alcance de seus propósitos.
Palavras chave: Controle social, conselhos municipais, fiscalização.
ABSTRACT: The aim of this study is to present an analysis of the performance of the Municipal Councils in the Northeastern Region of Brazil, taking as reference monitoring conducted by the Comptroller General of the Union (CGU - acronym in Portuguese for “Controladoria-Geral da União”) under the Monitoring Program for Public Lotteries. We sought to identify the potential flaws in the performance of these institutions in the monitoring of numerous public policies related to the health, education and social assistance areas. To this end, we examined the reports of the 61 municipalities scrutinized in the years of 2011 and 2012. Content analysis showed recurring problems concerning the performance of the councils, especially with regard to ensuring the implementation of public resources and the lack of training of counselors, which makes it difficult to reach the goals proposed.
Keywords: Social control, municipal council, monitoring.
1. INTRODUÇÃO
Com o advento da Reforma Gerencial, a utilização de novas maneiras de responsabilização dos agentes públicos se tornou presente tanto por meio do controle de resultados quanto por controle social das políticas públicas, sendo este último considerado o efeito da ação do cidadão participante sobre os serviços prestados (CORBARI, 2004).
Essa ideia de controle social trouxe mudanças para a comunidade, alterando seu papel meramente passivo de recebedora de serviços do Estado para a condição colaborativa e participativa das decisões políticas. Assim, a nova responsabilidade da sociedade civil se fez reverberar pelo seu envolvimento concomitante com a atuação do poder público no combate à corrupção e, também, pela sua participação prévia em debates de interesse da coletividade e na priorização das políticas públicas voltadas aos grupos sociais.
A partir dessa concepção foram criados os conselhos municipais, os quais representam o principal canal de participação popular na gestão e no controle das políticas sociais hoje existentes no Brasil. Segundo Diegues (2013), após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), tais conselhos passaram a ser os protagonistas no processo de descentralização das políticas públicas, tornando-se um espaço fértil para o diálogo e para a criação de novas relações entre o Estado e a sociedade civil, o que propiciou o acesso das comunidades às instâncias decisórias.
Esses conselhos representam canais efetivos de participação democrática. Sua importância é evidenciada com o fortalecimento da atuação da população local na formulação e implementação das políticas sociais, bem como no combate aos desvios de verbas públicas que ainda são rotineiramente divulgados pelos diversos canais de mídia.
Em função da importância dessas instâncias sociais para exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito, este estudo objetiva apresentar uma análise sobre a atuação dos conselhos em municípios dos estados da região Nordeste do Brasil, tendo-se como referência as fiscalizações realizadas pela Controladoria Geral da União (CGU), no âmbito do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos, a fim de identificar a possível recorrência de falhas na atividade de controle social desempenhada por essas instituições.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Controle e accountability
Em tema de administração pública, controle pode ser conceituado como “a faculdade de vigilância, orientação e correção que um poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro” (MEIRELLES, 2010, p. 697).
Nessa mesma linha, Jund (2006) esclarece que, no setor público, o controle é a faculdade, e, em determinados casos, a competência legal para avaliação, orientação e correção que um poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional. Di Pietro (2008), por sua vez, o define como sendo o poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação em relação aos princípios que lhes são impostos pelo ordenamento jurídico.
Mecanismos de controle interno e externo, cujo objetivo é fiscalizar e avaliar a correta utilização dos recursos públicos, estão previstos na Constituição Federal (BRASIL, 1988) conforme explicitado em seu artigo 70, o qual disciplina que:
a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Além dos controles interno e externo da administração pública, a promulgação da Carta Magna de 1988, concomitantemente à restauração do regime democrático, trouxe aos brasileiros a possibilidade de realizar o chamado controle social, o que viabilizou a participação popular no monitoramento e na gestão da aplicação dos recursos públicos nos diferentes níveis de governo.
O controle social pode ser entendido como a “responsividade direta dos governantes às demandas da sociedade e à capacidade desta em responsabilizá-los em caso contrário”, sendo tal relação ampliada ao se incorporar aspectos que visem aumentar a eficiência econômica e social na utilização dos recursos públicos, mediante a descentralização decisória sobre as políticas públicas (GOMES, 2003, p. 8).
A participação popular representa uma das expressões mais significativas da cidadania, podendo ser exercida por meio de envolvimento direto em todo o processo de gestão dos recursos públicos, que vai desde o planejamento até o controle social das ações governamentais. Essa participação direta da sociedade aumenta a demanda pela transparência dos atos praticados pelos agentes públicos e pelo amadurecimento dos instrumentos de accountability (OLIVEIRA, 2006).
Filgueiras (2011) se refere ao termo accountability como um conceito que entrou para o léxico da teoria política contemporânea e se tornou um princípio fundamental do ordenamento democrático, pois exige a implantação de uma política de transparência das ações do Estado. Com base na ideia de controle dos cidadãos sobre o governo e deste sobre si mesmo, o conceito de accountability assume um forte apelo moral (FILGUEIRAS, 2011).
Os conceitos de accountability e transparência se inter-relacionam fortemente. Ambos são pré-requisitos essenciais para uma democracia baseada no Estado de Direito, pois permitem que o Estado lidere pelo exemplo e aumente sua credibilidade. A transparência é uma força poderosa que, quando aplicada de forma consistente, pode ajudar a combater a corrupção, melhorar a governança e promover o processo de prestação de contas, ou seja, a accountability (INTOSAI, 2010).
Por mais de 20 anos, o termo accountability vem sendo empregado no Brasil com o significado de responsabilização pessoal do agente público pelos atos que pratica (CAMPOS, 1990; PINHO; SACRAMENTO, 2009). Nesse sentido, o termo fica associado à transparência, abertura e vigilância, que, no dizer de Birkinshaw (2006), são próximas em significado e todas transmitem algo maior que acesso à informação governamental. Já Michener e Bersch (2011) destacam que as informações, além de estarem disponíveis, precisam ser capazes de permitir inferências por parte dos diversos usuários que as consultam.
Accountability não se restringe à publicação dos atos governamentais e à simples prestação de contas formal por parte dos gestores públicos; vai além, promove a integração entre os diversos meios de controle, para que seja possível expor as contas públicas a qualquer momento e em demonstrativos capazes de ampliar a quantidade dos usuários dessa informação (CENEVIVA; FARAH, 2012, OLIVEIRA, 2006).
Ao se refletir acerca do meio pelo qual se exerce o controle social e os mecanismos de accountability , é preciso resgatar o espaço público chamado conselho, instância de consulta popular e de deliberação sobre as demandas manifestas da comunidade local (GOMES, 2003).
2.2. Conselhos municipais
Essa forma de controle social denominada “conselho” não é nova. Experiências internacionais remontam ao século XIX, como é o caso da Comuna de Paris, e ao início do século XX, como os conselhos dos Soviets , conselhos dos operários de Turim e conselhos alemães. Mais adiante surgiram os conselhos americanos do pós-guerra e os antigos conselhos iugoslavos nos anos de 1950 (GOHN, 2000).
No Brasil, ainda segundo Gohn (Ibidem), os primeiros experimentos surgiram nas décadas de 1960 e 1970 com o advento dos conselhos comunitários e dos “conselhos de notáveis” do regime militar que atuavam nas instâncias governamentais. Esses movimentos, juntamente com outros desenvolvidos ao longo dos anos de 1980, contaminaram o debate na última Constituinte cujo resultado foi a incorporação do princípio da participação comunitária na CF/88. Como consequência, várias leis foram publicadas institucionalizando os conselhos de políticas públicas nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal (TEIXEIRA, 2000).
Os conselhos municipais são produtos dessa evolução social. Suas estruturas integram a esfera pública e política, com o intuito de mediar relações, mitigar conflitos e conferir maior interação entre governo e sociedade civil. São constituídos com objetivo de deliberar e definir políticas públicas específicas, a exemplo da educação básica, saúde, meio ambiente, patrimônio histórico-cultural, entre outras. Compõem-se por representantes do poder público e da sociedade civil organizada, que formulam, em conjunto, as políticas públicas em um processo de gestão descentralizada e participativa, resultando em uma maior cobrança na prestação de contas por parte dos gestores públicos (GOHN, 2001; SANTIN; FINAMORE, 2007).
Segundo Gonçalves et al. (2013), a atuação da população nos conselhos serve de instrumento de apoio e fortalecimento da participação democrática na formulação e implementação de políticas públicas, além de exercer o controle e a fiscalização da aplicação dos recursos econômico-financeiros.
Em perspectiva mais didática, os conselhos são espaços públicos de composição plural e paritária entre o Estado e a sociedade civil, de natureza deliberativa e consultiva, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Os conselhos devem ser compostos por um número par de conselheiros, sendo que, regra geral, para cada conselheiro representante do Estado, haverá um representante da sociedade civil. Há, no entanto, exceções à regra da paridade, como no caso dos conselhos da saúde e da segurança alimentar. Os conselhos de saúde, por exemplo, são compostos por 25% de representantes de entidades governamentais, 25% de representantes de entidades não governamentais e 50% de usuários dos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme consta do Portal da Transparência do Governo Federal (CONTROLE…, 2006).
Diversos são os espaços de participação social na administração pública brasileira, entre os mais conhecidos destacam-se os conselhos de políticas públicas, as ouvidorias, as audiências públicas, os grupos de trabalho e o orçamento participativo. Restringindo-se aos conselhos, instância social mais abrangente, diversificada, capilarizada e permanente, pode-se citar como exemplos mais significantes os Conselhos de Alimentação Escolar, Conselhos Municipais de Saúde, Conselhos de Controle Social do Programa Bolsa Família, Conselhos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e Conselhos de Assistência Social. As principais atribuições desses conselhos estão descritas no Quadro 1 .
| Conselho | Principais atribuições | Composição |
|---|---|---|
| Conselho de Alimentação Escolar |
| Representantes do Poder Executivo, trabalhadores da educação e discentes, além de pais e representantes da sociedade civil. |
| Conselho Municipal de Saúde |
| Representantes da prefeitura, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e usuários de saúde. |
| Conselho de Controle Social do Programa Bolsa Família |
| Representantes da área de assistência social, saúde, educação, segurança alimentar e da criança e do adolescente, quando existentes. |
| Conselho do Fundeb |
| No mínimo nove membros, representantes do município, da Secretaria de Educação, dos professores, diretores, servidores administrativos, pais e alunos da educação básica. |
| Conselho de Assistência Social |
| Metade de representantes da prefeitura (órgãos ou instituições das áreas de saúde, educação, trabalho e habitação) e outra metade da sociedade civil. |
Cabe ainda observar que, para todos os titulares nomeados, deverão também ser nomeados os seus respectivos suplentes, e que a criação e o funcionamento desses conselhos são de caráter obrigatório para todos os municípios, fato que motivou destacá-los neste estudo.
2.3. Panorama literário sobre os conselhos municipais brasileiros
A proximidade com o cidadão tem despertado o interesse de muitos estudiosos pela atuação dos conselhos municipais nos mais diversos setores das políticas públicas. Na área de alimentação escolar, por exemplo, pode-se destacar o trabalho de Belik e Chaim (2009), no qual foi avaliado o perfil da gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar, em 670 prefeituras inscritas no Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, nos anos de 2004 e 2005. Esse estudo constatou que, entre as administrações vencedoras, foi fator determinante e diferenciador a participação social, seja por meio da atuação direta dos Conselhos de Alimentação Escolar, seja pelo envolvimento de outros atores locais.
Em outro setor, cabe destacar o pioneiro estudo censitário de Moreira e Escorel (2009) sobre o funcionamento dos Conselhos Municipais de Saúde brasileiros, no qual procuraram identificar como e em quais situações as reações do poder público interferem na democratização das políticas municipais de saúde, ou seja, na institucionalização dessas políticas, sobretudo no que tange às atribuições e ao caráter deliberativo dos conselhos. A pesquisa abrangeu 5.463 municípios e analisou três dimensões dos conselhos: a autonomia, a organização e o acesso.
Entre essas dimensões, a que apresentou o pior resultado foi a autonomia dos conselhos, principalmente no que diz respeito aos recursos financeiros e humanos. O segundo pior desempenho ficou por conta da dimensão organização, sobretudo no aspecto relacionado à capacitação dos conselheiros. Como pontos positivos dessa dimensão, têm-se a periodicidade e o quórum das reuniões. Já a dimensão acesso foi a que apresentou os melhores resultados, mormente no tocante à eleição dos presidentes e à participação popular nas reuniões.
Segundo os autores (Ibidem), o mau desempenho dos Conselhos Municipais de Saúde indica, entre outros aspectos, que eles tendem a se tornar dependentes dos interesses políticos dos titulares do Poder Executivo local, o que inviabiliza uma concreta democratização do processo decisório das políticas municipais de saúde.
Em trabalho tratando da questão de intersetorialidade e transversalidade no controle social do Programa Bolsa Família, Pinheiro (2007) também chama atenção para as dificuldades da efetiva participação popular na implementação desse programa e destaca que a simples existência de diploma legal, normatizando o controle social, não tem sido suficiente para garantir o envolvimento da sociedade civil no gerenciamento do programa.
Como exemplos de barreiras à efetivação da participação popular no âmbito do Bolsa Família, o autor (Ibidem) cita: as relações tensas que se estabelecem entre os gestores do programa e os conselhos ou comitês de controle social; os esquemas burocráticos avessos à participação do povo; a pulverização do controle que tem como consequência o desgaste e descrédito dos conselhos; e a dificuldade de articulação. Entretanto, apesar dessas dificuldades, ressalta que, dadas as suas características de transversalidade e intersetorialidade, o controle social do Programa Bolsa Família é uma ferramenta impulsionadora das ações do programa, na medida em que possibilita o diálogo entre os atores responsáveis pela execução das ações governamentais no município e a sociedade civil, bem como o compartilhamento de informações entre as áreas setoriais do governo, possibilitando a busca de soluções conjuntas para a superação da pobreza do país.
Na área da educação cabe destacar a pesquisa de Braga (2011) cujo objetivo foi analisar a atuação dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (Cacs), do Fundeb, como fiscalizador dos recursos financeiros destinados ao estado do Ceará nos anos de 2007 a 2009.
Em contraponto com outros estudos sobre controles sociais, o autor (Ibidem) destaca que o sucesso do Fundeb, como modelo de repartição de recursos da educação, depende de discussões que vão além de aspectos reducionistas, como a falta de capacitação dos conselheiros, e que agreguem aspectos políticos que permitam redistribuir não só recursos financeiros e sim uma educação de melhor qualidade social para as comunidades. Assim sendo, propõe-se que a visão desses Cacs do Fundeb seja fortalecida em seu “aspecto técnico-contábil pelo seu viés político-formativo, e vice-versa” (Ibidem, p. 161).
No que concerne aos Conselhos Municipais de Assistência Social, descortina o estudo de Almeida, Carlos e Silva (2016) que avalia a efetividade das novas formas de participação institucionalizada em vigência no Brasil, valendo-se de um parâmetro denominado Índice de Efetividade da Participação cujas variáveis foram retiradas do banco de dados do Censo do Sistema Único de Assistência Social (Suas), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, edição 2012.
O citado índice foi composto por três tipos de indicadores: o grau de institucionalização; a abrangência e as condições de deliberação; e a qualidade da representação dos conselhos. Apesar dos óbices encontrados na infraestrutura e nos recursos que os conselhos contam para funcionar, foi possível constatar que essas instâncias populares são reconhecidas no âmbito da rede de produção e de controles da assistência social no Brasil.
Diferentemente dos demais estudos apresentados, a pesquisa de Araújo et al. (2006) não enfocou a atuação dos conselhos municipais sob a ótica de uma política pública específica, de outra forma, buscou identificar os principais problemas que os levam a não desempenharem com efetividade suas ações de controle social. Para tanto, valeu-se das fiscalizações da CGU realizadas nos diferentes tipos de conselhos municipais da região Nordeste no período de 2003 a 2005.
Os resultados desse trabalho apontaram para a necessidade de se promover um amplo processo de capacitação dos conselheiros, a reconfiguração da escolha dos representantes sem que haja a ingerência dos gestores municipais e o fortalecimento da efetiva participação popular na verificação da regular aplicação dos recursos públicos.
Enfim, com essa visão geral sobre as pesquisas realizadas nos diversos setores das políticas sociais, é possível constatar a importância da participação popular no controle da aplicação dos recursos públicos por parte dos gestores. Porém, também fica evidente que existem muitos obstáculos, sendo sua superação uma condição fundamental para o exercício pleno da cidadania participativa no processo decisório atinente ao gerenciamento dos programas sociais em âmbito municipal.
3. METODOLOGIA
Este estudo, de caráter exploratório e abordagem qualitativa, busca promover uma análise acerca da atuação dos conselhos municipais nos estados da região Nordeste do Brasil, com o propósito de identificar se houve falhas na atuação dessas instituições enquanto instrumentos de controle social das diversas políticas públicas relacionadas à área de saúde, educação e assistência social.
Como estratégia de investigação foram adotadas as técnicas de pesquisa documental, sustentada nos mandamentos de Martins e Teophilo (2009), e de análise de conteúdo, com base nos ensinamentos de Bardin (2010). Compuseram a análise 61 relatórios de fiscalização emitidos pela CGU, nos anos de 2011 e 2012, oriundos do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos. Esse quantitativo representa a totalidade das fiscalizações realizadas por aquela Controladoria nos municípios da região Nordeste nesse período.
O Programa da CGU visa inibir a corrupção entre gestores e vem sendo aplicado desde abril de 2003. Em 2015, esse instrumento foi aprimorado e rebatizado de Programa de Fiscalização em Entes Federativos. Os auditores do Programa examinam as contas e os documentos, além de realizarem inspeção pessoal e física das obras e serviços em andamento nos municípios sorteados periodicamente. Durante as fiscalizações a população também é contatada, diretamente ou por meio dos conselhos comunitários e outras entidades organizadas, com o intuito de estimular os cidadãos a participarem do controle dos recursos públicos disponibilizados.
Este artigo resgata o trabalho realizado por Araújo et al. (2006), no qual foram apresentadas as deficiências evidenciadas na atuação dos conselhos dos municípios da região Nordeste no período de 2003 a 2005. Com base nessa pesquisa, buscou-se identificar a evolução da atuação desses mesmos conselhos a partir do confronto entre os pontos críticos evidenciados nas fiscalizações realizadas pela CGU em dois períodos distintos. Assim, a expectativa é que tenha havido algum tipo de melhora na atuação dessas entidades após um hiato de cinco anos entre as avaliações.
Após investigação nas sínteses dos relatórios elaborados pelos fiscais da CGU, Araújo et al. (Ibidem) encontraram 65 registros contendo alusões aos conselhos municipais. De posse desses dados e valendo-se do instrumental de análise de conteúdo expresso por Bardin (1977), os autores construíram nove categorias à luz das falhas constatadas, as quais se encontram descritas no quadro 2 .
| Categorias | Detalhamento |
|---|---|
| 1.Desconhecimento, por parte dos membros do conselho, das atribuições regimentais deles e do conselho ao qual se vinculam. | Os conselheiros municipais não conhecem a legislação aplicada às atividades dos conselhos municipais. |
| 2.Ingerência nas atividades do conselho, bem como em sua composição por parte da administração municipal. | Totalidade dos membros do conselho nomeados pela prefeitura. Não é respeitada a paridade na composição dos conselhos. |
| 3.Ausência de estímulo à participação popular/interação com a comunidade – feedback . | A prefeitura não realiza atividades que visem estimular a participação da sociedade no acompanhamento dos programas de políticas públicas. |
| 4.Ausência de cursos de capacitação para membros dos conselhos. | Prefeitura não interage junto dos órgãos competentes para promover capacitações. |
| 5.Não há segregação de funções. | Os secretários municipais exercem a função de presidentes dos conselhos, interferindo na independência destes. |
| 6.Não participação dos conselhos nas licitações realizadas e execução dos programas. | Membros dos conselhos não acompanham os processos licitatórios realizados com os recursos advindos de programas públicos. |
| 7.Sonegação de informações por parte da gestão municipal. | A prefeitura não disponibiliza as informações necessárias para que os membros dos conselhos avaliem a regularidade da aplicação dos recursos públicos. |
| 8.Não implantação dos conselhos. | A prefeitura deixou de instituir o conselho municipal. |
| 9.Não acompanhamento da execução dos programas e aplicação dos recursos. | Membros dos conselhos não desempenham suas atividades, deixando de acompanhar e fiscalizar a execução dos programas destinados à população. |
Para esta pesquisa foi necessário fazer algumas alterações nas categorias definidas por Araújo et al. (2006). Assim, houve a união das categorias 2 e 5 em uma outra denominada “problemas na composição dos conselhos”. Essa junção foi realizada com a finalidade de reunir as constatações relativas à falta de paridade entre os grupos representantes de cada conselho e à nomeação indevida de chefe de pasta específica do município para presidir a instância de controle social. Como exemplo, pode-se citar a nomeação de chefe da Secretaria de Saúde para presidir o Conselho Municipal de Saúde.
As categorias 6 e 9 também foram aglutinadas, formando a nova categoria “não acompanhamento da execução dos recursos públicos”, uma vez que abrangiam ausência de supervisão dos processos licitatórios, falta de análise da prestação de contas do município, não acompanhamento do censo escolar, entre outros.
Já a categoria 3, “Ausência de estímulo à participação popular/interação com a comunidade – feedback ”, deixou de existir, pois não foram encontradas constatações que fizessem referência a essa situação. Por último, foi criada a categoria “Falta de estrutura física e logística” em função das diversas ocorrências do problema evidenciadas pelas equipes de auditoria da CGU.
Após os ajustes realizados, restaram sete categorias para proceder a análise das constatações da CGU a respeito dos conselhos municipais nos anos de 2011 e 2012 e posterior comparação com os resultados obtidos por Araújo et al. (Ibidem) nos anos de 2003 a 2005. Tais categorias são:
Com base nessas 7 categorias, analisou-se o conteúdo de cada constatação da CGU que fazia referência à atuação dos conselhos municipais, e, nos casos em que a constatação se referia a mais de uma classe, a menção foi replicada nas classes nas quais se enquadrava. Assim sendo, quando uma constatação fazia referência, por exemplo, a problemas relacionados à ausência de capacitação e sobre a precariedade da estrutura do conselho, ela foi contabilizada nas duas categorias correspondentes.
Após a análise dos 61 relatórios de fiscalização, foram encontradas 363 constatações relativas à atuação dos conselhos municipais, as quais foram classificadas levando-se em consideração o número do sorteio no qual ocorreu a fiscalização, o ano de sua realização, o município fiscalizado e o código da constatação, além da categorização mencionada anteriormente.
4. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS
De acordo com a CGU (BRASIL, 2018), o Programa de Fiscalização previa a metodologia de escolha de municípios por sorteio, como forma de definição dos locais a serem investigados quanto ao correto emprego dos recursos públicos. Até o ano de 2014 eram sorteados 60 municípios, por semestre, com população até 500 mil habitantes, exceto capitais. Após reformulação, o programa recebeu a denominação de Programa de Fiscalização em Entes Federativos e a forma de seleção de municípios foi alterada, passando a ser definida por meio de Portaria.
Neste estudo foram analisados os relatórios resultantes dos dois sorteios realizados no ano de 2011, cuja relação de municípios foi divulgada nos meses de agosto e novembro, respectivamente, bem como os relatórios das fiscalizações do 1º sorteio de 2012, cujos municípios fiscalizados foram publicados em julho do ano em questão. Ou seja, nesse período foram sorteados 180 municípios, sendo 61 da Região Nordeste.
Objetivando demonstrar a representatividade dos municípios sorteados nas edições 34, 35 e 36 do Programa de Fiscalização em relação à quantidade total de municípios em cada estado da região Nordeste, foi elaborada a Tabela 1 contendo os respectivos percentuais.
| Estados | Quantidade de municípios sorteados | Total de municípios por estado | Porcentagem de municípios fiscalizados |
|---|---|---|---|
| Alagoas | 3 | 102 | 3% |
| Bahia | 11 | 417 | 3% |
| Ceará | 11 | 184 | 6% |
| Maranhão | 5 | 217 | 2% |
| Paraíba | 6 | 223 | 3% |
| Pernambuco | 8 | 185 | 4% |
| Piauí | 4 | 224 | 2% |
| Rio Grande do Norte | 8 | 167 | 5% |
| Sergipe | 5 | 75 | 7% |
| Total | 61 | 1.794 | 3% |
Em termos relativos, é possível observar que o estado de Sergipe foi o que teve a maior quantidade de municípios fiscalizados, 7% do total; por outro lado, os estados do Maranhão e do Piauí foram os que tiveram a menor quantidade, 2% cada um. Ressalta-se, ainda, que apenas 3% do total dos municípios de toda a região Nordeste passaram pelo crivo fiscalizatório da CGU em um período de dois anos. Essa situação tem implicações nos resultados desta pesquisa, pois se pode inferir que um número maior de municípios fiscalizados poderia levar à amplificação das descobertas, sejam elas positivas ou negativas.
Da análise das 363 constatações encontradas nos diversos tipos de conselhos municipais e evidenciadas pela CGU, foi possível verificar que o não acompanhamento da execução dos recursos públicos por parte dos conselhos municipais obteve a maior representatividade, com 38% do total das observações listadas nos relatórios de fiscalização, conforme se pode observar no Gráfico 1 .

Como problemas relacionados a esse item, observou-se: o não acompanhamento dos processos licitatórios, a não fiscalização do recebimento da merenda pelas escolas e as condições do seu armazenamento, o não acompanhamento do atendimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família, o não acompanhamento do censo escolar, a ausência de análise e aprovação das prestações de contas, a não realização de reuniões periódicas dos conselheiros para deliberação de atividades relacionadas à atuação dos conselhos, entre outros.
A segunda maior ocorrência, com 20% do total de todas as constatações levantadas, refere-se à falta de estrutura física e logística para funcionamento dos diversos tipos de conselhos existentes nos municípios. Nesse aspecto, verificaram-se deficiências relacionadas a local próprio para realização das atividades. Muitas vezes compartilham espaços onde funcionam setores da gestão municipal que, além de interferir na independência dos conselheiros, também dificulta a participação popular.
Nos casos em que existe espaço específico para os conselhos, também foram identificadas fragilidades relacionadas a sua inadequação, seja por serem espaços reduzidos que inviabilizam a participação da população nas reuniões, seja pela falta de materiais e equipamentos adequados às atividades desenvolvidas. Esse aspecto também é ressaltado em outras pesquisas, como no estudo de Almeida, Carlos e Silva (2016)
Sobre a representatividade dos demais pontos observados dos conselhos municipais, temos a ausência de capacitação de seus membros com 15% de notificações, problemas na composição do conselho com 12% e, em menor monta, vem a sonegação de informações pela gestão municipal com 9% e o desconhecimento da legislação relacionada ao funcionamento do conselho e às atribuições dos conselheiros e a não implantação dos conselhos, ambos com 3%.
O estudo permite inferir que os problemas identificados influenciam para que os conselhos tenham um mau desempenho e para que seus membros não efetuem de fato as atividades necessárias para o acompanhamento das políticas públicas, dificultando que sejam aprimoradas e que propiciem melhor atendimento à população, seja pela falta de capacitação de seus membros, o que dificulta a realização de uma análise mais aprofundada dos dados orçamentários e financeiros, seja pela falta de independência dos conselhos, quando sua composição não é respeitada e se descumpre o que prescreve a legislação pertinente ao assunto.
Essa situação sugere que o desconhecimento sobre a importância da atuação dos conselhos para as comunidades locais, bem como a falta de estrutura física mínima para sua atuação, demandam a atenção direta e imediata das autoridades superiores, pois a solução desses problemas é fundamental para que a participação social seja efetiva no processo de alocação e gestão dos recursos públicos.
Além de todas essas situações, não se pode deixar de ressaltar a falta de comprometimento dos conselheiros observada em alguns municípios, fato que dificulta a atuação geral do conselho e, igualmente, a geração de resultados positivos.
Sobre esses óbices, a título de exemplo, foram descritos no Quadro 3 parte das observações das equipes de auditoria da CGU e de alguns gestores municipais, que corroboram com as deficiências apontadas.
| Equipes de Auditoria da CGU | Gestores municipais |
|---|---|
| 34º Sorteio – 2011 – América Dourada/BA “4.1.1.1 – […] Outro ponto a destacar diz respeito à necessidade do comparecimento de conselheiros para a apreciação das contas dos recursos utilizados nos programas sociais, muitas vezes apenas dois membros comparecem às reuniões convocadas.” | 34º Sorteio – 2011 – Bela Vista do Maranhão/MA “2.2.1.7 – […] É fato que o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) de Bela Vista do Maranhão tem-se mostrado ineficiente, o que, de certa forma, revela por um lado a falta de compromisso da sociedade civil organizada, que por não ter remuneração desses serviços, não se motiva a participar de sua formação, dificultando o trabalho da Secretaria Municipal de Educação […]” |
| 34º Sorteio – 2011 – Canápolis/BA “1.3.3.11 – […] Instados a manifestarem-se sobre o papel que os conselheiros desempenham em função do Conselho, todos os presentes informaram que não atuam e, sabendo da necessidade de sua aprovação para as despesas do Fundo, não têm conhecimento de como o Município continua recebendo os repasses normalmente, mesmo sem a sua aprovação.” | 35º Sorteio – 2011 – Umbuzeiro/PB “4.4.2.7 – […] Com relação à atuação do Conselho, este Município orienta e solicita a participação dos seus membros no acompanhamento e fiscalização dos programas sociais, através da Secretária de Ação Social, porém as próprias atas demonstram que alguns membros, principalmente da sociedade civil, não comparecem às reuniões, muito menos fiscalizam os programas assistenciais, não podendo responder a Secretaria, pelas falhas cometidas pelos membros do Conselho.” |
| 36º Sorteio – 2012 – Itacuruba/PE “4.1.1.8 – […] Nas reuniões é relatado pela presidente a falta de compromisso e participação dos conselheiros.” | 36º Sorteio – 2012 – Condado/PE “4.1.3.3 – […] No município existe uma dificuldade muito grande na participação dos membros dos conselhos em suas reuniões ou atividades, por falta de comprometimento das pessoas.” |
A quantidade de municípios que apresentaram alguma ocorrência, em cada uma das categorias definidas, encontra-se exposta no Gráfico 2 . Os dados permitem constatar que a maior parte dos municípios, 55 dos 61 analisados, enfrenta dificuldades quanto ao não acompanhamento da execução dos recursos públicos, seguida pela falta de infraestrutura dos conselhos e ausência de capacitação dos seus membros, que ocorrem, respectivamente, em 43 e 39 municípios, despertando a atenção para a baixa efetividade da função precípua dos conselhos, que é representada principalmente pela fiscalização na correta aplicação dos recursos públicos.

Percebe-se ainda a interligação entre tais deficiências: se não há estrutura e logística para a execução das atividades a que foram designados e igualmente não há instrução técnica, como esperar que conselheiros efetuem satisfatoriamente o acompanhamento da execução dos gastos públicos?
Desdobrando-se as informações constantes do Gráfico 2 , segundo os sorteios públicos realizados pela CGU, no período delimitado para este estudo, é possível observar que a maioria das ocorrências se repetiram nas fiscalizações dos municípios constantes dos três sorteios realizados, com exceção apenas da categoria 5 – não implantação dos conselhos –, conforme se pode constatar na Tabela 2 . Também é possível notar, nessa mesma tabela, a tendência das ocorrências evidenciadas. Cabe destacar que nos sorteios 34 e 35 foram fiscalizados 24 municípios em cada um, e que no sorteio 36 foram apenas 13, o que pode justificar o menor número absoluto de ocorrências nesse sorteio.
| Categoria de ocorrência | Quantidade e percentual de ocorrências em relação ao total de municípios fiscalizados em cada sorteio | |||||
|---|---|---|---|---|---|---|
| Sorteio | ||||||
| 34º | 35º | 36º | ||||
| Qtde. | % | Qtde. | % | Qtde. | % | |
| 1) Desconhecimento da legislação pelos conselheiros | 2 | 8,3% | 2 | 8,3% | 3 | 23,1% |
| 2) Problemas na composição dos conselhos | 14 | 58,3% | 10 | 41,7% | 4 | 30,8% |
| 3) Ausência de capacitação de conselheiros | 13 | 54,2% | 16 | 66,7% | 10 | 76,9% |
| 4) Sonegação de informações pela gestão municipal | 10 | 41,7% | 8 | 33,3% | 6 | 46,1% |
| 5) Não implantação de conselhos | 1 | 4,2% | 7 | 29,2% | 0 | 0,00% |
| 6) Não acompanhamento da execução dos recursos públicos | 21 | 87,5% | 22 | 91,7% | 12 | 92,3% |
| 7) Falta de estrutura física e logísticas | 18 | 75% | 18 | 75% | 7 | 53,8% |
| Soma | 79 | – | 83 | – | 42 | – |
Observa-se que no período analisado houve um aumento relativo no percentual das seguintes ocorrências: desconhecimento da legislação pelos conselheiros, ausência de capacitação dos conselheiros, sonegação de informações pela gestão municipal e não acompanhamento da execução dos recursos públicos dos programas vinculados aos conselhos municipais. Por outro lado, percebe-se uma relativa melhora dos problemas relacionados à composição e à implantação dos conselhos, bem como nas suas estruturas físicas e logísticas.
Destacam-se, tanto pela significância quanto pela tendência crescente, as categorias 3 e 6. Assim sendo, pode-se inferir que a ausência de capacitação dos conselheiros (categoria 3) pode ser um dos principais fatores que comprometem as atividades relacionadas ao acompanhamento da execução dos recursos públicos (categoria 6) destinados aos programas municipais, já que se faz necessário um conhecimento técnico mínimo para entender a processualística orçamentária.
A oferta de capacitação aos integrantes, conforme legislação aplicada ao assunto, é incumbência do órgão federal responsável pela respectiva política pública, seja na área de saúde, educação, assistência social ou qualquer outra que venha a ser implementada. No entanto, isso não exime o gestor municipal de estimular os conselheiros a buscarem a capacitação por outros meios. Conselheiros capazes e estimulados para a realização de suas atividades fortalecem o controle social e auxiliam o município na correta aplicação dos recursos do erário, resultando na oferta de melhores serviços públicos para a comunidade como um todo.
Quando se amplia o escopo da análise para os estados da região Nordeste, é possível averiguar que em todos eles existem problemas relativos à composição dos conselhos e ao acompanhamento da execução dos recursos disponibilizados, conforme se pode observar na Tabela 3 , na qual foram distribuídas as constatações de todos os tipos de conselhos municipais citados nos relatórios da CGU.
| Classes de constatações | Estados | ||||||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| AL | BA | CE | MA | PB | PE | PI | RN | SE | Soma | % | |
| 1) Desconhecimento da legislação pelos conselheiros | 0 | 0 | 2 | 1 | 2 | 2 | 0 | 2 | 0 | 9 | 3% |
| 2) Problemas na composição dos conselhos | 2 | 8 | 11 | 4 | 1 | 9 | 1 | 1 | 8 | 45 | 12% |
| 3) Ausência de capacitação de conselheiros | 7 | 12 | 9 | 8 | 0 | 9 | 2 | 5 | 3 | 55 | 15% |
| 4) Sonegação de informações pela gestão municipal | 0 | 12 | 1 | 6 | 0 | 5 | 0 | 6 | 4 | 34 | 9% |
| 5) Não implantação de conselhos | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 4 | 0 | 0 | 0 | 9 | 3% |
| 6) Não acompanhamento da execução dos recursos públicos | 11 | 24 | 20 | 18 | 4 | 22 | 5 | 16 | 17 | 137 | 38% |
| 7) Falta de estrutura física e logística | 6 | 17 | 11 | 11 | 0 | 14 | 2 | 6 | 7 | 74 | 20% |
| Total de constatações identificadas | 27 | 74 | 55 | 49 | 8 | 65 | 10 | 36 | 39 | 363 | 100% |
Também é possível observar que, com exceção do estado da Paraíba, todos os demais daquela região apresentaram deficiências quanto à capacitação dos conselheiros e à estrutura física e logística para o funcionamento dos conselhos, fatos que podem prejudicar a implementação das políticas públicas de forma que produzam os resultados planejados.
Outro aspecto negativo evidenciado pelos dados diz respeito ao desconhecimento da legislação por parte dos conselheiros dos estados do Ceará, do Maranhão, da Paraíba, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.
Enfim, haja vista que as informações constantes dos relatórios de fiscalização têm, entre outros objetivos, o de permitir ao gestor atuar de forma mais efetiva na deficiência identificada, os pontos positivos podem ser resultantes de modelos de boas práticas e se tornarem referências de experiências bem-sucedidas. Assim, o fato de não terem sido observadas, nos municípios do estado da Paraíba, falhas relativas à capacitação dos conselheiros e falta de estrutura física para os conselhos pode representar um importante exemplo de atuação para os demais estados da região Nordeste.
5. CONCLUSÃO
Após análise das constatações relativas à atuação dos conselhos municipais levantadas pela equipe de auditoria da CGU em fiscalizações realizadas em municípios da região Nordeste, decorrentes do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos nos anos de 2011 e 2012, foi possível identificar que as falhas verificadas nos anos de 2003 a 2005, apontadas no trabalho de Araújo et al. (2006), continuam ocorrendo.
Entre as sete categorias estudadas, a que chamou mais atenção foi a que diz respeito ao “não acompanhamento da execução dos recursos públicos” por parte dos conselheiros, pois representou 38% das constatações; foi a que apareceu no maior número de municípios, 55 dos 61 analisados; foi a mais significativa nas três fiscalizações realizadas, além de manter uma tendência de crescimento; e, juntamente com os “problemas na composição dos conselhos”, apareceu em municípios de todos os estados da região Nordeste.
A “falta de estrutura física e logística” foi a segunda categoria em termos de representatividade das constatações e da quantidade de municípios fiscalizados, porém houve um decréscimo no número de problemas no último sorteio realizado. Já a “ausência de capacitação aos conselheiros” ficou em terceiro lugar em termos de representatividade e também em quantidade de municípios, no entanto, apresentou a mais significativa tendência de crescimento entre as sete categorias analisadas, aumentando 22,7 pontos percentuais no período.
Diante dos resultados apresentados por essas três categorias, é possível inferir que existe uma correlação de causa e efeito entre os problemas apresentados pelos conselhos municipais. Pois, como é possível pessoas tecnicamente despreparadas e sem estrutura de trabalho acompanhar a execução de recursos orçamentários destinados a programas sociais?
Soma-se a isso a questão da sonegação de dados por parte da administração municipal, o que dificulta a socialização de informações para a melhoria das atividades de controle e acompanhamento das políticas públicas locais. Assim, é importante que os conselheiros compreendam que não devem ficar submissos ao julgamento dos gestores municipais, pois o conselho tem em sua gênese a essência das decisões coletivas. A compreensão da importância de seu papel é fundamental para fortalecimento da transparência e da participação social na aplicação dos recursos em benefícios da sociedade.
Em análise geral, pode-se deduzir que as deficiências pontuadas se interligam e estão dificultando o sucesso pleno dos propósitos dos conselhos, ou seja, a melhoria no atendimento da população por meio da otimização e do acompanhamento dos programas sociais sob suas supervisões.
Em concordância com outros autores, como sugestões para o aprimoramento da efetividade na atuação dos conselhos municipais e no incentivo à participação da comunidade local no processo de gestão dos recursos públicos, propõem-se: a ampla divulgação da existência e do funcionamento dos conselhos, possivelmente em pontos de movimentação popular, inclusive com a disponibilização de calendários das reuniões e incentivo à gestão participativa (GONÇALVES; GONÇALVES; TAVARES, 2011; REZENDE, 2013); ampliação das atividades de capacitação oferecidas aos conselheiros, e possivelmente à sociedade interessada, com oferecimento de cursos, incluindo aqueles ofertados pela própria CGU, por meio do programa Olho Vivo no Dinheiro Público, ou seja, educação continuada que possibilite ao conselheiro analisar os relatórios de evidenciação da aplicação dos recursos financeiros, propiciando uma melhor compreensão para fins de acompanhamento, fortalecendo, assim, a capacidade de atuação desses agentes locais, haja vista que só é possível controlar aquilo que se conhece; e recompensa pelo desempenho dos conselheiros mais atuantes, via menção honrosa ou outra forma possível identificada pelo gestor municipal (COTTA; CAZAL; RODRIGUES, 2009).
Adicionalmente, é importante também que o gestor público estimule a participação da sociedade, conscientizando a população que o dinheiro público pertence a cada um dos indivíduos, e que, portanto, todos podem contribuir para a sua boa aplicação.
Por fim, como continuidade desta pesquisa, sugere-se a ampliação de seu escopo, de forma a abranger municípios das demais regiões do Brasil, especialmente com o intuito de identificar boas práticas relacionadas à atuação dos conselhos municipais, permitindo disseminação acadêmica e incremento da atuação comunitária no acompanhamento dos gastos públicos.
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Autor notes
Endereço dos autores: Rosane Maria Pio da Silvarosanepio@unb.brAndréa de Oliveira Gonçalvesandreaegoncalves@gmail.comAntonio Carlos Santossotnas98@gmail.comElaine Cristina Pirkielelainepirkiel@bol.com.br