Artigos
Recepção: 11 Fevereiro 2017
Aprovação: 06 Fevereiro 2018
DOI: https://doi.org/10.13037/gr.vol35n103.4538
RESUMO: Esta pesquisa objetiva caracterizar o processo de aprendizagem organizacional em negócios sociais sob a perspectiva do público interno. Os negócios sociais são organizações cuja finalidade é promover soluções para problemas que afetam as populações menos favorecidas da sociedade, utilizando-se de mecanismos de mercado. Entender o processo de aprendizagem nessas organizações mostra-se relevante, uma vez que seu sucesso pode ser influenciado pela oportunidade que os indivíduos têm de aprender e aplicar seus aprendizados. Foi realizada uma survey para captar a percepção dos profissionais de negócios sociais acerca da aprendizagem nas dimensões Individual, Organizacional, Coletivo e Liderança. Os resultados indicam que a aprendizagem ocorre por meio de iniciativas informais, como na execução de atividades cotidianas e interação com colegas e líderes, e por iniciativas formais voltadas para o coletivo, como palestras e treinamentos. Tais características evidenciam a necessidade de estruturar os processos de aprendizagem nos negócios sociais para que atendam tanto a necessidades individuais quanto às estratégias da organização.
Palavras chave: Negócios Sociais, Aprendizagem Organizacional, Gestão de Pessoas.
ABSTRACT: This research aims to characterize the organizational learning process in social business from the perspective of the internal public. Social businesses are organizations whose purpose is to promote solutions to problems that affect the less favored populations of society, using market mechanisms. Understanding the learning process in these organizations is relevant, since its success can be influenced by the opportunity that individuals have to learn and apply their learning. A survey was conducted to capture the perception of social business professionals about learning in the Individual, Organizational, Collective and Leadership dimensions. The results indicate that learning occurs through informal initiatives, such as the execution of daily activities and interaction with colleagues and leaders, and by formal initiatives geared towards the collective, such as lectures and trainings. These characteristics highlight the need to structure the learning processes in social businesses so that they meet both the individual needs and the strategies of the organization.
Keywords: Social Business, Organizational Learning, Human Resources Management.
1 INTRODUÇÃO
A expansão do sistema econômico capitalista resultou, ao longo dos anos, no agravamento de inúmeros problemas sociais e ambientais. A responsabilidade de mitigar ou solucionar esses problemas era delegada, em maior ou menor proporção, aos setores público, privado e também às organizações não governamentais. Entretanto, interesses particulares de cada um dos setores dificultam a articulação de ações coesas e colaborativas destas três esferas no intuito de minimizar as disparidades sociais e os impactos ambientais (FISCHER, 2002).
Em contrapartida, o que se verifica nas últimas décadas é um fortalecimento da interação entre estes setores com a finalidade de entender com mais profundidade o contexto no qual estão inseridos e aproveitar as novas oportunidades que estes cenários oferecem, de modo que os interesses e necessidades mútuos possam ser atendidos de maneira equilibrada. Nesse contexto, surgem os Negócios Sociais: organizações que conciliam interesses de empresas privadas, como a sustentabilidade financeira, com interesses de instituições do terceiro setor, como a geração de impacto social (COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012; IIZUKA; VARELA; LARROUDÉ, 2015; ROSOLEN; TISCOSKI; COMINI, 2014).
Para a consolidação dessas organizações, entender quais são as possibilidades de aprendizagem e de que maneira este processo acontece em negócios sociais pode ser um aspecto relevante para que os profissionais que atuam nesses empreendimentos sejam capazes de direcionar suas experiências, conhecimentos e habilidades no sentido de influenciar a organização em que atuam, os indivíduos dentro e fora do ambiente organizacional e, assim, alcançar os objetivos sociais almejados. Coelho e Godoy (2011, p. 490) afirmam que “as organizações são criadas e recriadas pelos seres humanos, sendo sua performance resultado direto e/ou indireto da capacidade de eles aprenderem e aplicarem aprendizados e conhecimentos”.
A partir de 1990, a literatura acerca da aprendizagem direciona-se para os estudos que tratam da Aprendizagem Organizacional (AO). Esta perspectiva busca compreender como os indivíduos aprendem nas organizações, quais processos permeiam este fenômeno e como o contexto influencia a aprendizagem. Assim, a aprendizagem passa a ser entendida como um processo social, que acontece quando os indivíduos conseguem participar e interagir socialmente e, ainda, interpretar as experiências provenientes dessas ações (COELHO; GODOY, 2011; EASTERBY-SMITH; BURGOYNE; ARAUJO, 2001).
O objetivo deste estudo é caracterizar os processos de aprendizagem em negócios sociais sob a perspectiva do público interno. Para atingir o objetivo proposto, a metodologia utilizada será quantitativa e descritiva, fazendo uso de uma survey para a coleta de dados. O público-alvo é composto por profissionais que atuam em negócios sociais, preservando-se a identificação do negócio social e do respondente.
Assim, espera-se contribuir para o aprofundamento das discussões com relação aos negócios sociais e também acerca de temas de Gestão de Pessoas, especialmente no que se refere ao desenvolvimento profissional através da aprendizagem.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo desenvolvem-se os principais conceitos que permeiam este estudo. Inicialmente, são abordados os conceitos de Negócios Sociais em diferentes contextos. Em seguida, são abordadas as perspectivas de Aprendizagem Organizacional relevantes para este trabalho, bem como os níveis em que se dá os processos de aprendizagem e como o ambiente organizacional pode influenciar na aprendizagem.
2.1 Negócios Sociais
Empreendimentos Sociais, Empresas Sociais, Negócios Sociais, Negócios Inclusivos são alguns dos termos que surgiram para caracterizar as iniciativas que utilizam mecanismos de mercado para alcançarem a principal missão do negócio: gerar impacto positivo para a sociedade ao prover soluções para problemas que afetam as populações menos favorecidas (BORZAGA; GALERA; DEPREDI, 2012; COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012).
A definição conceitual dessas instituições pode variar, uma vez que elas surgem em contextos políticos, econômicos, sociais e ambientais distintos e envolvem interesses de diversos stakeholders, como governos, organizações sem fins lucrativos, investidores, voluntários, consumidores e empresários. Isso explica, pelo menos, três diferentes abordagens conceituais de negócios sociais em diferentes contextos: europeu, norte-americano e contexto dos países em desenvolvimento (COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012).
De acordo com levantamento realizado por Rosolen, Tiscoski e Comini (2014), o campo de estudos dos Negócios Sociais está em fase de consolidação e, embora tenha crescido expressivamente nos últimos anos no âmbito internacional, a maior parte dos estudos está focada em discutir a definição conceitual. A seguir, serão apresentadas brevemente as principais abordagens de negócios sociais, com destaque para o contexto dos países em desenvolvimento, onde foi realizado o presente estudo.
2.1.1 Negócios sociais no contexto europeu
Conhecidas como social enterprise, ou Empresas Sociais. Surgiram no contexto da crise do welfare state, no final da década de 1970, em que organizações sociais atuavam oferecendo serviços que amparavam uma parcela marginalizada da população e que, à princípio, faziam parte do escopo do setor público. Dessa forma, as empresas sociais eram uma alternativa aos gastos do Estado com problemas sociais (KIYAMA; COMINI; DAMARIO, 2014; COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012).
Outra característica distinta desses negócios é a “tendência no modelo europeu de valorização do coletivo, participação na tomada de decisão de todos os stakeholders envolvidos e importância da accountability e transparência na gestão”, segundo Comini, Barki e Aguiar (2012, p. 388). Assim, diminui-se a probabilidade de surgirem comportamentos oportunistas por parte dos envolvidos e prevalece o compartilhamento de metas que são importantes para a organização (BORZAGA; GALERA; DEPREDI, 2012).
2.1.2 Negócios sociais no contexto norte-americano [3]
Nos Estados Unidos, o termo mais utilizado é “social business”, ou Negócio Social (COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012). Dois contextos influenciaram o surgimento de negócios sociais nos Estados Unidos: o primeiro refere-se à necessidade das multinacionais repensarem suas estratégias para oferecerem serviços e produtos específicos para a parcela da população que compunha a base da pirâmide e representava um contingente significativo de potenciais consumidores.
Prahalad e Hart (2002) destacam o papel das grandes corporações para minimizar os problemas sociais e ambientais das populações da base da pirâmide social. Para os autores, mais do que assumir atividades de responsabilidade social, as multinacionais podem contribuir oferecendo produtos e serviços que atendam a uma demanda específica dessa população. O segundo contexto envolve a carência de doações destinadas às organizações sem fins lucrativos por conta da crise econômica nos Estados Unidos na década de 1970, de acordo com Kerlin (2006).
Nos círculos acadêmicos norte-americanos, empresa social abrange desde uma empresa com fins lucrativos que executa atividades socialmente benéficas, como acontece na filantropia corporativa ou na responsabilidade social das empresas, até uma organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades comerciais para dar suporte à sua principal missão, de cunho social. No meio destes extremos, é possível identificar as empresas que possuem duplo propósito (híbridas), equilibrando seus objetivos sociais com os objetivos financeiros (KERLIN, 2006; YOUNG, 2009; COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012).
2.1.3 Negócios sociais nos países em desenvolvimento
Mais conhecidos como “negócios inclusivos”. A visão de negócios sociais em países em desenvolvimento é fortemente influenciada pela definição de Muhuamad Yunus, ganhador do Nobel da Paz em 2006 e fundador do Grameen Bank, que faz a distinção entre dois tipos de negócio social, conforme citam Comini, Barki e Aguiar (2012, p. 390):
(i) primeiro são as empresas que se concentram em fornecer um serviço social em vez de maximizar os lucros dos proprietários, e que são de propriedade de investidores que buscam benefícios sociais, como redução da pobreza, cuidados de saúde para os pobres, justiça social, a sustentabilidade global [...] em vez de recompensa financeira. (ii) a segunda consiste em empresas que são de propriedade dos pobres ou desfavorecidos. Neste caso, o benefício social é derivado do fato de que os dividendos e crescimento financeiro produzidos pelo negócio vão beneficiar os pobres, ajudando-os assim a reduzir a sua pobreza.
Segundo Kiyama, Comini e Damario (2014), nos países em desenvolvimento é comum que os negócios sociais se caracterizem por micro, pequenas ou médias empresas, frutos da mobilização da sociedade civil, que desenvolvem atividades buscando impactar positivamente a realidade no qual se inserem, diferentemente do contexto norte americano, em que grandes empresas possuem iniciativas de responsabilidade social como estratégia para manter a sustentabilidade de seus negócios, mas não se configuram como sua atividade-fim.
No Brasil, não existe uma definição específica para negócios sociais, mas os modelos de negócio se aproximam das características dos negócios inclusivos, praticados nos países em desenvolvimento. Através de um mapeamento feito em 2011 pelo Plano CDE e coordenado por Polo Ande Brasil, Fundação AVINA e Potencia Ventures, é possível visualizar algumas características específicas das organizações com significativo potencial de crescimento, financeiramente sustentáveis, ou que podem vir a ser, e que possuem a intenção de gerar um impacto positivo na sociedade (ANDE BRASIL; 2011). O mapeamento indicou 140 negócios sociais no Brasil, distribuídos em nove setores diferentes: Turismo (7), Tecnologia/TI/Energia (8), Canais de Distribuição (8), Moradia e outros (9), Agricultura/Alimentos (9), Moda/Decoração (10), Artesanato (13), Saúde/Cultura/Educação (14) e Serviços Financeiros (62). Estes negócios estão distribuídos pelas cinco regiões brasileiras, mas concentram-se especialmente no Sudeste (55).
Esses negócios sociais têm como foco principal de atuação o setor de Educação (34% da amostra), seguido de Serviços Financeiros (24%) e Cultura (24%). O setor de Saúde, que representa um dos maiores problemas estruturais do país, ainda possui um foco baixo, apenas 8% da amostra. O mapeamento revela que o potencial de crescimento desses negócios sociais é bastante expressivo, considerando um horizonte curto de tempo (ANDE BRASIL; 2011).
É importante destacar que, apesar do notável crescimento do campo dos negócios sociais tanto no âmbito nacional, quanto internacional, as produções acadêmicas ainda estão em fase de consolidação e carecem de estudos com diferentes perspectivas teóricas e práticas (ROSOLEN; TISCOSKI; COMINI, 2014). De acordo com Iizuka, Varela e Larroudé, 2015, as publicações da área têm focado mais no desenvolvimento de modelos teóricos e são pouco exploradas as necessidades funcionais dos negócios sociais.
Dentre as práticas e processos vitais para o funcionamento de uma organização, destaca-se a aprendizagem. Tal aspecto, especialmente prevalente no desenvolvimento de um negócio social, mostra-se fundamental para seu desempenho tanto social quanto financeiro, assim como sua competitividade e sustentabilidade (SMITH; GONIN; BESHAROV, 2013).
2.2 Aprendizagem Organizacional sob diferentes perspectivas
O desenvolvimento da economia e da sociedade em função do conhecimento e da descoberta de novas tecnologias trouxe fortes impactos aos modelos organizacionais. Os recursos humanos passam a ser considerados importantes ativos para as organizações, que necessitam cada vez mais de seu capital intelectual para elevar sua capacidade de competir com as demais, de acordo com Legge (2005). Detentor de conhecimentos variados, capaz de ler e interpretar diferentes contextos, o indivíduo passa a assumir a múltiplas responsabilidades, amplia seu escopo de atuação e é visto como um agente estratégico, capaz de conduzir a organização ao sucesso almejado.
O conceito de aprendizagem está fortemente atrelado a este novo contexto no qual as organizações estão inseridas. Camillis (2011) destaca que o termo possui, na literatura, duas vertentes de estudo em relação ao que é e como ocorre a aprendizagem: de um lado, as Organizações que aprendem (OA) e, do outro, a Aprendizagem Organizacional (AO).
Na vertente das Organizações que Aprendem (OA), o aprendizado segue uma linha mais pragmática, pautada no desenvolvimento de modelos e metodologias para promover a mudança através de processos de aprendizagem mais aperfeiçoados. Segundo Camillis (2011, p. 273), “enfatiza intervenções baseadas na mensuração e na crença de que é possível definir processos normativos”. Um dos pontos de atenção desse modelo é que as pessoas e as organizações podem agir de forma diferente do que foi racionalmente definido e podem manipular as informações, utilizando-as de acordo com os próprios interesses. Esse comportamento pode afetar a integridade e o acesso à informação, como ilustram Easterby-Smith, Burgoyne e Araujo (2001).
Na outra vertente, da Aprendizagem Organizacional (AO), os estudos acerca da aprendizagem assumem uma linha processual, concentrando-se ora nos processos de aprendizagem individual, ora no entendimento de aprendizagem coletiva e, em outro momento, buscam compreender os processos que ocorrem em nível organizacional (CAMILLIS, 2011).
O presente estudo foca na aprendizagem organizacional, mas não se limita a utilizar uma ou outra abordagem (individual, coletiva ou organizacional) especificamente, uma vez que a proposta é expor um panorama amplo acerca do conceito de aprendizagem em negócios sociais. No Brasil, os estudos acerca da aprendizagem são fortemente influenciados pelas perspectivas da Administração e da Psicologia (GODOY; ANTONELLO, 2011).
Sob a perspectiva da Administração, destaca-se o processo Cognitivo de aprendizagem que, segundo Slater e Naver (1995), definem aprendizagem como um processo de geração, aquisição e interpretação de conhecimentos que, por sua vez, influenciam o comportamento do indivíduo. Isto permite que os funcionários de uma organização avancem para além do “simples armazenamento de experiências racionais” para “intérpretes da realidade”, conforme ilustram Godoy e Antonello (2011, p. 41). Complementar à perspectiva cognitiva, que foca no nível individual, a perspectiva Cultural trata a aprendizagem no nível coletivo, apontando que as experiências adquiridas por um grupo favorecem o desenvolvimento de atividades coletivas (COOK; YANOW, 1993).
Há um conceito recente que trata da aprendizagem sob a perspectiva Estratégica/ Gerencial. Nessa visão, os líderes possuem papel importante no processo de aprendizagem ao estimularem um “ambiente de aprendizagem dentro da organização, identificando problemas e tomando decisões estratégicas” (GODOY; ANTONELLO, 2011, p. 43).
Já na perspectiva da Psicologia, destaca-se o processo de aprendizagem com foco social, que trata a aprendizagem como fruto das interações sociais que acontecem dentro e fora da organização. Na abordagem social, o processo de aprendizagem acontece no nível individual, ao assumir que é a pessoa e não a organização que aprende.
Para Easterby-Smith, Burgoyne e Araujo (2001), no ambiente organizacional, a perspectiva social da aprendizagem tem como foco entender de que modo as pessoas dão significado às suas experiências de trabalho, que podem surgir através de informações organizadas que a própria empresa disponibiliza, ou que “está na cabeça das pessoas”. Para Brown e Duguid (1991), nas organizações, verifica-se com frequência que as experiências provêm das interações que acontecem de maneira informal entre aqueles que detêm mais ou menos conhecimento, pois nem sempre a empresa possui recursos claros que possibilitem o aprendizado de maneira formal.
Dessa forma, o aprendizado acontece quando os indivíduos conseguem participar e interagir socialmente e, ainda, interpretar as experiências provenientes dessas ações. Embora a aprendizagem com foco social seja baseada no indivíduo, ela se comunica fortemente com a perspectiva cultural, mencionada anteriormente, cujo nível de análise é o coletivo, conforme mencionam Easterby-Smith, Burgoyne e Araujo (2001).
Ainda sob a perspectiva psicológica, a abordagem experiencial merece destaque. Nela, o processo de aprendizagem acontece “por meio da interação do indivíduo com o ambiente, envolvendo experiências concretas, observação e reflexão, que geram a permanente revisão dos conceitos aprendidos” (CAMILLIS, 2011, p. 141). A autora destaca ainda que o fato de pensar e refletir é que permite aos indivíduos estabelecer conexões entre a ação e suas conseqüências, o que possibilita a reconstrução da experiência vivenciada. O ato de refletir sobre determinada experiência é que gera aprendizado. Kolb (1984) desenvolveu um modelo que ilustra como a experiência é importante no processo de aprendizagem. Neste modelo, a aprendizagem acontece quando o indivíduo consegue, através do processo de reflexão e pensamento, transformar a experiência vivenciada e aplicá-la em uma nova situação (KOLB, 1984; ANTONELLO, 2010).
2.2.1 Aprendizagem: níveis de análise
A sistematização mais simples acerca da aprendizagem na organização divide os estudos em níveis de aprendizagem: individual, coletivo e organizacional. Para delinear a construção de estudos sobre a aprendizagem organizacional, Prange (2001) sugere alguns questionamentos que precisam ser feitos. Dentre eles, a autora questiona “Quem aprende”, ou seja, quem é o sujeito da aprendizagem: os indivíduos ou a própria organização.
Neste sentido, alguns estudos focam a aprendizagem no indivíduo, enquanto outros focam na organização como o principal sujeito da aprendizagem (BASTOS; GONDIM; LOIOLA, 2004). A análise de aprendizagem é elevada para o nível coletivo ao considerar que o processo de aprendizagem ocorre quando a reflexão acontece de forma coletiva, gerando mudanças nos padrões de comportamento do grupo e nos valores por eles compartilhados. Ainda de acordo com os autores, para que a mudança individual possa ser transferida para o nível coletivo, é importante que se construa uma comunicação bem estruturada e se estabeleça um ambiente favorável para as interações pessoais, onde seja possível o compartilhamento de ideias, experiências, valores e competências, externalizando aspectos do indivíduo para a construção do coletivo.
A aprendizagem passa a ser organizacional quando as ideias, valores e competências partilhadas no âmbito coletivo formam as bases para que a organização estabeleça estruturas, normas e práticas institucionalizadas. Assim, os autores correlacionam os níveis de aprendizagem ao afirmarem que “ao mesmo tempo em que os indivíduos aprendem e criam estruturas organizacionais, estas retroagem sobre o indivíduo e limitam sua capacidade de aprender e renovar as organizações” (BASTOS; GONDIM; LOIOLA, 2004, p. 5).
2.2.2 Aprendizagem Formal e Informal
Segundo Antonello (2011a), a aprendizagem considerada formal, no ambiente organizacional, ocorre através de práticas e ferramentas construídas de maneira intencional e estruturada. Dutra (2002, p. 152) define as chamadas “ações de desenvolvimento formais”, como aquelas baseadas em conteúdos pragmáticos, fazendo uso de metodologias, cuja informação é transmitida através de instrutores e ocorrem em ambientes específicos, como salas de aula, palestras, ou seminários. Também ocorrem por meio de ferramentas formais de desenvolvimento, como o Plano de Desenvolvimento Individual, instrumento utilizado como parte dos processos de Avaliação de Desempenho e Desenvolvimento de funcionários.
Quanto à aprendizagem informal, ocorre através de ações que envolvem, em sua estruturação, o profissional-aprendiz. Assim, a aprendizagem informal pode acontecer quando há participação do profissional em projetos com diferentes equipes, atividades diversas, como trabalhos voluntários ou estágios (DUTRA, 2002). Assim, a aprendizagem informal pode ser encorajada pela organização ou ocorrer apesar do ambiente pouco propício à aprendizagem.
Muito do know-how crítico para as organizações não está explícito em referências bibliográficas e nem pode ser passado para um indivíduo através de modelos formais de aprendizagem, mas sim por meio da interação com outros indivíduos e de experiências práticas no ambiente de trabalho. Em muitas organizações, o processo de aprendizagem informal é um elemento cultural e faz parte do processo de adaptação e adequação de um profissional na organização (CAMILLIS; 2011).
Para Antonello (2011b), a aprendizagem formal e informal se inter-relacionam, pois, é possível verificar que existe certa informalidade em situações de aprendizagem formal e vice-versa. Para tanto, “a natureza desta inter-relação [...] e seu impacto nos aprendizes [...] relacionam-se muito de perto aos contextos organizacionais, sociais, culturais, econômicos, históricos e políticos nos quais a aprendizagem acontece” (ANTONELLO, 2011b, p. 227).
O “Modelo 70:20:10” desenvolvido por Morgan McCall, Robert Eichinger e Michael Lombardo, do Center for Creative Leadership, em 1996, traz um exemplo consistente de como a aprendizagem aglutina ações formais e ações informais. O “Modelo 70:20:10” sugere que 70% do aprendizado de um indivíduo refere-se à aprendizagem na prática, sendo o Plano de Desenvolvimento Individual um importante instrumento para direcionar o indivíduo. O desenvolvimento, neste sentido, se dá principalmente por meio da atitude de experimentar e praticar. No modelo, 20% do aprendizado é construído através da interação com outras pessoas e da cooperação entre elas, através do coaching informal e de atividades práticas desenvolvidas em equipe. As ações que se encontram nos “70%” e nos “20%” podem ser tanto práticas formais quanto informais e podem ser conceituadas como aprendizagem experiencial. Por fim, 10% do aprendizado é obtido através de métodos formais de ensino, que usam metodologias e estruturas bem definidas para atingir objetivos pré-estabelecidos (JENNINGS; WARGNIER, 2011).
2.2.3 Como o ambiente organizacional pode influenciar o processo de aprendizagem
A cultura de uma organização é um fator importante que influencia no processo de aprendizagem dos indivíduos na medida em que os estimula a pensarem em suas atividades diárias e a discutirem e trocarem ideias com outros membros da organização com o intuito de melhorarem a maneira pela qual as atividades são realizadas (COSTA, 2011).
A noção de liderança também é capaz de influenciar o processo de aprendizagem nas organizações. Cunningham e Iles (2002, p. 483) destacam quatro ações que os líderes devem exercer e que contribuem para a o estímulo de um clima de aprendizagem na organização. São eles: “desenvolver um modelo adequado de comportamento e prática; planejar e promover oportunidades de aprendizagem; construir aprendizagem integrada aos processos e, por fim, ter atitudes favoráveis à aprendizagem”.
Garvin (2000) reforça a importância de as organizações criarem um ambiente favorável à aprendizagem e cita quatro iniciativas: reconhecer e aceitar as diferenças; fornecer feedback oportuno; estimular o fluxo de novas ideias e, por fim, assumir riscos e enganos. Estes fatores que favorecem a aprendizagem organizacional permitem que as empresas percebam e ajam mais facilmente com relação às mudanças do ambiente empresarial. Ao mesmo tempo, a empresa precisa ter uma cultura apta a praticá-los, para que eles possam impulsionar o ambiente e a cultura de aprendizagem (COSTA, 2011).
Ao se considerar as características organizacionais e o ambiente complexo que envolvem o campo dos negócios sociais ao tentarem conciliar a missão social com objetivos de mercado, destaca-se a influência que o processo de aprendizagem baseado nessas tensões pode exercer na consolidação dos objetivos organizacionais (IIZUKA; VARELA; LARROUDÉ, 2015; SMITH; GONIN; BESHAROV, 2013).
Assim, este artigo pretende caracterizar os processos de aprendizagem em negócios sociais a partir da percepção dos profissionais que atuam nessas organizações. Considerando a literatura sobre Aprendizagem Organizacional, as características serão analisadas sob quatro perspectivas: Individual, Coletivo, Organizacional e da Liderança.
3 METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como exploratório e baseia-se na análise de exemplos que estimulem o entendimento sobre o tema. Para atingir o objetivo da pesquisa, optou-se pela abordagem quantitativa, centralizada na objetividade, sistematização e quantificação dos conceitos, empregando-se técnicas matemáticas, que minimizam a subjetividade do pesquisador (MARCONI; LAKATOS, 2011).
O procedimento usado para coleta de dados foi a pesquisa do tipo survey, que se caracteriza pela aplicação de questionário diretamente a grupo de interesse e, posteriormente, através da análise quantitativa, possibilita obter conclusões a respeito dos dados coletados (GIL, 2008).
O público-alvo deste estudo foi composto por profissionais que atuam em negócios sociais. O questionário foi compartilhado com as principais aceleradoras e fundos de investimento do país e estes, através do método “Bola de Neve”, direcionaram a pesquisa para os negócios sociais apoiados. No total, foram envolvidas na pesquisa cinco aceleradoras/fundos de investimento que apoiam 335 negócios sociais. A amostra é não-probabilística, uma vez que os negócios sociais respondentes foram escolhidos por meio das aceleradoras/fundos de investimento que intermediaram a distribuição do questionário.
O instrumento de pesquisa foi construído a partir de uma adaptação de questões da pesquisa “Melhores Empresas para Você Trabalhar” desenvolvida por equipe da Fundação Instituto de Administração e divulgada pelo Guia Você S/A. Foi dividido em três partes:
Parte I – Caracterização da amostra: composta por questões que abordam idade, gênero, grau de instrução, Negócio Social em que atua, bem como tempo de trabalho (em anos) na atual organização, cargo que ocupa e área de atuação.
Parte II – Aprendizado em Negócios Sociais: procura entender a percepção dos funcionários quanto à aprendizagem em suas organizações. Composta por 35 afirmativas, utilizou-se escala do tipo Likert de seis pontos para se avaliar o quanto o respondente concordava ou discordava. Partindo dos níveis de análise da aprendizagem abordados no referencial teórico, foram elaboradas as questões sobre três perspectivas: Indivíduo, Organização e Coletivo. Ainda considerando a literatura do tema, foram adicionadas questões sobre como o ambiente organizacional pode influenciar o processo de aprendizagem, sendo essas questões agrupadas sob a dimensão Liderança. Assim, as questões foram agrupadas em quatro dimensões: Indivíduo: foram abordadas questões de aprendizado individual, motivação e desenvolvimento de carreira; Organização, que abrange a percepção do profissional com relação ao que a organização proporciona para o aprendizado e desenvolvimento do indivíduo. As questões tratam de recursos e estímulos oferecidos aos funcionários; Coletivo, compreendendo a percepção do respondente com relação aos demais funcionários e à sua interação com o grupo. As questões tratam de troca de conhecimento, compartilhamento de experiências, conhecimento do trabalho do outro, busca por aprendizado e troca de feedback como ferramenta para estimular o desenvolvimento dos profissionais; e, por fim, Liderança, cujo enfoque está em entender como o líder atua com relação ao desenvolvimento dos demais funcionários e como ele é capaz de influenciar o processo de aprendizagem dos funcionários.
Parte III – O que os profissionais valorizam ao trabalharem em Negócios Sociais: esta questão procura entender o que as pessoas que trabalham em negócios sociais mais valorizam.
Como se trata de pesquisa quantitativa, foram utilizados métodos estatísticos para análise dos dados. As questões foram avaliadas com base em uma análise descritiva unidimensional, calculando-se frequência, média, moda, mediana, mínimo e máximo. Em etapa posterior da pesquisa serão desenvolvidas análises quantitativas mais aprofundadas para se entender a correlação entre diferentes variáveis.
4 RESULTADOS
Nesta seção, são apresentados os principais resultados encontrados na pesquisa. Inicialmente apresenta-se a caracterização da amostra e, em seguida, são realizadas as análises e discussões dos resultados à luz do referencial teórico.
4.1 Caracterização da amostra
A amostra foi composta por 86 profissionais de 41 negócios sociais que responderam ao questionário. Quanto à distribuição da amostra, a seguir são descritas as características de gênero, faixa etária, escolaridade, tempo de trabalho no negócio social e cargo que ocupa, obtida através da parte I do questionário. Com relação ao gênero, há maior concentração de respondentes do sexo feminino (70%) em oposição a 30% de respondentes do sexo masculino. Quanto à idade, os respondentes foram agrupados em faixas etárias e ficaram concentrados nas faixas mais jovens, sendo 47% dos respondentes de 26 a 35 anos, 30% com até 25 anos e apenas 24% dos respondentes acima de 36 anos. O grau de escolaridade revelou-se alto na amostra, sendo mais da metade dos respondentes com Pós-Graduação (51%) e 47% com Curso Superior, ainda que incompleto.
A respeito de quanto tempo trabalham no negócio social, verificou-se que apenas 26% estão há menos de um ano, 35% estão de um a três anos e a maioria dos respondentes trabalha há mais de três anos (39%) no negócio social atual. Referente ao cargo que ocupam na organização, os respondentes foram agrupados de acordo com as respostas obtidas. O maior percentual de respondentes ocupa o cargo de Coordenador (26%), seguido por 20% da alta direção, 15% são estagiários, 10% técnicos, 9% fazem parte do administrativo, 7% são analistas e os demais assinalaram “outros” ou não informaram. Vale ressaltar que, embora um número expressivo de respondentes faça parte da alta direção das organizações participantes, há um percentual próximo de respondentes que se encontram no grupo de estagiários. Essa distribuição evidencia o quanto a amostra é heterogênea no que se refere ao cargo que ocupam, o que proporciona diferentes percepções quanto ao objeto deste estudo.
4.2 Análise dos resultados
A escala Likert de concordância com seis pontos foi utilizada para possibilitar maior diferenciação nas respostas, entretanto, para efeitos de análise, as respostas foram agrupadas em “Discordo” (envolvendo as respostas “Discordo Totalmente” e “Discordo Muito”), “Indiferente” (envolvendo as respostas “Discordo Pouco” e “Concordo Pouco”) e “Concordo” (envolvendo as respostas “Concordo Muito” e “Concordo Totalmente”). Como as questões foram distribuídas em quatro dimensões diferentes, as análises foram feitas respeitando esta distribuição.
Na Tabela 1 são apresentados os percentuais de respostas a cada questão da dimensão Indivíduo. Destacam-se, inicialmente, as questões 3, 9, 10 e 14, que tratam de novos aprendizados, e obtiveram altos níveis de concordância. A questão 14, entretanto, apresentou menor índice de concordância, havendo uma equivalência muito próxima entre o percentual de concordância e o percentual de indiferença com relação à afirmação.

Os níveis de concordância assinalados denotam que os funcionários se sentem estimulados a buscar novos conhecimentos, tanto dentro quanto fora da organização e, principalmente, percebem o trabalho diário em negócios sociais como uma oportunidade de aprendizado. Essas quatro questões evidenciam a possibilidade de aprendizado com foco experiencial nas organizações participantes da pesquisa, ao abordarem a interação do indivíduo com o meio organizacional e a disposição para assimilar novas experiências (CAMILLIS, 2011; EASTERBY-SMITH; BURGOYNE; ARAUJO, 2001; KOLB, 1984).
O Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), apesar de apontado como ferramenta formal de desenvolvimento profissional por Dutra (2002) e como uma das práticas de aprendizagem no contexto profissional do “Modelo 70:20:10” de Jennings e Wargnier (2011), não se mostrou de grande importância para aprendizagem dos indivíduos nos negócios sociais. As questões 28 e 29, que abordam o PDI dos funcionários, apresentaram significativo percentual de discordância: 43% e 48%, respectivamente. Tais questões também apresentaram considerável percentual de respostas “indiferentes”, que pode derivar do foco em práticas mais informais de aprendizagem e desenvolvimento.
Com relação à questão 30, que trata da motivação e do estímulo do indivíduo para atuar em grupo, o percentual de concordância é significativo (59%), o que reforça os conceitos de aprendizagem sob as abordagens cultural e social, bem como a ideia de que a interação com outros indivíduos potencializa tanto a aprendizagem coletiva quanto a individual, como ilustrou Camillis (2011). Também reitera a prática dos 20% (aprendizagem em contexto social) do “Modelo 70:20:10” de Jennings e Wargnier (2011). A questão 35 possui mais de 50% de concordância, indicando uma percepção positiva dos respondentes quanto à possibilidade de desenvolverem uma carreira em negócios sociais.
Os percentuais de respostas das questões da dimensão Organização são apresentados na Tabela 2. Os itens 1, 2 e 4 evidenciam um percentual de concordância acima de 60%, refletindo a percepção positiva dos respondentes quanto ao estímulo que recebem da organização para conhecerem o trabalho dos colegas e compartilhar seu trabalho com os demais. A questão 18 também obteve alto índice de concordância (59%), evidenciando que a organização é percebida como um espaço para crescimento e desenvolvimento profissional.

Tais percepções reforçam a ideia abordada por Easterby-Smith, Burgoyne e Araujo (2001) de que as interações sociais em ambiente de trabalho proporcionam a aprendizagem. O significativo índice de concordância nestes itens também evidencia que os Negócios Sociais que participaram da pesquisa estimulam o que é proposto nos 20% (aprendizagem no contexto social) do “Modelo 70:20:10” no que diz respeito à cooperação entre os indivíduos como um impulsionador da aprendizagem (JENNINGS; WARGNIER, 2011).
A questão 15 também mostrou expressiva concordância (64%), assim como a questão 31 (71%). Ambas tratam de recursos formais e estruturados que os negócios sociais tendem a oferecer para promover o aprendizado e o desenvolvimento profissional dos seus funcionários, através da prática proposta pelos 10% (formação estruturada) do “Modelo 70:20:10”. A questão 32 também trata de recursos que a organização oferece e, apesar de trazer um percentual menor de concordância quando comparada às questões 15 e 31, ainda apresenta percepção positiva ao indicar que quase 50% têm acesso a uma biblioteca.
Vale destacar a questão 27, que demonstrou elevado percentual de discordância (51%), o que está alinhado com os elevados índices de discordância evidenciados anteriormente nas questões 28 e 29 da dimensão Indivíduo e que reforçam a ideia de que os negócios sociais não oferecem o “Plano de Desenvolvimento Individual” como um recurso formal de desenvolvimento profissional. As questões 33 e 34, assim como a questão 27, demonstram que essas organizações não utilizam programa de Mentoria, tampouco fornecem algum tipo de orientação profissional, reforçando a tendência de não oferecer recursos formais focados no indivíduo para estimularem o desenvolvimento de seus profissionais.
Quanto à dimensão Coletivo, apresenta-se na Tabela 3 a distribuição das respostas. As questões 6 e 7 referem-se ao interesse e conhecimento sobre o trabalho do outro enquanto grupo, enquanto as questões 11 e 17 buscam entender a percepção dos funcionários com relação à busca coletiva por conhecimento e aprendizado. As questões 6 e 7, quando sobrepostas às questões 1 e 2 da dimensão Organização, apresentam menores percentuais de concordância, 45% e 47%, respectivamente, indicando que, apesar de uma percepção positiva quanto aos estímulos que a organização oferece para a interação social, tais incentivos não são colocados em prática ou não geram significativo valor percebido pelos funcionários.

Vale destacar o significativo percentual de concordância (77%) que a questão 16 obteve. Reforça a evidência de que, embora os respondentes tenham uma percepção positiva quanto à disposição dos colegas para compartilhar conhecimento e denotam um ambiente colaborativo, isso não se reflete necessariamente no quanto os funcionários conhecem o trabalho um do outro. Tal constatação pode apontar alguma falha no ambiente organizacional no que tange à comunicação (COSTA, 2011), o que dificulta a transferência de conhecimento do nível individual para o coletivo. Ainda nesta dimensão, observa-se que as afirmativas 22 e 23, tratando do compartilhamento de experiências entre os funcionários, apresentam percentuais equilibrados entre concordância e indiferença. Este significativo índice de “indiferença” pode indicar que os funcionários ainda não possuem uma opinião consistente sobre os demais colegas em relação ao compartilhamento de experiências e oportunidades.
A respeito da busca e fornecimento de feedback, abordados nas questões 24, 25 e 26, houve maior percentual de respostas “Indiferentes” (53%, 47% e 45%, respectivamente), o que pode indicar que, nestas organizações, o feedback não é um recurso formal utilizado para estimular o desenvolvimento dos funcionários.
A dimensão Liderança traz questões que buscam entender a percepção dos respondentes com relação à atuação do líder a respeito do processo de aprendizagem dos seus funcionários em negócios sociais. Os itens apresentados na Tabela 4 mostram que há um equilíbrio entre o percentual de concordância e o percentual de indiferença dos respondentes com as afirmativas. As questões 5, 8, 12, 20 e 21 obtiveram concordância em torno de 50%, evidenciando a importância da liderança no desenvolvimento do processo de aprendizagem dos funcionários, ainda que não seja de maneira formal ou estruturada.

A questão 19, que trata da atuação do líder para conhecer melhor as necessidades e aspirações de carreira dos funcionários, teve um percentual de respostas equilibrado. Estes índices podem indicar que o líder se engaja pouco no que tange à aprendizagem e desenvolvimento dos funcionários.
Merece destaque a questão 13, que trata da influência do líder com relação ao conteúdo de aprendizagem dos funcionários. Esta questão apresenta elevado percentual de “Indiferença” (55%) o que pode apontar que os funcionários não percebem significativa atuação da liderança na orientação do que é importante para seus funcionários aprenderem ou desenvolverem na organização. Entretanto, conforme exposto, o líder necessita assumir um papel atuante na manutenção de uma cultura e um ambiente organizacional favoráveis à aprendizagem (CUNNINGHAM; ILES, 2002).
Ao se analisar as respostas das quatro dimensões de maneira consolidada, é possível perceber a importância da atuação da organização no desenvolvimento de processos de aprendizagem, sendo esta a dimensão que mais se destacou. As dimensões Coletivo e Liderança mostraram também altos níveis de concordância, evidenciando características culturais de negócios sociais, geralmente introduzidos em um ambiente de cooperação e com valores fortemente ligados à liderança. Já a dimensão Individual apresentou mais divergência entre os respondentes, o que pode também ser decorrência da diversidade de cargos e níveis hierárquicos dos respondentes. Observa-se, portanto, que a percepção dos respondentes em relação aos processos de aprendizagem nas organizações em que atuam é bastante positiva, ainda que ocorra de maneira mais formal e menos institucionalizada, é fortemente influenciada pela organização.
Por fim, apresentam-se na Tabela 5 os resultados da parte III do questionário, que buscava entender o que os profissionais valorizam ao trabalhar em um negócio social. A afirmativa “concordar com os objetivos da organização e ter orgulho de trabalhar nela” destacou-se como preferência de 43% dos respondentes. Em seguida, 24% assinalaram a resposta “admirar aquilo que a organização faz para seus clientes, sociedade e comunidade”, 16% apontaram “sentir-me satisfeito e motivado com o trabalho que faço na empresa”, e 8% apreciam “estar em um ambiente de boas relações com os colegas de trabalho”. A forte valorização dos objetivos da organização e do que ela gera para clientes, sociedade e comunidade indica que a motivação social desses funcionários é muito relevante e pode se sobrepor a outras necessidades profissionais.

Destaca-se que apenas 7% dos respondentes escolheram a afirmativa “perceber que estou aprendendo cada vez mais e que tenho oportunidade de crescer”, que mais se aproxima do objeto deste estudo. Esse baixo percentual de valorização para o aprendizado pode estar relacionado ao contexto organizacional dos negócios sociais, no qual as tarefas diárias dos profissionais tendem a ter forte orientação para o objetivo social e, dessa maneira, os indivíduos focam seus esforços de trabalho no objetivo central da organização e deixam de priorizar o desenvolvimento profissional individual, impulsionado pela aprendizagem.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a necessidade de mais estudos que abordem aspectos da gestão e prática no campo dos negócios sociais, este estudo teve como objetivo caracterizar os processos de aprendizagem em negócios sociais a partir da percepção dos profissionais que atuam nessas organizações. Com base na literatura sobre aprendizagem organizacional, buscou-se entender a perspectiva dos funcionários com relação às oportunidades de aprendizagem sob quatro perspectivas: Individual, Coletivo, Organizacional e da Liderança.
Em relação à dimensão Indivíduo, os respondentes percebem o trabalho realizado diariamente e o desafio de novos projetos como oportunidades de aprendizado e desenvolvimento profissional. Os indivíduos possuem uma percepção positiva quanto às oportunidades de aprenderem, aprimorarem a execução de suas atividades diárias e de se desenvolverem profissionalmente. Entretanto, observou-se que os negócios sociais, em geral, não fazem uso de recursos formais focados no indivíduo, como o Plano de Desenvolvimento Individual ou Mentoria. A tendência é que os indivíduos apoiem seu aprendizado e desenvolvimento profissional através de experiências que as atividades do dia-a-dia podem oferecer e conforme a necessidade de aprender.
A respeito da dimensão Organização, os funcionários têm uma percepção positiva quanto aos estímulos que a organização oferece para que os indivíduos possam compartilhar conhecimentos e experiências entre si. Quanto aos recursos oferecidos pelos negócios sociais para proporcionar o processo de aprendizagem, foi possível verificar que os empreendimentos focam em ações formais voltadas para o coletivo, como palestras e treinamentos, capazes de alcançar um número maior de participantes, mas que não necessariamente são capazes de atender as necessidades específicas de cada indivíduo.
Na dimensão Coletivo, observa-se que a percepção dos respondentes para com os demais colegas é positiva no que diz respeito à disposição dos demais para compartilharem uns com os outros o que sabem, mas isso não necessariamente se reflete na prática, resultando em índices baixos a respeito do conhecimento e visibilidade do trabalho dos demais colegas. Verifica-se também que a prática de fornecer e obter feedback ainda não é fortalecida na maioria dos negócios sociais da amostra. A ausência do exercício do feedback pode reforçar a percepção de que os funcionários têm a disposição de compartilhar conhecimentos e experiências, mas não sabem como fazê-lo, já que não conhecem o trabalho uns dos outros e não têm clareza de que tipo de informação ou experiência pode ser válida para os demais.
Na dimensão Liderança, foi possível notar que o líder compartilha conhecimentos e experiências a fim de ajudar os funcionários a se desenvolverem, mas não dedica tempo para conhecer suas necessidades e aspirações de carreira. A escassez de recursos formais de aprendizagem focados no indivíduo compromete o acompanhamento mais próximo e estruturado do líder para com o funcionário. Dessa maneira, a contribuição informal e pouco estruturada feita pelo líder pode resultar em um processo de aprendizagem pouco alinhado às estratégias da organização.
Em decorrência dos negócios sociais serem modelos de negócio relativamente novos e geralmente de pequeno porte, é comum que a área de Gestão de Pessoas ainda não esteja totalmente estruturada. Os resultados provenientes das organizações estudadas neste trabalho são condizentes com essa realidade e revelam um cenário que possui excelentes oportunidades de aprimoramento para que possam ajudar na consolidação destes empreendimentos. Por trabalharem em negócios sociais, os funcionários tendem a ter um forte vínculo com o objetivo social e, portanto, concentram seus esforços diários na promoção de impacto positivo para a sociedade, enquanto que o impacto que estas organizações geram para o próprio funcionário fica em segundo plano.
Esse “olhar voltado para a sociedade” revela o significativo engajamento daqueles que atuam em negócios sociais. No entanto, a carência de iniciativas estruturadas de gestão dessas pessoas com foco em aprendizagem denota o pouco reconhecimento da importância da conexão entre o desenvolvimento dos profissionais e o alcance dos objetivos organizacionais. Estruturar o processo de aprendizagem através de um modelo que concilie ações e ferramentas tanto formais quanto informais, capazes de suportar este processo nas esferas individual, coletiva e organizacional, se faz fundamental para que as organizações possam entender as necessidades de desenvolvimento dos seus profissionais e as aspirações de carreira dos indivíduos.
Este estudo buscou contribuir para o aprofundamento das discussões acerca de temas de Gestão de Pessoas na prática dos negócios sociais, especialmente no que se refere ao desenvolvimento profissional através da aprendizagem. Espera-se, assim, estimular um olhar mais cuidadoso para os indivíduos, em especial o público interno dos negócios sociais, os quais efetivamente trabalham para o sucesso do negócio.
Uma limitação desta pesquisa é a amostra, uma vez que para que análises mais aprofundadas pudessem ser realizadas, é necessária uma amostra mais significativa, o que certamente pode trazer novos subsídios para a construção de um cenário mais completo a respeito da temática de aprendizagem organizacional em negócios sociais.
Para pesquisas futuras, sugere-se ampliar a amostra de respondentes para uma análise quantitativa mais robusta. Estudos qualitativos sobre o assunto também são necessários para explorar com mais profundidade as particularidades de cada negócio social. Nesse sentido, visitar estas organizações e conversar diretamente com os funcionários é uma oportunidade de entender melhor a percepção do público interno e quais suas expectativas com relação à Aprendizagem Organizacional.
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Autor notes
Endereço dos autores: Talita Rosolen Talita.rosolen@usp.br Kary Louise Visoto karyvisoto@gmail.com Graziella Maria Comini gcomini@usp.br