Resumo: O objetivo desta pesquisa foi identificar aproximações entre a microrregião de Itajubá (BR) e o Distrito de Braga (PT) no âmbito do desenvolvimento econômico, social e sustentável, a partir da Economia da Cultura e do Turismo Criativo. A produção dos dados foi realizada em duas frentes: bases censitárias do Instituto Nacional de Estatística (INE) e Fundação Francisco Manuel dos Santos (PorData.pt), Portugal; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e entrevistas com gestores públicos responsáveis pelo desenvolvimento da cultura e do turismo dos municípios envolvidos. A pesquisa de campo evidenciou os distanciamentos entre o instituído e o praticado, o que não inibe exemplos promissores do protagonismo político da comunidade à frente desses processos. Em ambos, se faz importante superar: baixa participação da comunidade; práticas individualizantes; verticalização das iniciativas de desenvolvimento; organização empresarial dos movimentos sociais de geração de renda e emprego.
Palavras-chave: desenvolvimento local, economia da cultura, turismo criativo.
Abstract: The objective of this research was to identify approximations between the microregion of Itajubá (BR) and the District of Braga (PT) in the scope of economic, social and sustainable development, from the Economy of Culture and Creative Tourism. Data production was carried out on two fronts: census bases of the National Statistics Institute (INE) and Francisco Manuel dos Santos Foundation (PorData.pt), Portugal; the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) and interviews with responsible public managers for the development of culture and tourism in the municipalities involved. The field research showed the distances between the instituted and the practiced, which does not inhibit promising examples of the political protagonism of the community at the head of these processes. In both, it is important to overcome: low community participation; individualizing practices; verticalization of development initiatives; business organization of social movements for income and employment generation.
Keywords: local development, culture economics, creative tourism.
Artigos
Desenvolvimento, Economia e Turismo: diálogos entre o Sul de Minas Gerais (Brasil) e o Minho (Portugal)
Recepción: 20 Octubre 2020
Aprobación: 04 Junio 2022
As concepções de desenvolvimento e as estratégias delas derivadas demandama contribuição de diferentes áreas do conhecimento, o que dá à problemática umanatureza interdisciplinar. Experiências de desenvolvimento local em municípios de pequeno porte, comunidades rurais outradicionais, por exemplo, com foco nacultura e na criatividade, fazem emergir dimensões econômicas, sociais e sustentáveis do desenvolvimento e fortalecem a conexão entre comunidade-cultura e derivações.
A realidade do Distrito de Braga (DBG), região do Minho (Portugal) e da microrregião de Itajubá (MRI), em Minas Gerais (Brasil), analisadas pela ótica da Economia da Cultura (EC) e do Turismo Criativo (TC) elevam as comunidades aoprotagonismono processo de desenvolvimento, visto que os territórios instituíram um conjunto de normas (leis, decretos e resoluções), políticas, planos e programas, que requer efetivação. Dessa perspectiva, o objetivo deste trabalho foi identificar aproximações entre a MRI e a DBG no âmbito do desenvolvimento econômico, social e sustentável, a partir dacomunidade, da cultura e do turismo.
A noção de território utilizada ultrapassa a ideia de unidade político–administrativa instituída e nos ajuda a revelar elementos históricos, políticos, identitários, de saberese fazeres, afinidades, tradições, memórias, modos de organização, de vida e de poder frequentemente desprezados pela concepção hegemônica de desenvolvimento. Esses elementos culturais e criativos presentes nas dinâmicas locais abrem possibilidades de pensar outras perspectivas de desenvolvimento.
Apesar dos esforços e efetivações de programas nacionais, estaduais e municipais e de políticas públicas com vistas a fomentar a cultura e o turismo enquanto atividades econômicas, a efetivação dessas políticasno local apresenta dificuldades, principalmente no que se refere à organização e adesão da comunidade.
Ao identificar as aproximações entre as diferentes realidades dos territórios, propomos um diálogo e troca de experiências, que podem servir de inspiração para ações, projetos e políticas locais, adaptadas às suas realidades e contextos. Não pretendemos realizar análise comparativa, o que denotaria a imposição de um modelo que obedece a exigências puramente ideológicas (ZEMELMAN, 2003) e que em nada se relaciona com preocupações de bem viver e bem-estar. A proposta é identificar distanciamentos e aproximações das experiências no campo da EC e da TC, as conquistas e as dificuldades, aprendendo com ambas.
O ponto de partida assenta na constatação de que a cultura se revela em campo de disputas econômicas, sociais, políticas, subjetivas, simbólicas e morais para alavancar modos e modelos de desenvolvimento econômico e mercados de consumo, o que pressupõe reflexões sobre as definições hegemônicas de economia e turismo, galvanizadas por exigências ideológicas de crescimento. Estas anunciam progresso, prosperidade e empregabilidade, sem efetivas transformações da lógica da relação capital-trabalho.
O texto foi estruturado em seis seções: (1) Introdução; (2) Economia da Cultura e Turismo Criativo: normativas e reflexões teóricas; (3) Metodologia; (4) O Distrito de Braga e a Microrregião de Itajubá; (5) Economia da Cultura e Turismo Criativo: percepções dos gestores locais; (6) Considerações finais.
O artigo 215 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece o “[...] pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional” e afirma que o Estado “apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Além da Constituição, a Emenda Constitucional n° 48 (BRASIL, 2005) reforça a garantia de direitos e diversidades culturais a todos os povos. Esses campos normativos reverberaram no Sistema Nacional de Cultura (SNC) e no Plano Nacional de Cultura (PNC). O artigo 2° do PNC apresenta os objetivos do plano, desenvolvidos em três eixos: o simbólico, a cidadania e o econômico. Dos 30 incisos que compõem o artigo, destacam-se cinco: I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira; [...] VII - estimular o pensamento crítico e reflexivo em torno dos valores simbólicos; VIII - estimular a sustentabilidade socioambiental; [...] IX - desenvolver a economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a exportação de bens, serviços e conteúdos culturais; X -reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus detentores; [...] (PNC, 2010).
Em Portugal ainda não existe um sistema ou plano nacional de cultura. Há movimentos para a institucionalização de Planos Estratégicos Municipais de Cultura (PEMC), pautados pela elaboração de um sistema, ainda em debate. A Constituição da República Portuguesa traz nos itens “3” e “alinea b” dos artigos 73º e 78º a ideia de fruição e criação cultural, com ênfase no artigo 90º da revisão constitucional (2005):
Os planos de desenvolvimento económico e social têm por objetivo promover o crescimento económico, o desenvolvimento harmonioso e integrado de sectores e regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com as políticas social, educativa e cultural, a defesa do mundo rural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português (PORTUGAL, 1976).
Criar as condições para uma Economia da Cultura (EC) depende do estabelecimento de direitos e, como tal, o Estado tem o dever de assumir o papel de promotor das políticas sociais compensatórias e reparatórias para dirimir discrepâncias e diferenças. Nesse sentido, compreende-se EC como um campo de disputa que inscreve a cultura como um vetor de desenvolvimento local, em que a economia assume um papel não-concorrencial e não-competitivo, de geração de renda e promoção de formas de trabalho pautadas na cooperação entre pessoas–comunidades–grupos–organizações, com potencial para distribuição de riqueza (ALMEIDA, 2009; REIS, 2009; SILVA; ARAÚJO, 2010).
Por ser movimento político de organização coletiva, associativa e solidária, sinaliza as fendas promissoras da articulação entre cultura e desenvolvimento para diálogos entre economia, turismo, criatividade e local, respaldados pelas memórias, identidades, saberes, fazeres, histórias, pertenças das regiões e lugares, matérias básicas que favorecem sentidos e significados à vida, ao viver e à natureza.
Para que a cultura seja capaz de promover autonomia é indispensável priorizar um projeto político que questione a espinha dorsal do capitalismo e do crescimento econômico (a livre competição, a vitória do mais forte sobre o mais fraco e o lucro sem distribuição simétrica). O saber contido nas técnicas e fazeres das tradições é elemento que deve ser preservado e passado de geração em geração, dentro de um conjunto de sentidos, significados, significações e valores que conferem à cultura um enunciado de transformações emancipatórias, solidárias e coletivas.
O lugar de partida e de chegada não deve ser a economia competitiva e concorrencial, pois a economia comprometida com a cultura deve potencializar a alteridade, a diferença, a diversidade e se associar ao desenvolvimento local, social, sustentável,
com vistas ao bem viver e à preservação da natureza em toda a sua complexidade. A cultura também é (re)elaboração e (re)produção das coisas comuns da vida (WILLIAMS, 1992), recurso de produção de bem cultural (YÚDICE, 2006). Nesse sentido, o local está sendo levado a propor outros significados-ordenações-sentidos para a produção, o consumo e a estrutura social.
Desenvolvimento, Cultura e Economia devem ser imbricados , em oposição às concorrências, competições, individualização, lutas de todos contra todos. Nos moldes em que têm sido constituídas dentro da ordem sociopolítica e socioeconômica vigente, inviabilizam mecanismos de solidariedade e cooperação, uma vez que potencializam processos de exclusão por meio de “[...] um sistema econômico que, para permanecer dinâmico e competitivo, deve ‘enxugar’ as empresas, reproduzir os custos, aumentar a produtividade do trabalho” (GODELIER, 2001, p. 7).
A EC instiga a produção de conhecimentos que não estão na ordem da vigência científica hegemônica e, em disputa, se predispõe forjar as estratégias de enfrentamento da realidade imposta ao local, às comunidades e às pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente em municípios de pequeno porte e em zonas rurais. Investigações nesse sentido já apontaram a necessidade de facilitar a inversão do papel da economia para que seja posta à serviço de distribuição igualitária de renda e riqueza, promotora de acesso a todos e cooperação entre pessoas–comunidades–grupos–organizações (ALMEIDA, 2009; REIS, 2009; SILVA; ARAÚJO, 2010).
Na EC vemos a criatividade, a solidariedade e a justiça social como habilitações para a elaboração de outra plataforma econômica de desenvolvimento, a partir de movimentos locais e a partir da base. Os caminhos alternativos serão constituídos no campo das disputas da cultura pelas forças em ação (PIMENTA; MELLO; ZAMBONI, 2013). Daí porque a EC ainda é um campo aberto e em constituição. Como tal, carece de vigilância epistemológica, reflexão crítica constante, visto que a economia e o mercado não são domínios exclusivos do capitalismo e, na disputa, a cultura se apresenta como variável consistente.
Para Godelier (2001), o segredo está no dom caritativo – dar, receber e restituir -no sentido da solidariedade e efetivo exercício do direito, sem restrições pautadas pelo mercado ou pela exclusão por gênero, raça ou classe. O dom não ficou retido nas sociedades chamadas de pré-modernas, ele “[...]está presente em todos os campos da vida social nos quais as relações pessoais continuam a desempenhar um papel dominante” (GODELIER, 2001, p. 25), condição ainda muito presenteemmunicípios de pequeno porte, zonas rurais e comunidades.
Da perspectiva posta, nada nos impede de imaginar outras formas de desenvolvimento partindo do local–regional, em concepções que apontem os princípios, valores e ditames da EC, stricto sensu, enquanto lugar de disseminação da biodiversidade cultural, saberes-fazeres tradicionais em igualdade com o conhecimento científico e a promoção de equidade política e socioeconômica.
Nas interconexões entre desenvolvimento, economia, turismo e cultura, o projeto de Portugal se baseia nas definições e conceituações do Turismo Criativo (TC) (TAN; KUNG; LUH, 2013; RICHARDS, 2016; ZADEL; RUDAN, 2019), caracterizado por experiências de turismo em coparticipação e cocriação entre comunidade e turista, com fundamento na coletividade, sustentabilidade, cooperação, confiança, segurança, troca, tradição e pertencimento.
Investigações efetivadas sobre a realidade de municípios de pequeno porte e zonas rurais do norte de Portugal, analisada sob a ótica da criatividade-território, apresentaram questões pertinentes neste campo, as quais se destacam: (i) caminhos e oportunidades dos territórios menos urbanizados; (ii) diferentes papéis dos territórios rurais e urbanos diante dos processos e atividades criativas de geração de renda; (iii) modos sustentáveis de tornar os territórios atrativos para o TC (REMOALDO et al., 2020).
Essas constatações mostram que a cultura, o local, a comunidade e a criatividade são primordiais para a materialização das propostas de desenvolvimento que considerarem o TC uma atividade que confronta os modelos de exploração presentes nas sociedades individualizantes. O TC confronta a lógica do turismo convencional, centrada no conceito de crescimento econômico e de exploração das atividades culturais nestes termos. Apresenta-se como um projeto de utilização e apreciação dos recursos turísticos de modo a potencializar a criatividade enquanto conceito holístico, democrático, participativo e instrumento de troca de saberes.
Na proposta para uma agenda de investigação em TC, Duxbury e Richards (2019) reconhecem ser este um nicho turístico tendo origem em dois parâmetros: (1) consequência do desenvolvimento do turismo cultural; (2) oposição ao surgimento do turismo de massa ou turismo cultural de massas. Além desses elementos, há vinculações explícitas entre turismo, conhecimento e cursos de formação, os quais incorporam experiências de aprendizagens e tocam em dimensões subjetivas e psicológicas (vivências, afetos, emoção, sensações).
Sua efetivação pode provocar transformações na, da, pela comunidade, dinamizando o desenvolvimento social, sustentável, sustentado, inclusivo e distributivo. Em suas definições incorporam as noções de rural, local, lugar, tradições, culinária, modos de vida, deslocadas do conceito de produto, mercadoria e consumismo. No trajeto do TC, os efeitos dessas atividades se descolam dos aspectos predatórios da indústria do turismo e visam fortalecer a preservação da história, memória, saberes, fazeres, identidades,identificações e patrimônio - material e imaterial - nas dimensões ambiental, social e econômica.
Congruente com o desenvolvimento social e sustentável, uma vez que se predispõe ultrapassar a ideia de que somente uma minoria deve ocupar “[...] as cabines espaçosas e confortáveis do convés da espaçonave Terra, enquanto a grande maioria é condenada a uma vida miserável em pequeninas celas, tendo de trabalhar duro para sobreviver precariamente”(SACHS, 2012, p. 8), se pensado como mercadoria, o TC não se posicionará como alternativa ao modo de produção hegemônico.
Ainda que se coloquem como alternativas ao modelo hegemônico, o TC e a EC não estão imunes aos impactos e efeitos da massificação do turismo, frente aos processos ocidentais de homogeneização das culturas (HALL, 1997), o que não os deslegitimam como possibilidades transformadoras das experiências, lugares, comunidades, e de se posicionarem na vanguarda das questões de geração de renda, sobrevivência, diferenças, alteridades e emancipações socioeconômicas, através da troca criativa,imaginação, coparticipação nas suas formas de produção, o que lhe confere caráter distinto do processo industrial e da relação capital versus trabalho.
A produção dos dados desta pesquisa foi realizada através de dois caminhos e intencionalidades: (i) caracterizar as regiões estudadas através do levantamento de dados socioeconômicos e demográficos; (ii) conhecer a concepção sobre o potencial de desenvolvimento localno âmbito da EC e TC, a partir de entrevistas semiestruturadas com gestores públicos da MRI e inquérito com vereadores do DBG.
A escolha da MRI e do DBG deriva do fato de haver elementos históricos e culturais similares,com a presença marcante do catolicismo e a estreita relação com as tradições e o mundo rural que influenciam as manifestações culturais de base local em ambas as regiões. Ressalta-se que esta pesquisa está inserida em projetos mais amplos de pesquisa, desenvolvidos na MRI e no DBG desde 2016.
Os dados secundários foram extraídos de bases censitárias divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e Fundação Francisco Manuel dos Santos (plataforma PorData.pt), no caso de Portugal e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na plataforma IBGE.Cidades, no caso do Brasil.
Quanto àseleçãodosdadossecundários, alguns esclarecimentos são necessários. O levantamento censitárioacontece de 10 em 10 anos nos dois países, sendo que os próximos levantamentos estavam previstos para 2021, em ambos.Nesse sentido, as informações relevantespara esta pesquisa - população, densidade populacional, taxa de desemprego e ganho médio mensal per capita dos trabalhadores - se encontram disponíveis na modalidade estimativas e datam de 2017 (Brasil) e 2018 (Portugal). Além disso, os dados econômicos da MRI foram convertidos para euro, moeda da União Europeia, referentes aos valores de compra no mercado de câmbio (R$ 3.9672 por 1.00 €) do antepenúltimo dia do ano (29.12.2017), escolha feita dada à estabilidade da moeda europeia. As informações foram elaboradas como dispositivo panorâmico que retrata a realidade e aponta a importância da cultura, do turismo e do local na alavancagem do desenvolvimento regional e sinaliza as evidências sobre os aspectos do desenvolvimento que os agentes deverão considerar.
No Brasil, as entrevistas foram realizadas com três gestores públicos demunicípios da MRI, com ênfase no Plano Municipal de Cultura (PMC), normativas do Sistema Nacional de Cultura (SNC), Plano Nacional de Cultura (PNC) e Plano Estadual de Cultura (PECMG), especificamente a respeito dos processos de geração de renda e EC. Em Portugal, foram entrevistados três vereadores de municípios do DBG, com ênfase na compreensão sobre TC. A escolha dos entrevistados ocorreudada à maior estruturação das políticas locais no âmbito da EC e TC, ou seja, proximidade com a temática, além da repetição argumentativa. A pretensão das entrevistas foi a de traduzir a concepção de desenvolvimento local com base na EC e TC em saberes e fazeres expressos nas tradições, identidades, valores e nas suas expressões materiais e imateriais, sem perder de horizonte a capacidade desses elementos de fomentar a geração de renda nos municípios de pequeno porte e/ou comunidades locais.
As entrevistas na MRI foram realizadas entre julho e dezembro de 2017, totalizando 315 minutos de gravação, a qual foi transcrita na integralidade. Todos os entrevistados assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Todas as entrevistas foram agendadas previamente e foram realizadas no gabinete dos próprios gestores. No DBG, os pesquisadores foram às Câmaras Municipais, apresentaram a proposta de pesquisa, identificaram os vereadores e enviaram posteriormente os formulários de inquérito, que foram respondidos e devolvidos eletronicamente.
Para preservar a identidade dos entrevistados, seus nomes e respectivosmunicípios não foram mencionados. Aidentificação será realizada com as iniciais MI1, MI2, MI3, quando referirem-se aos entrevistados da Microrregião de Itajubá e DB1, DB2, DB3, quando forem os entrevistados do Distrito de Braga.
O conjunto de dadosforamanalisados sob as bases teórico-conceituais de desenvolvimento no âmbito da EC e TC, que ultrapassam as noções hegemônicas de que a cultura, o turismo e as políticas culturais devem voltar-se para o crescimento econômico como parâmetro de partida.
A região do Minho é constituída por dois distritos (Braga e Viana de Castelo), sendo o Distrito de Braga (DBG) composto por 14 municípios: Amares, Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Esposende, Fafe, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão, Vila Verde e Vizela.
O município de Braga é sede do distrito. Sua fundação data de 1537 (GEOGERAL, 2020), mas a história do povoamento ultrapassa 2.000 anos, sendo a mais antiga cidade portuguesa (BRAGA, 2020). Sua dimensão histórica se materializa em seus aspectos estéticos-arquitetônicos, com influências romanas e cristãs, presentes nos monumentos e igrejas, nomeadamente. Em homenagem ao imperador César Augusto, foi denominada de Bracara Augusta, com fundação datada do ano 16 a.C. (BRAGA, 2020).
Conforme ilustrado na Figura 1, trata-se de área de relevo acidentado a leste, nos limites da fronteira espanhola e no distrito de Vila Real. Daí desenvolve-se até ao litoral ocidental do país (Oceano Atlântico), apresentando um relevo cortado por vales e rios de nordeste para sudoeste. Neste território se encontram planícies, vales, serras, montanhas, rios e praias que representam os recursos naturais. As maiores altitudes estão na Serra Amarela (1.361 m), Serra do Gerês (1.545 m) e Serra da Cabreira (1.262 m), sendo entrecortado pelo Vale do Rio Cávado, formando uma rede hidrográfica que incorpora o Vale do Rio Homem e que deságua no Oceano Atlântico, no litoral de Esposende. Em parte do seu território é também percorrido pelo Rio Ave e seus afluentes.

Apresenta malha de transportes e de circulação que interliga o distrito às restantes regiões de Portugal e Espanha, circunscritas em autoestradas (A1 e A3, por exemplo), com corredores rodoviários inter-regionais de longa distância, autoestradas transversais (A7 e A11, por exemplo), circulares e rodovias secundárias, bem como comboios (trens) comportados por uma rede férrea de transporte de pessoas e produtos. Em 2018, estimava-se que o DBG albergasse 827.717 habitantes, correspondendo a uma densidade populacional de 331,6 hab./km².
A Microrregião de Itajubá (MRI) está situada na mesorregião do sul-sudoeste de Minas Gerais (Figura 2), e é composta por 13 municípios: Brazópolis, Consolação, Cristina, Delfim Moreira, Dom Viçoso, Itajubá, Maria da Fé, Marmelópolis, Paraisópolis, Piranguinho, Piranguçu, Virgínia e Wenceslau Brás, tendo como sede o município de Itajubá. Este é o município mais antigo, fundado em 1819 e historicamente influenciado pela colonização e cristianismo, de origem portuguesa, visualizada em monumentos coloniais, igrejas e festas devocionais(IBGE. Cidades, 2018).
A região se conecta às capitais de Minas Gerais (Belo Horizonte), São Paulo e Rio de Janeiro através das rodovias Fernão Dias (BR 381) e Presidente Dutra (BR 116), respectivamente. Apresenta um sistema de transporte de pessoas e produtos com interligações com o sudeste brasileiro e conexões com os demais estados do Brasil pelas rodovias federais (BR 381, 383 e 459), estaduais (MG 173, 295 e 350) e municipais (EM).
Parte dela está inserida na Serra da Mantiqueira, divisa com o Vale do Paraíba paulista (SP) e ocupa a região de Mata Atlântica, formada por montanhas, serras, cachoeiras, rios e ribeirões. Forma a bacia hidrográfica do Rio Grande, composta pelos rios Lourenço Velho, Sapucaí, Sapucaí Mirim e Lambari, os quais se entrecruzam por um conjunto de montanhas que alcançam altitudes acima de 2.000m.

Moldam sua paisagem a Serra dos Toledos, a Pedra de Santa Rita (1.915m), o Pico dos Dias (1.864m), a sede do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), o Pico da Bandeira (1.683m), o Pico dos Marins (2.422m) e do Marinzinho (2,393m), a Pedra Vermelha (1.400m), o Pico do Machadão (1.600m) e o Pico da Boa Vista (1.399m) e, face à topografiaexistente, se apresentam inúmeras quedas d’água no formato de cachoeiras e corredeiras, tais como: Estância, Peroba, Rio Manso (Itajubá), São Bernardo(Piranguçu), Túnel (Delfim Moreira) e Véu da Noiva (Maria da Fé).
As realidades dos dois territórios evidenciam distintos processos de organização social e permitem diversas possibilidades de prospecção, avaliações e encaminhamentos para: (i) identificar as correlações e concepções efetivadas por aqueles que atuam como agentes de desenvolvimento; (ii) apontar as estratégias públicas e privadas de desenvolvimento, políticas sociais de distribuição de renda e geração de emprego e caminhos alternativos ao desenvolvimento; (iii) criar espaço para a reflexão sobre a relação entre desenvolvimento, EC e TC, com a devida ênfase nas dimensões do local.
Em 2018, estimava-se que o DBG(Tabela 1) albergasse 829.717 habitantes, destacando-se o município de Braga (181.651 hab.) e Terras de Bouro (6.448 hab.), apresentando o maior e o menor número de habitantes do distrito, respectivamente. Esse territóriocorrespondia a 2.706,4 Km², demarcado por uma significativa densidade populacional na maioria dos municípios, com exceção de Terras de Bouro (23,2 hab./km²), Vieira do Minho (55,2 hab./km²) e Cabeceiras de Bastos (65,2 hab./km²) . Destaca-se, mais uma vez, o município de Braga (990,5 hab./km²) com a maior densidade populacional.
No indicador de pessoas em idade ativa (posição de ocupar posto de trabalho), o distrito atinge a média de 68,2%, sendo o município de Vizela o que apresenta resultado mais elevado (72%) e Terras de Bouro o que se posiciona no outro extremo (62,7%). A taxa de desemprego é similar em todos os municípios, mas é mais acentuada nos municípios cerranos [Vieira do Minho (8%), Cabeceiras de Basto (7%), Celorico de Basto (7%) Fafe (7%) e Terras de Bouro (7%)]. A renda média mensal atinge algo em torno de 882,27 € (euros), com destaque para o município de Braga (1.077,0 €) e o de Vila Nova de Famalicão (1.037,0 €). Cabeceiras de Bastos (772,0 €) apresenta o valor mais baixo. O salário-mínimonacional de referência era de 635,00 € (PorData, 2018).


Em linhas gerais, o DBG apresenta caraterísticas urbanas, mantendo relativa proximidade com suas características rurais e tradicionais, principalmente nos municípios de pequeno porte, acumulando conjuntos histórico-patrimoniais-culturais, materiais e imateriais representativos, em grande medida herdados desde as suas fundações. A estabilidade do percentual da população economicamente ativa e a taxa de desemprego relativamente baixa aparentam equilíbrio entre os vários grupos socioeconômicos, o que não pressupõe ausência de desigualdades ou de problemas sociais, fato assinalado na pesquisa de Silva (2019) ao tratar dos modos de vida e formas de habitar nas cidades do Porto e de Braga, destacando questões sociais ligadas à pobreza, ao desemprego e à violência.
A Tabela 2 apresenta os indicadores socioeconômicos da MRI. A população foi estimada em 197.606 habitantes, sendo o município de Itajubá (sede) o mais populoso (96.869) e Wenceslau Braz o que possuí menos habitantes (2.552). A extensão territorial atinge uma área de 2.984,831 Km², tendo o município de Delfim Moreira 408,473 km² e Consolação 89,122 km². A média da densidade populacional dos municípios da microrregião era de 73,67 hab./km², em 2019, sobressaindo Itajubá (307,49 hab./km²). Na conversão da moeda brasileira para a da União Europeia observa-se melhor comparação entre os dois territórios.

Explicita-se que a renda per capita da microrregião resultou em 3.627,36 € (2017), com números mais elevados nos municípios de Itajubá (7.824,01 €) e Paraisópolis (6.968,49 €), tendo Piranguçu a menor média (2.431,54 €). Os trabalhadores em posição de ocupar posto de trabalho representam o equivalente a 92.289 pessoas, entre a população ocupada e desocupada. Quando se consideram os ocupados, os índices de desemprego correspondem a 42.441 pessoas, isso é, em torno de 13,4% da média da microrregião. As diferenças mais assinaláveis aparecem nos municípios de Itajubá (28.135 ou 29,0%) e de Paraisópolis (4.964 ou 23,7%), com maiores índices, e em Dom Viçoso, com o valor mais baixo (278 ou 9,0%). Vale a pena considerar que o salário-mínimo no Brasil era de R$ 937,00, ou seja, de 236,18 € (dezembro de 2017).
As questões sociais não são as mesmas nos dois territórios em estudo, nem na forma e constituição, uma vez que as realidades territoriais são distintas, fundamentalmente, nas desigualdades de classes e nos problemas sociais. Andrade eFerreira (2013) levantaram questões sobre a microrregião de Itajubá no que concerne à linha de pobreza, à população economicamente ativa, ao desemprego e à ruralidade dos municípios.
No tocante à pobreza e ao desemprego, ocorreu o agravamento desses fenômenos na MRI a partir de 2016, constatação efetivada em Oliveira e Pimenta (2019), mas há o fortalecimento de um conjunto de práticas alternativas de geração de renda, quer sejam no mercado informal ou nos serviços, confecção de produtos, arte e artesanato de caráter familiar ou associado.
A Tabela 3 apresenta a distribuição dos recursos orçamentários. Os investimentos na cultura são um indicativo da importância, em maior ou menor grau, atribuída a determinados setores da sociedade (relação do orçamento e gastos com a cultura). A MRI tem menos habitantes que o DBG e gera receitas orçamentárias inferiores.

Itajubá (58.373,86 €) e Braga (94.171,8 €)registram os maiores orçamentose estabelecem distintas relevâncias à cultura, em termos de alocação de recursos, pois todos os municípios da MRI orçam índices abaixo de 1%, à exceção do município de Paraisópolis, em que o orçamento chega a 1%. No DBG, o orçamento é mais elevado, embora este esteja conjugado com o desporto. Mesmo assim, não deixa de ser indicativo de maior preocupação com a cultura, visto que os dados ilustram a realidade e confirmam que o poder público (e agentes privados) têm um papel de relevância na alavancagem de alternativas de desenvolvimento local, nomeadamente no âmbito de atividades criativas (turismo, economia criativa e cultura). Denunciam, também, que os municípios conservam nos seus domínios territoriais elementos de cultura, material e imaterial, e recursos, naturais e arquitetônicos, que são de elevado valor.
Diante do apresentado e com vistas a apoiar o desenvolvimento pautado nos princípios da EC e do TC, algumas considerações são necessárias: (a) os territórios analisados baseiam-se nas noções de crescimento econômico e progresso em seus projetos de desenvolvimento, mas podem também promover outros caminhos de superação da realidade socioeconômica existente; (b) os números identificados, que são expressão de crescimento econômico, não se traduzem em distribuição dos recursos de forma equilibrada e não impactam, de forma específica, na diminuição da informalidade, da precarização do trabalho e do desemprego;(c) as escolhas de caminhos para o desenvolvimento parecem ignorar a dimensão da ruralidade dos territórios e fazem uma opção estratégica por políticas de desenvolvimento que privilegiam os processos de industrialização, inclusive quando se pensa o rural; (d) a valorização da cultura, identidades e saber-fazer do local sugerem ser opções para a formatação de outras plataformas de desenvolvimento, as quais devem incorporar a realidade local e elementos que apontem para a preservação das tradições.
A despeito disso, tanto o DBG quanto a MRI trazem elementos que permitem imaginar plataformas de desenvolvimento que incorporem as cidades de pequeno porte, ruralidades, tradições, artefatos populares, artesanato, cultura local, associativismos, cooperativas, trabalhos coletivos, trocas, solidariedades e criatividades. As informações de campo indicam possibilidades para a articulação entre Desenvolvimento Local, Economia da Cultura e Turismo Criativo.
Os dados produzidos a partir das entrevistas demonstraram que o gestor público se apropriou das palavras desenvolvimento, sustentabilidade, EC, TC, indústria criativa, valorização das tradições, desenvolvimento de base comunitária como potencial de desenvolvimento local dentro de um sistema de políticas que envolvem associações, cooperativas, produtores culturais, agentes do desenvolvimento, mas sem o devido distanciamento das concepções de crescimento econômico.
Essa aprendizagem está contida nas dinâmicas das agendas de desenvolvimento, cimeiras e acordos advindos de organizações como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a partir de seus financiamentos, projetos e orientações que estabelecem pautas, ações, objetivos e metas. Nesse sentido, as políticas culturais, instrumentalizadas pela EC e o TC, trazem prospecções, práticas e normatizações na direção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015).
O domínio das linguagens da racionalidade normativa proposta não pressupõe entendimento dos princípios contidos no sustentável, em contraposição às idealizações de ordem, progresso, crescimento econômico, competição, concorrência e vitória do mais forte sobre o mais fraco. Aliás, dentro do jogo das relações de forças no campo da disputa da cultura (economia, turismo, local, tradições, estilo de vida), o mercado, o empreendedorismo e a meritocracia, de caráter privado e empresarial, formatam o imaginário mental do gestor público.
A EC e o TC são apresentados como instrumentos de alavancagem do desenvolvimento local. Na voz do gestor público MI2, ao citar trechos do PMC do município, traz a compreensão de que o turismo dentro da EC:
[...] em todas as possibilidades e sentidos que a acepção do termo oportuniza, como o fomento, preservação, criação, produção, formação, fruição, difusão, além da EC, que constitui o direito fundamental do ser humano. Além disto, o setor deve ser entendido, enquanto agente produtivo e atuante, como um vetor de desenvolvimento econômico e um dos elementos propiciadores de inclusão social [...]. É um fator de importância histórica e econômica que gera vínculos, inclusão social e riquezas” (MI2, 2017).
Ao enunciar a sua concepção de desenvolvimento e cultura, no contexto do PMC, MI2 reconhece elementos básicos da cultura local como potencial de inclusão social e geração de renda. Destaca, ainda,um elo de oportunidades e normativas para o desenvolvimento local, reconhecido como meta, com a necessidade de garantir a preservação dos equipamentos públicos, recursos naturais, patrimônio histórico, manifestações culturais e tradições, tendo em vista que
A cultura tradicional [...] está concentrada nas comunidades e associações de bairros onde se encontram as folias de reis, a dança da catira, a capoeira, o maracatu, a viola caipira, as congadas, as comidas típicas, artes visuais, dentre outras. Essas artes e culturas merecem um estudo mais aprofundado de documentação e registro permanente do patrimônio imaterial (MI2, 2017).
A configuração normativa do município, por si, representa um avanço face às políticas culturais da microrregião. No entanto, aparece limitada às dinâmicas do desenvolvimento implicado com o crescimento econômico. Não basta o reconhecimento da necessidade de resgatar, registrar, mapear e preservar os bens culturais para inúmeros fins, mas importa ter presente como irá afetar, envolver, beneficiar e transformar a comunidade local.
No DBG, também há o reconhecimento do papel das comunidades e associações como motor do desenvolvimento. Para DB1, o envolvimento se dará através das
[...] associações recreativas para a dinamização das atividades, a promoção de pequenas redes de comércio local, revitalização de práticas tradicionais [...] todas as propostas pressupõem a ligação com a comunidade local, aos mais diferentes níveis. [...] acreditamos ser possível contribuir para a revitalização de artes e ofícios e, ao mesmo tempo, tal ser um motor de desenvolvimento (DB1, 2017).
O desenvolvimento está alocado aos territórios em forma de prospecção, projeto ou pretensão, estimulado por instâncias normativas e ênfase na EC (MRI) ou TC (DBG). Nas relações de força, questões precisam ser explicitadas: a baixa participação da comunidade; empreendedorismo versus práticas coletivas; associações e cooperativas versus micro negócios empresariais; gestores de projetos ou participação coletiva na construção de propostas democráticas.
Essas questões foram apontadas pelos gestores e observadas durante as investigações. Estes tendem a determinar a cultura como um fenômeno associado a eventos (festas, espetáculos, feiras literárias e datas comemorativas) que atraem o turista, e são geradores de retornos econômicos para o município. Relata MI3:
[...], hoje, principalmente, pelos eventos culturais, o retorno tem sido muito grande. [...] um evento [...] de cinco dias beneficia não só o município, como os municípios vizinhos [...] então você pega um evento onde quinze mil pessoas passam por um município que tem dez mil habitantes, então você vê o impacto que causa, no comércio, em todo trecho turístico: restaurantes, mercados, farmácias, hospedarias (MI3, 2017).
Na lógica do mercado, do Estado ou da parceria público-privado, ressalta-se que o discurso de ordem assenta em prerrogativas pautadas pela cidadania, direitos, acesso à cultura, participação, elegibilidades e representações, transparências, caracterizadas em valores intrínsecos da democracia. É possível que pelo excesso de afazeres e a falta de estrutura (recursos humanos, econômicos, políticos e simbólicos), tais estratégias de ação tenham dificuldades de superar caminhos que fujam das dinâmicas do mercado. Na avaliação de DB1 fica evidenciado que o TC fomenta a economia, pois
a valorização da identidade local, pela manifestação partilhada e revitalização dos seus costumes, será um dos maiores benefícios deste projeto. Para além destes, os benefícios económicos diretos associados a cada atividade permitem trazer complementos monetários não sazonais que destas atividades para a comunidade local, e dinamizar indiretamente todo o tecido turístico da área circundante, que será também influenciada por esta dinâmica (DB1, 2017).
DB1 olha para o TC como motor de desenvolvimento local. Enfatiza a experiência criativa associada à relação entre turista, turismo e comunidade, considerando que:
O partilhar com quem nos visita da nossa identidade poderá contribuir para criar novas sinergias localmente e servir como um projeto-piloto na área do TC, com possibilidade de ser replicado noutros territórios [...]. A promoção e divulgação do projeto, nomeadamente a nível internacional, será uma alavanca para todo o projeto, não só pela visibilidade que poderemos atingir, mas também pela atração do público para estas atividades (DB1, 2017)
No entrecruzamento entre as orientações normativas e as intencionalidades dos gestores face a implementação de outras plataformas de desenvolvimento, as práticas levantadas em campo não ultrapassam as crenças no crescimento econômico, posto que estão ancoradas nos valores subjacentes – justificativas e fundamentações implícitas, subentendidas, que subsidiam as compreensões das proposições – que determinam a centralidade nos processos de desenvolvimento.
Os valores subjacentes dão forma às pretensões do planejamento político do desenvolvimento e este permite determinada interpretação da realidade, por intermédio de discursos que conjugam unidade e origem aos enunciados, num mesmo foco e quadro de coerência (FOUCAULT, 1996). Noutros termos, as disputas se travam em todas as dimensões. Contudo, a dinâmica das relações de força circunscreve-se ao campo político, essencial para estabelecer o quanto e de que tipo de social, sustentável e participativo se compõem dentro das articulações e acordos firmados.
No contexto desses territórios, a participação da comunidade é um requisito chave para o sucesso do desenvolvimento local, pela via da EC ou TC. A comunidade tem sob sua guarda os saberes (conhecimentos), os fazeres (técnicas), a memória (domínio da história) e identidades (experiências concretas que formatam as tradições), as quais devem dar, receber, retribuir, partilhar determinados conhecimentos (ou guardar em segredo, quando for o caso), no sentido do enigma do dom (GODELIER, 2001).
A sobreposição entre desenvolvimento, economia e turismo preconiza emprego e geração de renda. Assume um conjunto de princípios pautados pela autonomia do processo de trabalho, atividades coletivas e solidárias (associações, cooperativas e movimentos populares), acesso universal a direitos e garantias, participação, elegibilidade e representação, transparência, mediadas pelas elaborações de base comunitária.
As perspectivas mais arrojadas de desenvolvimento pressupõem superar idealizações de crescimento econômico. Apresentam-se como possibilidade à mitigação da exclusão social, expressa em desigualdade de renda e desemprego, através de trajetos conceituais indisciplinados que visam fazer da cultura um potente motor de superação das lógicas socioeconômicas de luta de todos contra todos.
Como enunciado na introdução, as diferenças apontadas nos territórios não tinham a pretensão de realizar uma investigação comparada, razão da abordagem assumir caráter exploratório e panorâmico, cuja reflexão trouxe o desafio de correlacionar desenvolvimento local, ECe TC, identificando os diálogos possíveis entre as realidades da Microrregião de Itajubá (Brasil) e do Distrito de Braga (Portugal).
Guardada a semelhança da língua, festas religiosas, edificações, monumentos, as diferenças de organização social dos territórios (política, econômica, cultural, geográfica, demográfica, simbólica, moral)se refletem nos modos normativos e discursivos dos municípios estudados.
Os elementos da história dos municípios da MRI e do DBG fornecem robustez às pretensões do desenvolvimento local, traduzidas em artefatos, técnicas, saberes, inclusões e partilhas e pressupõem qualificação dos processos de constituição de traçados econômicos que envolvam comunidades, coletivos, solidariedades, trocas, tradições, experiências e lugares, preconizando a cultura como elemento central à transformação de municípios de pequeno porte e zonas rurais, com apelo de fixação das pessoas no território.
Na abordagem aos territórios ficou evidente os distanciamentos entre o instituído e o praticado, o que não inibe exemplos promissores do protagonismo político da comunidade à frente desses processos. Nesse sentido, é importante superar a baixa participação da comunidade, a ideologia do empreendedorismo individualizante, formatos empresariais das associações e cooperativas, figura do gestor de projetos em configurações comunitárias, receitas de sucesso como possibilidade única, verticalização das iniciativas de desenvolvimento, menor interesse do poder público no suporte à organização dos movimentos sociais de geração de renda e emprego.
A valorização de saberes, fazeres, tradições e criatividade ligada às dimensões do local evidenciam o potencial de desenvolvimento não como uma totalidade regional de progresso e pujança industrial-tecnológica, mas pelas particularidades da cultura inscritas nos territórios, o que os unifica e distingue uns de outros pelassemelhanças identitárias, trocas, valores, padrões culturais e relações interpessoais.
A ruralidade e laços comunitários, que lhes são inerentes, se encontram recalcados pela busca de progresso econômico, limitando-os enquanto potencial de desenvolvimento. Por outro lado, a cultura se transforma em elemento de disputa nas relações de força entre mercado, estado, ideologia política, agentes de desenvolvimento, porém, privilegia o protagonismo à comunidade como vetor de desenvolvimento por estratégias que envolvem preocupação com o social, sustentabilidade e distribuição de renda. Em linhas gerais, o distanciamento entre o idealizado e o efetivado requer do local e das comunidades muitas lutas, diariamente.





