Dossiê: História, cotidiano e memória social – a vida comum sob as ditaduras no século XX

Mortes no mar, dor na terra. Brasileiros atingidos pelo ataque do submarino alemão U-507 (agosto de 1942)*

Deaths in the sea, pain on the land. Brazilians hit by the attack of the German submarine U-507 (august 1942)

Muertes en el mar, dolor en el suelo. Brasileños alcanzados por el ataque del submarino alemán U-507 (agosto de 1942)

Jorge Ferreira 34
Universidade Federal Fluminense, Brasil

Mortes no mar, dor na terra. Brasileiros atingidos pelo ataque do submarino alemão U-507 (agosto de 1942)*

Estudos Ibero-Americanos, vol. 43, núm. 2, pp. 275-288, 2017

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Recepção: 05 Agosto 2016

Aprovação: 15 Outubro 2016

Resumo: Desde fevereiro de 1942, navios mercantes brasileiros eram torpedeados por submarinos alemães. No entanto, com o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha e a Itália, o governo nazista tomou a decisão de retaliar o governo Vargas. Para o litoral brasileiro foi enviado o submarino U-507. Em agosto daquele ano, em apenas três dias, cinco navios brasileiros foram afundados, resultando na morte de centenas de homens, mulheres e crianças. O artigo tem por objetivo conhecer, ainda que parcialmente, o sofrimento dos brasileiros que, a bordo dos navios, sobreviveram aos ataques do submarino alemão, a dor daqueles que perderam seus familiares e as repercussões da agressão militar alemã na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Brasil na Segunda Guerra Mundial, Submarino alemão U-507, Afundamento de navios brasileiros.

Abstract: Since February of 1942, Brazilian merchant ships were torpedoed by German submarines. However, with the break of the diplomatic relationships among Brazil, Germany and Italy, the Nazi government took the decision of retaliating the Vargas government. For the Brazilian coast, it was sent the U-507 submarine. In August from that year, in just three days, five Brazilian ships were sunk, resulting in the death of hundreds of men, women and children. This article has the objective of knowing, even it being partially, the suffering of Brazilians that were on board and survived attacks from the German submarine, the suffering of the ones whom lost their families and the consequences of the German military aggression in Brazilian's society.

Keywords: Brazil in World War II, German submarine U-507, Sinking of Brazilian ships.

Resumen: Desde febrero de 1942, navíos mercantes brasileños eran torpedeados por submarinos alemanes. Sin embargo, con el rompimiento de las relaciones diplomáticas del Brasil con Alemania e Italia, el gobierno nazi tomó la decisión de castigar al gobierno Vargas. Para el litoral brasileño fue enviado el submarino U-507. En agosto de aquel año, en solamente tres días, cinco navíos brasileños fueron hundidos, resultando en la muerte de centenas de hombres, mujeres y niños. El artículo tiene por objetivo conocer, aunque parcialmente, el sufrimiento de los brasileños que, a bordo de los navíos, sobrevivieron a los ataques del submarino alemán, el dolor de aquellos que perdieron sus familiares y las repercusiones de la agresión militar alemana en la sociedad brasileña.

Palabras clave: Brasil en la Segunda Guerra Mundial, Submarino alemán U-507, Hundimiento de buques brasileños.

Ao longo dos anos 1930, Estados Unidos e Alemanha disputavam a ascendência econômica, política e cultural nos países da América Latina. Segundo Gerson Moura, naquela década Vargas aproveitou “as melhores oportunidades criadas pela competição entre a Alemanha e os EUA no sentido de influenciar os rumos do Brasil” (MOURA, 1993, p. 179). Em 1935 e 1936, por exemplo, tratados comerciais foram estabelecidos com ambos os países, beneficiando a economia brasileira. Gerson Moura qualifica a política externa brasileira na década de 1930 de equidistância pragmática, nos planos comerciais, políticos e militares. Nas conflituosas relações internacionais entre Estados Unidos e Alemanha, Vargas procurou posição de equidistância, aproveitando as brechas que se abriam na competição dos dois países.

O grupo político e militar que apoiava Getúlio Vargas tinha projeto modernizador e industrializante. A política externa adotada pelo governo estava condicionada a essas diretrizes políticas. Criar uma base industrial para o país e aparelhar o Exército eram os objetivos mais imediatos do governo. Na interpretação de Paulo Fagundes Visentini, Vargas “inaugurou um novo estilo, o da barganha nacionalista a serviço de um projeto nacional de modernização econômica e político-institucional” (VISENTINI, 2009, p. 12). A imposição da ditadura do Estado Novo, em 1937, não significou, absolutamente, aproximação com a Alemanha nazista. O governo Vargas, antes mesmo da ditadura, estava orientado ao pan-americanismo. No ano seguinte, em 1938, as relações políticas com a Alemanha começaram a declinar (VISENTINI, 2009, p. 36).

Em setembro de 1939 os povos europeus se viram envolvidos em nova guerra. Nesse momento, a cúpula governamental brasileira debatia importantes questões. Uma delas era o rearmamento do Exército. O Brasil estava carente de armas, munições e equipamentos bélicos, como também sem preparo e treinamento de suas tropas (MOURA, 1993; BARROS, 2010). A prudência política e a diplomacia pragmática levaram o governo Vargas a tomar posição de neutralidade diante do conflito que ocorria na Europa.

A decisão brasileira foi acompanhada, em setembro de 1939, pelos países participantes da I Reunião dos Chanceleres Americanos, na cidade do Panamá. Os chanceleres votaram pela neutralidade diante da guerra europeia. A diplomacia dos Estados Unidos obteve importante vitória ao impedir apoios de países latinoamericanos à Alemanha. Mais adiante, em junho de 1940, na Conferência de Havana, os governos das Américas decidiram que um ataque militar a um país do continente seria considerado agressão a todos. A diplomacia norte-americana obteve nova vitória.

No entanto, o ataque japonês a Pearl Habour, em dezembro de 1941, alterou a política externa dos países latino-americanos. Não casualmente, um mês depois, foi realizada a Conferência do Rio de Janeiro. Após o ataque à base norte-americana no Hawai, a política brasileira de equidistância pragmática chegou ao seu limite e não poderia mais continuar (MOURA, 1993, p. 183-184). O governo dos Estados Unidos recomendou aos países da América Latina o rompimento de relações diplomáticas com a Alemanha, a Itália e o Japão. O Brasil seguiu a indicação, rompendo com os três países que formavam o Eixo no dia 28 de janeiro. A partir daí, a posição do governo e dos militares norte-americanos mudou em relação ao Brasil. Acordos comerciais e militares foram estabelecidos entre os dois países. O Exército brasileiro recebeu aviões, caminhões, armas e munições, conseguindo o almejado reaparelhamento. O governo brasileiro autorizou os militares norteamericanos a montarem bases no nordeste do país e ocupar a ilha de Fernando de Noronha. Um dos maiores objetivos do governo Vargas, a usina siderúrgica, começaria a ser construída em cidade entre Rio de Janeiro e São Paulo – Volta Redonda. Não demoraria para o governo nazista na Alemanha retaliar.

O artigo tem por objetivo conhecer, ainda que parcialmente, o sofrimento dos brasileiros que, a bordo de navios no litoral do país, sobreviveram aos ataques do submarino alemão U-507, a dor daqueles que perderam seus familiares e as repercussões da agressão militar alemã na sociedade brasileira.

Navios mercantes na mira dos U-boats1

O primeiro navio brasileiro vítima das forças militares alemães foi o cargueiro Taubaté, em 22 de março de 1941. No mar Mediterrâneo, aviões de caça da Lufwaffe atacaram o navio durante uma hora e dez minutos seguidos. O capitão do navio garantiu que os pilotos tinham como ver a bandeira nacional – fato negado pelos militares alemães. Treze tripulantes foram feridos e outro foi morto. José Francisco Fraga foi o primeiro brasileiro a morrer devido ao conflito europeu (MONTEIRO, 2013, p. 29).

A posição alemã em relação ao Brasil foi alterada após a decisão do governo Vargas de romper relações diplomáticas e aliar-se aos Estados Unidos. Desde o início de 1942 o governo alemão enviou dezenas de submarinos para o litoral dos Estados Unidos. Era a Operação Rufar dos Tambores. Além de embarcações norte-americanas, navios mercantes brasileiros passaram a ser atacados na região do Caribe e na costa leste norte-americana. Os navios brasileiros levavam borracha, matéria-prima essencial para a indústria bélica, mas também titânio, níquel, manganês, ferro, bauxita, diamantes, couros, além de alimentos, como café, laticínios e carnes. Na região, o primeiro navio brasileiro a ser atacado foi o Buarque no dia 15 de fevereiro de 1942. Um torpedo disparado pelo submarino U-432 jogou violentamente a tripulação para fora de seus leitos. Eram 00:45 h. O capitão ordenou o abandono do navio. Bem equipado, o Buarque contava com quatro baleeiras – barco salvavidas –, uma lancha e quatro balsas, todas abastecidas com água e biscoitos. Distantes do navio, todos viram quando o segundo torpedo afundou definitivamente a embarcação. Somente às 7:00 h um avião os localizou. O ataque resultou em uma morte – um homem de nacionalidade portuguesa, vítima de infarto cardíaco (SANDER, 2007, p. 52-53).

Outro navio mercante de bandeira brasileira, o Cabedelo, sumiu no mar do Caribe com 54 homens. Não se sabe a data certa, mas ocorreu entre 14 e 25 de fevereiro. As suspeitas são que tenha sido afundado por submarino italiano, apesar das controvérsias. No dia 18 de fevereiro o navio Olinda também foi atacado. Como os anteriores, ele rumava para a costa leste dos Estados Unidos. O navio carregava cacau, castanhas e café, mas ninguém sofreu ferimento grave. Aeronave espiã comunicou ao submarino U-432 a localização do Olinda. O primeiro torpedo advertiu a tripulação para abandonar a embarcação. A seguir, o navio foi afundado. O submarino se aproximou dos escaleres – barcos salva-vidas. Dele saíram oficiais à procura do comandante do Olinda. Todos os brasileiros, com razão, estavam aterrorizados. Os militares alemães queriam informações sobre o navio que atacaram. A seguir, foram embora e, horas depois, a tripulação do Olinda foi salva por militares norte-americanos (SANDER, 2007, p. 57-58).

Em 7 de março, também navegando na costa leste dos Estados Unidos, o navio cargueiro da empresa Lloyd Brasileiro, o Arabutan, foi atacado pelo submarino alemão U-155. Como o Cabedelo, o Buarque e o Olinda, o Arabutan navegava com luzes acesas, bandeiras no costado e na popa visíveis, como faziam os navios de países neutros na guerra. Mesmo assim, naquela tarde, o navio adernou quando um torpedo o atingiu. Todos os tripulantes deixaram o Arabutan e somente foram resgatados 26 horas mais tarde. Um enfermeiro, membro da tripulação, morreu. O governo brasileiro, por meio de sua embaixada em Portugal, emitiu nota de protesto contra os atos do governo alemão, sem obter resposta alguma (SANDER, 2007, p. 68-69).

No dia seguinte foi a vez do Cairu. No litoral dos Estados Unidos, rumo à Nova York, o navio estava abarrotado de borracha, algodão, mamona, couros, óleo, entre outros produtos. Eram 75 tripulantes e 14 passageiros. O torpedo disparado pelo submarino U-94 atingiu o navio com tamanha violência que ele se partiu ao meio. Sobreviveram 28 tripulantes e oito passageiros (SANDER, 2007, p. 72-73). O afundamento do Cairu gerou protestos populares no centro da Capital Federal, Rio de Janeiro – o primeiro que se tem notícia. A imprensa, sob censura, ainda não pode noticiar os protestos detalhadamente, como faria em agosto próximo. Mas uma nota da Chefatura de Polícia nos permite ter ideia, ainda que vaga, do que ocorreu:

Ontem pela manhã um grupo de pessoas exaltadas percorreram as ruas mais centrais da cidade, depredando propriedades de súditos das nações do eixo. As autoridades policiais, interessadas na manutenção da ordem pública, intervieram rapidamente, impedindo por meio suasórios que continuassem as depredações e que se praticassem violências de todo e em todo inconveniente e inoportuno.2

A nota oficial emitida pela polícia admite que ocorreram protestos populares violentos, voltados contra estabelecimentos comerciais de alemães, italianos e japoneses. O historiador Neill Locherey afirma que a notícia do afundamento do Cairu provocou grandes tumultos no Rio de Janeiro. Os manifestantes atacaram, particularmente, estabelecimentos alemães. “A polícia”, afirma ele, “demorou para restaurar a ordem e decidiu intervir apenas como último recurso” (LOCHERY, 2015, p. 159).

Os torpedeamentos de navios brasileiros continuaram em maio: Parnaíba, com 7 mortes; Comandante Lira, com 2 mortes e Gonçalves Dias, com 6 mortes. Em junho, foram torpedeados o Alegrete e o Pedrinhas, sem vítimas fatais. Em julho foram afundados o Tamandaré, com 4 mortos; o Barbacena, com 6 mortos e o Piave, com uma morte.

O Comandante Lira foi torpedeado por submarino italiano no litoral do Rio Grande do Norte, em 18 de maio de 1942. Tratava-se, no entanto, de navio de transporte de gasolina e petróleo cru, o que exigia casco duplo. Assim, mesmo torpedeado, a embarcação continuou flutuando. A tripulação do submarino italiano voltou a atacar o navio com tiros de canhão e metralhadora – provocando incêndio. As baleeiras foram alvo dos tiros. O objetivo era não permitir que sobreviventes relatassem a existência de submarinos na região. O comandante do navio, no entanto, havia enviado pedido de socorro à base militar da Força Aérea Brasileira (FAB), criada um ano antes. Aviões chegaram ao local, afugentando o submarino italiano. Segundo João Barone, foi a primeira ação de guerra da FAB (BARONE, 2013, p. 28).

Os submarinos alemães e italianos partiam do litoral atlântico da França, na época sob controle da Alemanha. A Marinha de Guerra alemã instalou na região o Comando de Operações do Atlântico, sob o comando do almirante Karl Dönitz. Na cidade francesa de Lorient ficavam as instalações para abrigar submarinos da 2° flotilha alemã. Segundo Robert Sanders, com o aval de Adolf Hitler, Dönitz ordenou que submarinos rumassem para a costa leste dos Estados Unidos. A oficialidade alemã ficou surpresa com o despreparo militar norte-americano. Cerca de 40 submarinos agiam livremente. Entre janeiro e julho de 1942, cerca de 300 navios de países aliados dos Estados Unidos foram afundados em águas do país. “Os submarinos atuavam à vontade”, afirma Sander, e “os comandantes alemães se davam ao luxo de escolher os navios que seriam afundados” (SANDER, 2007, p. 88-89).

Os submarinos eram instrumentos de guerra modernos e letais. Eles podiam carregar até 22 torpedos e portavam canhão de calibre 105 mm. Dois poderosos motores a diesel o moviam na superfície com velocidade média de 18,5 km/hora alcançando mais de 18 mil quilômetros. Submersos, dois motores elétricos o moviam a velocidade de 7,4 km/hora com alcance de 100 quilômetros. Mas eles tinham limitações. Não podiam ficar submersos por muito tempo. Apenas quando atacavam ou se escondiam do inimigo. Uma rajada de metralhadora em seu casco causava danos irreversíveis (BARONE, 2013, p. 30).

O trabalho dos comandantes dos submarinos era facilitado pela extensa rede de espionagem alemã que atuava em vários países das Américas, como Panamá, Costa Rica, México e Brasil (SANDER, 2007, p. 91). No caso brasileiro, um dos exemplos é o de Josef Jacob Johannes Starziczny. Ele entrou no país com o objetivo de montar vasta rede de espionagem para a Alemanha e conseguiu arregimentar cerca de 40 agentes, de norte a sul do país. Suas instalações transmitiam informações para a Alemanha, particularmente sobre a movimentação de navios no Atlântico. A empresa aérea italiana Lati – Linhas Aéreas Transcontinentais Italianas – instruía seus pilotos para localizar navios e orientar submarinos alemães (SANDER, 2007, caps. 8 e 9).

A pressão alemã sobre o governo brasileiro não era apenas no plano militar. De Berlim eram transmitidos programas radiofônicos que incitavam os alemães que viviam no Brasil contra o governo Vargas. Os programas denunciavam problemas financeiros e maus-tratos sofridos por espiões alemães presos. As transmissões terminavam com ameaças ao Brasil. Segundo Neill Lochery, o programa de 29 de junho de 1942 terminou com o seguinte aviso: “A menos que o governo brasileiro tome providências imediatas para resolver essas queixas, o Reich adotará contramedidas” (LOCHERY, 2015, p. 173).

Os ataques dos submarinos alemães aos navios da marinha mercante que trafegavam entre o Brasil e os Estados Unidos continuaram. Afundar navios mercantes era prática comum na guerra. Ingleses, por exemplo, afundavam navios alemães. Mas para os brasileiros que acompanhavam a guerra pelos jornais, nada justificava o afundamento daqueles navios. Ainda mais tratando-se de um país neutro, como o Brasil. Os torpedeamentos eram noticiados na imprensa, repercutindo de maneira muito negativa, causando revolta na população e gerando sentimento de aversão à Alemanha nazista.

O U-507 foi enviado para as costas brasileiras, com autorização expressa de Hitler. O Führer estava irritado com o governo Vargas por diversos motivos: o rompimento de relações diplomáticas com a Alemanha; a descoberta da rede de espionagem com a prisão de agentes alemães; os acordos militares com os Estados Unidos e a presença de tropas militares daquele país em território brasileiro. Irritou também o Führer a ação de avião bombardeiro cedido pelo governo dos Estados Unidos à FAB que em maio, ainda em treinamento, afundou submarino alemão entre Fernando de Noronha e Atol das Rocas (SANDER, 2007, 173 e 151).

Adolf Hitler estava determinado a retaliar de maneira drástica. O rompimento de relações diplomáticas do governo brasileiro com os países do Eixo e o afundamento do submarino alemão foram decisivos para a formulação de plano de ataque destrutivo. Com apoio do comandante de Operações do Atlântico, Karl Dönitez, e do comandante da Marinha de Guerra alemã, Erich Raeder, o plano era enviar dois submarinos grandes e oito médios, além de um submarino-tanque, e atacar os portos de Santos, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. O plano foi abortado em fins de maio quando o Ministério do Exterior alemão avaliou que o ataque aos portos brasileiros poderia resultar na solidariedade do Chile e da Argentina ao Brasil, países que não haviam rompido relações diplomáticas com os países do Eixo. No entanto, submarinos alemães estavam liberados para atacar navios brasileiros (MONTEIRO, 2013, p. 69).

Até julho eram navios mercantes as vítimas dos submarinos alemães. Não foi o que aconteceu em agosto de 1942. Após novos debates entre o alto comando do governo alemão, ficou decidido pelo envio do submarino U-507, sob o comando do capitão de corveta Harro Schacht, na época com 34 anos, para o Atlântico Sul, mais especificamente para o litoral brasileiro. O submarino estava equipado com 22 torpedos e sua tripulação era de 47 marinheiros, O comandante das operações no Atlântico, Karl Dönitz, autorizou Harro Schacht a ter “manobras livres” no litoral brasileiro (MONTEIRO, 2013, p. 44-45). Ou seja, poderia afundar navios de qualquer nacionalidade, menos os de bandeira argentina e chilena. Tratava-se da retaliação do governo alemão devido à tomada de posição do governo brasileiro de se aliar aos Estados Unidos. O U-507 foi eficaz na sua missão destrutiva.

No mar: sofrimento dos sobreviventes

O navio Baependi partiu do porto de Salvador no dia 15 de agosto com destino à Manaus, com escala em alguns portos, como o do Recife, levando mercadorias e passageiros. Utilizar navios como meio de transportes entre as cidades era comum nessa época. Entre passageiros e tripulantes, o navio levava 323 pessoas. A maioria era de oficiais do Exército que, com suas famílias, residiriam na base militar na cidade de Olinda. Eram 18:53 h quando Harro Schacht avistou o navio. Com base no diário de bordo do comandante do U-507, Marcelo Monteiro afirma que dois torpedos foram disparados, mas perdidos. Havia algum problema na mira do U-507. Passavam poucos minutos após às 19:00 h quando outro torpedo foi lançado, finalmente atingindo o Baependi (MONTEIRO, 2013, p. 70).

O relato de um sobrevivente, o capitão do Exército Lauro Moutinho Reis é esclarecedor. No anoitecer do sábado o jantar era em homenagem ao aniversário do comissário de bordo. Eram 19:10 h quando, segundo seu depoimento, “fomos surpreendidos por um enorme estampido, que pareceu ter ocorrido no porão do navio, quando nos achávamos a 20 minutos da costa, na altura da foz do rio Real”.3 Segundos antes, a senhora Vilma Castelo Branco, também sobrevivente, avistou no mar uma espécie de farol que focalizava o Baependi.4 O estrondo foi ouvido por todos. O torpedo produziu enorme rombo no meio do navio na altura da linha d'água e logo adernou. O capitão Moutinho relatou o que ocorreu a seguir:

A explosão do primeiro torpedo produziu confusão indescritível entre os 300 passageiros e tripulantes. Trinta segundos depois ouviu-se a detonação do segundo torpedo […]. O submarino atacante, executada a tarefa, veio à superfície, iluminando o seu alvo, a fim de agir com maior precisão. Ao ser ouvido o primeiro estampido muni-me imediatamente de salva-vidas. Não houve tempo para pedidos de socorro ou lamentações, pois o navio afundou em três minutos, não dando tempo, também, a que fossem postas em prática as medidas usuais de salvamento. Os camarotes ficaram logo cheios d'água e, quem não pode correr para o convés, de certo morreu.5

Após o estrondo, estilhaços de vidro e madeiras voaram pelo navio. Passageiros desceram para os camarotes à procura de seus parentes, não percebendo que morreriam afogados ao tomar aquele caminho. Mulheres e crianças não sabiam o que fazer. Menos de um minuto após lançar o torpedo, Harro Schacht disparou o segundo. Ao acertar os tanques de combustível o torpedo provocou forte explosão (MONTEIRO, 2013, p. 73-75). Segundo depoimento do chefe de máquinas do navio, Adolfo Artur Kern,

o primeiro torpedo, presumivelmente, deu-se na casa das caldeiras, e o segundo, também presumivelmente (porque foi tão rápido que não deu tempo para localizar nada), arrebentou nos tanques de óleo combustível. Em consequência disso e simultaneamente com o estampido, registrou-se uma forte explosão, destapando-se a escotilha do porão n. 2, explosão acompanhada de labaredas, que iam até, quase, ao topo do mastro, provocando violento incêndio.6

O capitão Moutinho narrou cenas dramáticas. As dependências do navio foram inundadas muito rapidamente, não permitindo que as pessoas pudessem ter qualquer atitude. Com o adernamento do navio, o chão tornou-se parede, impedindo que sobreviventes pudessem chegar a qualquer lugar a salvo. Passavam poucos minutos das 19:00 h, em noite escura e com mar muito agitado. O horror vivido por todos foi nas trevas. Segundo o relato do capitão Moutinho:

Um oficial, com a esposa e o filho, agarravam-se fortemente no corredor, unidos, tentando lutar contra a morte. Uma jovem, com a volta súbita do navio, foi vista ser esmagada. Outra foi levada pelas águas. Pessoas que tentavam subir aos camarotes, onde tinham ido buscar os salva-vidas, eram obrigadas a recuar pela avalanche líquida. Não houve tempo para quaisquer medidas de salvamento, porque 30 segundos depois o Baependi recebia um segundo torpedo, tombando inteiramente. Em 3 minutos estava inteiramente afundado.7

Outros dois sobreviventes, os médicos do Serviço Nacional da Peste, Zamir de Oliveira e Viterbo Story estavam na sala de música acompanhados de outros passageiros que conversavam, liam jornais ou passeavam pelo convés. Por volta das 19:00 da noite, ele ouviu um barulho surdo que estremeceu violentamente o navio. Logo ele percebeu que se tratava de um torpedo. Zamir correu para o convés e se deu conta que o navio adernava. Não demorou e o segundo torpedo explodiu, jogando-o no mar. Para sua sorte, ele se deparou com a porta de um camarote que lhe serviu de bote improvisado. Mas a cena que ele viu o chocou. Várias pessoas se debatiam no mar e muitas delas pareciam não se importar consigo mesmas, mas com seus filhos, seus pais, seus irmãos. Chamavamlhes pelos nomes. Em vão. O mar bravio, o frio intenso e o vento forte se encarregaram de calar as vozes. Zamir procurou se afastar do local usando os braços como remos. Um episódio da tragédia foi ressaltado pelo médico:

Dezesseis crianças – muitas delas filhos de oficiais e sargentos – eram passageiros do Baependi. Morreram todas, apenas se salvando um menino de dezesseis anos. A bordo, o jantar era servido às 5 horas. Às 6 e pouco essa população infantil se recolhia aos camarotes. Iam dormir. E estavam, com certeza, já, dormindo, à hora em que o navio foi sacudido pelos dois torpedos Morreram no interior dos beliches.8

As leis internacionais foram violadas. A indicação era para que o comandante disparasse o primeiro torpedo, esperasse que todos deixassem o navio em botes salva-vidas e baleeiras e somente depois disparasse o segundo torpedo. O objetivo era afundar o navio, preservando a vida de passageiros e tripulantes. Era o que ocorrera até então com os navios brasileiros. Portanto, ao disparar os dois torpedos com intervalo de menos de um minuto, o comandante do submarino teve o objetivo de matar todos dentro do navio.

Tudo foi tão rápido que sequer houve tempo para desamarrar as baleeiras. O capitão Moutinho conseguiu soltar uma delas. Mas as cordas se enlaçaram no casco do navio e o capitão afundou vários metros no fundo do mar, retornando à superfície e conseguindo se salvar – embora tenha sido atingido fortemente no rosto. O tenente Marcos, outro sobrevivente, jogou-se ao mar. Ambos nadaram para longe do navio até avistarem outra baleeira. Nela estavam alguns tripulantes, militares, a senhora Vilma e um menino de 16 anos. A situação ainda não era segura. Havia um furo na baleeira por onde entrava água. Com suas roupas, os sobreviventes taparam o furo, mas o custo foi sofrerem ainda mais com o frio. Para espanto de todos, ainda viram o submarino alemão jogando luz sobre as proximidades à procura de sobreviventes.9 Na baleeira estavam 28 pessoas com sede, frio e medo.

Adolfo Kern, por sua vez, afirma que não havia o que fazer, sequer telegrafar pedindo socorro, nem mesmo jogar as baleeiras no mar, pois em um minuto, no máximo dois, o navio adernou a logo começou a afundar. Muitos se jogaram no mar. No entanto, o navio afundou tão rapidamente que a sucção provocada levou com ele muitos náufragos. Morreram 270 pessoas (MONTEIRO, 2013, p. 73-81).

Grupos de náufragos, totalizando 53 pessoas, conseguiram se salvar. Um deles na baleeira com o capitão Moutinho. O piloto Aleidio conduziu a baleeira para terra firme depois de seis horas no mar. Chegaram na praia completamente exaustos. Estavam no limite entre os estados da Bahia e Sergipe. Um dos tripulantes conhecia a região e guiou o grupo ao povoado de Coqueiros, distante 20 quilômetros de onde estavam. O sofrimento parecia não acabar. No povoado receberam os primeiros socorros e roupas. Mas teriam ainda outra jornada a cumprir: em uma canoa, remaram durante toda a noite para chegar na cidade sergipana mais próxima. Recebidos pelo prefeito, foram examinados por médicos e, pela primeira vez, puderam dormir após a tragédia. A seguir, um avião foi buscá-los, levando-os para a cidade do Recife.10

Para o chefe que máquinas Adolfo Kern, as coisas foram mais difíceis. Após meia-hora sozinho no mar, ele conseguiu agarrar-se a um pedaço de madeira, recolhendo ainda dois outros náufragos. Os três foram levados pelas ondas do mar em direção ao litoral. Um deles, soldado do exército, estava muito febril. Não resistiu e caiu no mar ao ser atingido por uma onda mais forte. Na praia, descobriram que estavam em localidade chamada Mangue Seco, divisa dos estados da Bahia e Sergipe. Os moradores os ajudaram, levando-os para a localidade de Crasto e, daí, para a cidade sergipana de Estância, onde receberam socorro médico. Estavam feridos por pontadas de pregos, olhos inflamados, famintos, sedentos e muito cansados.11

No caso de Zamir de Oliveira, dois homens se agarraram na porta que salvou sua vida. Os três se deixaram levar pelo vento agarrados um ao outro no esforço para aguentar o frio. Após o amanhecer, passaram o dia inteiro sob sol forte e vento frio no mar bravio até avistarem o litoral. Somente às 19:00 h foram jogados na terra por forte onda. Eles passaram 24 horas no mar. Na praia dos Coqueiros, no estado da Bahia, pescadores os receberam de maneira solidária, dando-lhes roupas e comida. Dali foram levados para Aracajú, capital do Sergipe. A população da cidade recebeu-os com muito carinho, ao mesmo tempo em que demonstrava ódio à Alemanha. Ao lado de Zamir, Viterbo Story relatou o ambiente que encontraram em Aracajú:

Todo o povo está profundamente indignado. Aliás, isso é natural, pois no Anibal Benévolo [navio afundado algumas horas depois] quase todos os passageiros e tripulantes tinham parentes em Sergipe. E desse navio, como se sabe, apenas se salvaram quatro pessoas. A polícia é impotente para conter as manifestações populares, e, praticamente, pode-se dizer que não há uma só casa de alemão ou de integralista isenta da sanha vingativa dos sergipanos, que, mais que quaisquer outros brasileiros, foram dos mais rudemente feridos com a tragédia. Para nós, os náufragos, foram de cativante gentileza.12

Ainda naquele dia, pouco mais de duas horas mais tarde, a tripulação do U-507 avistou o navio Araraquara. Na embarcação estavam 146 pessoas, entre passageiros e tripulantes. Tinha partido do Rio de Janeiro e, após escala em Salvador, navegava com destino à Maceió. Eram 21:00 h quando o submarino disparou um torpedo que destruiu parte do navio. O 1° piloto Milton Fernandes estava dormindo quando acordou com o forte estampido. Imediatamente o comandante do navio entrou nos aposentos e perguntou a um oficial o que foi aquilo. Como o oficial perdeu a fala, Milton respondeu: “Comandante, fomos torpedeados e estamos submergindo”. Logo o comandante deu ordens para baixar as baleeiras. Muitos passageiros ouviram, a seguir, forte estrondo, parecendo ser a explosão resultante do segundo torpedo. De acordo com o relato de Milton Fernandes:

É difícil precisar quantos torpedos foram disparados contra o navio. Suponho terem sido dois. Há quem afirme que as ampolas de ar arrebentaram-se, mas não acredito que isso se tenha verificado, pois o primeiro torpedo bateu entre o porão 3 e a casa das máquinas, e, minuto e meio após, ocorria outra explosão.13

O que consta no diário de bordo de Harro Schacht é que o torpedo partiu o navio em duas partes. A quebra do casco provocou forte estrondo. Aos passageiros parecia ser o segundo torpedo (MONTEIRO, 2013, p. 270). Seja como for, o comandante agiu com a mesma crueldade, tirando a vida de 131 homens, mulheres e crianças. Não houve tempo de baixar as baleeiras. Segundo Milton Fernandes, o tempo entre o torpedeamento e o afundamento do navio foi de, no máximo, 5 minutos.

Agarrados em sobras de caixas, dois grupos de sobreviventes, totalizando apenas 15 pessoas, conseguiram se salvar, rumando para o litoral separadamente. Em um deles estava Milton Fernandes. Com fome e frio, esperavam que a correnteza os levasse para o litoral. Ao amanhecer, um dos náufragos pediu-lhe café. Milton percebeu que ele não estava bem. Ele insistiu no café e como não foi atendido agrediu outro náufrago. Imobilizado por Milton, ele, após se desvencilhar, comentou: “Já que não me quer dar comida, vou-me embora”. A seguir, jogou-se no mar. Finalmente, às 15:00 h do dia seguinte eles chegaram a uma praia perto de Aracajú. Após comerem a polpa de cocos e beber sua água, descansaram. A seguir começaram a caminhada em busca de socorro. Chegaram a uma fazenda onde receberam os primeiros socorros. De canoa, foram levados para a cidade de São Cristóvão. Ninguém, naquele momento, sabia o que havia ocorrido.14

O Aníbal Benévolo navegava com 154 pessoas, entre passageiros e tripulantes. Partira do porto de Salvador no dia 15 rumo a Aracaju. Algumas horas depois do afundamento do Araraquara, às 4:05 h da manhã do dia 16, Harro Schacht ordenou o disparo de um torpedo rumo ao Aníbal Benévolo. O navio afundou muito rapidamente. O comandante Henrique Jacques Mascarenhas Silveira ordenou soltar as baleeiras, mas não houve tempo. Os compartimentos foram tomados pela água. Ele calcula que não passaram dois minutos entre o torpedeamento e o afundamento do navio:

Tudo se passou com tamanha rapidez que nem sequer houve pânico a bordo! Não houve possibilidade, sequer, de nos utilizarmos do aparelho de telegrafia. O torpedeamento foi às 4 horas e 5 minutos da manhã, quando tudo estava escuro e todos acomodados nos seus camarotes ou alojamentos.15

O próprio comandante foi ao fundo do mar levado cerca de 10 metros de profundidade pela sucção do navio.16 Em seu diário, Harro Schacht registrou que o navio afundou em 45 segundos e não consta o disparo do segundo torpedo. No entanto, os sobreviventes afirmaram o contrário, que um segundo torpedo atingiu o navio (MONTEIRO, 2013, p. 93-96) – embora o comandante do navio faça referência a um único. No total, morreram 150 pessoas. A maioria estava nas cabines, vítimas de afogamento. Somente 4 pessoas escaparam com vida.

Em menos de 12 horas, na madrugada do dia 15 para o 16, o U-507 afundou três navios e matou 551 pessoas. Na capital da República, Rio de Janeiro, os jornais foram para bancas na manhã do dia 17 sem notícias da tragédia. Ainda não se sabia o que estava ocorrendo no litoral nordestino – apesar de notícias desencontradas sobre náufragos que apareceram no litoral sergipano.

O Itagiba partira do Rio de Janeiro com destino à cidade de Recife, com escala em Salvador. No navio estavam 179 pessoas, entre tripulantes e passageiros – a maioria militares que iriam morar na base de Recife. Entre os passageiros estavam a menina Walderez Cavalcante, de apenas 4 anos de idade, acompanhada do pai, Octavio Cavalcante. Depois de uma parada na cidade Vitória, no dia 17 o navio retornou ao mar. Às 9:00 h daquele dia, o comandante José Ricardo Nunes recebeu comunicado da Capitania dos Portos da Bahia: todas as embarcações deveriam rumar para o porto mais próximo. Os chefes militares da Marinha de Guerra brasileira certamente tinham conhecimento, ainda que vago, do que estava ocorrendo. O comandante do Itagiba, na verdade, não tinha muito o que fazer porque o porto mais próximo era Salvador, faltando algumas horas para alcançá-lo. Poucos minutos antes das 11:00 horas, o Itagiba aproximou-se da entrada da Baía de Todos os Santos. Mais duas horas e chegariam ao destino. Foi nesse momento que um torpedo disparado pelo U-507 atingiu o navio (MONTEIRO, 2013, p. 113-117). Um dos sobreviventes, o médico Helio Veloso, afirmou que o navio se encontrava perto do morro de São Paulo quando, “o Itagiba foi colhido em cheio pelo torpedo, cuja explosão fez voar destroços por todos os lados. Estabeleceu-se o pânico a bordo. A tripulação procurou acalmar os passageiros, ao mesmo tempo em que tomava medidas urgentes para o salvamento de todos”.17

Tudo foi muito rápido, mas a tripulação conseguiu baixar seis das oito baleeiras. Mais cinco minutos e o navio começou a adernar. A maioria morreu por afogamento após se jogar no mar ou pelo resultado dos 300 quilos de explosivos do torpedo e da própria explosão da caldeira do navio. Outros foram vitimados pela sucção do navio ao afundar. A pequena Walderez entrou em uma baleeira, mas viu o pai cair no mar. Para piorar a situação, o mastro do navio caiu sobre a baleeira em que ela estava. Um dos náufragos, com grande esforço, a segurou. Ao avistar uma caixa de madeira de Leite Moça, ele a colocou dentro, insistindo para que não se soltasse da caixa. Walderez sumiu no horizonte sob intenso frio (MONTEIRO, 2013, p. 118-125).

Vários sobreviventes ficaram em mar aberto sem saber o que fazer. Entre eles o imediato Mario Hugo Praun. Ele comandou a descida de algumas baleeiras e orientou passageiros e tripulantes como agir naquele momento. Contudo, ele mesmo não conseguiu entrar em uma delas. Jogado ao mar, foi tragado pela sucção do navio, conseguindo retornar à superfície exausto. Ele foi salvo por náufragos em uma das baleeiras.18

Nesse momento, distante seis milhas, o comandante do Arará, José Coelho Gomes, avistou, ao longe, as chamas do Itagiba. No navio havia 35 homens, todos membros da tripulação. Ele levantou duas hipóteses para o naufrágio que, de longe, assistia: explosão de caldeira ou torpedo. Em um caso ou outro, ele afirmou em depoimento: “Achava-me tão próximo do Itagiba, isto é, dentro do raio de ação de um submarino, que tanto fazia ir em socorro desse navio como não ir, corria a mesmo risco de ser torpedeado”. Tomou, então, a decisão de socorrer as pessoas.19

Enquanto o Arará mudava seu rumo, o proprietário do iate Aragipe casualmente passava no local do desastre. A tripulação do Aragipe resgatou vários sobreviventes que estavam no mar e saiu da região lotado, com 150 pessoas, entre eles o pai da menina Walderez. O Aragipe era um barco grande e foi avistado pela tripulação do U-507. Harro Schacht, em seu diário, declarou que, inicialmente, teve a intensão de usar as metralhadoras e as armas do deck do U-507 contra o Aragipe, evitando, assim, gastar um torpedo com o iate. Não o fez por uma questão técnica: para usar as armas do deck o submarino teria que emergir e poderia ser facilmente avistado por aviões brasileiros. Não foram razões humanitárias que compeliram Harro Schacht a poupar a vida de 150 pessoas. Seu critério foi baseado em cálculo frio e técnico: o risco a que ele exporia o U-507 (MONTEIRO, 2013, p. 127 e 271). Além disso, ele avistou uma presa maior: o Arará.

Logo a seguir, por volta do meio-dia, o Arará chegou no local do afundamento do Itagiba. Ainda havia sobreviventes em algumas baleeiras. O navio já estava na mira do U-507. A tripulação do Arará recolheu 18 náufragos, mas ainda havia outros. Estando parado, o trabalho dos marinheiros do U-507 foi facilitado. Às 13:10 horas o comandante José Coelho Gomes viu um torpedo alcançar o navio. O petardo explodiu na casa de máquinas do Arará. Segundo sua avaliação, não passou de 1 minuto o tempo entre o torpedeamento e o afundamento do navio, levando todos que estavam a bordo, inclusive os 18 náufragos resgatados. Os que ainda estavam no mar foram sugados pela força de sucção do navio afundando.20 Foi uma tragédia de imensas proporções, embora a maioria tenha saído viva. Dos 35 tripulantes do Arará, 15 deles se salvaram, conseguindo chegar ao litoral. No caso do Itagiba, das 179 pessoas, entre passageiros e tripulantes, 36 morreram. No somatório dos dois navios, 158 conseguiram sobreviver e 56 pereceram no mar.

O iate Aragipe avançava velozmente para o litoral e a pequena Walderez continuava no mar dentro da caixa de Leite Moça, sem compreender por que estava ali. Em sua mente infantil, algo era claro: não adiantava chorar, pois ninguém iria ajudá-la. Mas também se perguntava: onde estava o pai? (MONTEIRO, 2013, p. 129). Havia passado 5 horas desde o afundamento do Itagiba e seu pai, Octavio Cavalcante, a bordo do iate, estava inconformado com a perda da filha. Ao comandante do iate, chorando, ele falou que, sem a filha, não tinha razão para viver. A seguir, tentou se jogar no mar. O comandante sabia do perigo que corria com um submarino alemão por perto, mas ficou comovido com o desespero de Octavio. Então pediu a todos que olhassem com atenção para o mar à procura de algo parecido com destroços. Não demorou para alguém gritar, apontando em determinada direção. O iate mudou de rumo e, para grande alegria de todos, lá estava a pequena Walderez dentro da caixa. Octavio caiu em choro convulsivo (MONTEIRO, 2013, p. 134). Não poderia haver felicidade maior do que aquela, mesmo vivendo imensa tragédia.

As notícias dos torpedeamentos chegaram nas principais capitais do país no dia 18. A crueldade do comandante alemão repercutiu na sociedade brasileira com imenso sentimento de revolta. Não eram ataques a navios mercantes que trafegavam entre países com mercadorias. O que ocorrera foram ataques a navios de passageiros nas costas brasileiras que iam de uma cidade para outra levando passageiros e mercadorias. Nenhuma justificativa havia para os ataques. Homens, mulheres e crianças que viajavam em seu próprio país foram mortos de maneira cruel.21 No total foram 607 mortos: 270 no Baependy, 131 no Araraquara, 150 no Aníbal Benévolo, 36 no Itagiba e, por fim, 20 no Arará.

O governo Vargas ficou surpreendido com o ataque. A primeira iniciativa foi ordenar que todos os navios brasileiros fossem para o porto mais próximo, determinando ainda que nenhuma outra embarcação partisse para o mar. Além disso, cancelou as licenças dos soldados e ordenou que os marinheiros retornassem aos navios de guerra (LOCHERY, 2015, p. 185-186). A reação decisiva, no entanto, veio da sociedade.

Na terra: famílias em sofrimento

Na Capital Federal, Rio de Janeiro, os jornais deram as notícias no dia 18 de agosto de 1942. A população carioca ao saber dos ataques tomou as ruas da cidade durante dois dias, exigindo retaliação, vingança e guerra.

Os jornais mostraram-se afinados com a ira popular. Editoriais e artigos assinados eram unânimes em condenar o ato de guerra alemão contra o Brasil e exigir atitude à altura do governo brasileiro. O Diário Carioca, em sua primeira página, publicou editorial assinado pelo proprietário do jornal, J. E. de Macedo Soares, com críticas contundentes:

A besta-alemã, na sua espantosa agonia de fera, já não recua diante dos crimes mais covardes e ignóbeis. […] Trata-se agora de navios atacados na costa, afundados sem aviso prévio pelas armas de um país que não nos declarou guerra, não nos notificou da criminosa extensão ao nosso litoral de suas expedições de piratas.22

No Distrito Federal os jornais alinharam-se na condenação ao ato de guerra, muitos com contundência. É necessário considerar que a imprensa estava sob censura e controle do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Mas não é o caso de supor interferência estatal. Nas páginas dos jornais podem ser lidas matérias com alto grau de indignação para serem reduzidos apenas à propaganda governamental. A revolta com o ataque do submarino alemão generalizou-se pelo país.

Enquanto o conjunto da sociedade demonstrava indignação e revolta, as famílias dos que estavam nos navios sofriam. A senhora Lígia Rocha Sanchez, ao ler o depoimento de Helio Veloso pelos jornais, foi tomada por grande angústia. Veloso afirmou que o comandante do Itagiba era o oficial da Marinha Mercante Antenor Dias Sanchez. Tratava-se do marido da senhora Lígia. Em depoimento à imprensa, ela afirmou tratar-se de um mal-entendido. Antenor partiu dez dias atrás no comando do navio Itassussé para o sul do país. É bem verdade, ela admitiu, que já aconteceu dele ter recebido ordens para viajar para o sul e, repentinamente, outra ordem veio para que fosse para o norte. Também ele poderia, na última hora, ter assumido o comando do Itagiba – e não do Itassussé. Desse modo, a falta de notícias do marido gerava angústia. “Imagine o senhor, como me encontro”, dirigindo-se ao repórter. Mas ela alimentava esperança. Havia uma prova de que o marido estava vivo. No dia anterior, foi o aniversário dela e de casamento do casal. Segundo Lígia:

Ainda há pouco, recebi de Sanchez um telegrama de felicitações, não só pelo meu aniversário de casamento com também pelo dia dos meus anos, que transcorreu ontem. Meu marido não se esqueceu de mim. O telegrama trazia a data de 18, isto é, depois dos afundamentos dos navios brasileiros. Tenho fé em Deus que, dentro de breves dias, poderei abraçar meu esposo.23

De falto, a senhora Lígia tinha razões para ter esperanças. O comandante do Itagiba era, na verdade, José Ricardo Nunes, morto ao ser sugado pelas águas com o afundamento do navio. Seu marido estava a salvo, em algum lugar.

Mas boas notícias não foram a norma naqueles dias. Diferente da senhora Lígia, outra mulher, naquele momento, chorava com seus filhos e netos. Foi assim que a reportagem do jornal A Noite encontrou a senhora Margarida Alves Delgado, mulher do 3° maquinista do Araraquara, Aurélio Delgado. O choro, inicialmente, impediu-a de responder a primeira pergunta. Waldyr, um dos netos, ainda criança, falou ao repórter: “Sabe? Vovô morreu. Não volta nunca mais. Morreu a serviço da Pátria”. A senhora Margarida, mais recuperada, falou:

Morreu, sim, meu senhor. Meu coração de esposa não me engana. Não tenho nenhuma notícia que possa positivar as minhas suspeitas; mas uma coisa estranha me diz que meu marido nunca mais voltará. Ele saiu de casa, em um domingo, cheio de alegria dizendo que não escreveria, pois a viagem que ia fazer era bastante curta. Ia ali e voltava logo. Coitado, e talvez já esteja morto. A fúria assassina dos alemães não deixou que ele cumprisse a sua promessa. É verdade que morreu cumprindo o seu dever. São poucos os que têm a felicidade de morrer pela Pátria. Aurélio, não me engana meu coração, morreu pelo Brasil, e isso nos consolará de certo modo. Tenho cinco filhos, sendo que o mais velho está convocado para o Exército e deverá seguir, dentro de breves dias, para cumprir com suas obrigações de soldado. Meu genro morreu recentemente e nos deixou três netos. Agora a única coisa que temos a fazer é esperar a notícia desoladora, pois se meu marido estivesse vivo ele já teria me telegrafado.24

A senhora Margarida estava certa: embora mais tarde fosse declarado oficialmente como desaparecido, ele estava morto.

A imprensa também visitou a residência do comandante do Araraquara, capitão Lauro Augusto Teixeira de Freitas. Sua mulher, a senhora Nair, estava rodeada por amigas que apoiavam em momento tão difícil. Ansiosa e desalentada, foi assim que o jornalista do Diário Carioca a encontrou. Sem conter a emoção, ela comentou:

A notícia do afundamento do Araraquara foi um rude golpe desfechado no meu coração. Imagine que, pela manhã, de segunda-feira, recebi uma carta de Lauro, de São Salvador, na qual me dizia que deixará aquele porto, sábado à tarde com destino a Sergipe. Embora nessa missiva, ele se mostrasse poético, fugindo do normal, não sei porque um sentimento horrível apossou-se do meu coração. Algo me dizia que aquele contentamento do meu marido era a calma que precede a tempestade. E assim foi, infelizmente, pois à noite tive conhecimento do bárbaro e traiçoeiro crime perpetrado pelos demônios do ‘Eixo’ contra a navegação brasileira.25

Um telefonema deu-lhe alguma esperança. Uma amiga lhe comunicou que uma baleeira do Araraquara tinha sido encontrada. Mais esperançosa, a senhora Nair lembrou que o marido estava “acostumado aos perigos próprios de sua profissão, pois serviu na Europa, por ocasião da grande guerra”. Por isso, ela afirmou que o marido “não se deixava matar tão facilmente mesmo tendo perdido o navio numa cilada sórdida pelos inimigos do Brasil”. A senhora Nair ainda não tinha como saber, mas seu marido estava morto.

A falta de notícias gerava angústia nas famílias. Na residência do 1° maquinista do Ararás, Josué Pereira Alves, sua mulher, a senhora Augusta aguardava ao lado da filha Zilca. Mesmo sofrendo com a falta de informações, não poupou críticas ao governo alemão:

A crueldade dos povos que se constituem inimigos fidagais do Brasil, enche de luto os lares brasileiros, sem que estejamos em guerra com eles. Deus entretanto, dará a esses valentes que só atacam de tocaia o castigo que merecem. São tão valentes esses representantes da raça ariana que se preocupam em atacar navios costeiros, de nações que não estão em guerra com eles, enquanto os comboios conduzindo tropas para os mais longínquos recantos do Globo, chegam sãos e salvos sem serem molestados.26

As notícias logo chegariam: reconhecido oficialmente como desaparecido, Josué tinha morrido devido ao torpedo lançado pelo U-507.

Em outra residência, a senhora Maria, também ao lado da filha Salete, esperava notícias do marido, o 1° Comissário Sebastião Tarrouquela, embarcado no Baependi. Amparada por amigas, a senhora Maria, muito chorosa, afirmou ao repórter:

ainda aguardo, confiante em Deus a notícia da chegada do meu esposo a um porto qualquer do norte, pois, como sabe o senhor, há notícias de que alguns botes salva-vidas pertencentes aos navios torpedeados estão chegando a costa e isto, embora não tenha relação dos nomes dos tripulantes salvos, deixa-me bastante esperançosa quanto ao destino a ele reservado.27

Apesar das esperanças, mais adiante ela tomaria conhecimento de que o marido foi reconhecido oficialmente como desaparecido. Ele havia morrido.

Em outra residência, o ambiente era o pior possível. O repórter foi atendido por uma senhora aparentando ter 70 anos de idade que chorava muito. Tratava-se da senhora Isaura, mãe de Hugo Pedro Krapp, 2° rádiotelegrafista do Aníbal Benevolo. A mulher de Hugo estava internada em um hospital, vítima de acidente doméstico. Segundo depoimento da senhora Isaura:

Estou completamente desorientada com o que acaba de acontecer não só com o meu filho, que ainda se encontra desaparecido, bem como dos demais brasileiros sacrificados vilmente pelos assassinos do Eixo. Não há coração bem formado que possa aprovar o indigno procedimento dos nipo-nazi-fascistas, atacando miseravelmente embarcações, que nada influem no curso da guerra. É o momento de desespero. Vendo-se perdidos, revelando o instinto bestial que constitui o ponto básico da sua doutrina, esses feras-humanos põem à luz todo o seu ódio contra a humanidade. Enquanto os navios das nações que se encontram em guerra com eles cruzam os oceanos sem serem molestados, investem esses traidores contra navegação costeira e indefesa.28

Seu filho, mais adiante, foi reconhecido oficialmente como desparecido. Também estava morto.

Os jornais publicaram nomes das pessoas que morreram nos ataques. A indignação aumentou quando os relatos eram sobre o aparecimento de cadáveres nas praias. Na manhã do dia 21 de agosto, por exemplo, 14 corpos foram encontrados no litoral sergipano, na praia do Mosqueiro, sendo 13 deles irreconhecíveis.29 No litoral sergipano apareceram inúmeros cadáveres. Eram de homens, mulheres e crianças que viajavam no Araraquara, no Baependi e no Aníbal Benévolo. Os corpos estavam inchados, mutilados e apodrecidos, completamente irreconhecíveis. Muitos foram levados por caminhão, mas os que estavam em adiantado estado de decomposição foram enterrados em valas comuns (MONTEIRO, 2013, p.178). O único identificado, o 2° piloto do Araraquara, tinha duas perfurações no corpo resultado de tiros de metralhadora. Segundo as autoridades, era comum os militares alemães metralharem os que escapavam com vida do navio afundado.30

Nesse aspecto, Marcelo Monteiro levanta questão importante. Os relatos posteriores, incluindo matérias jornalistas e depoimentos dos próprios sobreviventes, afirmam que o Baependi, o Araraquara e o Aníbal Benévolo foram à pique pelo disparo de dois torpedos em intervalos muito curtos, comprovando a crueldade dos militares alemães que não se satisfizeram em afundar os navios. Queriam também matar as pessoas a bordo. Em 1942, o governo Vargas publicou pela Imprensa Nacional o livro Agressão – Documentário dos fatos que levaram o Brasil à guerra. O livro é repleto de informações sobre as agressões a navios brasileiros, com relatos de sobreviventes. Em suas páginas, lemos que três navios – o Baependi, o Araraquara e o Aníbal Benévolo – foram afundados por dois torpedos. Outra versão que ficou para a posteridade foi a de que Harro Schacht metralhou baleeiras com náufragos dos navios e pessoas que ainda estavam na água. Esse fato, porém, não consta nos jornais da época e nem no livro Agressão.

Com acesso ao diário de bordo de Harro Schacht, Marcelo Monteiro afirma que somente um dos navios, o Baependi, foi atacado com dois torpedos. Em seus escritos, o capitão de corveta alega que, anteriormente, ocorrera problemas com o disparo dos torpedos, tendo perdido dois deles. Assim, disparou dois contra o Baependi para garantir o afundamento do navio. No caso do Araraquara, o navio foi partido ao meio pelo torpedo, produzindo barulho de grandes proporções, levando os sobreviventes a afirmarem que se tratou do segundo torpedo. O Aníbal Benévolo, por sua vez, afundou em apenas 45 segundos, escreveu Harro Schacht. Não haveria necessidade de um segundo torpedo.

Marcelo Monteiro afirma que o capitão de corveta poderia ter mentido no diário de bordo. Afinal, disparar dois torpedos em menos de um minuto seria ato de imensa crueldade. Mas não é o caso. Harro Schacht era um homem frio e cruel. Se tivesse que disparar dois torpedos ou metralhar náufragos, ele o faria. Ele usou dois torpedos contra o navio-tanque Munger T, Ball e metralhou sobreviventes que se debatiam no mar após afundar o petroleiro norte-americano Federal. Ou seja, o critério utilizado por Harro Schacht era técnico. Nada havia de humanitário nele. Ele disparou dois torpedos contra o Baependi porque errara antes. Não disparou dois contra os outros navios porque não era necessário (MONTEIRO, 2013, p. 270-271). Não matou 150 pessoas no Aragipe para não expor o submarino a ataques da aviação militar. Se fosse possível, ele o faria.

A imprensa continuou a criticar duramente o ataque do governo alemão, publicando fotografias de passageiros que morreram, vítimas do U-507. Diário de Notícias, em 30 de agosto de 1942, publicou a fotografia da família de Josias Alves de Souza, radiotelegrafista da empresa de aviação Panair. Na imagem ele está acompanhado de sua mulher, Guilhermina, e do filho que aparente ter entre 7 e 10 anos de idade, Leuz Alves de Souza. Eles morreram no torpedeamento do Aníbal Benévolo. Segundo o jornal, até aquele dia não havia notícia da família, “sendo de presumir que tenham perecido, vítimas da pirataria nazista”.31

No caminho da guerra

O ataque do U-507 provocou manifestações de rua, mas também notas de repúdio e manifestações de pesar pelas vítimas expressas por sociedades culturais, representações de advogados, diretórios acadêmicos estudantis, maçons, organizações de empresários, sindicatos de trabalhadores e clubes de futebol. A imprensa internacional e diversos embaixadores latinoamericanos manifestaram solidariedade ao governo e ao povo brasileiro diante do ataque do U-509 que ceifou a vida de centenas de pessoas.

O centro da cidade do Rio de Janeiro foi tomado por milhares de manifestantes. A maioria era de estudantes e trabalhadores, homens e mulheres que improvisaram comícios, realizaram passeatas e procuraram as autoridades que poderiam dar uma resposta à agressão alemã: no ministério das Relações Exteriores, o chanceler Oswaldo Aranha falou ao povo; no ministério da Guerra, um oficial falou pelo ministro da Guerra, Eurico Dutra, que se postou ao seu lado; no Palácio Guanabara, Vargas, ainda se recuperando de acidente automobilístico, recebeu os manifestantes. A multidão, inconformada, não obedeceu às ordens do Chefe de Polícia que impôs toque de recolher. Foram dois dias em que o povo, nas ruas, protestou contra os ataques aos navios, apoiou o governo e exigiu resposta à altura: guerra e vingança.

Em diversas capitais dos estados ocorreram comícios, passeatas e manifestações populares, a exemplo de Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia, Vitória, Aracaju, Salvador, Fortaleza, Natal, Recife, Belém, João Pessoa, Curitiba e Terezina. Atos públicos de protesto, com participação popular nas ruas, foram registradas em cidades do interior dos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e Piauí.32 Os protestos populares contra a agressão militar alemã não se restringiram à capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, mas ocorreram praticamente em todos os estados.

Diante do ato de guerra alemão e dos protestos que tomaram o país, o governo Vargas, poucos dias depois, em 22 de agosto, declarou guerra aos países do Eixo – Alemanha e Itália.

Harro Schacht continuou seus ataques. O mais importante foi o afundamento de um navio mercante sueco. Mas os problemas com a mira dos torpedos irritavam o capitão de corveta. Praticamente sem munição, ele retornou à base francesa de Lorient. Adolf Hiltler o condecorou com a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro. Cinco meses depois, ele retornou com o U-507 para as costas brasileiras com o mesmo objetivo: afundar navios brasileiros. No entanto, as Forças Armadas brasileiras estavam sendo equipadas pelos Estados Unidos e navios e aviões norte-americanos vigiavam o Atlântico, atacando submarinos alemães e italianos. Schacht, dessa maneira, afundou somente três navios britânicos (MONTEIRO, 2013, p. 256). No dia 13 de janeiro de 1943, após 15 meses navegando em águas brasileiras, o U-507 foi atacado com cargas de profundidade por avião Catalina do Esquadrão da Marinha dos Estados Unidos no litoral do Ceará. Todos os 54 tripulantes do submarino morreram.

Referências

BARONE, João. 1942: o Brasil e sua guerra quase desconhecida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

BARROS, Orlando de. A guerra dos artistas. Dois episódios de história brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

LOCHERY, Neill. Brasil: os frutos da guerra. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.

MONTEIRO, Marcelo. U-507. O submarino que afundou o Brasil na Segunda Guerra Mundial. 2. ed. Porto Alegre: Publicato, 2013.

MOURA, Gerson. Neutralidade dependente: o caso do Brasil, 1939-42. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 177-189, 1993.

SANDER, Roberto. O Brasil na mira de Hitler. A história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2007.

VISENTINI, Paulo Fagundes. Relações exteriores do Brasil II (1930-1964). O nacionalismo, da Era Vargas à Política Externa Independente. Petrópolis: Vozes, 2009.

Fontes

Agressão – Documentário dos fatos que levaram o Brasil à guerra.Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.

A Noite. Rio de Janeiro, 20 de agosto e 1942.

______. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942.

Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942.

Diário Carioca. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942.

______. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1942.

Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13 de março de 1942.

______. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1942.

______. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942.

______. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1942.

Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1942.

O Jornal. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1942.

Notas

1 U-boot é abreviação em alemão de unterseeboot, cuja tradução é barco submarino. A Marinha de Guerra da Alemanha nomeava seus submarinos utilizando a letra maiúscula U seguida de número.
2 Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13 de março de 1942, 1ᵃ página.
3 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942, p. 5. O capitão Lauro Moutinho Reis concedeu depoimento no Hospital Militar em 21 de agosto, na cidade do Recife, junto a outros quatro militares que sobreviveram ao afundamento do Baependi.
4 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
5 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942, p. 5.
6 Agressão – Documentário dos fatos que levaram o Brasil à guerra. Imprensa Nacional, 1943, p. 89.
7 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
8 Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942, 1ᵃ página. Zamir de Oliveira e Viterbo Story rumavam para a cidade do Recife onde fariam estágio no Corpo de Saúde da Marinha de Guerra. Eles deram longa entrevista no dia 21 de agosto, ao chegarem no Rio de Janeiro.
9 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
10 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
11 Agressão. Op. cit., 1943, p. 90.
12 Correio da Manhã. Rio de janeiro, 22 de agosto de 1942, 1ᵃ página.
13 Agressão. Op. cit., 1943, p. 91.
14 Agressão. Op. cit., p. 92.
15 Idem, p. 93.
16 Idem, p. 93.
17 O Jornal. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1942, p. 5.
18 Agressão. Op. cit., p. 94.
19 Idem, p. 95.
20 Idem, p. 95.
21 Consta no diário de Harro Schacht que ele ainda disparou um torpedo contra um navio às 17:37 h daquele dia. Ele afirma ter ouvido um estrondo, mas o torpedo parece não ter explodido. O navio nada sofreu. Perto do porto de Salvador, ele preferiu se afastar da região. O ataque, no entanto, não foi registrado pela imprensa e nem admitido pelo governo brasileiro (MONTEIRO, 2013, p. 135).
22 Diário Carioca. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942, 1ᵃ página.
23 A Noite. Rio de Janeiro, 20 de agosto e 1942, p. 3.
24 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
25 Diário Carioca. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1942, p. 8.
26 Diário Carioca. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1942, p. 8.
27 Diário Carioca. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1942, p. 8.
28 Diário Carioca. Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1942, p. 8.
29 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
30 A Noite. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1942, p. 10.
31 Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1942, p. 3.
32 Diário de Notícias, 20 de agosto de 1942, p. 7 e 22 de agosto de 1942, p. 2; Gazeta de Notícias, 23 de agosto de 1942, p. 5.
* O artigo é resultado de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
34 Jorge Ferreira email: jorge-fer@uol.com.br

• Professor Titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense, Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, Pesquisador I do CNPq e da FAPERJ. Autor de Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular (1930-1945) (7 Letras/FAPERJ, 2011); João Goulart. Uma biografia(Civilização Brasileira, 2011); organizador do livro O populismo e sua história. Debate e crítica (Civilização Brasileira, 2013); co-autor, com Angela de Castro Gomes, de 1964. O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil(Civilização Brasileira, 2014), entre outras publicações.

◦ Full professor of Brazilian History at the Universidade Federal Fluminense, PhD in Social History from the Universidade de São Paulo, Researcher CNPq 1 and FAPERJ. Author of Trabalhadores do Brasil. O imaginário popular (1930-1945) (7 Letras/FAPERJ, 2011); João Goulart. Uma biografia (Civilização Brasileira, 2011); editor of O populismo e sua história. Debate e crítica (Civilização Brasileira, 2013); coauthor, with Angela de Castro Gomes, of 1964. O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil (Civilização Brasileira, 2014), among other publications.

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