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“Uma crônica sobre os fatos do momento”: o jogo do bicho nas poesias de monólogos interpretados e publicados no Rio de Janeiro entre 1892 e 1894

“A chronicle on the instant facts”: The jogo do bicho in monologues poems interpreted and published in Rio de Janeiro in 1892 and 1894

“Una crónica sobre los hechos del momento”: El jogo do bicho en las poesías de monólogos interpretados y publicados en Río de Janeiro entre 1892 y 1894

Silvia Cristina Martins de Souza
Doutora pela Universidade Estadual de Campinas. Professora associada do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina., Brasil

“Uma crônica sobre os fatos do momento”: o jogo do bicho nas poesias de monólogos interpretados e publicados no Rio de Janeiro entre 1892 e 1894

Estudos Ibero-Americanos, vol. 44, núm. 1, pp. 200-212, 2018

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Resumo: De acordo com o historiador Robert Darnton, em sociedades do passado com baixo índice de letramento, as poesias criaram redes de comunicação que funcionavam como crônicas do cotidiano. Partindo deste pressuposto, neste artigo são analisadas as poesias de dois monólogos interpretados e publicados no Rio de Janeiro entre 1892 e 1894, cujo tema é o jogo do bicho. Nosso objetivo é compreender de que forma seus autores delas se utilizaram para inserirem-se num debate mais amplo de crítica ao processo de modernização pelo qual passou o Rio de Janeiro em fins do século XIX, no qual se assistiu à criminalização de certas práticas populares, dentre elas a do jogo do bicho.

Palavras-chave: história, poesias, imprensa, jogo do bicho.

Abstract: According to historian Robert Darnton, in past societies with low literacy rates, poetry created communication networks that functioned as chronicles of everyday life. Based on this assumption, this article analyzes the poems of two monologues interpreted and published in Rio de Janeiro between 1892 and 1894, whose theme is the jogo do bicho. Our goal is to understand how their authors used them to enter into a broader debate of criticism of the process of modernization through which Rio de Janeiro passed in the late nineteenth century, which saw the criminalization of certain popular practices, Among them the game of the jogo do bicho.

Keywords: history, poetry, press, jogo do bicho.

Resumen: De acuerdo con el historiador Robert Darnton, en sociedades del pasado con bajo índice de letramento, las poesías crearon redes de comunicación que funcionaban como crónicas de lo cotidiano. A partir de este presupuesto, en este artículo se analizan las poesías de dos monólogos interpretados y publicados en Río de Janeiro entre 1892 y 1894, cuyo tema es el jogo do bicho. Nuestro objetivo es comprender de qué forma sus autores se utilizaron para insertarse en un debate más amplio de crítica al proceso de modernización por el que pasó Río de Janeiro a fines del siglo XIX en el que se asistió a la criminalización de ciertas prácticas populares, Entre ellas la del jogo do bicho.

Palabras clave: historia, poesías, prensa, jogo do bicho.

No carnaval do ano de 1892, enquanto aproveitavam as folias de Momo, um grupo de rapazes precedido pela banda do Primeiro Batalhão de Infantaria distribuiu impressos para as pessoas que os assistiam passar pelas ruas do Rio de Janeiro. Os panfletos por eles entregues continham os seguintes versinhos:



Quem nunca jogou nos bichos….
Experimente e verá?
Que se ganha mais dinheiro,
Do que em todo Amapá



(…) Já vêm pois que o jogo
Dos bichos esta reinando
Inda que o chefe Barão
Esteja sempre chorando.1
[grifos no original]

A exposição de certos temas ao riso por meio da divulgação de impressos que passavam mensagens ao público assistente durante as comemorações carnavalescas, já era algo conhecido no carnaval do Rio desde os anos 1880. Apostando na mordacidade para elaborar críticas e contando com uma grande dose de simpatia entre a população da cidade, pequenos grupos de foliões ou préstitos das grandes sociedades carnavalescas estabeleceram a prática de trazer para a festa a discussão de assuntos do cotidiano que mobilizavam a atenção dos cariocas. No ano de 1892, o sucesso do jogo do bicho foi o tema que serviu de mote aos panfletos distribuídos por aqueles rapazes.

Três meses depois do carnaval, a revista de ano Pão, pão, queijo, queijo, que estava em cartaz no teatro Lucinda, recebeu um novo quadro no qual se tratava de alguns assuntos do momento de forma crítica, mas “com bastante graça e espírito”.2 Dentre estes assuntos encontravam-se o jogo do bicho e a polícia.3 Assim como o carnaval, o teatro foi um espaço de divulgação de críticas de ideias e valores na segunda metade do século XIX. No que diz respeito às revistas de ano e a seu espírito jornalístico, também já se tornara comum, naquele contexto, que elas ganhassem novos atos e quadros ao longo da temporada, os quais “atualizavam” os assuntos nelas contidos. A inclusão do jogo do bicho e sua perseguição pela polícia na revista Pão, pão, queijo, queijo revela, mais uma vez, esta preocupação com captar as discussões do momento levando-as para o debate público.

A recorrência com que o tema do jogo do bicho apareceu em diferentes espaços na Capital Federal, nos idos dos anos 1890, tem justificativa. Foi justamente num momento em que “o ar do Rio cintilava com a promessa de dinheiro fácil”, em função da febre de especulação financeira que assolou o país, conhecida pelo nome de Encilhamento, que o jogo do bicho por ela espraiou-se e colocou-se ao alcance de todos que dispusessem de parcos réis para fazer uma aposta.

O período que abrange de 1892 e 1895 foi pródigo em ações que colocaram o jogo do bicho na mira da ação judicial e da polícia. Nele foram proibidas as apurações do jogo e levou-se à Casa de Detenção os primeiros grupos de vendedores e compradores dos bilhetes do bicho. Neste tenso contexto, não surpreende que o assunto jogo do bicho tenha sido “debatido” em espaços informais da política e que nele que tenham sido publicados e representados os dois monólogos que interessam particularmente a este artigo e sobre os quais nos deteremos no momento oportuno: O jogo dos bichos (1893), de autoria de Augusto Fábregas e Jogo Novo (1894), de Moreira Sampaio.4

A disseminação de poesias, muitas vezes acompanhadas por canções, muito deveu ao teatro, à imprensa e ao carnaval naqueles tempos. Mas existe certo consenso entre os historiadores brasileiros de que parte significativa desta disseminação foi feita por meio de panfletos, brochuras baratas e cancioneiros (MENCARELLI, 2003; ABREU, 1999; FERLIN, 2006).5 Neles, as poesias para serem lidas (ou cantadas) encontraram mais um espaço que lhes garantiu divulgação e os transformaram em produtos de consumo num mercado editorial em estágio inicial de expansão e em mais um elemento que compunha uma rede informal de comunicação da cidade. (MENCARELLI, 2003, p. 209).

Levando em consideração esta íntima relação entre as poesias e o tempo vivido, elegemos como fontes para este artigo as poesias dos monólogos O jogo dos bichos e Jogo novo. Nosso objetivo é compreender como seus autores utilizaram-se delas se utilizaram para inserirem-se num debate mais amplo de crítica ao processo de modernização pelo qual passou o Rio de Janeiro em fins do século XIX, no qual se assistiu à criminalização de certas práticas populares, dentre elas a do jogo do bicho.

Ao elegermos estas poesias como fontes, tomamos como ponto de partida algumas observações de Robert Darnton. Para ele, em sociedades do passado com baixo índice de letramento, como a parisiense do século XVIII, as poesias exerceram o papel de redes de comunicação que funcionavam como jornais ou crônicas sobre os fatos do momento (DARNTON, 2014, p. 84). No caso da sociedade brasileira oitocentista, reconhecida como majoritariamente iletrada, as poesias parecem ter assumido este mesmo papel de veículo de opiniões, valores, ideias e identidades tornando-se, portanto, importantes para o historiador, posto que passíveis de revelar-lhe zonas menos iluminadas de processos sociais, conflitos, paixões e interesses.6

* * *

Estamos no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, mais precisamente nos anos 1840, nos quais foram introduzidos jogos e loterias na cidade, ação esta que partiu do próprio governo imperial que deles se utilizou como forma de aumentar reservas para suprir investimentos no país tais como o estabelecimento de fábricas e a subvenção a instituições (MELLO, 1989). Na ocasião, a comercialização dos bilhetes de jogos e loterias não era feita por agentes do poder público, mas por pessoas que, após assinarem um termo de fiança com o Tesouro e de posse de uma licença, os vendiam e recebiam uma comissão pelo serviço executado.

Desde o período colonial, os vendedores am-bulantes eram uma presença constante nas ruas do Rio. Em meados do século XIX, estes personagens eram denominados “vendedores de vigésimos”, e já haviam se tornado tão populares que chegaram a servir de fonte de inspiração para peças de teatro como a cena cômica O fim do ano por um vendedor de vigésimos, escrita e encenada pelo ator e dramaturgo carioca Francisco Correa Vasques.7 Nela, ele cedeu espaço para que se escutassem as vozes destes trabalha-dores constantemente criticados pelos jornais nos quais eram identificados por meio de expressões pejorativas tais como “cancros roedores das algibeiras alheias”.8

A presença deste grande contingente de ambulantes e pregoeiros na cidade, na sua maioria não licenciados, foi fundamental para que os bilhetes de loterias se tornassem parte da vida da cidade e emergissem como um dentre outros itens que circulavam no pequeno comércio urbano. Nas últimas duas décadas do século, o Rio já podia ser descrito como uma “cidade de camelôs, vendedores que apregoavam suas mercadorias nas ruas e em quiosques provisórios que vendiam itens pequenos e gêneros alimentícios” (CHAZKEL, 2014, 153).9 Negociando bilhetes fracionados, muitas vezes com preços majorados, os “vendedores de vigésimos” podiam ser encontrados em lugares tão variados quanto frente de teatros, quiosques, lojas, salões de engraxates, barbearias e cafés. Diante disto, pode-se dizer que, nos anos 1890, quando surgiu o jogo do bicho, a cidade já possuía um mercado consumidor propício a este tipo de comércio e uma rede de vendas que envolvia desde lojas e escritórios 10 a um batalhão de vendedores ambulantes não licenciados (MISSE, 1999, p. 59).

É conhecida e alguns autores já exploraram com resultados apreciáveis a história do jogo do bicho no Rio de Janeiro (CHAZKEL, 2014; MAGALHÃES, 2005; MATOS, 1992; MELLO, 1989; MISSE, 1999).11 Não é nossa intenção neste artigo oferecer mais uma interpretação sobre este tema. Para nossos objetivos, basta elaborarmos algumas considerações, com base nos trabalhos destes autores, que nos forneçam elementos necessários para analisarmos as poesias dos monólogos que aqui privilegiaremos.

O jogo do bicho, como se sabe, está intimamente ligado à figura do Barão de Drummond e a seu zoológico. Embora o zoológico construído por Drummond não fosse propriamente uma novidade no Rio de Janeiro Oitocentista, o dele guardava peculiaridades em relação ao primeiro zoológico conhecido pelos cariocas, de propriedade do banqueiro Antônio José Alves Souto. Erguido numa chácara deste banqueiro, localizada nas proximidades da Quinta Imperial da Boa Vista, este zoológico tinha por objetivo reunir espécimes da fauna brasileira e animais importados da Europa, Ásia e África para deleite pessoal do seu proprietário e de seus amigos e convidados, embora Souto o franqueasse à visitação pública aos domingos e feriados (GERSON, 2000 e SOUZA, 2014).

O zoológico de Drummond, ao contrário do de Souto, aliou interesses empresariais do barão “ao interesse publico de concretização dos ideais de modernização da capital do Império” (MAGALHÃES, 2005, p. 21). Homem de empreendimentos, Drumonnd fundou a Companhia de bondes de Vila Izabel, foi acionista do Jornal do Brasil e sócio da Companhia Arquitetônica, juntamente com Visconde de Silva, Barão de S. Francisco Filho, Bezerra de Meneses e Temístocles Petrochino. A Companhia Arquitetônica urbanizou e loteou a antiga Fazenda do Macaco, dando origem ao bairro de Vila Isabel. O zoológico de Drumonnd, construído neste bairro, não apenas contribuiu para valorizá-lo, como passou a proporcionar distração a seus moradores e aos de outros bairros que a ele se dirigiam em seus momentos de lazer (MAGALHÃES, 2005, p. 21).

Para erguê-lo, Drummond firmou um contrato com a Câmara do Rio em que se comprometeu a criar um jardim zoológico que seria aberto à visitação pública mediante o pagamento de uma entrada que não deveria ultrapassar o valor de mil réis. Além disto, uma vez por semana o parque seria fechado ao público e franqueado aos alunos de cursos superiores, devidamente acompanhados por seus professores, para que pudessem “fazer seus trabalhos de estudos, livres da concorrência e embaraços dos visitantes” (MAGALHÃES, 2005, p. 21). Em contrapartida, a Câmara isentou o zoológico do pagamento de impostos e garantiu a Drummond exclusividade na exploração deste tipo de empreendimento pelo prazo de vinte e cinco anos.

Em janeiro de 1888, em caráter provisório, foi aberto o zoológico do barão, que foi oficialmente inaugurado seis meses depois. O início das suas atividades ocorreu num contexto em que o mercado de diversões comercializadas do Rio de Janeiro começara a passar por um processo de expansão no qual o poder público tornou-se responsável pela permissão e proibição da instalação de espaços de lazer tais como frontões, jogos de pelotas, turfes, corridas de cavalos, regatas, belódromos e boliches.

Para que tais estabelecimentos tivessem aprovados seus pedidos de licença ou renovados os já concedidos, exigia-se que a eles estivessem aliadas a noção de divertimento moderno e saudável, que se imbricava com a de utilidade pública consubstanciada na ideia de que o tempo destinado ao lazer deveria ser de caráter pedagógico e voltado para o aprimoramento social.

Foi com base nesta linha de pensamento que combinava saneamento, ordem e modernização que, em 1891, Drummond enviou uma nova petição ao Conselho da Intendência Municipal da Capital Federal. Argumentando que os acionistas do seu negócio encontravam-se incapacitados de reaver seus investimentos, ele propunha transformar o zoológico num Jardim de Aclimação de animais e plantas exóticas e indígenas. Para tanto, solicitava um auxílio governamental que seria fornecido não em termos pecuniários, mas através da aprovação de uma licença para explorar jogos lícitos no interior de parque.

Aprovada e assinada um mês após ter sido encaminhada ao Conselho da Intendência, a proposta de Drummond foi incluída como aditamento ao acordo anteriormente celebrado.12 No dia 3 de julho de 1892 foi realizada a primeira extração do jogo do bicho (ou jogo dos bichos e sorteio dos bichos, como também era chamado) que funcionava da seguinte maneira: ao adquirir a entrada de mil réis para o zoológico, o comprador recebia um bilhete que, além de incluir a passagem de ida e volta de bonde ao parque, trazia impressa a figura de um animal. Era o próprio Drumonnd quem no início do dia selecionava o animal a ser sorteado, dentre os vinte e cinco por ele selecionados para o jogo. Diariamente às cinco horas da tarde era revelado ao público o nome do bicho sorteado exposto numa caixa suspensa num mastro e os ganhadores voltavam para casa com um prêmio em dinheiro (CHAZKEL, 2014, p. 58).

O sucesso do sorteio dos bichos foi imediato e logo o zoológico passou a ser maciçamente procurado pelos cariocas a ponto de novas linhas de bondes serem criadas pela Companhia de Vila Isabel para atender à afluência ao parque. Fernando Magalhães apresenta dados interessantes sobre esta repercussão. Segundo ele, se no primeiro dia de apuração “o avestruz pagou 460$000 de prêmios, duas semanas depois o cachorro pagaria 2:080$000” (MAGALHÃES, 2005, p. 30).

Não conseguindo atender à grande demanda pelos bilhetes do jogo, Drummond estabeleceu pontos de venda dos mesmos fora das dependências do parque, mais especificamente em uma loja situada no nº 129 da Rua do Ouvidor. Além disto, os bilhetes passaram a trazer o aviso “Válido por 4 dias”, o que significa que o apostador não precisava ir ao parque para adquiri-lo, nem nele estar presente no momento da apuração.13 Diante disto, pode-se dizer que este novo sistema de vendas transformou o sorteio dos bichos numa loteria ilícita, pois extrapolou os termos do aditamento firmado com a Câmara.

O clima de euforia em torno da novidade introduzida pela venda dos bilhetes provocou polêmicas e não tardaram a aparecer menções e críticas ao “antro de jogatina” em que o zoológico supostamente se transformara. As reprovações se avolumaram e nos primeiros meses de 1893, o Jornal do Brasil noticiou que o chefe de polícia Bernardino da Silva mandara acabar com o jogo dos bichos no Jardim Zoológico.14 Na mesma ocasião, um oficial do tesouro escreveu um memorando interno dando conta do que acontecia no interior do zoológico. Neste, ele acusava a companhia que dirigia o parque de descumprir cláusulas do contrato firmado com a Câmara quanto ao mau tratamento dos animais existentes e a não aquisição de novos; por negligenciar as aulas de zoologia que nele deveriam ser ministradas e por vender os bilhetes fora das dependências do parque.

Em abril de 1895 foi rescindido o contrato com Drumonnd e exigida a imediata cessação dos jogos no zoológico.15 Nesta ocasião, porém, o jogo do bicho já se espalhara pela cidade e pequenos comerciantes e vendedores ambulantes atuavam diariamente nas operações do mesmo pagando os vencedores com recursos próprios obtidos com a venda de bilhetes ou na revenda de bilhetes oficiais.

Agora estamos no ano de 1892. Nele, a rápida propagação do jogo do bicho foi assunto bastante explorado nos jornais e tablados, o que não chega a surpreender. A imprensa e o teatro foram veículos de comunicação significativos no Brasil Oitocentista e este fenômeno foi registrado, dentre outros, por Machado de Assis, que definiu o palco e o jornal como os dois grandes canais de iniciação, o “grande fiat de todos os tempos”.16

A partir de fins dos anos 1860, o denominado teatro musicado paulatinamente fincou raízes fortes nos tablados da então capital do Império. Voltados para questões do cotidiano das pessoas comuns, os diferentes gêneros do teatro musicado investiam na espetacularidade cênica, na performance dos atores e na música como forma de atingir o público heterogêneo das cidades transformando-se, desta maneira, em “um dos primeiros momentos de formação de uma ampla e diversificada rede de produtos culturais” (MENCARELLI, 2003, p. 6-7).17

Os temas explorados nos tablados dialogavam no calor da hora com assuntos de interesse da população com os quais muitos dos espectadores encontravam-se envolvidos direta ou indiretamente, sendo este um dos segredos da atração exercida pelo teatro musicado sobre as audiências. Dentre estes temas, um se tornou significativo nos anos 1890: os jogos de azar e, dentre eles, o jogo do bicho.

Como já mencionado, em 12 de fevereiro de 1893, o Jornal do Brasil divulgou a noticia de que o chefe de polícia da Capital Federal havia proibido as apurações do jogo do bicho. Nove dias depois desta proibição, estreou no teatro Santana o monólogo O jogo dos bichos de autoria do jornalista, músico e dramaturgo Augusto Fábregas, numa récita oferecida em comemoração ao aniversario da proclamação da Republica.18

De acordo com Dicionário do Teatro Português de Antonio de Souza Bastos, monólogos eram curtas peças dramáticas ou cômicas escritas em versos para serem declamados com ou sem fundo musical nos intervalos dos espetáculos teatrais. Souza Bastos também observou no seu verbete que a característica mais importante do monólogo era que, para que fosse bom ele deveria ser curto, não enfastiando o público (SOUZA BASTOS, 1898, p. 92). Não enfastiar o público, naqueles tempos, era algo que dizia respeito não apenas ao texto em si, mas também à performance do ator e neste sentido deve ter pesado para a boa recepção deste monólogo o fato de ele ter sido escrito especialmente para ser interpretado pelo ator cômico João Augusto Soares Brandão, também conhecido como “o popularíssimo”.19

A respeito do monólogo O jogo dos bichos sabe-se que, no mês seguinte ao da sua estreia no teatro, foi impressa uma coleção de pequenas peças de autoria de Augusto Fábregas, denominada Monólogos e cançonetas exibidos nos teatros do Rio de Janeiro, dentre as quais ele se encontrava. Esta coleção podia ser adquirida na entrada de alguns teatros da cidade 20 assim como na charutaria junto ao teatro Apolo e no escritório do jornal O Tempo.21 Não tardaria para que dela saísse uma segunda edição que, além do escritório d'O Tempo, podia ser encontrada nas “várias casas comerciais onde essas brochuras são anunciadas” e até mesmo na elegante livraria Garnier.22 Mesmo que as outras peças que compunham a coleção possam ter ajudado na venda da brochura, uma vez que todas elas já haviam feito sucesso nos tablados, o fato de O jogo dos bichos ter sido posteriormente publicado numa edição em separado, vendida por duzentos réis numa “loja da rua da Conceição, nº 108, sobrado”, pode ser visto como mais um indicativo de que este monólogo fez bastante sucesso.23

A atenção dispensada pelos autores que se dedicaram aos diferentes gêneros do teatro musicado a questões que mobilizavam a atenção pública transformava seus textos em espécies de pequenas crônicas que dialogavam com seus ouvintes de forma bem humorada. O monólogo O jogo dos bichos não escapou a esta regra. Nele, Fábregas dava conta, de forma crítica e risível, da situação vivenciada pelo jogo e jogadores do bicho na cidade do Rio de Janeiro naquele ano de 1892. Reproduzimos, a seguir, alguns versos deste monólogo:



O jogo dos bichos
(Entra, como quem continuava uma altercação com alguém que ficou no bastidor)



Não, senhor! Foi um abuso
Da força policial.
Que! Você é despeitado,
Não pega na sua moral.



Quer por força convencer-me,
Mas perde a sua perícia.
Com o joguinho dos bichos
Não tinha nada a polícia.



Digam só que mal havia,
Se uma lei há que regule,
Na compra de um gafanhoto,
Ou na venda de uma poule.



Acabar com este jogo!
Vamos lá, prá que isto presta?
É tirar meio de vida
A muita gente honesta
(FABREGAS, 1893, p. 71).

A proibição do jogo vista como um “abuso” é a mensagem que emerge destes versos de imediato, apontando para a questão central que, na visão do seu autor, estava sendo levantada naquele ano de 1892: as ambiguidades geradas entre a aplicação da lei e uma prática já bastante disseminada entre a população do Rio. Fora em nome da ordem moral, como então se argumentava, que se proibira o jogo, embora esta justificativa servisse para encobrir outros objetivos.

As loterias, como todos os habitantes do Rio sabiam, eram um negócio tradicionalmente utilizado pelo governo para obter recursos próprios para aplicar em obras públicas. O jogo do bicho, todavia, escapara do controle governamental possibilitando que uma multidão de vendedores varejistas não licenciados atuassem sem que deste comércio o estado pudesse auferir lucros na forma de impostos e taxas de licença. Desta forma, ele ameaçava “uma variedade de atores que tinham o poder de promulgar e de fazer cumprir leis”, os quais buscavam delimitar as fronteiras que envolviam uma competição comercial indesejada que tinha, de um lado, os vendedores varejistas não licenciados e, de outro, os concessionários com privilégios legais garantidos pelo governo para atuar nestas transações (CHAZKEL, 2014, p. 93-94).

Para além deste fato, os versos “É tirar meio de vida/A muita gente honesta” nos sugerem que ricos e pobres faziam apostas, embora o jogo tenha assumido diversos significados para eles e, poderíamos completar, também o tratamento que estes dois tipos de jogadores recebiam da polícia. Os ricos ou de poder aquisitivo mediano gozavam de imunidade e não sofriam retaliações legais, ao passo que os pobres eram constantemente presos. Para os segmentos mais pobres, além de ser uma diversão, como também era para os ricos e remediados, o jogo era muitas vezes a única oportunidade de trabalho encontrada num mercado escasso de ocupações remuneradas.

Do tratamento seletivo dispensado aos diferentes sujeitos envolvidos com jogos, notadamente aos que dele tiravam seu sustento e o de sua família, nos dá conta uma nota publicada na Revista Ilustrada, ainda nos anos 1870, na qual pode-se ler que os vários chefes de polícia que atuavam na Corte faziam cerco às pequenas casas de jogos de víspora e pacau enquanto grandes jogadores se entregavam despreocupadamente a à banca, à roleta e ao bacarat.24 Sendo estas situações conhecidas da população da cidade havia duas décadas, entende-se porque o autor destes versos considerava a proibição do jogo do bicho uma forma de “tirar meio de vida a muita gente honesta” palavras estas quer, por extensão, também registravam a amplitude que o comércio varejista alcançara na cidade. Na sua visão ficava claro que as alegadas inquietações com os efeitos morais que o jogo supostamente poderia provocar eram um argumento frágil, na medida em que ele era perseguido não por ser um jogo, mas por ser uma determinada modalidade de comércio.

Este monólogo também explorava outros pontos relacionados ao jogo, como se pode ver nos seguintes versos:



Eu, por exemplo,
confesso Não passava um santo dia,
Sem que ganhasse dinheiro,
Jogando na bicharia.



E lá em casa éramos todos,
De extraordinário palpite:
Eu, a mulher e um primo,
– Custa até que se acredite.



(…) Se achava a mulher zangada,
Cara feia, ar petulante,
Pensava eu “mulher de trombas…”
E comprava o elefante



(…) Vejam lá se é suportável,
Se tem justificação,
Jogo em que as moças se empenham
Ser sujeito a suspensão.
(FABREGAS, 1893, p. 71-73)

Alguns autores argumentam que, entre 1892 e 1895, parece não ter havido uma tendência de “oferecer palpites para o sorteio do Jardim” (MAGALHÃES, 2005, p. 62). O que estes versos sugerem, no entanto, é que a prática de palpitar já era comum ao jogo do bicho neste período, mas que, ao invés de os palpites circularem por jornais, como ficou mais comum a partir de meados da década de 1890, eles eram disseminados de boca em boca por meio de verdadeiras redes informais de comunicação.

Outros pontos que devem ser levados em con-sideração nestes versos são aqueles que apontam para dois elementos que se tornaram cruciais para a popularidade e poder de permanência do jogo do bicho: a operação diária e sua dependência de intermediários. As facilidades para apostar no bicho eram muitas, pois seus vendedores podiam ser encontrados em casas de particulares, cortiços, pontos de bondes, quiosques, lojas, enfim, numa infinidade de locais. As apostas variavam de preços que iam do equivalente a uma xícara de café até o salário diário de um trabalhador, o que nos permite dizer que o jogo adequava-se com facilidade ao tamanho do bolso de diferentes apostadores (CHAZKEL, 2014, p. 68). O jogo do bicho era atrativo, também, porque propiciava ao ganhador receber prêmios que, ainda que menores do que os pagos por outros jogos e loterias, eram diários e estavam sujeitos a menos riscos.

É também digno de nota, nestes versos, que o autor tenha se preocupado em mencionar a participação de mulheres no jogo, assunto este que já foi tratado por vários historiadores. Sabe-se que mulheres “respeitáveis” jogavam; que mulheres pobres jogavam e vendiam bilhetes, havendo ainda as que davam palpites, tal como estes versos sugerem. O interessante neles, porém, é que para além de serem mais um testemunho que desmistifica uma visão do mundo do jogo do bicho como exclusivamente masculino, seu autor utilizava-se do fato de moças de “família” apostarem nos bichos como argumento em defesa da moralidade e decência do jogo, e como questionamento do status criminoso que lhe era atribuído. Ou, dito com outras palavras, colocando-se na contramão dos argumentos defendidos por juristas, políticos e literatos, o jogo, para o autor destes versos e provavelmente para outros contemporâneos, não destruía a família; ao contrário, ele funcionava como fator de união, uma vez que todos de uma família colaboravam ao jogar.

As apresentações do monólogo O jogo dos bichos atingiram cem representações dez meses após sua estreia,25 tendo sido ele encenado nos teatros de Variedades, Santana, Lucinda e no Politheama Fluminense. Bem antes de atingir esta marca, no entanto, começaram a aparecer paródias à interpretação do ator Brandão, tal como uma realizada pelo ator Leonardo, no teatro Santana.26 Até mesmo grupos amadores utilizaram o monólogo de Fábregas em suas representações, como a Arcada Dramática Esther de Carvalho, na qual ele foi interpretado pelo ator Mariano,27 e o Club Dramático, onde foi representado pelo menino José Continentino.28

No ano de 1895, a edição do monólogo ainda podia ser adquirida no saguão do teatro Lucinda para os que quisessem se deleitar com sua letra nos seus momentos de lazer29 e, no ano de 1898, o jornal Rio Nu anunciava sua venda ao mesmo preço em que fora vendido durante dois anos: $200.30 No carnaval deste mesmo ano, a Sociedade Estrela do Oriente ofereceu uma série de intermédios durante seus bailes, dentre eles este monólogo, que foi interpretado por L. Curcino.31 Vindo coroar esta trajetória de sucesso, O jogo dos bichos foi transformado em polca que foi interpretada pela primeira vez no intervalo de uma récita oferecida no teatro Recreio Dramático, posteriormente gravada pela Casa Edison, em 1902, pelo cançonetista Bahiano (ULHOA, 2008).

Foi no ano de 1895, como já dito, que teve lugar a primeira tentativa efetiva do governo republicano de estabelecer limites aos jogos de azar, com a aprovação do Decreto n. 126 que limitou a ação dos frontões e book-makers a apenas um dia da semana. A partir da aprovação deste decreto, de acordo com o jornal D. Quixote, a polícia deflagrou uma verdadeira caça “aos bichos, aos book-makers, aos que palpitam e aos que dão palpites”.32

Os contratos firmados com Drummond foram examinados por dois pareceristas que, além de enumerarem as cláusulas que não foram cumpridas pelo barão, atacaram diretamente a prática do sorteio dos bichos. Um dos pareceristas fez questão de sublinhar que:

A empresa pediu para transformar seu parque em jardim de aclimação e para estabelecer jogos lícitos e esses não podiam ser senão os próprios de estabelecimentos dessa ordem e neles admitidos em todos os países, e não os de azar, dependentes da sorte (…)

Não é lícito o jogo que depende da vontade de quem escolhe o nome premiado, e o fecha em uma caixa, colocada sob a vigilância do público e fixado como provocação à ambição do lucro e para exclusivo interesse da empresa.

Não é mais um jardim de aclamação, mas um ponto de reunião para o jogo à céu aberto a julgar-se pela extraordinária concorrência, que o aflui, como afirma a imprensa, que publica no dia seguinte o nome sorteado (…) (MAGALHÃES, 2005, p. 148)

A perseguição aos jogos de azar no Rio não era nova, tanto que em inícios dos anos 1830 foi publicada a primeira legislação sobre os jogos no Brasil. (MELLO, 1989, p. 8) Mas, a partir da década de 1890, a polícia se concentrou na perseguição de um deles com mais determinação: o jogo dos bichos. Este, todavia, já se tornara parte efetiva da paisagem da cidade, adentrando por todos os lugares, até mesmo naqueles que se esmeravam em criticá-lo. A imprensa, por exemplo, não apenas divulgava o nome do bicho sorteado, como sublinhou o parecerista no texto anteriormente destacado. De acordo com um certo Mariano Garcia, que publicou uma notinha no Jornal do Brasil, a imprensa, que se dizia “amiga da ordem e da lei”, permitia que se vendesse bilhetes do jogo do bicho em seus escritórios.33

Esta disseminação, sem dúvida, tornava difícil o controle do jogo e contra ela manifestaram-se alguns literatos na imprensa. Numa crônica escrita para o jornal A Semana, publicada no dia 10 de março de 1895, Machado de Assis diria que “Os bichos de Vila Isabel, mansos ou bravios, fazem ganhar dinheiro depressa”, e tudo isto “sem trabalho, tanto como fazem perdê-lo, igualmente depressa e sem trabalho, tudo sem trabalho, não contando a viagem de bonde, que é longa, vária e alegre”. (ASSIS, 1996. p. 246) Neste mesmo ano, Olavo Bilac deixaria registradas suas impressões negativas sobre o jogo por meio das seguintes palavras: “Hoje, no Rio de Janeiro, o jogo é tudo. Não há criados, porque todos os criados passam o dia a comprar bilhetes de bichos. Não há conforto nas casas, porque as famílias gastam todo o dinheiro do mês no elefante ou no cachorro. Ninguém trabalha! Todo o mundo joga…” (apud VIDAL, 1917, p. 5) Também Arthur Azevedo, que era colaborador do jornal A Notícia em 1895, mencionou o jogo do bicho em uma de suas crônicas. Nela, ao comentar a falta de recursos das companhias teatrais, ele diria correr um boato que o empresário teatral Jacinto Heller, cuja companhia funcionava no teatro Santana, estava pensando em “estabelecer no seu teatro um jogo semelhante ao do Jardim Zoológico”, com a diferença que o seu “jogaria com 25 títulos de peças”, mas que “felizmente parece que não se realiza esse desacato supremo ao nosso mísero teatro; a coisa não passou de um projeto sesquipedal e absurdo”.34

Embora Arthur Azevedo entendesse que a notícia era descabida e a considerasse um desacato ao teatro, por levar o jogo para seu interior, não é improvável que Heller tenha cogitado esta ideia, até porque ela não era nova. A aprovação de loterias para companhias teatrais foi algo disputado palmo a palmo pelos os empresários por décadas. Em 1847, o teatro de São Pedro, onde atuava uma companhia portuguesa, teve um pedido de loteria aprovado pela Câmara do Rio, ao passo que o teatro de São Francisco, no qual se encontrava João Caetano com sua companhia, que naquele mesmo ano solicitara aprovação de uma loteria, teve seu pedido foi indeferido.

Nos bailes de carnaval de 1847, visando fazer concorrência aos bailes do São Pedro, João Caetano colocou a venda dos bilhetes do São Francisco

(…) por metade do preço dos de São Pedro, e o povo, que conhece perfeitamente a diferença que vai de mil a dois mil réis, correu em chusma atrás da barateza. Ainda desconfiou João Caetano que a diminuição do preço seria pouca coisa, não para ganhar, mas para igualar a partida que São Fran-cisco jogava com São Pedro, anunciou uma espécie de loteria, que apelidou de tômbola (SOUZA, 2002, p. 47).35

Vê-se, assim, que João Caetano instituiu sua própria loteria e sua ideia encontrou adeptos, pois, em 1852, o Circo Olímpico Francês36 e um prestidigitador de nome Mr. Debarr, que se apresentaram ambos no teatro de São Francisco, também anunciaram a apuração de tômbolas nos intervalos de suas representações.37 Ou seja, quando Arthur Azevedo escreveu sua crônica, o jogo também já havia adentrado ao espaço do teatro e não espanta que Jacinto Heller tivesse aventado a possibilidade de instituir uma loteria no seu embora, ao que parece, a ideia não tenha se concretizado.

Amy Chazkel observou que, na última década do século XIX, o que se chamava de jogo do bicho era uma referência a uma série de loterias clandestinas com as quais os cariocas e os habitantes de outras cidades do país estavam habituados. Tais loterias tinham em comum o fato de trabalharem com uma lista de vinte e cinco nomes de animais os quais correspondiam a um número específico (CHAZKEL, 2014, p. 65). Ou seja, o jogo dos bichos eram muitos e suas múltiplas versões tinham diferentes nomes. Segundo Luiz Edmundo,

de um jogo só, há quase seiscentos! Há o Antigo, o Moderno, o Rio, o Salteado, o Agave Americano, o da Buraca, o da Caridade, o da Companhia Industrial Americana… E quantos ainda? Popular, Companhia Elegante, Moderno Loto, Industrial Brasileira, Museu das Flores, Grêmio Fluminense, Nascente, Ocidental, Carioca, Garantia, Luz do Céu, Esperança, Estrela do Destino, Segurança, Ajuda de Nossa Senhora, Talismã da Sorte e dezenas de outros que, para não fatigar, deixam de ser citados (EDMUNDO, 2003, p. 551).

Além de mais um testemunho da significativa capilarização do jogo, as palavras de Luiz Edmundo são também um registro do quanto ele se transformara parte efetiva do pequeno comércio popular a ponto de o carioca ter acesso a “quase seiscentas” versões clandestinas do jogo do bicho no seu cotidiano.

As propagandas do monólogo Jogo Novo começaram a ser apregoadas, sem indicação de autoria, no jornal O Paiz, em maio de 1894. Ele compunha uma brochura intitulada Cançonetas e monólogos, impressa na tipografia do jornal O Binóculo e vendida a 200 réis 38 que, em agosto do mesmo ano, também passou a ser anunciada na Gazeta de Notícias.39

Apenas em outubro o nome do autor deste monólogo – Moreira Sampaio – apareceu estampado no anúncio de uma récita que teve lugar no teatro Lucinda, na qual ele foi interpretado pelo ator Brandão, o mesmo que interpretou O Jogo dos bichos.40 Nele, Brandão se dirigia às plateias dizendo:



Apostam todos decerto
Dez por cinco, cem por dez,
Que eu venho o jogo do bicho,
Impingir mais uma vez.



Pois não tenho, não, senhores,
Cá o degas do Brandão
Entre muitos predicados
Tem o gênio da invenção!



Se eu não inventei a pólvora,
Se o balão não inventei
Foi porque chegando ao mundo,
Já tudo inventado achei.



(…) E já que o jogo dos bichos,
Tanto sucesso alcançou,
Eu vou ver se um jogo novo,
Pega como o outro pegou.



O jogo nesta terrinha
Febre foi, é, e será!
Quem não gostar d'outros jogos
O meu jogo jogará



Desbancarei a roleta,
O jogo do patacão,
O jogo da vermelhinha,
E as pândegas do Frontão.



(…) Jogo novo! A bicharia!
Começava a ter bolor
Joguemos pois nas pessoas
Que me parece melhor!
(Biblioteca do Amador Dramático, 1895, p. 121-123).

A ideia de uma “febre” do jogo que acometera o país parece reafirmar as visões de alguns literatos, juristas e jornalistas sobre as especulações financeiras dos anos do Encilhamento, noção que aos poucos foi sendo substituída pela de “vício nacional”, que atribuía ao brasileiro uma suposta fascinação “natural” pela prática de jogar.41 Mas, como nestes versos esta “febre” não associava jogadores em geral a financistas, somos levados a cogitar a hipótese de que talvez Moreira Sampaio reconhecesse e tenha considerado (embora não explicitado!) as dissemelhanças e objetivos específicos subjacentes às diferentes formas de “jogar”: de um lado financistas que especulavam na bolsa, jogando com flutuações nos preços ou valores da moeda, expondo-se a altos riscos para auferir maiores lucros e, de outro lado, pequenos jogadores que apostavam na roleta, patacão, vermelhinha, bichos e frontão, evitavam o risco porque o jogo era, para eles, “uma salvaguarda durante momentos difíceis contra a pobreza e o desemprego – mas isto porque era trabalho, não porque era jogo” [grifo no original] (CHAZKEL, 2014, p. 189).

A revista de ano O Tribofe, escrita pelo mesmo Moreira Sampaio em parceria com Arthur Azevedo, encenada em 1891, oferece elementos para outras leituras possíveis destes versos que foram escritos dois anos depois. Nela, numa passagem em que a personagem Frivolina fazia um passeio com o personagem Fonseca pelas ruas do Rio, este era por ela apresentado às casas de jogos da cidade frequentadas por pessoas sem poder aquisitivo, ao mesmo tempo em que Frivolina explicava a diferença entre estas casas e as frequentadas por conselheiros, generais, etc. Neste ínterim, entrava uma figura importante numa das casas de jogos de terceira classe e na sequência chegava um subdelegado com policiais que cercavam o prédio e prendiam alguns jogadores. Todavia, ao perceber que prendera um figurão e dele exigira o pagamento de uma multa, o subdelegado pedia desculpas e saía sorrateiramente do local.

Esta passagem aponta para um quadro mais complexo sobre a ideia de “febre” do jogo, não só porque O Tribofe foi escrita e encenada no mesmo contexto de especulação financeira de o Jogo Novo, mas também porque apresentava lado a lado jogadores ricos e pobres nas mesmas casas de jogos e, simultaneamente, delineava a imagem de uma polícia suspeita, que se confundia com a contravenção. Com isto, é possível pensar que alguns dos que escutaram ou leram o Jogo Novo possam ter associado seus versos à revista de Moreira Sampaio (cujo sucesso alcançado ainda deveria estar vivo na lembrança dos cariocas, até porque foi reencenada algumas vezes em 1893) e ambos a uma situação que lhes era familiar: a existência de jogadores ricos e pobres apostando indiscriminadamente e o papel questionável de uma polícia que, ao fazer uso da lei de forma seletiva, não ficava tão distante de outros “tribofes”.

Chama atenção nos versos do Jogo Novo, a estrutura que seu autor propunha para o jogo que pretendia “criar”. Esta estrutura de vinte e cinco nomes de pessoas, animais ou flores tornou-se mais conhecida em 1892, quando um comerciante mexicano chamado Manoel Ismael Zevada, que também era gerente do zoológico de Drummond, passou a comercializar bilhetes de um jogo por ele inventado, denominado jogo das flores, num sobrado do centro da cidade localizado na esquina da Rua do Ouvidor com a Rua Gonçalves Dias. Neste local, qualquer um podia apostar em vinte e cinco flores com seus números correspondentes.

A ideia de Zevada, contudo, talvez não fosse tão original quanto parece à primeira vista e, quem sabe, ele possa ter se baseado no Dicionário Linguagem das Flores ou outras publicações francesas da mesma natureza, que se tornaram comuns na Europa e nas Américas neste período. Estes dicionários funcionavam como uma espécie de “telégrafo amatório”, no qual cada flor representava uma mensagem que permitia que pessoas apaixonadas se comunicassem “sem embaraços ou repressões” (EL FAR, 2004, p. 90).

Tal como consta do prefácio da edição portuguesa do Dicionário Linguagem das Flores, do ano de 1868, o uso desta linguagem exigia o conhecimento de certas regras, bem como a capacidade de decifrar o que cada flor significava dependendo da posição em que ela aparecia (DICIONÁRIO DA LINGUAGEM DAS FLORES, 1868). Ou seja, o princípio básico desta “linguagem” era a decifração de uma mensagem passada por pequenos sinais que não eram dados a ver de imediato o que, por sua vez, era similar à prática utilizada pelos jogadores do bicho que ficou conhecida como “palpite”, que remetia diretamente às noções de intuição e sorte.42

É provável que os dicionários desta natureza tenham chegado ao Brasil por meio de importações de Portugal, ainda nos anos 1860, uma vez que por algum tempo o mercado livreiro do Rio dependeu das exportações portuguesas.43 Mas com certeza sabe-se da existência da publicação de um dicionário similar a este, pela editora Garnier, nos anos 1880, e de outra pela Livraria Quaresma, vendida a $400, que parece ser de inícios de 1890 (EL FAR, 2004, p. 32).

Enfim, o que procuramos sugerir, levando em conta estas informações, é que Zevada pode ter se inspirado em algo já bastante conhecido da população do Rio, valendo-se deste conhecimento prévio para dar forma a seu jogo, fórmula esta que estava presente em outros jogos em disponibilidade naquele contexto. Esta parece ser a ideia contida nos versos “Que eu venho o jogo do bicho/Impingir mais uma vez”. Neste confronto entre uma série de versões do jogo do bicho presentes na cidade (dos quais os apostadores talvez nem percebessem as diferenças, por serem muito semelhantes!), em que um procurava “desbancar” o outro, o inventor fictício deste “jogo novo” procurava delimitar um diferencial para o seu entre os já existentes, contando apenas com sua “cachola” para ser bem sucedido já que, como ele satiricamente mencionava, não possuía os “predicados” e o “gênio de invenção do Brandão”, numa explícita brincadeira com o público uma vez que foi este ator quem interpretou o monólogo.

Outros versos do Jogo Novo também apresentam elementos sugestivos:



Por exemplo, a D. Rita
Entre mil suspiros e ais
Faz carícias ao marido,
Mas, do primo gosta mais…



O marido vai pra rua,
O primo prá casa vem,
Jogo neste contra aquele,
Cinco, dez, cinquenta, cem!



A filha do taverneiro,
Mora nos fundos do pai,
E se este rouba aos fregueses,
A filha roubando vai…



(…) Na rua do Lavradio
Mora uma moça de truz!
O Queirós paga-lhe a casa,
E ela gosta do Cruz!



Jogo no Cruz quando tenho
Deixo de lado o Queiroz!
É coisa muito sabida
Que o Cruz paga prá nós
(Biblioteca do Amador Dramático, 1895, p. 123-124).44

Diferente da visão passada pelo outro monólogo, em que o jogo do bicho não era reputado uma ameaça à decência feminina, este associava a ideia do jogo à corrupção dos costumes das famílias, uma vez que nele se envolviam tanto por mulheres “de truz” quanto as que enganavam os maridos.

Sabe-se que na condenação ao jogo do bicho foram utilizadas justificativas que iam de uma alegada influencia negativa sobre a moral aos supostos danos que causava ao caráter, passando pelo incentivo à preguiça, ao ganho de dinheiro sem trabalho e à malandragem. No entanto, esta condenação, além de não ser algo consensual, como os versos destes dois monólogos sugerem, assumia significados específicos em função da pessoa, do lugar e do momento a que se referia. No caso dos versos do Jogo Novo é sugestivo que o mesmo personagem que o criticava, atribuindolhe o papel de instrumento de perversão de valores, não se furtasse a dizer ser ele próprio um jogador, reiterando a ambivalência das ações e interpretações que o jogo alimentava.

Mas as apostas que este suposto jogador fazia eram realizadas apenas com o “Cruz”, por ser “coisa muito sabida/Que o Cruz paga prá nós”, o que nos direciona a outro assunto que ocupou as páginas dos jornais da época: as reclamações que apareciam em notinhas publicadas por jogadores ludibriados (ou, quem sabe, por banqueiros rivais!), que procuravam alertar os apostadores, como esta assinada por “Borboletas a 10 mil réis” que dizia: “Previne-se aos incautos que tem uma casa em frente ao Hospital Militar que quando os fregueses ganham só recebem metade”.45

Nos anos 1890, os laços de confiança entre jogadores e banqueiros ainda não podiam ser sintetizados na expressão “vale o que está escrito”. Isto só ocorreria no ano de 1917, quando a repressão violenta ao jogo contribuiu para criar um código de ética partilhado por banqueiros e jogadores. Foi neste novo contexto que as expressões “vale o escrito” ou “confira, vale 3 dias” passaram a ser impressas ou escritas nos bilhetes, transformando-os em espécie de notas promissórias, bem como paulatinamente começou a se definir e disseminar um certo sentimento popular, entre apostadores e banqueiros, “que o jogo do bicho era não só mais confiável, mas também mais legítimo do que o sistema judicial que o censurava” (CHAZKEL, 2014, p. 262).

Tudo leva a crer que o monólogo Jogo Novo não fez o mesmo sucesso nos tablados do que O Jogo dos Bichos. Poucas foram as informações sobre ele localizadas nos jornais pesquisados e nem mesmo o fato de ter sido encenado pelo ator Brandão parece ter contribuído para alavancar seu sucesso.46 Difícil compreender esta parca repercussão diante da escassez de documentos, mas podemos levantar algumas hipóteses a este respeito. A pouca receptividade a este monólogo nos leva a considerar que o uso de uma mesma “fórmula” teatral, lançando mão de recursos dramáticos “pouco originais” e “repetitivos”, como vários críticos teatrais insistiam em pejorativamente apontar ser a receita utilizada por certos autores que se voltavam para a produção de monólogos e outros gêneros do teatro musicado, não era garantia de êxito. Para os autores que a eles se dedicavam, a tarefa não era tão fácil como a crítica procurava fazer crer, pois tinham que encontrar um ponto de equilíbrio entre suas escolhas pessoais como criadores artísticos e, simultaneamente, contemplar os interesses do seu público receptor. É possível que a Moreira Sampaio tenha faltado este ponto de equilíbrio e talvez este tenha sido o motivo de seu monólogo não ter a mesma repercussão nos tablados do que O Jogo dos Bichos.

No entanto, a ausência de repercussão no teatro Lucinda não implica em carência de qualquer reverberação, sobretudo se levarmos em conta que o Jogo Novo foi reimpresso, em 1898, por um editor de São Paulo, na coleção intitulada Biblioteca do Amador Dramático. Coleção de poesias dramáticas, monólogos, cançonetas, lundus, duetos, tangos etc., o que significa que estes versos talvez fossem melhores para serem lidos do que encenados. Ou, também, sendo este monólogo parte de uma coleção direcionada a atores não profissionais, talvez isto seja um indício de que ele tenha tido aceitação entre alguns dos inúmeros grupos de amadores existentes na cidade (FRANCA, 2011), que o encenavam nos tablados das sociedades dramáticas, clubes ou outras associações dedicadas ao teatro.

Independente do maior ou menor sucesso do qual tenham desfrutado, estes dois monólogos são exemplares de quanto o jogo do bicho foi capaz de provocar polêmicas e alimentar posições controversas e ambíguas. Visto a partir desta perspectiva, poderíamos dizer que, por estar situado nas fronteiras entre o mundo da ordem e o da desordem, o jogo do bicho explicitava as tensões decorrentes da grande distância existente entre aquilo que a lei ditava e como ela funcionava na prática. Neste movimento, as redes informais de comunicação, das quais as poesias faziam parte, ao lado do tablado, da imprensa e do carnaval, emergem como um espaço a mais para observação de elementos presentes no jogo de poder ou expressando outros tipos de poderes, ao converterem política em poesia no Rio de Janeiro dos anos 1890.

Referências

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Notas

1 Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1892. O território do atual Amapá foi por longo tempo uma área de litígio entre o Brasil e a Guiana Francesa. Em 1892, as relações entre os dois países eram tensas e tornaram-se ainda mais problemáticas com a descoberta de jazidas de ouro na região. Para este assunto ver ROMANI, 2010. O Barão, mencionado nestes versos, é o Barão de Drummond, sobre o qual maiores informações serão fornecidas no momento oportuno.
2 Esta revista de ano era de autoria de Demetrio Toledo e Orlando Teixeira. Revista de ano era um gênero teatral composto por música e texto construído por meio da “costura” de diferentes episódios a partir de uma espinha dorsal. O condutor desta espinha dorsal era um personagem denominado compére e a partir dele o dramaturgo revisava e comentava os acontecimentos mais significativos do ano anterior.
3 Jornal do Brasil, 4 de maio de 1896, p. 2.
4 Monólogos teatrais são textos que podem ser escritos em prosa ou em versos, nos quais uma personagem fala consigo mesma, expondo os seus pensamentos e sentimentos.
5 Cancioneiros eram publicações que continham as partes poéticas de canções e, mais raramente, partituras.
6 Embora a alfabetização fosse um obstáculo concreto à disseminação de impressos, não se pode esquecer que a leitura em voz alta e comunitária era uma das mais importantes formas de circulação e apropriação de textos na sociedade brasileira oitocentista.
7 Jornal do Commercio, 30 de dezembro de 1872.
8 Diário do Rio de Janeiro, 27 de junho de 1856.
9 De acordo com Fernando Magalhães, nas primeiras décadas de existência do jogo do bicho não existia um espaço fixo para a venda dos bilhetes, mas tudo leva a crer que a venda se concentrava na região central da cidade por ser este o local de maior circulação de pessoas e de concentração uma de agências de lotéricas e vendedores ambulantes. (MAGALHÃES, 2005).
10 Na década de 1860 surgiram os primeiros escritórios especia-lizados no comércio de bilhetes de jogos.
11 Como o leitor terá oportunidade de constatar, nossa abordagem inspira-se de maneira mais próxima à da historiadora social da cultura Ammy Chazkel. No seu trabalho sobre o jogo do bicho, esta autora prioriza as relações e tensões entre os projetos urbanísticos e especulação imobiliária; polícia e formas de existência e sobrevivência dos segmentos populares; grandes negócios e economia informal, e a ilegalidade da ação policial cotidiana, mostrando que a lei tinha efeitos e usos estratégicos construídos nas disputas cotidianas, em função dos diferentes atores envolvidos, o que lhe permitiu questionar o tradicional argumento do suposto “fracasso” da sua aplicação.
12 No aditamento ficou determinado que a empresa transformaria o parque em Jardim de Aclimação de animais e plantas exóticas indígenas, que manteria uma aula de Zoologia e Zootecnia e “um palácio de exposição permanente para os produtos da Flora Brasileira e de animais de utilidade pública”, além do que se comprometia em conservar as matas do jardim e das montanhas do seu entorno. Em contrapartida, o Conselho da Intendência concedia à empresa “o direito de estabelecer pelo prazo de seu privilégio jogos públicos lícitos e mediante módica contribuição, ficando sujeitos à imediata fiscalização da polícia” (MAGALHÃES, 2005, 41).
13 Anúncios de vendas dos bilhetes fora do zoológico chegaram a ser publicados nos jornais. No exemplar do dia 16 de julho de 1892, do jornal O Tempo, podia-se ler: “Jardim Zoológico – Prêmios diários sobre animais de 20$ a 40:000$ – Vendas de entradas na Rua do Ouvidor nº 129 e no Jardim”.
14 Jornal do Brasil, 12 de fevereiro de 1893.
15 A partir da proibição do jogo do bicho, o zoológico passou de mão em mão sem que novamente tivesse conseguido auxilio oficial para seu funcionamento, a não ser em ocasiões esporádicas. Inicialmente ele foi arrendado a Luis Galvez, famoso empresário do ramo de diversões no Rio que, em 1896, repassou todos os direitos adquiridos em relação ao Jardim para Marques, Ribeiro & Cia. (MAGALHÃES, 2005, p. 32).
16 O Espelho, 2 de outubro de 1859.
17 O teatro musicado, também chamado teatro ligeiro, era composto por espetáculos cômicos que incluíam música, números de canto, efeitos cênicos, cenas dramáticas faladas, improvisações e números de dança. Dentre os gêneros de teatro musicado encontram-se as operetas, mágicas, revistas de ano, cenas cômicas, monólogos, burletas e vaudevilles.
18 O Tempo, 21 de fevereiro de 1893. Augusto Fábregas foi dramaturgo, jornalista e músico. Como jornalista ele colaborou nos jornais Tempo, O Paiz e Vida Fluminense. Como músico ele notabilizou-se por compor monólogos, polcas e cançonetas, sendo que alguns deles se tornaram bastante populares como as cançonetas Fandaguassú (grande êxito do ator Leonardo) e Gondoleiro do amor (em parceria com Castro Alves) e a polca Quem comeu do cabrito?, em parceria com J.J. Barata. Como dramaturgo ele escreveu mágicas, operetas e cenas cômicas, dentre eles Festa no céu, Jogo dos bichos, Mãe Joana (encenada várias vezes pelo ator Bernardo Lisboa) e Quando a desgraça penetra, além de imitações de dramas e romances, a mais famosa delas do romance O crime do padre Amaro, de Eça de Queirós. Ver BASTOS, 1898, p. 614.
19 Português que imigrou para o Brasil com onze anos, Brandão tornou-se famoso atuando no interior de Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Nos anos 1890, ele já fazia as delícias das plateias da Capital Federal e sua presença em cena era certeza de bilheteria.
20 Jornal do Brasil, 3 de março de 1893 p. 2.
21 O Tempo, 12 de março de 1893 p. 1.
22 O Tempo, 23 de março de 1893, p. 2.
23 O Paiz, 18 de junho de 1894.
24 Revista Illustrada, 29 de janeiro de 1879.
25 O Paiz, 16 de dezembro de 1893.
26 O Paiz, 12 de maio de 1893.
27 O Paiz, 26 de junho de 1893.
28 Jornal do Brasil, 29 de julho de 1893.
29 O Paiz, 12 de fevereiro de 1895.
30 Rio Nu, 28 de novembro de 1898.
31 Jornal do Brasil, 8 de janeiro de 1898.
32 D. Quixote, 11 de janeiro de 1895.
33 Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1895.
34 A Noticia, 18 de abril de 1895, p. 1.
35 Tômbola é um jogo similar ao bingo, em que ganha quem primeiro preencher os vinte números de um cartão.
36 Jornal do Commercio, 4 de julho de 1852.
37 Jornal do Commercio, 13 de dezembro de 1852. Dentre os grupos de teatro amador a ideia de João Caetano encontrou adeptos, tanto que em1883 a companhia de teatro amador Club Itamarati Dramático Familiar fez o mesmo. (Jornal do Commercio, 7 de julho de 1883)
38 O Paiz, 22 de maio de 1894. Moreira Sampaio foi autor de revistas de ano, de monólogos. Sua parceria com Arthur Azevedo, na composição de revistas de ano, consagrou os dois como dramaturgos de sucesso na segunda metade do século XIX.
39 Gazeta de Notícias, 14 de agosto de 1894.
40 O Paiz, 1 de outubro de 1894.
41 Na primeira década do século XX, a ideia de “vicio nacional” já podia ser encontrada em relatos de folcloristas que por meio dela manifestavam seu desconforto com a disseminação no jogo no Brasil. Ver CHAZKEL, 2014.
42 Gazeta de Notícias, 7 de setembro de 1882. É sintomático, em relação ao que vimos falando, que nos anúncios de vendas de livros e brochuras da Livraria Politécnica, o Dicionário da Linguagem das Flores aparecesse sob a rubrica “Livros de Sortes” ao lado de outros em que a “decifração” e o “palpite” também eram ele-mentos centrais.
43 Gazeta de Notícias, 7 de setembro de 1882.
44 Utilizamos esta edição por ser a única localizada, mas consi-deramos a data dos anúncios da peça como referenciais.
45 Jornal de Notícias, 21 de setembro de 1896.
46 Foram localizados apenas dois anúncios da representação deste monólogo, ambos na Gazeta de Nóticias, nos dias 30 de maio e 3 de outubro de 1894.
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