Dossiê: Cores, Classificações e Categorias Sociais: Os Africanos Nos Impérios Ibéricos, Séculos XVI a XIX

A africana mina Maria Francisca do Rosário: escravidão, cor e ascensão social em um contexto fronteiriço (Brasil, segunda metade do século XIX)1

The Mina Coast African Maria Francisca do Rosário: Slavery, Color and Social Ascension in a Frontier Context (Brazil, Second Half of the Nineteenth Century)

La africana mina María Francisca del Rosario: esclavitud, color y ascenso social en un contexto fronterizo (Brasil, segunda mitad del siglo XIX)

Marcelo Santos Matheus
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil

A africana mina Maria Francisca do Rosário: escravidão, cor e ascensão social em um contexto fronteiriço (Brasil, segunda metade do século XIX)1

Estudos Ibero-Americanos, vol. 44, núm. 3, pp. 501-517, 2018

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Recepção: 27 Novembro 2017

Aprovação: 29 Junho 2018

Resumo: O presente estudo vale-se de fragmentos da trajetória da africana mina Maria Francisca do Rosário – e de seus familiares – para discutir questões como classificação social através da cor e possibilidades de ascensão social colocadas aos africanos traficados como escravos para o Brasil no século XIX. Para tanto, a principal fonte utilizada foram os registros de batismo, embora documentos diversos, como processos-crime e cartas de alforrias, dentre outros, também tenham sido explorados. A região que serve como palco para a problemática é a Campanha sul-rio-grandense, no extremo sul do Império do Brasil. Mais especificamente, a documentação coletada tem como foco a localidade de Bagé, onde Maria Francisca viveu boa parte de sua vida. Foi possível observar, através da análise serial dos batismos, que a cor, como modo de qualificar/classificar os indivíduos (especialmente aqueles que tinham parte do seu passado, ou dos seus antepassados, ligada à escravidão) não desapareceu. Da mesma forma, foi possível verificar que a construção de sólidos laços de amizade e familiares abriam possibilidades de ascensão social – ascensão esta que, em última instância, podia fazer com que a cor ou mesmo o estigma da escravidão de determinado indivíduo (ou de seus familiares) desaparecesse, ou ao menos se alterasse em um sentido positivo para aquela sociedade, dos documentos.

Palavras-chave: Africanos, escravidão, cor, ascensão social.

Abstract: The present study use some fragments of the trajectory of the Mina Coast African Maria Francisca do Rosário – and her relatives – to discuss issues such as social classification through color and possibilities of social ascension that Africans trafficked as slaves to Brazil in the 19th century has to deal. For this, the main source used was the baptism records, although several documents, such as criminal cases and manumissions, among others, have also been explored. The region that was focus of the study was the South-Rio-Grandense Campaign, at the southern end of the Brazilian Empire. More specifically, the collected documentation focuses on the locality of Bagé, where Maria Francisca lived almost whole her life. It was possible to observe, through the serial analysis of the baptisms, that color, as a way of qualifying/classifying individuals (especially those who had part of their past or their ancestors, linked to slavery) did not disappear. In the same way, it was possible to verify that the construction of solid bonds of friendship and family opened up possibilities of social ascension – a ascension that, in the last instance, could make the color or even the stigma of the slavery of a certain individual (or his relatives) disappear, or at least change in a positive sense (for that society), of the documents.

Keywords: Africans, slavery, color, social ascension.

Resumen: El presente estudio se vale de fragmentos de la trayectoria de la africana mina Maria Francisca do Rosário – y de sus familiares – para discutir cuestiones como clasificación social a través del color y posibilidades de ascenso social de los africanos traficados como esclavos hacia el Brasil en el siglo XIX. Para ello, se toma como fuente principal los registros de bautismo, aunque documentos diversos, como procesos criminales y cartas de alforrias, entre otros, también fueron utilizados. La región que sirve como escenario para la problemática es la Campaña (Pampa) sur-rio-grandense, ubicada em el extremo sur del Imperio de Brasil. Más específicamente, la documentación recolectada tiene como foco la localidad de Bagé, donde Maria Francisca vivió buena parte de su vida. Se pudo observar, a través del análisis serial de los bautismos, que el color, como modo de calificar/clasificar a los individuos (especialmente aquellos que tenían parte de su pasado, o de sus antepasados, ligada a la esclavitud) no desapareció. Además, fue posible verificar que la construcción de sólidos lazos de amistad y familiares generaban posibilidades de ascenso social – ascensión esta que, en última instancia, podía hacer desaparecer de los documentos el color o incluso el estigma de la esclavitud de un determinado individuo (o de sus propios familiares) desaparecer, o al menos alterarlo en un sentido positivo para aquella sociedad, de los documentos.

Palabras claves: Africanos, esclavitud, color, ascenso social.

Introdução

Aos 29 dias do mês de maio de 1861, na “matriz da cidade de Bagé”, foi batizada Genoveva, “filha legítima de Apolinário José das Virgens e de Maria Francisca do Rosário”. O reverendo-coadjutor José Tavares Bastos Rios, que realizou a cerimônia (embora o batismo tenha sido registrado – ou passado a limpo – no livro pelo vigário Cândido Lúcio de Almeida) anotou que Genoveva era “branca”. Como o leitor poderá observar mais à frente, Genoveva era a quarta filha da africana forra Maria F. do Rosário – a primeira com o preto Apolinário J. das Virgens2. Com efeito, assim como a maioria dos rebentos levados à pia em Bagé durante o período em que Cândido Lúcio esteve à frente da freguesia (1858-1872), Genoveva teve sua cor anotada ao lado do seu registro de batismo. Mas seus pais, não.

A indicação da cor do batizando, ou qualquer outra qualidade social, no ato de registro do batismo não era uma obrigação do padre responsável pelo ritual. No entanto, é fato conhecido que no Brasil, tanto no período colonial quanto no imperial, boa parte dos batizandos foram designados com alguma cor, seja ela branco, pardo, preto, cabra, etc. Tal classificação não partia de um critério apenas, dependendo de uma série de fatores e aspectos. Dentre eles, a origem e posição social dos progenitores e dos pais espirituais, do padre que realizava a cerimônia (e do conhecimento do mesmo sobre as hierarquias locais), isto é, muitas vezes a designação da cor indicava menos a tez do batizando do que a qualidade das pessoas envolvidas no ato de batismo.

No clássico Das cores do silêncio, Hebe Mattos observa que, ao longo da segunda metade do século XIX, os documentos produzidos no Brasil passaram a não mais indicar a cor dos indivíduos. Para a autora, a partir de meados do oitocentos, ocorreu um desaparecimento “da discrição da cor de homens e mulheres livres nos registros históricos disponíveis. Processos cíveis e criminais, registros paroquiais de batismos, casamento e óbito, na maioria dos casos, não faziam menção à cor” (MATTOS, 2013, p. 31 – grifos nossos).

Contudo, como vimos no caso de Genoveva, esse não foi um processo homogêneo, ou seja, em algumas partes do Império do Brasil classificações sociais baseadas na cor dos indivíduos continuaram a marcar a vida dos agentes sociais – notadamente daqueles que tinham as marcas da escravidão no seu (ou dos seus ascendentes) passado, sendo esse um dado estrutural que marcava não só suas vidas, mas toda a sociedade brasileira da época. Ao mesmo tempo, categorias outras, como a indicação da procedência e projeção social (como dona ou alguma patente militar), também auxiliavam na construção de lugares e identidades sociais.

Nesse sentido, esse estudo tem por finalidade compreender como a vida de africanos e seus parentes continuaram, ou não, marcadas pela distinção social da cor e, logo, de sua origem social na segunda metade do século XIX. Para tanto, exploramos principalmente os registros de batismos da Igreja de Bagé, município situado no extremo sul do Império, na fronteira com a Banda Oriental (Uruguai), mas também processos-crime, alforrias, dentre outras fontes. Mais especificamente, nos valemos de fragmentos da trajetória da africana mina Maria Francisca do Rosário, notadamente a mãe de Genoveva, e de sua família para discutirmos questões como designação da cor e classificação e ascensão social.

Nesses termos, abordamos também como a cor dos indivíduos (ou dos seus descendentes) podia desaparecer e/ou mudar no tempo, dependendo de critérios outros, como os laços de parentesco e amizade construídos ao longo da vida, da posição social adquirida – essa última, também uma variável –, bem como da natureza da própria fonte em questão. Nessas últimas análises, outros documentos, como registros de casamento, serão agregados ao estudo. Antes ainda, uma breve apreciação do recorte espacial, que serve como palco do estudo, foi realizada.

O contexto

Na segunda metade do século XIX, a região da Campanha sul-rio-grandense, onde Bagé estava situada geograficamente e inserida social e economicamente, constituía-se em uma típica localidade do Brasil oitocentista: a escravidão estava disseminada pelo tecido social, a economia era, em grande medida, dependente da mão de obra cativa e a reprodução endógena (mesmo sem o tráfico atlântico de africanos e com mortes, alforrias e fugas) dava conta de não permitir que o número de escravos diminuísse. Nesse sentido, podemos dizer que Bagé era bastante representativa da realidade brasileira à época.

Conforme um Censo de 1846, quando Bagé ainda era uma freguesia do município de Piratini, a população da localidade era de 4.104 almas, sendo 1.212 delas de escravos (ou cerca de 30%). Destes, 304 (ou ¼) era de africanos. Quase uma década depois, em 1858, outro levantamento populacional indicou que a população do agora município de Bagé era de 12.342 habitantes, sendo 4.016 (ou quase 33%) de cativos. Finalmente, de acordo com o primeiro censo da história brasileira, havia 21.768 almas em Bagé (4.816, ou 22%, delas de escravos) em 18723. Mas como a posse dessa população cativa estava distribuída nas décadas de 1850 e 1860?

De acordo com o estudo da posse escrava a partir dos inventários, para as décadas de 1850 e 1860, mais de 70% dos proprietários tinham até 9 cativos, concentrando quase 40% deles. Por outro lado, quando a fonte explorada são os registros de batismos, a disseminação da posse escrava fica ainda mais evidente: cerca de 750 diferentes senhores foram identificados a partir dos batismos só na década de 1860. Dentre eles, por volta de 80% detinha até 4 cativos, concentrando mais da metade de todos os escravos (MATHEUS, 2016, p. 191-203). Portanto, como mencionamos, a posse escrava estava amplamente disseminada pelo tecido social, mesmo na segunda metade do século XIX, período em que, conforme alguns historiadores, teria ocorrido uma concentração da propriedade escrava (MATTOS, 2013, p. 99, 102, 117 e 159; GRAHAM, 2002, p. 132), algo que não aconteceu para o contexto aqui analisado.

Por sua vez, duas especificidades marcavam e caracterizavam a região da Campanha: a pecuária, principal atividade econômica, e o espaço fronteiriço. A primeira, embora também utilizasse trabalho livre, tinha na mão de obra escrava a base da sua produção. O trabalho cativo, como destacou Luís Farinatti, era estrutural para a produção de gado, pois fornecia os trabalhadores regulares para a faina no campo e a lida com o gado (FARINATTI, 2010). Não à toa, conforme estudos a partir dos inventários post mortem, a absoluta maioria dos criadores, de diferentes envergaduras, eram proprietários de escravos (ZARTH, 2002; OSÓRIO, 2008; FARINATTI, 2010; CORRÊA, 2013; MATHEUS, 2016). Por seu turno, o produto da criação de gado praticada no extremo sul do Império brasileiro era enviado principalmente para as charqueadas pelotenses, de onde eram manufaturados (em charque, couro, etc.) e vendidos não apenas ao mercado interno, para o qual fornecia alimento para os escravos das plantations do centro/nordeste, mas também a mercados internacionais, como Cuba, Estados Unidos e países da Europa (VARGAS, 2013).

No que diz respeito à condição fronteiriça, durante muito tempo questionou-se se tal aspecto não colocaria um empecilho à existência da escravidão naquele contexto, especialmente quando interligada com a produção pecuária: afinal, escravos a cavalo e próximos à fronteira com nações onde a escravidão não mais existia (ou estava em vias de ser abolida), não fugiriam naturalmente? A resposta é que, sim, ocorriam fugas para o além-fronteira (PETIZ, 2006). Todavia, esse fenômeno não inviabilizava a existência da escravidão naquela realidade, nem a sua reprodução no tempo, isto é, ao longo da segunda metade do século XIX, como vimos através dos números dos censos para Bagé. E é sobre esse contexto que iremos nos debruçar agora, buscando compreender classificações sociais mais amplas através da indicação da cor nos registros de batismo4.

Limites aproximados do município de Bagé, c.1850 (Mapa adaptado de: Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul)5
Figura 1
Limites aproximados do município de Bagé, c.1850 (Mapa adaptado de: Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul)5

O (não) desaparecimento da cor na segunda metade do século XIX: os registros de batismo de Bagé

Assinalar a origem ou qualquer outra qualidade dos pais dos rebentos não era, necessariamente, uma obrigação dos padres quando da confecção de um registro de batismo. Maria L. Marcílio salienta que, conforme o Concílio de Trento – realizado em meados do século XVI, deveria ser anotado “a data do batismo, o nome completo do batizando, sua filiação (quando fosse conhecida), local da residência de seus pais ou responsáveis, além do nome de pelo menos um padrinho” (MARCÍLIO, 2004, p. 14).

No entanto, é sabido que tanto no período colonial, quanto no imperial, muitos dos envolvidos no rito do batismo (batizandos, pais, padrinhos) tiveram sua cor assinalada pelo padre, além de uma ou outra qualidade, como patente militar, dona, ocupação, etc. (FEITLER; SOUZA, 2011; GUEDES, 2014). Na verdade, alguns estudos indicam que essa prática perdurou até o pós-abolição (CONCEIÇÃO, 2015).

Por incrível que pareça, os registros paroquiais de Bagé indicam uma realidade diversa daquela ilustrada por Hebe Mattos em Das cores do silêncio. De 1830 até quase o final da década de 1850, foram poucos os registros em que os padres anotaram a cor dos batizandos. Porém, a partir de setembro de 1857, com a chegada do padre Cândido Lúcio de Almeida à localidade, isso mudou. Com efeito, entre os meses finais de 1857 até o início da década de 1870, nada menos do que 5.783 crianças tiveram essa característica anotada. Isto corresponde a 96,5% de todos os 5.981 batismos do período, ou seja, um número bastante expressivo6.

Por óbvio, especialmente naquelas cerimônias de batismo em que a criança tinha poucos meses de vida (notadamente, a maioria dos casos), o padre identificava a cor do batizando a partir do seu olhar sobre a genitora ou sobre os progenitores. Logo, ao historiador, essa informação diz mais respeito aos pais – e demais envolvidos no ato do batismo – do batizando do que a ele propriamente7.

Dito isso, dos 5.783 registros em que a cor do rebento foi assinalada, em 3.564 (ou 61,5%) a criança foi indicada como “branca”. Em 183 casos (3%), o batizando foi descrito como “índio” ou “china”8. Em outros 2.036 (35,5%), a criança foi qualificada como “preta” ou “parda”. Destes, 469 (ou mais de 8% do total – ou ainda quase 25% dos rebentos “pardos” e “livres”) eram de crianças livres9. Chama atenção que aqueles que não foram qualificados como brancos ficaram restritos apenas à classificação de pardos ou pretos. Em estudo para primeira metade do século XIX, com foco em Porto Alegre e explorando uma série de fontes, Gabriel Aladrén verificou uma miríade de cores – pardo, preto, cabra, mulato, cor de cobre, etc. – com as quais escravos e libertos (e indígenas) eram identificados (ALADRÉN, 2009, cap. 3).

Portanto, a partir dos batismos, temos que 38,5% dos batizandos em Bagé foram qualificados como pardos, pretos ou índios. Este resultado, já em si significativo, ainda está aquém do encontrado no Censo de 1872. Nesse último, nada menos do que 47,5% dos moradores de Bagé foram descritos como escravos ou livres de cor (pardo, preto e caboclos)10. Por seu turno, a relação entre livre e pardo indica que, no batismo de um indivíduo livre (mesmo com seus antepassados ligados à escravidão), o padre tendia a empardecer o batizando – ou, pelo contrário, que a escravidão tendia à classificação, na pena do sacerdote, de “preto”.

Cacilda Machado argumenta que nos “registros paroquiais as palavras atuavam no peculiar processo de construção de uma hierarquia informada pela escravidão, em uma sociedade com um cada vez maior contingente de população livre de origem africana” ou mesmo de origem indígena. Uma das características desta “hierarquia informada pela escravidão”, nos batismos, seria a indicação da cor (ou da condição social informada pela cor) do indivíduo (MACHADO, 2008, p. 166). As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, única normativa mais abrangente no que diz respeito às relações escravistas, no Brasil, até meados do século XIX (ou até 1871, ano da aprovação da Lei do Ventre Livre), não obrigavam os padres a registrar esta informação, porém, amiúde eles a anotavam a partir, é claro, do seu olhar sobre a comunidade e de como a mesma o informava quanto às hierarquias locais (VIDE, 2007). De fato, conforme um olhar comparativo, podemos concordar com a autora.

Através de uma rápida pesquisa em três livros de batismos de três paróquias de três países diferentes (Itália, Espanha e Portugal), não encontramos a cor dos indivíduos anotada pelo padre11. Havia uma espécie de homogeneidade social, pela cor, nessas populações? Pode ser, embora seja bastante plausível que não fosse o caso. No entanto, isto indica que, realmente, no Brasil era a escravidão, mas a escravidão de pessoas de tez escura (preta, negra, parda, mulata, etc.), que informava um dos elementos constituidores da diferenciação entre as pessoas.

Nestes termos, ser branco em uma sociedade escravista diferenciava o indivíduo dos demais e, em tese, o afastava do cativeiro – por mais que ele fosse um descendente de escravos. Certamente tal ponderação (a comparação com registros de batismo – católico – de outros países onde o catolicismo predominava) exige investigações muito mais detalhadas, tanto no tempo, quanto no espaço, como também com uma quantidade maior de livros (e padres) de uma mesma localidade. Contudo, este pode ser um bom caminho a seguir no sentido de entendermos como as hierarquias eram construídas e disseminadas pelos atores que as elaboravam e colocavam em prática no cotidiano.

Enfim, parece óbvio que, ao longo da segunda metade do século XIX, nem todas as cores silenciaram, como pondera Hebe Mattos. Talvez novas pesquisas, para outras regiões, precisem ser realizadas, mas o que podemos afirmar agora é que em Bagé, ou melhor, os registros de batismos de Bagé não estavam dentre aqueles que silenciaram a cor dos agentes sociais. Desta forma, se essa era uma qualidade que ajudava a definir, de maneira estigmatizada, a posição social do indivíduo, em Bagé esse comportamento, através da pena do padre Cândido Lúcio, manteve-se nas décadas de 1850, 1860 e 1870 adentro.

No entanto, outra questão deve ser colocada: não devemos engessar aqueles cerca de 61% descritos como “brancos” e os (por volta) de 35% qualificados como “pardos” ou “pretos”. Havia nuances, mesmo dentro de uma mesma família, como parece óbvio no caso de Genoveva, filha de uma africana e descrita como “branca”. Aliás, tal lembrança nos remete à questão central do presente estudo: foi em um contexto em que a cor, ou melhor, a qualidade social dos indivíduos, especialmente daqueles com a marca da escravidão, continuou operando e situando/posicionando os agentes sociais, que Maria Francisca do Rosário e os seus viveram, teceram relações e ascenderam socialmente. E são os fragmentos da história dessa africana e de seus familiares que iremos explorar no próximo tópico.

A Tia Mina Maria Francisca do Rosário: ascensão social em um contexto fronteiriço

A historiografia, há tempos, vem descrevendo o protagonismo – no que diz respeito ao agenciamento das suas vidas, de seus familiares, na formação de irmandades ou mesmo na organização de revoltas – das(os) africanas(os) minas no Brasil (ver, principalmente: ANDRADE, 1998; SOARES, 2000; FARIA, 2004). Por sua vez, o mesmo vem sendo identificado na província do Rio Grande do Sul (MOREIRA, 2005; SCHERER, 2008). Por vezes como quitandeiras, essas mulheres alcançaram amplo destaque social não apenas em meio à escravidão, mas muitas vezes rompendo a barreira entre o cativeiro e a liberdade.

No geral, esse protagonismo estava assentado em sólidas relações sociais produzidas por essas africanas. Às vezes, esses laços sociais tinham na origem étnica um traço fundamental. Em outras oportunidades, a participação em irmandades religiosas é o que demarcava a proximidade entre elas e demais atores sociais – ou melhor, no caso, entre irmãos. Ainda no âmbito religioso, a produção de relações de compadrio também teve papel importante. Todos esses elementos citados estiveram presentes no que conseguimos mapear e recolher acerca da trajetória da africana mina (às vezes descrita como nagô na documentação) Maria Francisca do Rosário, enquanto essa viveu em Bagé.

A primeira aparição de Maria Francisca na documentação foi ainda no final da primeira metade do século XIX. Em 1846, “Francisca, negra, escrava de Porfírio Fernandes da Siqueira”, batizou seu filho natural e de pai incógnito Benedito, que teve como padrinhos José da Silva e Ana Joaquina da Silva. Cerca de três anos depois, “Francisca de nação Nagô” levou à pia Luíza, apadrinhada por Francisco José da Silva Reis e Silvana Eulália da Silva Reis. Junto ao assento de batismo de Luíza, qualificada como “mulata”, o padre anotou que

No ato de se batizar a sobredita Luíza o Sr. Luís Chapuis me presentou um documento que o seu conteúdo é do teor seguinte: […] nós abaixo assinado Eu, e minha mulher, Porfírio Fernandes da Siqueira Baldes e Ana da Silva Siqueira, justificamos que forramos uma mulata de idade de catorze meses ao Sr. Luís Chapuis pelo preço 150 patacões, moeda de prata […], e como nos diz ser sua filha, nos pedia que recebêssemos a quantia acima referida para bem de sua liberdade, e como fizemos satisfação para cujo efeito recebemos o valor à vista […].

Vila de Bagé, 14 de maio de 1849. Porfirio Fernandes da Siqueira Baldes, e Ana da Silva Siqueira12.

Em função do documento apresentado pelo seu pai natural, Luíza foi batizada como “forra”.

Além de ser batizada como liberta, o fato de ser filha do “Sr. Luís Chapuis” fez com que Luíza, filha de uma africana, fosse descrita pelo padre como “mulata”, todavia, cremos, não foi apenas em função da posição social do pai que fez com que Luíza tivesse uma qualidade social diferente da sua mãe (que, importante frisar, já não foi referida como “negra”, mas somente como africana). Provavelmente foi o processo de ascensão social, mesmo ainda no seu início, de Francisca que tenha ajudado a conformar tal situação. Sigamos.

Não encontramos a alforria de Maria Francisca do Rosário, porém em 1854 a africana já estava batizando um filho livre (i.e., porque ela também já era livre), de nome João. Cinco anos depois, a “forra” Maria Francisca levou outro filho à pia, Rosendo. Os outros três filhos da africana batizados em Bagé entre 1861 e 1867, Genoveva (cujo batismo abriu esse texto), Maria da Conceição e Miguel, tiveram o nome do pai anotado pelo padre: Apolinário Martins das Virgens, natural da Bahia13. Genoveva, como vimos, foi classificada como “branca” e filha “legítima”. Maria da Conceição e Miguel, batizadas por Cândido Lúcio, foram qualificadas como “parda” e “preto”, respectivamente, e filhos naturais. Nesse sentido, como bem ressaltou Cacilda Machado, os processos de ascensão e mudança de status social não tinham apenas uma direção, isto é, não eram apenas ascendentes, como ilustram os exemplos dos filhos de Maria Francisca (MACHADO, 2008).

Por sua vez, assim como Benedito e Luíza, todos os rebentos de Maria e Apolinário tiveram como pais espirituais indivíduos livres. Nesse meio tempo, Maria Francisca ainda conquistou a liberdade de Benedito: em 1863, quando ele estava com 17 anos, a “liberta” Maria Francisca do Rosário pagou 600 mil réis a Ana da Silva Siqueira, então viúva de Porfírio Fernandes de Siqueira14.

O processo de ascensão social de Maria Francisca do Rosário não se traduziu somente na conquista da liberdade, sua e do seus, pelo fato de seus parceiros terem, em quase todos os registros de nascimento, reconhecido seus filhos ou ainda porque seus filhos tiveram apenas padrinhos livres. Ou mesmo em razão da sua origem e/ou cor (e de seu marido, Apolinário) terem desaparecido dos batismos dos últimos filhos – embora a qualidade desses tenha sido anotada. A africana teve uma intensa vida econômica e social em Bagé, vendendo suas quitandas, fornecendo produtos e empréstimos para terceiros (notadamente, para suas “patrícias” ou “manas”, como as africanas minas da localidade referiam-se umas às outras), envolvendo-se em contendas sem fim, alugando imóveis, sendo proprietária de uma olaria e produzindo importantes laços sociais. Finalmente, Maria alcançou o status de senhora de outras almas. E em praticamente nenhuma dessas outras fontes que documentaram a vida de Maria Francisca sua origem, cor e/ou qualidade foi referida. Mas vamos por partes.

Um ano depois de comprar a alforria de Benedito, Maria Francisca do Rosário entrou com uma queixa-crime ao contra o “alemão Gaspar de tal”, depois identificado como o “alemão” Gaspar Gunpata, e contra Ponciano, “filho do chamado Chico Chapéu”15. A acusação era quase anedótica, se pensarmos em uma sociedade escravista em que a escravidão (de pretos e pardos) era um indicador central na conformação das hierarquias sociais:

Diz Maria Francisca do Rosário, moradora nesta cidade, onde é proprietária, que tendo justos motivos de queixar-se contra o alemão Gaspar de Tal também aqui morador onde exerce o ofício de tanoeiro [artesão que fabrica tonéis, pipas, barris para transportar mercadorias] […].

Sendo a suplicante Senhora e possuidora de uma escrava de nação de 35 anos de nome Maria, conservava-a nesta cidade a vender diariamente quitanda, quando inesperadamente em julho do corrente ano de 1863 desapareceu a referida escrava do poder da Suplicante.

Ora, tendo a suplicante dado todas as providências afim de descobrir onde se pudesse achar a sua dita escrava, veio no conhecimento que ela lhe fora furtada pelo acusado em casa de quem fora encontrado o tabuleiro em que a mesma escrava vendia quitanda e por quem foi ela levada ou mandada levar para São Luís, no primeiro distrito desta cidade, para dali fazê-la passar parra o Estado Oriental do Uruguai, visto que tendo sabido que a suplicante já tinha motivo que ele fora quem cometera o furto, queria ver-se por esta forma de subtrair a justa punição de seu crime porém felizmente assim não aconteceu porque em virtude das pesquisas feitas por parte da suplicante com grave prejuízo de seus interesses foi capturada antes de passar para o dito Estado Oriental.

O ourives Benito José Tibúrcio Borges, primeira testemunha arrolada e inspetor do 9º quarteirão, afirmou que por ordem do subdelegado realizou uma “busca na casa de morada do alemão Gaspar […] para ver se ali encontrava o tabuleiro, xícaras, colher e talher que a autora [Maria Francisca] suspeitava ali existir”. Não localizando os bens citados, Benito José relatou que encontrou “um par de tamancos, um botão e uma chave de uma caixa que a escrava da autora declarou ser da sua propriedade”. Mais importante, Benito afirmou ter ouvido dizer, durante a busca, que a escrava procurada “se conservara por espaço de 4 dias em casa do réu de onde se retirou na garupa do cavalo em que andara [com] o filho de Chico Chapéu”, o qual era cunhado de Gaspar.

A segunda testemunha, Dionísio José Leal, liberto que migrou de Pelotas para Bagé e que fazia parte daquela extensa rede de compadrio citada na ‘nota 13’, apenas confirmou “de ciência certa que a escrava Maria de que se trata fugiu do poder da autora que é a sua legítima senhora”. Dionísio também mencionou, “sabendo mais por ouvir dizer, que a mesma escrava esteve oculta em casa do mesmo réu”.

Eleutério Silveira Cardoso, o subdelegado e 4º testemunha, afirmou que o réu confessou o delito na sua presença, comprometendo-se a indenizar Maria Francisca. O próximo a testemunhar, Ponciano Ferreira Leite, tentou tirar toda a responsabilidade que pesava sobre si, assegurando que, de fato, a escrava fugida esteve em sua casa “já à noite”, mas “dizendo que andara procurando quem a comprasse”, sabendo ele testemunha que no outro dia “ela havia sido agarrada na olaria de Domingos Marques”. Não adiantou. O juiz aceitou somente a denúncia contra Ponciano Ferreira, que foi julgado e condenado culpado.

Portanto, a fronteira com a Banda Oriental, por onde muitos escravos fugiam, ao que parece, não era um perigo apenas para os grandes escravistas ou mesmo somente para os criadores que empregavam seus cativos na lida com o gado, para o que a montaria a cavalo era fundamental. Mesmo pequenos proprietários que viviam no meio urbano contavam com uma vigilância social permanente – que foi bastante eficaz, para sorte da africana Maria Francisca. Por seu turno, o fato de ser senhora de escravos serviu como argumento para Maria Francisca do Rosário em outro processo, todavia, agora como ré.

No ano de 1871, Sebastião Carlos de Camargo cobrava a execução de uma dívida que Maria Francisca tinha com ele de pouco mais de 4 contos16. Neste intento, Sebastião obteve um “Auto de penhora e depósito”, em que alguns bens pertencentes a Maria – uma “olaria […] nos arrabaldes desta cidade, contendo galpão grande”, rancho e fornos, duas casas mais um terreno – foram penhorados. Frente a esta decisão, Maria Francisca do Rosário entrou com um embargo contra a penhora.

Dentre as alegações apresentadas para embargar a penhora de seus bens, Maria Francisca argumentou que “que foi feita a penhora de olaria, casas, terreno […] sem ter sido seguida a gradação legal nisto, como reconhece a lei, que se comece por móveis e semoventes”. Logo, como “a embargante” possui “bens moveis e semoventes, como dois escravos”, tornava-se nula a penhora. Como Maria entrou com o embargo fora do prazo legal, o mesmo não foi aceito.

Não sabemos se Maria, a escrava que tentou fugir em 1864, era um destes “dois escravos” mencionados. Mas pouco tempo antes do processo aberto a pedido de Sebastião Camargo, em junho de 1870, Angélica, escrava de Maria Francisca do Rosário, levou sua filha, Maria do Rosário, à pia batismal. Ainda em 1871, através de outro processo analisado mais à frente, ficamos sabendo que Maria Francisca também era senhora de Honorata, crioula com 10 para 11 anos17. Assim, entre meados da década de 1860 e início da década seguinte, a africana foi senhora de ao menos quatro escravos. Isso em um contexto fronteiriço (com nações onde a escravidão havia sido abolida) e, principalmente, nas décadas de 1860 e 1870, quando o acesso à mão de obra escrava estava cada vez mais caro e difícil – e, por isso, em tese, concentrada.

Mas não era só o fato de ter alcançado a condição de senhora, ou mesmo ter seus filhos registrados com diferentes qualidades/cores, que indica a ascensão social de Maria Francisca do Rosário. A sua impressionante projeção social se espraiou para seus parentes.

A já conhecida (do leitor) Luíza Agapita Chapuis, sua filha com, assim registrado no casamento de Luíza, João Luís Chapuis, casou com o português Francisco Ferreira Guimarães, filho legítimo de João Ferreira Guimarães e Josefa Maria da Conceição, em 1867. Um ano depois, o casal levou à pia sua filha Maria Assunção, “parda”, que teve Domingos Dias e a avó africana como padrinhos. Em todo o nosso recorte temporal, Maria Francisca serviu apenas mais uma vez como madrinha – de Joana, filha natural de Maria, escravas de Inácio Dutra Fialho. Já sua filha, Luíza, entre 1856 e 1863, compareceu cinco vezes à pia batismal, apadrinhando quatro rebentos livres e uma criança liberta no ato do batismo. Em uma delas Luíza foi acompanhada pelo pai e, em outra, como vimos, pelo padrasto. Aliás, Apolinário Martins das Virgens, em uma Lista da Guarda do final da década de 1860, foi classificado como “pedreiro” e que sabia ler e escrever, informação importante, pois, como veremos logo à frente, Luíza era alfabetizada, ajudando sua mãe, através desse recurso, nos negócios e nos processos – e, talvez, tenha sido Apolinário quem a tenha ensinado as primeiras letras18.

Para finalizar nossa análise acerca dos passos de (e rastros legados por) Maria Francisca do Rosário, um processo deveras interessante, em que fica claro que a africana tinha não apenas uma posição social de destaque, mas certa ascendência sobre alguns escravos e libertos que orbitavam em torno dela e cultivavam laços de amizade e dependência com Maria Francisca. E, por isso, era correspondida quando necessitava de apoio (como o próprio testemunho do liberto Dionísio José Leal, visto há pouco, indica).

Em 1866, dona Ana Machado entrou com uma queixa-crime contra “a preta liberta Maria Francisca do Rosário”. Na queixa, Ana Machado afirma que sua escrava Maria, falecida, tinha 20 onças de ouro em poder de Maria Francisca, a qual não restituiu o valor após o falecimento da cativa19.

Moisés Gomes da Silva, primeira testemunha, relatou que “a preta Maria, já falecida, lhe disse, há um ano em conversa, que tinha uma quantia em poder da ré e que havia depositado [tal quantia] para sua liberdade”. Contudo, querendo reaver o dinheiro, Maria Francisca do Rosário “queria [lhe] dar uma meia-água que a ré possui na rua Clara, esquina para a rua Santa Ana, mas que a finada acreditava que a quantia era superior ao valor da meia-água”. As três próximas testemunhas repetiram o conteúdo do que foi dito por Moisés, com a terceira, Henrique Rodrigues Nova, acrescentando que sabia do ocorrido “por ter dito a falecida em uma ocasião que lhe foi vender quitanda que estava juntando dinheiro para sua alforria e que já tinha parte dele em poder de uma Chica Mina [Maria Francisca], moradora dessa cidade”20. A quinta testemunha, a africana mina Maria Isabel, que também “vivia de quitandar”, afirmou que “uma sua patrícia [i.e., também mina] de nome Joana, escrava de Sipião Antunes” lhe disse que “a finada preta Maria tinha dinheiro em poder da ré para a sua liberdade, mas que ignora quanto”. Portanto, todas as primeiras testemunhas ouvidas corroboraram a versão de Ana Machado.

Na verdade, logo após o falecimento da escrava Maria, sua senhora, Ana Machado, enviou um “bilhete” para Maria Francisca do Rosário pedindo auxílio financeiro para o enterro de sua cativa. A resposta de Maria Francisca, também em forma de “bilhete” e anexada ao processo, beira, por vezes, o deboche (ver toda a tradução no Anexo 1).

Maria Francisca respondeu que “sentia muito”, mas não podia ajudar, pois estava “com obra entre as mãos”. Mas a africana vai além. Aproveitando o momento, lembrou que, como precisava de dinheiro para a obra que estava em andamento em uma de suas propriedades, havia mandado “cobrar um dinheiro que a Maria [a escrava falecida de Ana Machado] me devia da farinha que eu comprei para ela [e a] farinha que ela levou lá foi comprada com o meu dinheiro”. Na resposta, Maria Francisca lembra dona Ana que, quando foi cobrar o valor devido pela cativa Maria, esta última a levou até a escrava Joana, também de nação mina (a Joana mina, testemunha citada há pouco), para que Joana confirmasse que Maria (a escrava) havia emprestado todo seu dinheiro a ela (Joana) para se alforriar.

Pausa para uma rápida digressão. Nesse momento do processo surge algo muito interessante: as escravas minas Maria e Joana – que se tratavam por “manas” (provavelmente por serem da mesma nação ou por pertencerem à Irmandade do Rosário) – haviam combinado que a primeira que conseguisse o consentimento do seu senhor (e os recursos para tanto) para se alforriar receberia a ajuda, em dinheiro, da outra. Depois, a já forra retribuiria o favor, ilustrando uma significativa organização entre as africanas minas (de uma pequena localidade do Brasil oitocentista, ressalte-se) em busca da liberdade.

A forma que a escrava Maria conseguia reunir recursos também é descrita no processo. Assim como Maria Francisca, a cativa de Ana Machado vendia quitandas, entretanto, quem lhe fornecia os gêneros (açúcar, farinha, etc.) para que ela preparasse seus doces e salgados era Maria Francisca. Essa última, inclusive, anexou ao processo dois recibos – um deles assinado por Higino Machado, filho de dona Ana, quando esse recebeu, em nome da escrava Maria, “uma barrica de farinha” (ver Anexo 2) para provar que a escrava dos Machados é quem lhe devia.

No interrogatório de Maria Francisca do Rosário, a africana faz uma grave acusação contra Ana Machado. Conforme Maria Francisca, a queixa de dona Ana tinha por objetivo apenas de “incutir-me um pânico, a bem de me ver obrigada a comprar, seja lícito dizer assim, uma desistência da mesma autora”. Em outras palavras, a africana acusava Ana Machado de suborná-la depois que Maria Francisca se recusou a ajudar (com recursos) para o enterro de sua cativa. Maria ainda disse perante o juiz que “felizmente, porém, não escapam hoje a pessoa alguma as argúcias da chicana”, reafirmando ser credora da falecida21.

Após seu depoimento, Maria Francisca do Rosário enviou uma longa “Justificação” ao juiz, onde, resumidamente, explica que:

  1. 1. A escrava Maria de propriedade de dona Ana Machado e já falecida, com permissão de sua senhora fabricava pão e doces para vender, servindo-se da proteção da justificante que lhe abonava farinhas de trigo e açúcar;
  2. 2. Quando faleceu a mencionada escrava da suplicada, ficou devendo à suplicante a importância da conta junta, a qual lhe foi exigida por repetidas vezes e por diversas pessoas de ordem da suplicante, sem que em qualquer das ocasiões de suas exigências, negasse ser devedora e ainda menos declarou ter em poder da justificante quantia alguma em depósito;
  3. 3. Finalmente, que em uma dessas vezes que a justificante lhe mandou pedir com energia e ameaçou de recorrer à justiça sobre o seu pagamento, foi a dita escrava Maria à casa da suplicante dizer-lhe que a mesma tinha razão de queixar-se dela pela demora que tinha em pagar-lhe, mas que não o podia o fazer ainda, em virtude de se achar nessa ocasião sem vintém, por ter emprestado todo o dinheiro que possuía à mana Joana porque esta se ia forrar primeiro do que ela.

Após essa primeira fase, um novo rol de testemunhas é chamado a depor, entretanto, o conteúdo de suas falas distou sobremaneira dos primeiros depoimentos. Todos reafirmaram que a africana Maria Francisca tinha certa ascendência sobre a falecida Maria. A primeira testemunha, Manoel Ferreira Porto, disse saber “que Maria, falecida, escrava de dona Ana Machado, negociava com pão e doces por sua conta”, assim como sabia “com certeza que esse comércio era feito com farinhas de trigo e açúcar e outros gêneros fiados pela justificante à referida preta” (ver Anexo 3). Manoel Porto justificou sua resposta, “porque ele mesmo foi condutor de duas barricas de trigo que entregou a mesma preta a vista de sua Senhora e foram descarregadas por um filho da mesma”.

A próxima testemunha, a pernambucana Ana América da Fonseca, afirmou que a escrava Maria “era protegida” de Maria Francisca do Rosário. Alegou também ter visto a africana “muito brava com ela por não lhe ter pago o que lhe devia, mas [a falecida Maria] esperava que ela tivesse paciência por algum tempo porque o dinheiro que tinha para se forrar tinha emprestado à mana [i.e., também mina] Joana”. Por fim, perguntada se vira a escrava Maria no interior da casa de Maria Francisca, Ana América respondeu que não, pois “não morava no interior da casa da justificante e sim na frente em um quarto alugado à” Maria Francisca do Rosário, “a quem paga 6 mil réis mensais pelo aluguel, não tendo assim dependência alguma com a casa da morada da” mesma.

A terceira e última testemunha do segundo rol de depoimentos foi Maximiano Domingos do Espírito Santo, jornaleiro de 53 anos, natural da província o Rio de Janeiro. Grosso modo, Maximiano repetiu o conteúdo do depoimento de Ana América, reafirmando ter presenciado muitas vezes Maria Francisca do Rosário cobrar a dívida da escrava de Ana Machado, sem que “nunca a devedora” tivesse negado “a mesma dívida e nem declarou ter em poder da justificante quantia alguma depositada”. Maximiano disse mais: relatou ele mesmo, “a pedido da justificante, por algumas vezes ter ido dizer a dita Maria que lhe fosse pagar”.

O juiz julgou improcedente a queixa de dona Ana Machado, que foi condenada a pagar as custas (ver Anexo 4). Indignada, Ana Machado recorreu duas vezes, perdendo em ambas as instâncias. Em 1866, o juiz Ovídio Trigo Loureiro negou a apelação, encerrando a ação.

Este último depoimento, a favor de Maria Francisca do Rosário, talvez tenha sido decisivo para a vitória da africana na contenda, ao mesmo tempo que revela a importância das relações produzidas dentro das irmandades religiosas naquele contexto – ambos eram irmãos da Irmandade do Rosário22. A despeito de também ser um indivíduo oriundo da escravidão, Maximiano Domingos do Espírito Santo alcançou uma impressionante projeção social na localidade na segunda metade do século XIX. Não vamos nos estender sobre essa questão, mas um breve resumo da trajetória de Maximiano ilustrará o que estamos afirmando.

Maximiano Domingos do Espírito Santo era um liberto natural, como vimos no processo acima, do Rio de Janeiro, que migrou para a província do Rio Grande do Sul na década de 1840 para lutar nas forças imperiais contra os rebeldes farrapos (conflito que durou de 1835 até 1845). Após a guerra, por volta de 1847, Maximiano Domingos se estabeleceu em Bagé. Tendo por um tempo ocupado o cargo de inspetor de quarteirão, a partir da década de 1870, quando da fundação da primeira Casa de Caridade de Bagé, Maximiano exerceu a função de enfermeiro (já desempenhada durante seu tempo de exército) no hospital do município. No seu enterro, em 1888, vários irmãos da Irmandade Rosário acompanharam o caixão, que foi sepultado em um espaço, no cemitério, reservado à elite local. Por fim, conforme os registros de batismos, Maximiano foi um dos padrinhos mais requisitados nas décadas de 1850, 1860 e 1870 (12 apadrinhamentos no total), além de servir como testemunha de alguns casamentos. Grosso modo, essas cerimônias (tanto de batismos, quanto de casamentos) eram sempre de indivíduos ligados à escravidão23. Aliás, uma das mães espirituais que o acompanhou na pia batismal foi Luíza Agapita, a filha da africana Maria Francisca do Rosário24.

O leitor mais atento percebeu que invertemos a ordem de análise dos processos (vimos antes o de 1871 e agora o de 1866). Tal procedimento foi proposital. A abertura desse último processo apreciado deixa claro como cor e qualidade social continuavam atuando na segunda metade do século XIX – amiúde, para estigmatizar aqueles ligados, em algum momento de suas vidas, à escravidão. Se nos outros processos Maria Francisca não teve sua origem registrada, na ação de 1866 Ana Machado, que acusava a africana, utilizou-se do (vocábulo e do) recurso de denominá-la como “preta liberta” logo no início da contenda para enquadrá-la perante o juízo como alguém que merecia menos respeito que ela, dona Ana Machado. Não deu certo.

A expressiva rede de relações da africana foi acionada. E, ao menos nesse caso, foi mais forte que categorias outras. Contudo, fica claro que o estigma da escravidão e da cor (preta, parda, negra) ligada à escravidão localizava socialmente os indivíduos – fenômeno que não se restringiu ao período escravista da história brasileira, sobrevivendo nos séculos XX e XXI25. Se, de fato, como destacaram Rafael Marquese e Márcia Berbel, a legislação imperial não racializou a definição de cidadania no Brasil oitocentista, garantindo direitos civis para os libertos e seus filhos (MARQUESE e BERBEL, 2007)26, no cotidiano das relações sociais a cor (quer representasse a tez, quer significasse a qualidade dos indivíduos) dos africanos e seus descendentes nunca deixou de ser elemento hierarquizador.

Considerações finais

Conhecer detalhes e pormenores da vida dos africanos (e dos escravos em geral) que foram traficados como cativos para as Américas, por vezes, não é fácil27. Nesse sentido, como esperamos que tenha ficado claro no texto, cabe ao historiador uma ampla busca na documentação, busca que, no entanto, às vezes é dificultada pela própria natureza das fontes (que não foram produzidas para tal fim).

A africana, cuja vida conduziu a presente análise, apareceu primeiro como “Francisca”, apenas, na documentação. Foi através de uma intensiva procura e, principalmente, de um cruzamento de fontes – em particular, de um cruzamento nominativo (GINZBURG e PONI, 1991) – que foi possível identificar que a escrava africana Francisca, do final da década de 1840, era Maria Francisca do Rosário, das décadas de 1850, 1860 e 1870.

Não iremos, nesse momento, retomar todos os pontos desenvolvidos ao longo do artigo. Contudo, três aspectos merecem ser (re)destacados. Primeiro, o leitor mais atento irá lembrar que, no início do texto, mostramos que os senhores de escravos, naquele espaço fronteiriço, tinham que lidar com a fuga de escravos para o além-fronteira – ou, ao menos, com a possibilidade de fuga. Pois bem. Maria Francisca do Rosário foi uma dessas tantas senhoras e senhores que quase perdeu sua propriedade, isto é, a fronteira era um elemento que todos os proprietários, de diferentes envergaduras, tinham que lidar. E tal questão (em regiões fronteiriças ou não), nos parece, é algo que merece maior destaque, já que a maioria das pesquisas assinalam que, alhures, o que predominava no Brasil oitocentista eram as pequenas escravarias (MATHEUS, 2012, p. 77-102; e 2016, p. 191-203).

Ao mesmo tempo, é preciso ressaltar a impressionante projeção social que a africana Maria Francisca alcançou. De escrava, conquistou a liberdade, sua e de seus filhos, comprou propriedades (olaria, casas, escravos) e, tão importante quanto, servia como agenciadora de crédito e mantimentos para outras mulheres – o que, com efeito, abre uma janela para estudos de gênero, o que não faz parte dos objetivos mais imediatos do presente estudo –, notadamente para suas manas e patrícias africanas minas. Portanto, a trajetória de Maria Francisca se une a de outros africanos que, assim como ela, romperam a barreira da escravidão e ascenderam socialmente no Brasil oitocentista (dentre outros, ver: REIS, 2008; FRANK, 2012; REIS 2016).

Finalmente, é fundamental salientar que, se aquela sociedade abria a possibilidade de ascensão e de diferenciação social, elas eram limitadas pelas próprias balizas e sistema valorativo daquele mesmo corpo social, informados pela escravidão e, mais importante, informados pelo fato que pessoas de cor (pardas e pretas/negras) é que eram escravas ou tinham uma ascendência ligada ao cativeiro. Como bem observa Manolo Florentino, analisando os fundamentos bíblicos e seculares da “sempiterna inferioridade do negro”, na América portuguesa e depois no Império do Brasil, “a inferioridade tinha cor (preta) e estatuto jurídico (escravo), não demorando muito para estas noções tornarem-se plenamente intercambiáveis” (FLORENTINO, 2010, p. 88). Em outras palavras, se a escravidão luso-brasileira não excluía (ou melhor, não segregava, ao menos não institucionalmente), possibilitando a assimilação de egressos do cativeiro – como demonstram as altas taxas de alforria28 –, ela o fazia dentro de parâmetros bem específicos, com indivíduos pardos e pretos sendo assimilados já em uma posição hierárquica inferior, o que nos ajuda a refletir sobre as décadas e décadas vindouras da história brasileira.

Enfim, na sociedade oitocentista brasileira havia a possibilidade de mobilidade social para os africanos e seus descendentes, diferente dos Estados Unidos, onde ao longo do século XIX foram sendo elaboradas interdições à prática da alforria (TANNENBAUM, 1947, p. 52-71). Contudo, essas possiblidades de mobilidade ocorriam ao mesmo tempo em que se preservava, como vimos, classificações mais amplas (i.e., de cor), o que, em certa medida, estigmatizava aqueles sujeitos oriundos da escravidão, ou mesmo seus descendentes. Na verdade, como a trajetória de Maria Francisca ilustra, a ascensão social, naquela realidade, representava também que a cor deixasse de ser mencionada – ou, ao menos, que a qualidade social indicada pela cor mudasse, em um sentido positivo, ao longo da vida.

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Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Livros Notariais de Transmissão e Notas e de Registros Diversos. Bagé (1847-1871).

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Processo/Embargo. Bagé, nº 3656, 1864.

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Processo judicial/Executiva. Bagé, nº 1712, 1871.

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Processo/Justificação. Bagé, nº 1270, 1871.

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866.

Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866.

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Registro de Testamento. Felizardo Joaquim dos Santos, nº 178, maço 6, estante 46, 1865.

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Registro de Testamento. Maria Rosa Antônia do Rosário, Livro de Testamentos de Bagé, Provedoria, 1864.

Sites consultados

<www.ibge.gov.br>

<www.atlassocioeconomico.rs.gov.br>

<www.familysearch.org>

Anexo 1

Tradução da resposta da africana mina Maria Francisca do Rosário para dona Ana Machado29

“Ilustríssima Senhora Dona Ana Machado,

Recebi a sua estima do bilhete sinto muito da minha parte a infelicidade e o desgosto que teve e sinto muito na ocasião eu não ter para lhe servir a senhora veja que estou com obra entre mãos outro dia como me vi na precisão mandei cobrar um dinheiro que a Maria me devia da farinha que eu comprei para ela a farinha que ela levou lá foi comprada com o meu dinheiro ao depois ela veio me dizer que não me mandou o dinheiro porque tinha emprestado o dinheiro dela para a Joana escrava do Sr. Sipião ela trouxe a Joana na minha vista e me disse que emprestou para que tinha emprestado para alforria dela ela já teve dinheiro na minha mão que uma vez eu disse para sua filha a Dona Teodora porém mandou buscar cinco barricas de farinha duas pelo seu filho e três pelo Senhor Manoel Porto as três que o Sr. Manoel Porto levou ela ficou me devendo se a Senhora tiver algum portador que possa ir em casa do Sr. Sipião mande pedir para a escrava dele vir cá na minha casa porque ela não pode negar por que a Maria trouxe ela na minha casa de noite e me disse na vista dela que tinha emprestado o dinheiro para ela outro dia eu mandei minha conchavada cobrar da Maria e até a Sra incomodou-se com a minha conchavada aceite recomendações minhas.

26 de agosto de 1866, Sua criada, Maria Francisca”.

Anexo 2

Recibo escrito e assinado por Higino Machado, filho dona Ana Machado, em nome de sua escrava Maria30
Anexo 2
Recibo escrito e assinado por Higino Machado, filho dona Ana Machado, em nome de sua escrava Maria30

Anexo 3

Recibo dos gêneros recebidos por Maria, escrava de dona Ana Machado, da africana mina Maria Francisca do Rosário31
Anexo 3
Recibo dos gêneros recebidos por Maria, escrava de dona Ana Machado, da africana mina Maria Francisca do Rosário31

Anexo 4

Comprovante do pagamento, por parte de dona Ana Machado, das custas do processo – escrito e assinado por Luíza Agapita Chapuis, filha da africana mina Maria Francisca do Rosário32
Anexo 4
Comprovante do pagamento, por parte de dona Ana Machado, das custas do processo – escrito e assinado por Luíza Agapita Chapuis, filha da africana mina Maria Francisca do Rosário32

Notas

1 A pesquisa da qual redundou este texto teve financiamento da Capes. Atualmente está em curso outra pesquisa – que teve origem nas indagações levantadas neste artigo – que tem como foco investigar as características dos africanos traficados para o Rio Grande do Sul através dos registros de batismo, e que tem financiamento do CNPq e do Fomento Interno do IFRS.
2 Arquivo da Diocese de Bagé (doravante ADB). Registros de Batismo da Igreja de Bagé (doravante RBIB). Livro 5b, p. 208.
3 Para o Censo de 1846: Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. Mapas estatísticos da população dos municípios e distritos da Província do Rio Grande. Fundo de Estatística, maço 1, 1846; para o Mapa de Famílias de 1858: Fundação de Economia e Estatística (doravante FEE). Mappa Statístico da População da Província classificada por idades, sexos, estados e condições com o resumo total de livres libertos e escravos. In: De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul – Censos do RS, 1803-1850. Porto Alegre: Federação de Economia e Estatística, 1981; por fim, o Censo de 1872: <www.ibge.gov.br>.
4 Não é nossa intenção discorrer sobre o tema, mas cumpre destacar que a bibliografia que aborda a relação entre escravidão e fronteira no Brasil meridional já é bastante extensa. Sobre o tema, ver: GRINBERG, 2007; ARAÚJO, 2008; LIMA, 2010; PALERMO, 2011; ALADRÉN, 2012; CARATTI, 2013; MENEGAT, 2015.
5 Disponível em: <www.atlassocioeconomico.rs.gov.br>. Acesso em: 08 nov, 2017.
6 ADB. RBIB. Livros 1, 2, 3, 4A, 4 B.
7 Sobre a questão da classificação a partir da cor, mesmo que conforme outras fontes, depender basicamente do contexto (isto é, dos envolvidos), ver: REIS, 2000, p. 232-234.
8 De acordo com Luís A. Farinatti, “china podia designar mestiças ou então mulheres que tinham traços indiáticos” (FARINATTI, 2011, p. 12-13). Conforme José Joaquim Machado de Oliveira (um dos primeiros sócios do Instituto Histórico e Geográfico brasileiro), que passou pela Capela de Alegrete, na região da Campanha sul-rio-grandense, na segunda década do século XIX, momento em que havia uma grande movimentação de índios guaranis pela mesma região, “china” era a “mãe da família” dos guaranis (OLIVEIRA, 1842, p. 338). Ver também: NUNES; NUNES, 1990.
9 ADB. RBIB. Livros 1, 2, 3, 4A, 4 B. Em sua dissertação de mestrado, de 2008, Gabriel Aladrén já alertava que, para verificar o quanto o termo “pardo livre” era importante, ou não, para qualificar a população de cor do Rio Grande do Sul, “seria preciso pesquisar de forma sistemática, outras fontes, especialmente os registros paroquiais” (ALADRÉN, 2009 – grifos nossos).
10 Disponível em: <www.ibge.gov.br>.
11 Pesquisa realizada no site da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias: <www.familysearch.org>. Na Itália, a paróquia analisada foi Adrano, na Catania (livro de batismos entre 1820-1854); na Espanha, San Lorenzo, Burgos (livro entre 1815-1858); e em Portugal São Salvador, Braga (1758-1846).
12 ADB. Registros de Casamento da Igreja de Bagé (doravante RCIB). Livro 5b, p. 208, Livro 6b, p. 108, e Livro 7b, p. 5v (grifos nossos). Em estudo anterior, identificamos uma significativa rede de libertos (que apadrinhavam entre si, comprando bens, alcançando importante projeção social com alguns, inclusive, se tornaram senhores) que tinham na migração de Pelotas para Bagé algo em comum. Apesar de ser apenas uma hipótese, cremos que Maria Francisca do Rosário fez o mesmo caminho (MATHEUS, 2016, cap. 5). No registro de batismo de um dos netos de seu ex-senhor, consta que Porfírio Fernandes era “natural de Pelotas”: ADB. RBIB. Livro 5b, p. 159v.
13 Em nenhum dos três batismos de seus filhos Apolinário M. das Virgens teve algum tipo de qualidade social anotada pelo padre. Em duas das três oportunidades em que serviu como pai espiritual, em 1858, 1860 e 1864, Apolinário também não teve sua condição jurídica e/ou social registrada. No entanto, no batismo de 1860 – em que Apolinário apadrinhou Maria Luíza, liberta na pia batismal e filha natural de Joana, escrava de João Anacleto Gularte –, o padre anotou sua condição de “preto liberto”: ADB. RBIB. Livro 5b, p. 37 e 167, e Livro 6b, p. 144. A madrinha de Maria Luíza foi Luíza Agapita Chapuis, primeira filha de Maria Francisca do Rosário. Por sua vez, a inserção social de Apolinário, ao que parece, era mais ampla: além de servir como padrinho algumas vezes, ele foi inventariante de Felizardo Joaquim dos Santos, natural da freguesia de Santa Rita, Rio de Janeiro. Felizardo era casado com a liberta Joana Maria da Conceição, que, assim como Apolinário, era natural da Bahia. Joana Maria foi uma das madrinhas mais requisitadas na localidade, além de alcançar incrível projeção social, tornando-se, ela mesma, senhora de outras almas (MATHEUS, 2016, cap. 5 e 7). Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (doravante APERS). Registro de Testamento. Felizardo Joaquim dos Santos, nº 178, maço 6, estante 46, 1865. ADB. RCIB. Livro 3, p. 33.
14 Além do mais, o padrinho de Genoveva foi Domingos Lucindo Vianna, um dos indivíduos inseridos na rede de libertos citada na ‘nota 13’. ADB. RCIB. Livro 4a, p. 181v, Livro 5b, p. 115 e 208, Livro 6b, p. 108, e Livro 7b, p. 5v. APERS. LNRD. Bagé, livro 4, p. 35.
15 APERS. Processo/Embargo. Bagé, nº 3656, 1864. Todas as próximas citações são deste documento, salvo nova referência.
16 APERS. Processo judicial/Executiva. Bagé, nº 1712, 1871. Todas as próximas citações são deste documento, salvo nova referência. Os grifos são nossos.
17 ADB. RCIB. Livro 4b, p. 173, 233 3 235v, Livro 5b, p. 167, Livro 6b, p. 68v, e Livro 7b, p. 85. APERS. Processo/Justificação. Bagé, nº 1270, 1871.
18 ADB. RBIB. Livro 3, p. 135v, e Livro, p. 68.
19 APERS. Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866. Todas as próximas citações são deste documento, salvo nova referência. Os grifos são nossos.
20 Maria Francisca do Rosário também é referida como “a Mana Chica” ou “Tia Chica”
21 Interessante destacar que Maria Francisca, perguntada se conhecia as testemunhas que depunham contra ela, afirmou que “conhece as Minas há muito tempo e as outras há pouco”.
22 Além da memória local registrar, como veremos, os irmãos da Irmandade do Rosário acompanhando o caixão de Maximiano Domingos, é no testamento da liberta, natural da Bahia, Maria Rosa Antônia do Rosário, de 1864, que ficamos sabendo que ele era integrante, de fato, da Irmandade do Rosário. No documento, Maria Rosa determinou que “a marquesa em que durmo, com colchão […], fiquem pertencendo ao irmão de Nossa Senhora do Rosário Maximiano Domingos do Espírito Santo”. Por fim, Maria Rosa ainda revela que era devedora da “liberta Maria Francisca do Rosário 18.740 réis”, também sua irmã, ilustrando o quão amplo era o leque de relações de Maria Francisca do Rosário. APERS. Registro de Testamento. Maria Rosa Antônia do Rosário, Livro de Testamentos de Bagé, Provedoria, 1864.
23 Na memória local, Maximiano Domingos do Espírito Santo ficou conhecido como “Preto Caxias”, alusão ao comandante do exército imperial, o Duque de Caxias. Quando a princesa Isabel passou pela localidade, em meados da década de 1880, fez questão de conhecê-lo, apertando sua mão, alegoria registrada no seu jazigo na imagem de uma mão branca cumprimentando uma mão preta (CERQUEIRA; BASTIANELLO, 2012 ; SALIS, 1955, p. 184-187).
24 Em duas destas cerimônias Maximiano Domingos foi identificado como “preto forro”: ADB. RBIB. Livro 3, p. 101, 102v, 109, 113v, 115v e 118, Livro 128 e 233, e Livro 4b, p. 118v e 124v, e Livro 7b, p. 146v.
25 Sobre a persistência do estigma da cor no período republicano, ver: ANDREWS, 1998; MATTOS, 2005; FRAGA FILHO, 2006; WEIMER, 2013; ROSA, 2014; SCHWARCZ, 2017.
26 Sobre o tema, ver também: MATTOS, 1999; GRINBERG, 2002.
27 A título de exemplo de uma trajetória relativamente bem documentada, ver: REIS, 2008.
28 Conforme Robert Slenes, no século XIX, “as taxas de alforria no Brasil […] eram suficientemente altas para que todo o cativo pudesse sonhar com a liberdade como uma possibilidade real” (SLENES, 1999, p. 200). Em Bagé, houve um crescente do número de alforrias registradas em cartório ao longo do século XIX, especialmente na segunda metade, para quando temos essas informações: entre 1847 e 1870, foram registradas 367 manumissões; só na década de 1870, após a aprovação da Lei do ventre Livre, cerca de 300 alforrias foram registras; por fim, nos anos 1880, mais de 315 alforrias foram lavradas nos cartórios da localidade (MATHEUS, 2016, cap. 6).
29 APERS. Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866.
30 APERS. Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866.
31 APERS. Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866.
32 APERS. Processo-crime. Bagé, nº 3627, 1866.
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