Seção Livre

O preço dos escravos e suas “cores” nas escravarias dos inconfidentes mineiros da comarca do Rio das Mortes, nas Minas Gerais de 1789 a 1791

The Price of the Slaves and Their “Colors” in the Slaveholdings of the Participants in the Inconfidência Mineira from Rio das Mortes District, in Minas Gerais from 1789 to 1791

El precio de los esclavos y sus “colores” en las posesiones de los participantes da Inconfidência Mineira de la comarca del Río das Mortes, en las Minas Gerais de 1789 a 1791

André Figueiredo Rodrigues
Universidade Estadual Paulista, Brasil
Jonis Freire
Universidade Federal Fluminense, Brasil

O preço dos escravos e suas “cores” nas escravarias dos inconfidentes mineiros da comarca do Rio das Mortes, nas Minas Gerais de 1789 a 1791

Estudos Ibero-Americanos, vol. 44, núm. 3, pp. 548-562, 2018

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Recepção: 22 Novembro 2017

Aprovação: 13 Julho 2018

Resumo: Este artigo analisa, com base nos sequestros de bens listados nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, informações sobre os escravos, seus preços e “cores” nas escravarias de sete moradores presos da comarca do Rio das Mortes, em Minas Gerais, entre 1789 e 1791, envolvidos na Inconfidência Mineira.

Palavras-chave: inconfidentes – escravos, preço dos escravos, sequestros, Inconfidência Mineira.

Abstract: Based on the accounting for chattel confiscated from seven residents of the Rio das Mortes region of Minas Gerais arrested for their involvement in Inconfidência Mineira, this article analyzes the prices and “colors” of the slaves comprising the respective holdings from 1789 to 1791.

Keywords: participants of the Inconfidência Mineira – slaves, slaves prices, confiscations, Inconfidência Mineira.

Resumen: Este artículo analiza, con base en secuestros de bienes listados en el Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, informaciones sobre los esclavos, sus precios y “colores” en las posesiones de siete participantes prendidos de la comarca del Río das Mortes, en las Minas Gerais, de 1789 a 1791, envueltos en la Inconfidência Mineira.

Palabras clave: inconfidentes – esclavos, precio de los esclavos, secuestros, Inconfidência Mineira.

Os 24 rebeldes julgados e condenados por participarem de uma sedição que se pretendia organizar em Minas Gerais no ano de 1789, denominada Inconfidência Mineira, tiveram seus bens apreendidos pela Coroa portuguesa, em um processo denominado Sequestro. Dentre os patrimônios, os escravos destacavam-se pela quantidade e diversidade étnica.

Como processos à parte da devassa, os Autos de Sequestro poucas vezes foram analisados e nunca foram publicados integralmente. O que se conhece e o que se encontra editado no sexto volume dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira (ADIM) são apenas traslados parciais dos bens pertencentes aos envolvidos no movimento insurreto mineiro, exigidos pelos juízes da devassa para se ter uma ideia do patrimônio de cada uma daquelas pessoas (RODRIGUES, 2010, p. 19-20).

Embora os sequestros não sejam a fonte mais apropriada para se abordar o preço dos escravos, já que os valores dos cativos ali anotados, por motivos diversos, eram inferiores aos apresentados por outras fontes, como, por exemplo, os registros de compra e venda de escravos, os montantes informados servem como indicativo das tendências mais gerais dos preços praticados naquela sociedade.1

Assim, o que pretendemos aqui é recuperar, junto aos bens apreendidos aos sediciosos mineiros de 1789, dados sobre os valores atribuídos aos escravos pertencentes as escravarias daquele grupo “singular” da sociedade mineira setecentista. Os sete personagens “inconfidentes” apresentados neste artigo são todos moradores da comarca do Rio das Mortes, grandes proprietários de terras e de escravos e membros das mais importantes famílias da região.2

Os conjurados a terem os seus escravos analisados serão:

Em geral, os sequestros vislumbram informações sobre os bens pertencentes a uma pessoa presa, como suas dívidas ativas e passivas, dinheiro em moedas, terras de cultura, sesmarias, ouro e prata armazenados, lavras minerais, objetos de casa, utensílios agrícolas e de mineração, livros, vestuário e escravaria.

No contexto dos estudos dos bens sequestrados aos sediciosos mineiros, não se conhece em detalhes os preços dos escravos ali apreendidos, nem se debruçou sobre as suas formas de identificação e qualificação, muito em virtude do desconhecimento da documentação dos Autos de Sequestros aqui analisados e apresentados.

De acordo com Kátia de Queirós Mattoso,

O preço do escravo é um jogo de variáveis, algumas das quais totalmente alheias ao próprio escravo e outras, ao contrário, intimamente ligadas à sua pessoa. O preço do escravo depende da concorrência, da distância entre o porto de embarque e o ponto de venda, da especulação, da conjuntura econômica, depende ainda de sua idade, sexo, saúde, de sua qualificação profissional (MATTOSO, 1990, p. 77-78).

No caso dos cativos apreendidos aos sete inconfidentes da comarca do Rio das Mortes, de todas as variáveis citadas por Kátia Mattoso, três tornaram-se preferencialmente importantes na avaliação de seus preços: seu estado de saúde, sua capacidade para exercer e dominar ofícios mecânicos, como os de alfaiataria, carpintaria, ferraria, tropeiragem, entre outros, e as relações mantidas entre o avaliador e o dono da escravaria sequestrada. Claro que esses atributos variaram de acordo com as escravarias analisadas.

As escravarias dos inconfidentes

Os sete conjurados da comarca do Rio das Mortes tiveram 442 cativos apreendidos pela Coroa portuguesa, sendo 361 escravos do sexo masculino (81,67%) e 81 do sexo feminino (18,33%).3

Os números apresentados na Tabela 1 evidenciam que, com exceção do padre Manuel Rodrigues da Costa, todos os demais inconfidentes daquela região possuíam escravarias superiores a 30 cativos. Este é um dado importante, pois os colocava em um patamar disforme em relação à maioria dos proprietários mineiros, já que os dados populacionais para Minas Gerais nos séculos XVIII e início do XIX comprovam o predomínio de proprietários com reduzido número de mancípios, de, no máximo, cinco escravos (LUNA, 1981, p. 63-159; LUNA; COSTA, 1982, p. 37-40; LIBBY, 1988, p. 98; BERGAD, 2004, p. 30; 300; PAIVA, 1996, p. 212-214; LIBBY; PAIVA, 2000, p. 29; LIBBY, 2007, p. 434).

Tabela 1
Escravos sequestrados aos inconfidentes da comarca do Rio das Mortes, 1789-1791
Escravos sequestrados aos inconfidentes da comarca do Rio das Mortes, 1789-1791

As razões de sexo/masculinidade4 entre as escravarias destes sete inconfidentes (Tabela 1) demonstram o seu “apego” a escravidão e ao tráfico de escravos africanos (como pode ser visto na Tabela 2, na sequência). Nas unidades produtoras desses conjurados observam-se que as razões entre os sexos foram expressivas. Com exceção da escravaria do padre Manuel Rodrigues da Costa, consegue-se verificar a razão de masculinidade das demais posses que demonstram a concentração de escravos. A razão de sexo na escravaria do também padre Carlos Correia de Toledo foi de 933,33; na do sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Piza 825; na do coronel e fazendeiro Francisco Antônio de Oliveira Lopes, 335,29; na do coronel e fazendeiro José Aires Gomes, 375; na do poeta e ouvidor Inácio José de Alvarenga Peixoto, 509,09 e na do capitão José de Resende Costa, 342,85.

Tabela 2
“Cores/qualidades” e procedências dos escravos apreendidos pela devassa aos inconfidentes da comarca do Rio das Mortes, 1789-1791
“Cores/qualidades” e procedências dos escravos apreendidos pela devassa aos inconfidentes da comarca do Rio das Mortes, 1789-1791

Dos 442 escravos apreendidos e listados pela devassa, 35,98% (159) eram nascidos no Brasil, 63,12% (279) eram originários da África e 0,9% (4) não tiveram as origens descritas (Tabela 2). Esses números apontam que seus senhores estavam conectados ao comércio negreiro, uma vez que a maioria dos cativos presentes em suas escravarias originava-se do continente africano.5

Com relação aos 438 escravos com origem descrita (crioulos ou africanos), notamos que entre os “brasileiros” (159) havia uma maioria de crioulos (69,18%), seguidos pelos mulatos (20,12%), cabras (6,91%) e, por último, pardos (3,77%). Esses crioulos, mulatos, cabras e pardos refletiam, além das mestiçagens, percepções daquela sociedade com relação aos indivíduos envolvidos e da maneira como foram representados no correr do tempo, sobretudo com relação à “cor/qualidade”, categorias de distinção diferentes, mas, ao mesmo tempo, complementares.

O mosaico de “cores/qualidades” – pretos, pardos, caboclos, crioulos, mulatos, cabras, mestiço, etc. – ou a ausência delas parecem estar imbricados com a condição social e jurídica daqueles sujeitos. Caracterizavam-se como categorias de classificação, nas quais se pretendia determinar, por meio dessas designações, os lugares estabelecidos naquela sociedade para cada um daqueles indivíduos.

‘Negros’, ‘pretos’ e ‘crioulos’ foram as ‘qualidades’ mais usualmente atribuídas aos homens e mulheres nascidos na África ou aos seus descendentes diretos, cujos nascimentos ocorreram nas Américas. Mas houve muitas misturas biológicas entre esses grupos e os demais (incluindo os já mesclados), desde o século XVI, o que gerou dezenas de categorias de mestiços, umas mais evocadas que outras na documentação (PAIVA, 2015, p. 224-225).

Essa multiplicidade de designações mestiças utilizada pelas sociedades escravistas, inclusive nos seus documentos oficiais, demonstra a sua complexidade. Ao mesmo tempo aponta que categorias como as de “cor/qualidade” não eram estanques no tempo, ou seja, seus “significados” foram variando/circulando ao longo dos séculos, sendo utilizados tanto pelos grupos de elite quanto por aqueles sobre os quais recaiam mais fortemente as mestiçagens. A categoria “cor”, às vezes, podia ser relativa e muito imprecisa e a sua definição podia variar no tempo e no espaço. Ela era utilizada para demarcar/identificar/distinguir/classificar lugares sociais e, portanto, insidia sobre o cotidiano das pessoas. A grande categoria “qualidade” compartilhava esses aspectos, mas se lastreava na origem dos indivíduos, na ascendência familiar, por vezes, na cor de pele e até mesmo em crenças religiosas. “Ambas se confundiam e se complementavam e nomeavam os ‘tipos’ humanos produzidos no mundo ibero-americano” (PAIVA, 2015).

Da população escrava definida como africana, notamos a supremacia de duas grandes regiões que se sobressaíram nas posses estudadas. África ocidental (atualmente de Camarões e da Nigéria ao oeste e ao norte até Senegal) possuía 6,39% e África centro-ocidental (hoje, de Angola, no sul, até Gabão, ao norte, e incluindo o vasto Congo) 56,84.6

Embora ocorra precisão na indicação dos cativos nascidos no Brasil e na África, a análise dos Autos de Sequestro merece cautela. Quanto ao requisito da procedência na África, é difícil saber ao certo se a terminologia utilizada na identificação se referia tão somente aos portos de embarque, às regiões geográficas ou aos grupos étnicos, religiosos, linguísticos ou territoriais de existência efêmera que, hoje, não podemos identificar. Os notários da devassa, para designar a origem dos africanos, utilizaram termos que se referem ao local de embarque do tráfico, como Mina, que faz referência ao castelo de São Jorge da Mina, de onde saíram os escravos da região do Golfo do Benim (em Minas Gerais, no final do século XVIII, esse vocábulo, de maneira genérica, designava pessoas oriundas de todas as partes da África ocidental), bem como às traduções fonéticas de termos africanos, tais como Cobu, “adaptação portuguesa para kovєnú, que se refere ao natural de Cové, região de antiga fala mahi”; ou até sua localidade específica e grupo linguístico, como o caso de Cabo Verde.7

Mesmo com tais dificuldades e conhecendo-se os limites que essas representações europeias impuseram aos grupos africanos, uniformizando-os como nações geográficas imaginárias, opta-se, aqui, por quantificar e tecer considerações sobre esses cativos segundo a determinação da “origem”/“grupo de procedência” indicada no documento.

Em vista disto, a população escrava foi dividida em dois grandes grupos: os cativos nascidos no Brasil e os africanos. Do primeiro grupo fazem parte os Crioulos, Mulatos, Cabras e Pardos. O segundo se define por critérios de procedência como Angola, Mina, Benguela, Cabo Verde, Congo, entre outros.

Dentre os africanos, dividindo-se por regiões, temos cativos provenientes da África ocidental e da África centro-ocidental. Do primeiro grupo havia escravos Cabo Verde (0.71%); Cobu (1,43%); Mina (6,81%) e Sabaru (1,07%).8 Já entre os centro-africanos, estavam os Angola, 33,69%; Benguela, 32,97%%; Congo 6,45%; Cabinda, 3,94%; Cassange, Ganguela e Xambá, 0,71% cada;9 Mefumbe, 1,43%; Monjolo e Quissamã, 1,07 cada um; Mosonso, 0,35% e Rebolo, 06,09%. Dois africanos, 0,71%, não tiveram suas procedências descritas. Estes dois grupos respondiam a 62,66% (279) dos 442 mancípios apreendidos aos inconfidentes.

Os escravos de procedência Angola foram os únicos presentes em todos os sequestros.10 A “nação” Angola tem sua origem no porto e feitoria de São Paulo da Assunção de Luanda, capital do reino de Angola, onde eram embarcados escravos procedentes das diferentes etnias e estados contíguos.

Os Benguelas foram encontrados nas escravarias do padre Toledo, de Francisco Antônio, Aires Gomes, Alvarenga Peixoto e Resende Costa. Os mancípios do coronel Resende Costa eram originários, em sua maioria, da África. As propriedades de Luís Vaz se abasteciam, predominantemente, de escravos provenientes do tráfico negreiro.11

Na posse de Francisco Antônio havia uma relação mais equilibrada entre homens e mulheres. Em suas propriedades, os cativos nascidos na América portuguesa superavam os originários da África por cinco pessoas: 34 negros africanos (45,95%) e 39 coloniais (52,70%), sendo o restante, 1,35%, referente a um cativo sem qualquer informação de seu local de origem. Do grupo de seus escravos, 23 negros ficaram-lhe por herança e do total observa-se a existência de sete casais, sendo que apenas duas destas famílias tinham filhos (28,57%) e o restante, em número de cinco famílias, não geraram crianças no cativeiro (71,43%). Já o grupo com maior proporção de escravos coloniais em relação ao africano foi o do padre Toledo: 54,84% contra 45,16% de estrangeiros (RODRIGUES, 2010, p. 171).

A menor proporção entre “brasileiros” e africanos verificou-se no sequestro de Alvarenga Peixoto: 26,87% dos cativos eram oriundos do Brasil, enquanto 70,90% vieram da África e 2,23% eram de procedência desconhecida (RODRIGUES, 2010, p. 171).

Entre os escravos nascidos no Brasil, os Crioulos formavam o grupo com o maior percentual (69,18%) dos mancípios naturais da colônia ou 24,88% de todos os cativos sequestrados. Os 110 Crioulos listados pela devassa, identificados na Tabela 2, dividiam-se em 48 mulheres e 62 homens. Destes números, 19 mulheres e quatro homens eram casados, sendo estes mesmos quatro homens consorciados com mulheres de seu mesmo grupo de procedência (Crioulas) – três casais na posse de Francisco Antônio e um na de Alvarenga Peixoto. Não é possível saber, com base nas fontes utilizadas, se estes casais deixaram descendência. Com relação aos Mulatos, 22 eram homens e dez eram mulheres. Ainda sobre os mancípios naturais da colônia, no grupo dos Cabras existem sete homens e quatro mulheres e, no dos Pardos, quatro pessoas eram do sexo masculino e duas do feminino (RODRIGUES, 2010, p. 171).

A devassa apreendeu ao padre Manuel Rodrigues da Costa dois escravos: ambos de procedência Angola. Estes negros acompanhavam o dito eclesiástico em suas visitas pastorais nas freguesias de Simão Pereira e Engenho do Mato, para ministrar o sacramento da Crisma (RODRIGUES, 2010, p. 171).

A preferência dos senhores Aires Gomes, Alvarenga Peixoto, Resende Costa e Luís Vaz, como a de vários proprietários do período, era por mancípios africanos do sexo masculino e jovens capazes de desenvolver atividades minerárias e agrícolas voltadas ao abastecimento dos mercados interno e/ou externo da capitania de Minas Gerais (RODRIGUES, 2010, p. 172).

Dados extraídos dos Autos de Sequestro dos sete sediciosos até aqui informados comprovam que mancípios do sexo feminino eram expressivos entre os escravos nascidos no Brasil. Isto pode ser explicado por duas razões: a preferência/oferta de cativos do sexo masculino, principalmente os africanos, e pela impossibilidade de o senhor influir na determinação do sexo dos negros nascidos no cativeiro. Das 48 Crioulas listadas pela devassa, 14 inseriam-se na faixa que ia de recém-nascidos aos 10 anos de idade. Nesta faixa, o número de mulheres foi superior ao número de homens, pois nasceram mais cativos do sexo feminino do que do sexo masculino naquele circunscrito espaço de tempo (RODRIGUES, 2010, p. 175).

Os preços dos escravos dos inconfidentes12

O estado de saúde dos cativos não pesou tanto na avaliação de seus preços. Os cativos doentes ou estropiados representavam pouco nas escravarias sequestradas. A exceção foi a do Auto de Sequestro de José de Resende Costa – dos seus 31 escravos sequestrados, sete tinham problemas de saúde. Estes mancípios, ao serem avaliados, diminuíram o valor médio do grupo (Tabela 3).

Tabela 3
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente José de Resende Costa (em réis), 1791
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente José de Resende Costa (em réis), 1791

Dos 40 escravos originalmente pertencentes a escravaria de Resende Costa, foram sequestrados pela devassa da Inconfidência Mineira apenas 31 deles (Tabelas 1 e 2). Destes, em 1796, atribuíram-se preços a 26 deles, com valores médios de 63$269 réis. Do restante, um escravo recebeu o indicativo de “sem valor” (o Angola, José Catimba, de 30 anos), três morreram (um Congo, um Benguela e um Monjolo) e o cativo Marcelino, de 60 anos, Angola, não foi avaliado, pois, no momento de sua avaliação, a sua posse estava em discussão jurídica sobre sua reintegração ou não à escravaria da família.

Junto aos 26 escravos avaliados e sequestrados pela devassa admitiram-se sete doentes (26,92%), sendo cinco homens e duas mulheres. Das pessoas do sexo feminino, Isabel Benguela, casada e com 40 anos de idade, apareceu citada no documento como “doente” e “com papo”, sendo avaliada em 35$000 réis. A título de comparação, nessa mesma posse, Teresa, também Benguela, casada e com os seus 40 anos, foi avaliada em 70$000 réis – o dobro. A Benguela Joana, casada e de 50 anos, por ser classificada como “doente da barriga”, recebeu o valor de 30$000 réis. Dos homens, três deles tinham problemas na perna – Antônio, 80 anos e de procedência Mosonso, valia 5$000 réis, certamente sua idade contribuiu para o seu preço; Ângelo, Crioulo e de 35 anos, valia 40$000 réis; e o Mulato Hilário, de 19 anos, que apesar de ter “pernas inchadas”, como o anterior, foi avaliado em 100$000 réis.

Apesar de imprecisos na descrição das enfermidades que acometiam os cativos, os avaliadores da devassa registraram, de um ponto de vista do mercado, o necessário para se saber se o avaliado estava apto ao trabalho. O Mulato Hilário, mesmo com deficiência nas pernas, incluiu-se no rol dos seis cativos de José de Resende Costa com avaliação igual ou superior a cem mil réis, pois, mesmo com problemas físicos, estava habilitado ao trabalho manual. Os seus 19 anos não devem ter sido desconsiderados na avaliação. Além dele, a Crioula Francisca e o Benguela Domingos Fula, ambos com 36 anos de idade, foram quantificados em 100$000 réis cada um. As três maiores avaliações couberam aos cativos de origem Benguela – Manuel, de 36 anos, e Domingos, de 30 anos e sapateiro, a 110$000 réis cada; e Cosme, de 36 anos, avaliado em 120$000 réis, sem qualquer indicação de ocupação qualificada.13

Os preços mais altos foram atribuídos aos mancípios de boa saúde, independente de sua idade, capazes de exercer ofícios ou desenvolver múltiplas atividades coloniais. Na escravaria de José de Resende Costa, por exemplo, o Mina José, de 60 anos, foi avaliado em 90$000 réis e a Crioula Maria, de 50 anos, o Benguela Caetano, de 36 anos, e o infante Crioulo Mateus, de apenas 8 anos, receberam cada um o preço de 80$000 réis, confirmando-se que a idade não foi uma variável tão importante no processo de avaliação.

Já na posse de Inácio José de Alvarenga Peixoto a variável idade mostrou-se importante (Tabela 4).

Tabela 4
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Inácio José de Alvarenga Peixoto (em réis), 1789
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Inácio José de Alvarenga Peixoto (em réis), 1789

O ex-ouvidor da comarca do Rio das Mortes teve avaliado 99,25% de seus escravos, por 12:384$000 réis. Os valores de seus cativos, em idade produtiva (dos 11 aos 50 anos), foram significativamente os mais elevados, em comparação aos preços atribuídos aos demais inconfidentes escravistas, excetuando-se o padre Rodrigues da Costa, que não teve seu patrimônio avaliado pela devassa.

Dos seus 134 mancípios sequestrados pela devassa, um não recebeu avaliação (0,74%); 69 ou 51,50% receberam preços iguais ou superiores a 100$000 réis; 39 ou 29,10% receberam valores entre cinquenta e noventa e nove mil réis; e 25 ou 18,66% ficaram abaixo do preço de quarenta e nove mil réis.

Dos cativos avaliados igual e/ou superior a 100$000 réis, 16 tinham ocupações regularmente determinadas na escravaria: um alfaiate, dois carpinteiros, três carreiros, um cavador, dois cozinheiros, um ferrador, dois ferreiros, um leiteiro, um pedreiro e um sapateiro. Abaixo desse valor, encontramos, ainda, um barbeiro, dois carpinteiros e um carreiro. Estes 20 homens representaram 14,92% de todos os escravos apreendidos ao inconfidente. É interessante salientar que o preço mais elevado coube ao pardo sapateiro de nome Carlos, de 35 anos de idade, em 210$000 réis. Os ferreiros Pedro, Cassange, de 30 anos, e Cipriano Cabra, de 25 anos, valiam, respectivamente, 200$000 e 180$000 réis cada um. O Crioulo José, aprendiz de ferreiro, de 16 anos de idade, foi avaliado em 120$000 réis.

Na órbita da vila de Sabará, de acordo com apontamentos de José Newton Coelho de Meneses, o homem de ofício Arcângelo Ribeiro de Queiroz oferecia serviços e produtos de ferreiro. Sua esposa morava com os seus dois filhos legítimos menores e as suas duas escravas no sítio dos Papudos, na freguesia do Rio das Pedras. Na vila, Arcângelo tinha amante, uma preta forra, de nome Maria Ribeiro, sua ex-escrava, que lhe deu e cuidava de seis filhos mulatos, sendo três homens e três mulheres. Dos seus seis escravos, soube-se o nome de apenas um: era João, negro Angola de 29 anos, avaliado em 200$000 réis e que tinha princípios de ferreiro e era, provavelmente, seu auxiliar de utilidade vital em sua ocupação (MENESES, 2007, v. 1, p. 377-378).

As práticas de ferraria e carpintaria são fundamentais para a confecção de ferraduras dobradiças, pregos, cravos, foices, enxadas, cavadeiras, alavancas e almocafres, por exemplo, que eram instrumentos do universo produtivo de Alvarenga Peixoto. A produção artesanal barateava os custos da produção.

Em seu amplo levantamento de preços de escravos saudáveis, em Minas Gerais, nos séculos XVIII e XIX, Laird Bergad informou que o valor médio de um cativo crioulo do sexo masculino, de 15 a 40 anos de idade, em 1789, era de 105$000 réis. Nesta mesma faixa etária e sendo do sexo feminino valia 88$000 réis. Um escravo de origem africana, do sexo masculino, com essas mesmas características etárias, era orçado em 110$000 réis e do sexo feminino em 85$000 réis. No conjunto da capitania, naquele ano, um escravo valia, em média, 82$000 se fosse homem e 67$000 se fosse mulher (BERGAD, 2004, p. 357). Comparando-se essa média aritmética com a da posse de Alvarenga – 93$112 réis – evidencia-se que seu grupo de mancípios, mesmo com escravos adoentados e alguns “sem valor” descrito, foi avaliado acima dos preços praticados na capitania, graças aos escravos com ocupação especializada contida em seu grupo escravista. Já os escravos de José de Resende Costa, tiveram valores médios bem inferiores aos dos encontrados por Laird Bergad.

Marcio de Sousa Soares, em estudo sobre as alforrias em Campos dos Goitacases, Rio de Janeiro, empreendeu uma “imagem aproximada” dos preços dos cativos em dois períodos – 1750-1800 e 1801-1830. O pesquisador percebeu pela análise de inventários post mortem, algumas tendências nos valores dos cativos e cativas avaliados. Variáveis como o sexo e a procedência foram importantes para as avaliações dos cativos que buscavam sua alforria. No recorte abordado, Campos se constituía como uma área rural e com poucos escravos especializados, apesar da região voltar-se para a produção açucareira e os engenhos ali instalados contarem com um contingente relativamente substancial de escravos qualificados, já que o refinamento da cana exigia mão de obra especializada. Para a análise dos preços médios de mercado dos escravos, tomou como referência os cativos adultos, sem qualificação e sem doenças que “representavam a maior parte dos cativos que viviam nos Campos de Goitacases”. No período entre 1750-1800, os valores médios dos escravos nascidos na África eram 96$700 réis (calculados sob a quantia de 541 escravos) e das escravas 82$909 (295 pessoas), uma diferença de 14,2%. Já entre os nascidos no Brasil, o valor para os homens era de 96$720 (correspondentes a 165 indivíduos) e o das mulheres 90$960 (193 escravas), uma diferença de 5,9%.14 Podemos notar que, no período que aqui nos interessa, os valores de cativos africanos e “brasileiros” eram praticamente os mesmos, já entre as mulheres notamos que os preços médios das originárias do Brasil eram superiores aos das nascidas na África (SOARES, 2009, p. 117).

Similaridade também ocorrida na escravaria de José Aires Gomes (Tabela 5), que, para o ano de 1791, apresentou média de 84$767 réis, superior aos praticados na capitania (BERGAD, 2004, p. 357). Essa diferença na avaliação média deveu-se, também, à somatória de escravos de valor significativo no grupo. Aires Gomes teve, por exemplo, dois escravos ferreiros – o Rebolo João Batista, de 30 anos, e o Mulato Baltasar, de 20 anos – avaliados em 200$000 e 165$000 réis, respectivamente. Aliás, valores que não fugiram à regra de mercado. O “vigiador de éguas” João Grande, Crioulo de 50 anos, recebeu o preço de 70$000 réis e os escravos doentes, em média, custavam 22$500 réis.

Tabela 5
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente José Aires Gomes (em réis), 1791
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente José Aires Gomes (em réis), 1791

Na escravaria de Aires Gomes avaliaram-se apenas 43 escravos, ou 32,57% do total de 133 cativos. Dos escravos não avaliados, sabemos que existiam 14 profissionais com ofícios determinados: carpinteiros (4), carreiros (7), ferreiro (1), pedreiro (1) e tropeiro (1). Deve-se lembrar de que os cativos desse inconfidente se inseriram no horizonte agrário mineiro com a produção de grãos para abastecimento local e regional. Os condutores de carros de boi e o tropeiro testemunhavam as práticas agrícolas desenvolvidas nas suas propriedades e a comercialização dos produtos que delas saiam.

Graças ao Libelo Cível movido por Antônio Francisco Fernandes contra os bens sequestrados a José Aires Gomes, em 6 de agosto de 1794, foi-nos possível saber que em 1791 o conjurado comprou “três negros novos [Benguelas] pelo preço de quatrocentos e oitenta mil réis, cujos nomes são Ventura, Manuel e Lourenço”, de 20, 30 e 20 anos de idade, respectivamente. Por terem sido escondidos dos escrivães da devassa, estes três cativos não foram avaliados (cf. RODRIGUES, 2010). Entretanto, sabe-se que estes escravos foram comprados em 28 de fevereiro de 1788, sendo pagos parcialmente em 9 de setembro de 1789, por uma barra de ouro quintado (número 2.159), no valor de 52$478 réis, e pela entrega de uma besta.15

Ao quantificar estes mancípios pela média aritmética, cada um custou 160$000 réis. Para a capitania de Minas, em 1788, ano da compra, homens africanos de 15 a 40 anos valiam, em média, 110$000 réis (BERGAD, 2004, p. 361). Portanto, no mínimo, se deve somar mais 300$000 réis aos valores que até agora se conhecem da escravaria de José Aires Gomes.

O grupo escravista dos irmãos Toledo, ambos sequestrados em 1789, receberam avaliação abaixo da média atribuída à capitania. Os escravos do padre Carlos Correia de Toledo (Tabela 6) tiveram preço médio de 65$962 réis quando, no mesmo período, a média da capitania era de 75$000 réis.

Tabela 6
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Carlos Correia de Toledo (em réis), 1789
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Carlos Correia de Toledo (em réis), 1789

Dos 31 mancípios pertencentes ao padre Toledo, em 1789, sabe-se que seis exerciam qualificações específicas nas áreas da música (2), alfaiataria (1), prendas domésticas – cozinha (1) e transporte e cuidado de animais (2). Destes, apenas quatro foram avaliados pela devassa – o alfaiate Mulato Alexandre, de 18 anos, e o carreiro Crioulo José Manuel, de 21 anos, receberam o preço de 110$000 réis cada um. O músico de trompa José, de origem Mina e sem idade definida, foi avaliado em 90$000 réis. O cozinheiro Leandro, Angola e com 53 anos de idade, valia 50$000 réis. O negro Angola Antônio, que tocava rabecão na casa que o padre Toledo tinha na vila de São José, não apareceu quantificado monetariamente pela devassa porque, na época da avaliação, achava-se preso na cadeia de Vila Rica.

Os demais escravos de sua escravaria receberam avaliações disformes. Dois Crioulos, de 25 e 30 anos, chamados, respectivamente, Lourenço e José Antônio, valiam 140$000 réis cada. Com exceção dos escravos citados acima, cujos valores são superiores e iguais a cem mil réis, temos, ainda, outros três cativos Crioulos indicados: Alberto, de 21 anos, no valor de 120$000 réis; Francisco, de 30 anos, a 110$000 réis; e Apolinário, de 23 anos, a 100$000 réis. Na documentação não consta que estes escravos exercessem quaisquer ofícios mecânicos.

Ainda, com relação a esta escravaria, sete mancípios apareceram indicados como doentes ou velhos (22,58%), que ajudaram a diminuir o valor monetário médio do grupo. A Crioula Maria, de 60 anos, por exemplo, valia 4$000 réis, e os escravos de origem africana Tomás Angola, “falso de vista”, João Mina e Manuel Monjolo, ambos com a indicação de “quebrados da perna” receberam, respectivamente, os valores de 27$000, 25$000 e 30$000 réis. Eles estavam alocados nas lavras de São Tiago. O Crioulo Custódio, um ano após o seu sequestro, faleceu no cativeiro, em 2 de junho de 1790.16

Já entre os cativos pertencentes a Luís Vaz de Toledo Piza encontramos os resultados apresentados na Tabela 7.

Tabela 7
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Luís Vaz de Toledo Piza (em réis), 1789
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Luís Vaz de Toledo Piza (em réis), 1789

Dos seus 37 escravos, dois deles não receberam avaliação alguma: a Crioula Geralda, de 42 anos, “leprosa”, e o Angola Joaquim, de 56 anos, “achacado e impossibilitado de trabalhar”. Do restante (94,59%), os cativos de origem nacional receberam as mais destacadas avaliações, como, por exemplo, os quatro casos de mancípios de uma mesma faixa etária (26 anos) e origem Crioula: Inácio (95$000 réis – maior avaliação), Vitorino (85$000 réis), Acácio (75$000 réis) e Joaquim (35$000 réis). Isto confirma o que se disse: a idade pouco ajudou no preço do escravo. O Crioulo Mateus, nos seus 36 anos, valia 95$000 réis e os africanos, Joaquim Mina, de 32 anos, e Pedro Angola, de 31 anos, valiam, respectivamente, 93$000 e 90$000 réis. O escravo Joaquim Mina recebeu a segunda maior avaliação da escravaria. Das observações que ficaram desse grupo escravista nenhuma informação foi-nos transmitida acerca de qualificações profissionais desses cativos.

O patrimônio escravista de Francisco Antônio de Oliveira Lopes pode ser dividido em duas partes para análise: os 74 escravos oficialmente sequestrados e os outros 74 cativos omitidos da devassa, que habitavam, com seus irmãos de cativeiro, as propriedades agrícolas e minerais do inconfidente em sua fazenda da Ponta do Morro.

Para efeitos explicativos, dividimos em duas tabelas os valores médios dos escravos de sua escravaria. A Tabela 8 contém, apenas, os mancípios listados pela devassa da Inconfidência Mineira, em 1789. A Tabela 9 contém a somatória dos escravos omitidos da devassa no ano de 1789.

Tabela 8
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes (em réis), 1789
Valores médios dos escravos sequestrados ao inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes (em réis), 1789
Tabela 9
Valores médios dos escravos da escravaria do inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes (1789) (em réis), 1789
Valores médios dos escravos da escravaria do inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes (1789) (em réis), 1789

Dos cativos apreendidos pela devassa, é-nos permitido saber o valor de apenas 28 deles – 1:590$200 réis.

Na Tabela 9 encontramos o preço de outros 17 escravos de Francisco Antônio que, somados, atingiram a quantia patrimonial de 2:536$800 réis.

Na vasta escravaria de Francisco Antônio encontramos apenas quatro pessoas indicadas por suas áreas de atividade: dois ferreiros, um barbeiro e um cativo com práticas de “mineração”. Somente receberam avaliação o ferreiro Luís Vieira, Pardo, de 30 anos, em 170$000 réis (a maior quantia registrada a um escravo desse grupo escravista), e Manuel, Crioulo, da mineração, sem idade especificada, em 60$000 réis. Além deles, encontramos o ferreiro Angola Domingos, de 60 anos, falecido em 2 de janeiro de 1803, e o Benguela Joaquim, de 35 anos, que exercia o ofício de barbeiro.17

Somente nove cativos receberam avaliação igual ou superior a 100$000 réis. Luís Vieira, citado no parágrafo anterior; o Mulato Serafim, de 40 anos, avaliado em 130$000 réis e que se encontrava alocado na fazenda da Laje; Teodósio, Crioulo, sem indicação de idade, a 120$000 réis e Manuel Jorge, “o capitão”, em 100$000 réis; todos ocultados da devassa. Além deles, o casal Clemente, Crioulo, de 40 anos, sequestrado, e sua esposa Feliciana, também Crioula, de 35 anos, omitida da listagem oficial, foram avaliados cada um em 100$000 réis. Esse casal teve quatro filhos: um menino de nome Manuel, de 10 anos, e três mulheres: Felisberta, falecida na infância, Francisca e Lauriana.

Três cativos sequestrados pela devassa receberam avaliação de 100$000 réis cada: o Benguela Roque, de 40 anos, falecido em 28 de novembro de 1792; o Crioulo Antônio, de 45 anos, que morreu em 22 de abril de 1803; e o Crioulo Domingos Pereira, de 40 anos, falecido em 9 de abril de 1792.18

Com exceção de Feliciana, avaliada em 100$000 réis, nenhuma das outras 13 mulheres citadas nos documentos recebeu avaliação acima e/ou superior a esse valor. Damiana Crioula, de 22 anos, e Inês Parda, de 20 anos, valiam 80$000 réis cada. A Crioula Perpétua, 35 anos e casada com João da Vila, sequestrada pela devassa, foi avaliada em 70$000 réis; a Crioula, que também era casada, de nome Brígida, de 25 anos, recebeu o preço de 35$000 réis. Na média, em 1789, ano do sequestro, uma escrava Crioula valia, na capitania, aproximadamente 100$000 réis. Em 1796, ano do Auto de Arrematação, em média, uma cativa Crioula valia 101$000 réis em Minas Gerais. (BERGAD, 2004, p. 347-348) Somando-se os valores atribuídos às 12 mulheres referenciadas com preço no documento, chegou-se ao valor de 600$000 réis, sendo a média calculada em 50$000 réis.

Os exemplos dos preços ajudaram-nos a exemplificar a falta de homogeneidade nas avaliações da devassa.

Conclusão

Embora, não seja a fonte “ideal” para o estudo dos preços dos escravos nas Minas setecentistas, o Auto de Sequestro dos bens dos sete inconfidentes que aqui foram analisados, permitem perceber algumas tendências sobre este e outros aspectos de suas escravarias. Tratamos aqui de senhores que se encontravam, do ponto de vista de seus contingentes escravos, em um patamar superior em termos de tamanho de posses a de senhores escravistas do final do século XVIII em Minas Gerais.

Notamos a predominância dos escravos do sexo masculino entre a população de origem africana, o que demonstra que os acusados por participarem da Inconfidência Mineira de 1789, como a maioria dos proprietários mineiros de escravos daquele momento, dependiam do tráfico de escravos para a manutenção/ampliação de suas posses. Os dados da composição das escravarias dos sete proprietários referenciados reforçam as evidências descritas pela historiografia mineira e do tráfico negreiro de que a região da comarca do Rio das Mortes participou intensivamente do tráfico internacional, uma vez que a população escrava de origem africana atingia elevados percentuais. Estes mancípios procederam, em sua maioria, da África central. Contudo, cabe ressaltar que tráfico e reprodução natural não eram, naquele período, excludentes.

Embora houvesse um número importante de escravos nascidos no Brasil (com predomínio das mulheres), os africanos compunham a maioria dos cativos naquelas posses. As razões de sexo/masculinidade demonstram o perfil das escravarias desses sediciosos e que também não se diferenciava da maior parte dos escravistas mineiros da comarca do Rio das Mortes no século XVIII. Sem dúvida, esses dois aspectos (maioria de africanos e homens) motivaram os preços dos cativos.

Os principais fatores que influenciaram no valor dos escravos foram a saúde, a idade e, sobretudo, as ocupações/ofícios nos quais foram empregados. Nota-se que, a partir das análises de Bergad, grande parte dos cativos pertencentes a esses inconfidentes superou os preços médios dos escravos mineiros. As “cores/qualidades”, bem como o fato de terem sido cativos pertencentes a sediciosos, não tiveram peso significativo nas suas avaliações. As análises/tendências dos cativos, destes sete rebeldes, parecem indicar que as variáveis econômicas foram as mais importantes na avaliação de seus preços. Contudo, é importante ressaltar que fatores extra econômicos (políticos, sociais, culturais e religiosos) podem ter seus efeitos nessa correlação de variáveis.

Referências

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Fontes

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Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ). Libelo Cível entre Antônio Francisco Fernandes – autor – e o inconfidente José Aires Gomes – réu. Ouro Preto, 06/08/1804. Coleção: Inconfidência Mineira, Fundo: 3A, Caixa 1004, Pacotilha 32.

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Autos de sequestro/Traslados de sequestro [em bens dos inconfidentes mineiros: Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Manuel Rodrigues da Costa, Carlos Correia de Toledo e Melo, Luís Vaz de Toledo Piza, José de Resende Costa, José Aires Gomes]. 7 v.

Notas

1 Semelhante aos sequestros, os inventários post mortem também identificam avaliações mais baixas que os preços praticados e anotados em documentos cartorários, como os aferidos dos registros de compra e venda, pois as avaliações feitas em inventários são consideradas inferiores quando comparadas aos valores praticados no mercado ou mesmo quando um cativo era hipotecado com dado propósito. Em ambas as fontes – sequestros e inventários – os inventariantes delegavam preços a menor, em virtude talvez dos desgastes sofridos pelo cativo ao longo dos anos, mesmo que ele não apresentasse maiores agravos corporais ou mentais (MATHIAS, 2012, p. 254-255). Para uma história dos preços, conferir: CARRARA, 2008. Já para uma discussão sobre o preço dos escravos no Brasil, ver: BERGAD, 2004.
2 A comarca era uma subdivisão administrativa das capitanias durante o período colonial. Na segunda metade do século XVIII, a capitania de Minas Gerais dividia-se em quatro comarcas: a do Rio das Mortes, a do Serro Frio, a do Rio das Velhas e a de Vila Rica. A comarca do Rio das Mortes localizava-se na região sul de Minas, desde as fronteiras com São Paulo e o Rio de Janeiro, e tinha como sede político-administrativa a vila de São João del-Rei.
3 Os demais inconfidentes presos tiveram 54 escravos apreendidos: Cláudio Manuel da Costa (31), José da Silva e Oliveira Rolim (7), Tiradentes (5), Francisco de Paula Freire de Andrada (5), Domingos de Abreu Vieira (4), Luís Vieira da Silva (1) e Vicente Vieira da Mota (1). Os cativos desses proprietários corresponderam a 12,22% do total dos escravos dos sediciosos mineiros, enquanto os cativos aqui analisados representaram 87,78% de todos os mancípios sequestrados pela devassa. Os demais presos – Tomás Antônio Gonzaga, José Álvares Maciel, José de Resende Costa Filho, José de Oliveira Lopes, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, Domingos Vidal de Barbosa Lage, João da Costa Rodrigues, João Dias da Mota e Vitoriano Gonçalves Veloso – não tiveram nenhum escravo apreendido em seus patrimônios (Cf. ANRJ/ADIM-C5, v. 7 – sequestros diversos).
4 A razão de sexo ou de masculinidade expressa à relação quantitativa entre os sexos e é calculada da seguinte maneira: nº homens dividido pelo nº de mulheres vezes 100 (= nº homens ÷ nº mulheres × 100). Uma razão de 100 indica igual número de homens e mulheres. Acima de 100, predominância de homens, e, abaixo, superioridade de mulheres.
5 Semelhante a esse período e local, essas razões de sexo e africanidade são muito próximas das encontradas, por exemplo, para a freguesia de São José del-Rei, em 1795, por Douglas Libby e Clotilde Paiva (2000).
6 Esta divisão geográfica baseia-se em: (LIBBY, 2007, p. 431).
7 Para os limites quanto às origens dos africanos em Minas Gerais, baseamo-nos em: FURTADO, 2006, p. 246-248. Para os escravos oriundos do Golfo do Benim, denominados comumente por negros Mina (mas cujas nações ou grupos de procedência podem ser de origem variada no interior do grupo de procedência Mina, como Mina, Angola, Cabinda, Moçambique, entre outras), conferir: SOARES, 2011, p. 67-72. Mariza Soares explica que os Mahis são um povo localizado ao norte do Daomé, no atual Benim, resultado da “fusão de grupos que falavam línguas gbe com outros que falavam iorubá que migraram para a mesma região” (SOARES, 2011, p. 70).
8 A designação Cobu refere-se aos escravos provenientes de uma localidade no interior do atual Benim. Já os Sabarus são originários de Savalu, “localidade situada no interior do território Mahi”, e aparecem na documentação africana pela primeira vez como “sabalours”, no ano de 1733. Mariza Soares apenas indica sua presença em Minas Gerais na década de 1750, entre os confrades do Rosário de Mariana (SOARES, 2011, p. 94, 70).
9 Os Xambá, ou Chambas, são membros de um grupo “situado a noroeste do Daomé, mas o termo é também usado de modo mais amplo para todos os falantes da língua gur” (SOARES, 2011, p. 70).
10 Estudos têm apontado que desde a segunda metade do século XVIII houve a importação predominante de escravos oriundos da África centro-ocidental para Minas Gerais, em especial os Angolas e os Benguelas. Conferir: LARA, 1999; ANDRADE, 2008, p. 282-286.
11 Sobre as origens dos cativos informadas nos inventários dos termos (o mesmo que todo o território de uma vila fora da sua sede) das vilas de São João del-Rei, São José del-Rei, Vila Rica (atual Ouro Preto) e Mariana (1715-1888) e Diamantina (1790-1888), Laird Bergad apresenta números que aqui se mostram semelhantes. Dos escravos africanos que tiveram sua origem mencionada, os que aparecem nas primeiras posições eram os Benguelas (28,3%), os Angolas (23,9%) e os Congos (10,7%), procedentes da África centro-ocidental, e os Mina (10,5%) que são descritos pelo pesquisador como “embarcados da Costa da Mina ou de regiões do Sudoeste africano” (BERGAD, 2004, p. 228-229).
12 No início do século XVIII, de acordo com o jesuíta André João Antonil, pseudônimo de João Antônio Andreoni, em sua obra Cultura e opulência do Brasil, publicada em 1711, o valor médio de um escravo era de 200$000 réis. Na metade do século, segundo Laird Bergad, no momento em que já se vivenciava a retração da economia aurífera e o empobrecimento das camadas mais baixas da população, o preço do cativo caiu e se estabilizou aproximadamente em 80$000 réis, voltando a crescer apenas na virada do século XIX (ANTONIL, 1966, p. 269; BERGAD, 2004). Especificamente para a Vila do Carmo, atual cidade de Mariana, Carlos Kelmer Mathias indicou que entre 1713 e 1730 um escravizado adulto costumava ser avaliado em 195$273 réis; e entre 1741 e 1756 em 140$719 réis (MATHIAS, 2012, p. 259). Para uma comparação entre preços dos cativos e de gêneros alimentícios (sal, farinha de mandioca, toucinho, etc.) nas Minas Gerais setecentista, conferir: CARRARA, 2007. A título de exemplo de preços praticados entre os bens de inconfidentes, nos Autos de Sequestro de José de Resende Costa, de 1789, encontramos um “espelho grande com sua moldura dourada” avaliado em 10$000 réis; uma “bigorna grande” por 10$800 réis; um “tear de tecer algodão” por 4$000 réis; um “cavalo baio” por 40$000 réis; uma “morada de casas assobradadas, cobertas de telha, e assoalhadas, com quintal murado de pedra” no arraial da Laje, por 80$000 réis (ADIM, 1982, v. 6, p. 340-343). Em 11 de novembro de 1789, o relógio de bolso banhado a prata que pertenceu ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, atualmente exposto no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, foi arrematado em leilão pelo valor de 13$400 réis, por José Mariano de Azeredo Coutinho (ADIM, 1982, v. 6, p. 254-255). Entre os bens de José Aires Gomes, a sua fazenda Pinheiros, de “três léguas de terra de cultura de comprido, e légua e meia de longo, tituladas com uma sesmaria, cujas terras são de matos virgens capoeiras, campos e logradouros, (…) com sítio de casas de engenho, e de paiol grande e moinho, tudo coberto de telha, e senzala, coberta de capim, e no dito engenho, dois alambiques de cobre, um que leva dezesseis barris de aguardente, e outro dezessete, uma caldeira também de cobre, que leva dezoito barris, três toneis, que levam duzentos, e cinquenta barris, cada um deles, duas pipas, que levam setenta barris cada uma”, entre outros bens e terras de mineração ali existentes, foi avaliada em 70$000 réis (ADIM, 1982, v. 6, p. 205-208).
13 Sobre os ofícios mecânicos em Minas Gerais, ver: MENESES, 2007, v. 1, p. 377-399; LIBBY, 2006, p. 57-73.
14 “Nas primeiras décadas do XIX verifica-se uma ligeira elevação tanto entre os africanos (19,6%) quanto entre os nascidos no Brasil (menos de 7,4%)” (SOARES, 2009, p. 117).
15 ANRJ. Libelo Cível entre Antônio Francisco Fernandes – autor – e o inconfidente José Aires Gomes – réu. Ouro Preto, 06/08/1804. Coleção: Inconfidência Mineira, Fundo: 3A, Caixa 1004, Pacotilha 32, fls. 4-5v.
16 IHGB. “Traslado do seqüestro feito ao vigário Carlos Correia de Toledo”. São José do Rio das Mortes. 25/05/1789, fl. 28v.
17 A data de morte do escravo Domingos Angola encontra-se registrada em: IHGB. DL 3.4. Autos de depósito/Prestação de contas do capitão Pedro Joaquim de Melo – depositário dos bens do inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes, fl. 161.
18 IHGB. DL 3.4. Autos de depósito / Prestação de contas do capitão Pedro Joaquim de Melo – depositário dos bens do inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes, fls. 158v.; 164; 158v.
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