Dossiê: Memórias da Violência Colonial: Reconhecimentos do Passado e Lutas Pelo Futuro

As múltiplas vidas de Batepá: memórias de um massacre colonial em São Tomé e Príncipe (1953-2018) 1

The multiple lives of Batepá: memories of a colonial massacre in São Tomé and Príncipe (1953-2018)

Las múltiples vidas de Batepá: memorias de una masacre colonial en Santo Tomé y Príncipe (1953-2018)

Inês Nascimento Rodrigues *
Universidade de Coimbra, Portugal

As múltiplas vidas de Batepá: memórias de um massacre colonial em São Tomé e Príncipe (1953-2018) 1

Estudos Ibero-Americanos, vol. 45, núm. 2, pp. 4-15, 2019

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Recepção: 20 Novembro 2018

Aprovação: 21 Março 2019

Publicado: 05 Julho 2019

Resumo: Os feriados públicos são momentos-chave na biografia de uma nação. Nesse contexto, o dia 3 de fevereiro reveste-se de uma importância particular no calendário festivo de São Tomé e Príncipe, pois refere-se ao Massacre de Batepá, tido como o episódio mais doloroso de sua história e que, simultaneamente, celebra o momento fundador do nacionalismo são-tomense. Partindo desse pressuposto, o que pretendo demonstrar, através de distintos momentos no tempo e, portanto, diferentes contextos sociopolíticos, é que o dia 3 de fevereiro é, por um lado, uma data que serve para legitimar o estado-nação e que dá origem a uma narrativa dominante e, por outro, um feriado que, paralelamente, também proporciona espaços discursivos, simbólicos e políticos de articulação de memórias não dominantes desse passado. O que aqui procurarei demonstrar é que por mais que as políticas de memória de um evento histórico sejam instituídas e ritualizadas pelo Estado e deixem lastro ao longo de décadas e através de gerações, existe uma pluralidade de processos mnemônicos, sociais e políticos em movimento na interpretação e discussão desse passado. De fato, através das múltiplas vidas de Batepá, estão constantemente a emergir outras memórias e negociações simbólicas mediante as quais os são-tomenses têm procurado inscrever o seu lugar nesta história.

Palavras-chave: Massacre de Batepá, Dias comemorativos, Memória, São Tomé e Príncipe.

Abstract: Public holidays represent key moments in the biography of a nation. In this regard, the 3rd of February enjoys a particular status in the festive calendar of São Tomé and Príncipe, as it evokes the Batepá Massacre, held as the ultimate incident of violence in the islands and registered as the founding event of the Santomean nationalism. Deriving out from this framework, my aim is to show, through distinctive moments in time, and thus, different sociopolitical contexts, that the 3rd of February is, on the one hand, a date that serves to legitimate the nation-state and that gives rise to a dominant national narrative; and, on the other hand, a public holiday that, at the same time, provides emergent discursive, symbolic and political spaces where to articulate non-dominant memories of this episode. What I hereby try to demonstrate is that although there are politics of memory ritualized and imposed by the State pertaining this historical episode and that naturally leave echoes along decades and across generations, there are a plurality of mnemonic, social and political processes in motion in the interpretation and discussion of this past. In fact, through the multiple lives of Batepá, different narrations and symbolic dimensions have been emerging by means of which the Santomean have been trying to inscribe themselves in this history.

Keywords: Batepá Massacre, Commemorative days, Memory, São Tomé and Príncipe.

Resumen: Los feriados públicos conmemoran momentos claves en la biografía de una nación. En este sentido, el 3 de febrero tiene una importancia particular en el calendario festivo de Santo Tomé y Príncipe. La fecha rememora la “Masacre de Batepá”, hito que es representado como el episodio más doloroso de la historia del país y simultáneamente celebrado como un momento fundador del nacionalismo santomense. A partir de este presupuesto, pretendo demostrar, a través de distintos momentos en el tiempo y, por lo tanto, contextos sociopolíticos diversos, que el día 3 de febrero es, por un lado, una fecha que sirve para legitimar el estado-nación al dar origen a una narrativa dominante; y por el otro, un feriado que, paralelamente, proporciona espacios discursivos, simbólicos y políticos donde pueden articularse memorias no dominantes sobre ese mismo pasado. Intento asimismo demostrar que, por más que las políticas de memoria de un evento histórico sean instituidas y ritualizadas por el estado, existe una pluralidad de procesos mnemónicos, sociales y políticos en constante movimiento que permiten la reinterpretación y discusión de este pasado. De hecho, a través de las múltiples vidas de Batepá, otras memorias y negociaciones simbólicas han emergido, mediante las cuales los santomenses han intentado inscribir su lugar en esta historia.

Palabras clave: Masacre de Batepá, Días conmemorativos, Memoria, Santo Tomé y Príncipe.

Introdução

Por todo o mundo, os feriados públicos constituem momentos-chave na biografia de uma nação, assim como “mitologias do poder” na acepção de Achille Mbembe (2001, p. 108). O dia 3 de fevereiro, em São Tomé e Príncipe, não é exceção e reveste-se de uma importância particular no calendário festivo do arquipélago. A data de 3 de fevereiro de 1953, a que o referido feriado faz alusão, assinala o início do Massacre de Batepá, tido como o episódio mais doloroso da história das ilhas, mas, simultaneamente, percepcionado como um momento de ruptura com o sistema colonial, o momento que fez espoletar a luta pela libertação nacional e, portanto, demarcado como o evento fundador do nacionalismo são-tomense ( SEIBERT, 1997; NASCIMENTO, 2012; RODRIGUES, 2018a). A data de 3 de fevereiro diz, assim, respeito a muito mais do que estritamente aos acontecimentos de 1953, precedendo-os e sobrevivendo-lhes em termos cronológicos, uma vez que encapsula duas dimensões simbólicas distintas: por um lado, atua como expressão de séculos de sofrimento e violência coloniais e, por outro, persiste como lugar de luta, triunfo e celebração da nação independente.

Nesse contexto, interessa-me não tanto as circunstâncias do evento original, mas identificar os modos como o passado de Batepá foi sendo alvo de reinterpretações, apropriações e disputas de memória ao longo do tempo, inscrevendo-se diacrônica e circularmente na história de São Tomé e Príncipe e dos são-tomenses 2. Como Batepá se torna um acontecimento paradigmático e um dia nacional comemorativo? Como esse evento adquire a sua centralidade e quais os sentidos simbólicos de que surgem revestidos? A partir desse quadro epistemológico e trazendo para o centro da investigação os múltiplos significados que lhe foram sendo vinculados desde 1953, o que pretendo demonstrar é que o dia 3 de fevereiro é: 1) uma data que serve para legitimar o estado-nação e que dá origem a uma narrativa dominante; 2) um feriado que, paralelamente, também proporciona espaços discursivos, políticos e culturais onde confirmar, contestar e desafiar essa versão seletiva do passado.

A minha tese é de que esta celebração continua a ser relevante para a população são-tomense, sendo essa, a ocasião pública escolhida para negociar a imagem e a narrativa nacionais projetadas pelo Estado, procurando incluir um conjunto vasto de outros sentidos simbólicos e outras formas de pertença de caráter nacional, regional, política, identitária ou familiar 3. Essa é uma ligação que não se define apenas em termos de resistência ou de colaboração, mas que pode ser caracterizada como de ajuste e convívio, seguindo o argumento de Mbembe (2001, p. 104; 129), pois, muitas vezes, as memórias elaboradas não são conflituosas ou antagonistas, mas de complementaridade.

A primeira vida de Batepá: durante o colonialismo português tardio

Os acontecimentos que tiveram início no dia 3 de fevereiro de 1953, hoje feriado nacional no arquipélago, vitimaram, a mando do governador português Carlos de Sousa Gorgulho, um número indeterminado de forros, o grupo social dominante nas ilhas, por estes, não estando sujeitos ao Estatuto do Indigenato, recusarem o trabalho a contrato nas roças de café e cacau ( MATA, 1998; PACHECO, 1999; CERVELLÓ, 1999; SEIBERT, 1996; SEIBERT, 2002a).

Esses acontecimentos não resultam, todavia, de uma casual e momentânea explosão de hostilidade, mas são fruto de um sistema colonial violento que, nomeadamente através da retórica da “civilização pelo trabalho”, desumanizava e categorizava a sociedade de São Tomé e Príncipe instituindo complexas relações de poder e subjugação entre os vários segmentos populacionais presentes nas ilhas ( MARGARIDO, 1980; HENRIQUES, 2000; NASCIMENTO, 2000). Os forros, por exemplo, definem-se como descendentes de escravizados alforriados, como homens e mulheres livres e, neste grupo, incluem-se também os “filhos da terra” e seus sucessores 4. É a sua “cidadania livre” o fato de não se encontrarem sujeitos ao Estatuto do Indigenato, que os leva a recusar o contrato nas roças, tido como menos digno da sua posição social. As tarefas duras das plantações de cacau e café eram, assim, associadas aos indivíduos oriundos sobretudo de outras ex-colônias portuguesas, como Angola, Moçambique e Cabo Verde, homens e mulheres considerados inferiores e menos educados e, portanto, duplamente discriminados, por colonos e ilhéus 5.

Quando no início dos anos 1950, se torna evidente a crescente escassez de mão de obra nas ilhas, associada aos constrangimentos que dificultavam a importação de trabalhadores contratados de Angola, por exemplo, o clima de tensão na hierarquizada sociedade são-tomense intensifica-se 6. Nos meses que precedem o massacre, desencadeiam-se medidas repressivas contra os forros, atos reforçados pela difusão de rumores de que eles seriam despromovidos à condição de indígenas, estatuto legal que não se lhes aplicava. Essa tentativa de forçar/convencer os forros ao trabalho a contrato é rapidamente contestada pela administração colonial que se apressa a desmenti-la através da afixação de notas oficiosas em algumas zonas da ilha de São Tomé. É no seguimento dessa ação que alguns forros decidem protestar, arrancando as declarações oficiais do governo nas ruas de Trindade e Batepá, localidades tidas como bastiões da elite forra 7.

A reação das autoridades portuguesas é imediata. De modo mais intenso, durante uma semana, embora se tenham prolongado por vários meses, desencadearam-se rusgas constantes; casas eram incendiadas e prisões para um presídio central superlotado ou para um campo de trabalhos forçados em Fernão Dias para a construção de um cais acostável aconteciam; ocorreram violações, torturas com uma cadeira elétrica improvisada e deu-se a transferência para o exílio, no Príncipe, de alguns dos membros mais destacados da elite forra ( LIMA, 2002) 8.

Em um primeiro momento, logo após os acontecimentos, a brutalidade do massacre foi justificada pela administração colonial no arquipélago, sobretudo pelo governador Carlos de Sousa Gorgulho, em relatório enviado a Lisboa, como uma tentativa de reprimir uma suposta revolta comunista que estava sendo preparada nas ilhas, tese que foi desmentida mais tarde pela própria PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) 9.

Nessa fase e nos anos que se seguiriam, o massacre tendeu a ser representado, por alguns portugueses, como uma irregularidade dentro da grande narrativa luso-tropicalista do colonialismo português como sendo mais benévolo e pacífico do que outros sistemas coloniais europeus 10. Os eventos de 1953 adquiririam, assim, nestes anos, um significado duplo, como ilustrado, por exemplo, na literatura produzida sobretudo, mas não exclusivamente, na década de 1960: eram percepcionados como o resultado da excentricidade e dos excessos de um homem louco, o governador e, concomitantemente, na lógica de uma “missão civilizadora”, como uma consequência da preguiça “dos nativos”, mas, em qualquer dos casos, enquadrados como uma anomalia ou uma exceção à regra face ao sistema e comportamento exemplares do colono português ( MATA, 1993; MATA, 1998; RODRIGUES, 2018b) 11.

A segunda vida de Batepá: a luta de libertação nacional e os primeiros anos da independência

Em um segundo momento, durante a luta de libertação – que não envolveu um conflito armado – e nos anos imediatamente após a independência do arquipélago, o massacre foi resgatado e codificado pelo Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), mais tarde refundado em Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), como o momento simbólico do despertar político dos são-tomenses e as suas vítimas transformadas em heróis nacionais ( NASCIMENTO, 2012), seguindo o mesmo “script de libertação” ( COELHO, 2013, p. 21) de outras ex-colônias africanas.

A primeira celebração oficial do dia 3 de fevereiro, na altura designado como o “Dia dos Mártires do Colonialismo”, aconteceu um ano depois da independência das ilhas, em 1976 ( SEIBERT, 2002a, p. 134). Nesse ano, Manuel Pinto da Costa, primeiro Chefe de Estado são-tomense, dirigia-se à população nos seguintes termos:

Os sacrifícios e o sofrimento do nosso Povo nas horas trágicas de 3 de Fevereiro de 1953, longe de nos desencorajar, cimentaram a nossa fé na vitória final, deram mais força e aumentaram a nossa determinação em combater, sem tréguas, contra a opressão colonial. (…). O massacre de 1953 consolidou a unidade nacional, criando deste modo as premissas necessárias para uma luta vitoriosa contra o colonialismo português. Ao desencadear o massacre de 53, a administração colonial levantou uma pedra para deixá-la cair sobre os seus próprios pés ( PINTO DA COSTA, 1979, p. 9-10, em itálico no original).

O dia 3 de fevereiro é para nós um dia de luta e não um dia de luto. (…). É trabalhando duro, para construir esse país destroçado por uma colonização de cinco séculos, é que conseguiremos honrar a memória dos mártires de fevereiro de 1953, a memória de todos aqueles que morreram para que S. Tomé e Príncipe viva ( PINTO DA COSTA, 1979, p. 13, em itálico no original).

Desde então, através de processos de memorialização em torno desse evento específico, como palestras, monumentos, poesia, canções, programas de rádio e televisão, manuais escolares, toponímia da capital 12 e rituais como nozados, marchas e discursos políticos que tomam forma em um ato central que decorre anualmente em Fernão Dias, procurou-se criar uma genealogia mítica e comum da luta a partir do massacre 13.

Depois de 1975, esse massacre fundador é, por conseguinte, acompanhado de um processo de institucionalização da memória que, não sendo consensual gera, ainda assim, uma narrativa dominante que ajuda a consolidar uma memória específica da nação, sustentada, em certa medida, em categorias sociais herdadas do colonialismo. Nessa narrativa, alguns segmentos forros são elevados a atores sociais privilegiados na libertação e construção de São Tomé e Príncipe, remetendo para a invisibilidade outros segmentos da população das ilhas, como os ex-contratados e seus descendentes, por exemplo, mas também forros e forras de estatutos socioeconômicos mais frágeis.

A performance política desse evento histórico, apesar da hierarquia social subjacente, assume uma retórica de reconciliação, assente na promoção do espírito de união nacional e no reforço da ideia de um povo sem conflitos e orgulhoso da sua história de luta 14. Isto está bem patente, por exemplo, na própria designação deste dia comemorativo. Se, inicialmente, a designação “Dia dos Mártires do Colonialismo” colocava a tônica no sofrimento e na repressão dos são-tomenses enquanto vítimas da opressão colonial, em 1980, com a renomeação da data para “Dia dos Heróis da Liberdade”, a ênfase passou a estar na temeridade e determinação com que o povo batalhou pela conquista da independência 15. Este processo simbólico encontra-se bem visível no discurso que o presidente da República do País leu, em 1983, por ocasião do Comício do 3 de fevereiro:

Honramos hoje aquelas mulheres e homens que com a sua ação, com a sua luta foram marcando caminho, um caminho regado com sangue, com dignidade e coragem exemplar; o caminho que nos conduziu à 12 de julho de 1975. (…). Honrar os nossos heróis é ter consciência de que antes de nós, atrás da nossa geração está uma luta secular, uma luta cheia de sacrifícios (…). Honrar aos nossos heróis é ter consciência que a luta não acabou com a independência conquistada a 12 de julho de 1975. (…). Honrar os nossos heróis é ter consciência, portanto, da responsabilidade que temos, em continuar a desenvolver até às últimas consequências a luta iniciada por todos aqueles que rejeitaram e combateram toda a espécie de opressão e dominação sobre o nosso povo ( PINTO DA COSTA, 1983, p. 1).

A narrativa de Batepá, como enunciada nos discursos políticos de Manuel Pinto da Costa, incorpora, assim, noções de honra, dignidade, coragem, liberdade e unidade, noções consideradas constitutivas da identidade dos são-tomenses e às quais eles devem dar continuidade. Na memória pública dominante, a história dos eventos de 1953 é entendida, deste modo, não como uma história de subjugação, mas como uma história de heroísmo. Um ano depois, na inauguração de dois monumentos em homenagem aos heróis nacionais em Fernão Dias e Trindade, a 3 de fevereiro de 1984, as comemorações suscitaram as seguintes palavras, publicadas na capa do jornal Revolução: 16

Somos um povo cuja heroicidade e luta, vitórias e sacrifícios não foram esculpidos em imponentes estátuas de bronze. Temos, porém, as nossas mãos nuas e armadas, nossa vontade de resistir para dar forma consistente e indestrutível ao nosso passado. Por isso o 3 de fevereiro, Dia dos Heróis, sendo uma data de evocação do heroísmo do nosso povo num passado recente, deve ser celebrado diária e anualmente, de uma forma viva, dinâmica e temporalmente ilimitada, para que ao invés de figurar numa galeria obsoleta e esvaziada de conteúdo no presente, ela seja hoje e sempre, catalisador dos nossos esforços na edificação da Pátria e na realização verdadeira do Homem santomense ( REVOLUÇÃO, 1984, p. 1).

Assimilar os acontecimentos de 1953 a uma narrativa nacionalista de resistência, unidade e heroísmo é uma opção que procura reforçar o sentido comunitário da sociedade são-tomense depois da independência, ao invés de acicatar tensões etnoculturais que a polarizariam. Assim, a memória do massacre propagada nas comemorações, reproduzida em torno de modelos de resistência e bravura, acaba por ancorar o projeto do MLSTP e inscrever os seus líderes, muitos deles descendentes de vítimas do massacre em uma linhagem de perseverança e de oposição ao colonialismo português 17 (Cf. CERVELLÓ, 1999; SEIBERT, 2002a; NASCIMENTO, 2012).

A terceira vida de Batepá: processos de rememoração dos anos 2000 em diante

É em datas nacionais como o 3 de fevereiro que, como tem sido notado, mais visivelmente se consegue captar a relação aberta, ambígua e de negociação que, através dos meios de memória, se desenrola entre os seus produtores, nesse caso, o Estado e a sociedade civil e os seus consumidores, os indivíduos ou atores sociais 18. Assim, a partir dos anos 2000, pouco mais de uma década depois da abertura democrática ao multipartidarismo no País, foram surgindo vários momentos de tensão e negociação do passado em torno desse dia nacional, práticas tornadas manifestas através de protestos, de celebrações paralelas 19, da literatura 20 ou de discussões em torno da denominação do evento que, muitas vezes, não sendo produzidas em resposta ao significado oficial do massacre como veiculado pelo poder, lhes são contingentes.

Em 2003, na celebração do 50º aniversário do massacre, é publicado um livro, A Guerra de Trindade, de Carlos Espírito Santo, que gera polêmica e dá origem a alguns debates pela designação que ele escolhe dar aos acontecimentos. Ao recorrer ao termo “guerra” ao invés de “massacre”, considerou-se não só que o autor incorria em um anacronismo histórico, como minimizava a natureza da agressão colonial acontecida em 1953, uma discussão, de resto, recentemente recuperada no 7º episódio da série da RTP História a História África, de Fernando Rosas, dedicado aos eventos de São Tomé e Príncipe e que foi vertido em livro em um capítulo intitulado A Guerra da Trindade ou o Massacre de Batepá (2018b) 21.

Em 2005 é formalizado e aprovado o Estatuto do Combatente da Liberdade da Pátria, um diploma que concede certos privilégios aos militantes do CLSTP/MLSTP e da Associação Cívica pró-MLSTP pela sua intervenção na conquista da independência de São Tomé e Príncipe. Na sequência da publicação da referida legislação são estabelecidos, em 2009, os valores da pensão a que os beneficiários do referido estatuto teriam direito, reportando ao vencimento base dos Titulares de Cargos Políticos e Especiais, introduzido pelo Decreto nº 2/2009. Perante esse quadro legal, no âmbito do qual os sobreviventes do massacre, até então assumidos como heróis da liberdade da pátria, se veem excluídos, surge uma notícia no jornal Tela Nón onde eles vêm expressar o seu descontentamento por não serem contemplados com os mesmos benefícios outorgados aos nacionalistas do CLSTP/MLSTP e da Cívica, apoiando-se justamente na sua evocação simbólica como “combatentes” e no imaginário do massacre como fator impulsionador da luta de libertação nacional 22. Apesar de publicamente celebrados e acarinhados, a reivindicação por uma pensão condigna tem sido uma mensagem articulada pelos sobreviventes dos acontecimentos de 1953 durante as festividades do 3 de fevereiro, não apenas em 2009, mas ao longo dos anos.

Coincidindo com uma certa desvalorização política das vítimas de 1953, o governo liderado por Rafael Branco decide, ainda em 2009, destruir o memorial em homenagem aos Heróis Nacionais existente em Fernão Dias, justificando-o com a necessidade de construção de um porto de águas profundas no local, fundamental ao desenvolvimento do País 23. Na decisão do executivo está implícita a continuidade da luta, agora já não em nome da liberdade, mas do progresso do País, como se depreende das declarações do primeiro-ministro, feitas em 2010, por ocasião das celebrações do 3 de fevereiro, já não no pontão de Fernão Dias, onde outrora estivera erguido o memorial, mas na roça com o mesmo nome:

Quem morreu em 1953 aspirava a um São Tomé livre, um São Tomé desenvolvido, um São Tomé onde as pessoas pudessem ser felizes. O porto de águas profundas vai ser uma oportunidade para darmos início a um ciclo económico, e pelo que vemos aqui não ficamos a perder em simbolismo. Estamos em Fernão Dias, no local dos acontecimentos ( apudVEIGA, [2010]).

Esta resolução, que dá primazia à dimensão econômica em detrimento do valor simbólico do lugar, gerou vários protestos, nomeadamente entre membros da geração mais jovem que, nesse mesmo ano, juntando-se na marcha anual do 3 de fevereiro, optou por, à chegada ao pontão, dirigir-se aos escombros do monumento e aí entoar o hino, em vez de se encaminhar para o ato central como estava planeado, onde se encontravam reunidas as principais autoridades políticas, administrativas e religiosas das ilhas. Fernanda Pontífice, ex-ministra da Cultura e atual reitora da Universidade Lusíada de São Tomé e Príncipe recorda esse momento, que apelida de “sublime”, com admiração:

Houve imensas atividades celebrativas, mas o memorial ficou lá e esse lá tornou-se um lugar de passeio, onde as pessoas iam passar a tarde, iam namorar… Às páginas tantas, houve um governo que mandou demolir o memorial. Porque havia o projeto de construção de um porto de águas profundas e aquele local foi selecionado como o mais adequado para a implantação do porto. Hoje, passados anos, continuamos a não ter o memorial nem o porto de águas profundas. (…). E, no dia, no 3 de fevereiro logo a seguir à demolição, eu fui como cidadã normal e não fui, eu recusei-me – embora tivesse recebido o convite – recusei-me a ir à parte oficial e fui como cidadã anónima com uns amigos estrangeiros que cá estavam, para lhes mostrar como se assinalava a data aqui em São Tomé e tive o grato prazer de assistir a um facto que me levou à conclusão de que afinal a data de 3 de fevereiro está apropriada pela juventude. Porque os jovens que iam, uma boa parte dos jovens que iam na caravana, a pé, ao chegar à entrada do sítio onde estava a decorrer o ato oficial, continuaram em frente, chegaram às ruínas do memorial e cantaram o hino nacional! E eu tive o privilégio de assistir a esse ato. E para mim foi algo, foi um momento sublime, porque eu disse para mim mesma que “os monumentos são importantes, mas não há nada mais importante, nada mais forte que a memória coletiva, do que a memória das pessoas” (PONTÍFICE, 2014, informação verbal) 24.

Em 2015, emergiram renovados desafios à memorialização do massacre durante as celebrações do feriado nacional do 3 de fevereiro. Muitos anos depois de o ato central em homenagem às vítimas de Batepá se realizar em Fernão Dias, sempre na manhã de 3 de fevereiro na sequência de um nozado25 em homenagem aos defuntos, o governo da Ação Democrática Independente (ADI) de Patrice Trovoada resolve transferir a cerimônia para o largo do museu nacional, na capital do País. Essa resolução foi considerada, por certos setores da população e por um grupo de historiadores são-tomenses, uma afronta à história nacional, ao MLSTP e um desrespeito às vítimas e ao próprio chefe de estado, Manuel Pinto da Costa, que não foi considerado na decisão e que acabou por não comparecer à cerimônia 26. O executivo justificou a mudança com a vontade de implementar uma nova política na área da cultura que visava reabilitar o espaço do museu instalado no Forte de S. Sebastião.

Algumas opiniões foram favoráveis à alteração porque descentralizava as comemorações das localidades de Batepá e de Fernão Dias, reinscrevendo na memória pública e nacional outros lugares mnemônicos referentes aos acontecimentos de 1953. Contudo, muitos são-tomenses se revoltaram, sobretudo a população de Fernão Dias que, sentindo-se marginalizada pelo Estado, decide, em protesto, montar uma barricada no acesso à povoação, impedindo a realização do nozado na madrugada de 2 de fevereiro, tendo o exército sido chamado a serenar os ânimos 27. De acordo com Conceição Lima (2015), em crônica no jornal Téla Nón, esta era a única ocasião anual em que as atenções nacionais estavam viradas para estas pessoas e para o lugar onde vivem, daí que não se tivessem conformado com a troca, exigindo que a importância da localidade e das suas gentes fosse valorizada.

Face ao desagrado público, o ato central voltou a Fernão Dias no ano seguinte, em 2016, tendo, na mesma altura, sido inaugurado um novo monumento no local que, de acordo com o Ministro da Educação, Cultura e Ciência, Olinto Daio, através da representação do mar, evoca as memórias dolorosas do passado e, simultaneamente, anuncia um outro futuro para o arquipélago, um futuro mais auspicioso, apenas possibilitado pelo sacrifício com que as vítimas do massacre deram a sua vida pela liberdade: 28

Temos que ver o mar como uma oportunidade de crescimento e de desenvolvimento para São Tomé e Príncipe, e por isso devemos ver este monumento como mais um símbolo que deve unir os são-tomenses, porque essas pessoas deram a vida para que todos nós hoje vivêssemos num país livre. Portanto, devemos todos estar unidos, independentemente das nossas opções ideológicas, das nossas necessidades, dos nossos sonhos e das nossas frustrações. Devemos estar conscientes que é preciso estarmos unidos para trabalharmos, para que o país possa crescer, que São Tomé e Príncipe seja um país de igualdade, de proximidade, que não haja diferença entre uns e outros ( apudBERNARDO, [2016]).

O monumento em questão regista, na minha opinião, uma mudança estética e política que ilustra o atual debate que se tem vindo a desenrolar no País sobre os diferentes significados de Batepá: as grandes ondas azuis a simbolizar o percurso de progresso ansiado para o país em substituição do antigo memorial, com a sua coluna encimada por uma estrela negra de cinco pontas a ecoar a vitória da luta anticolonial e as alianças transnacionais por ela forjadas. Deste modo, a memória do massacre de 1953 materializa-se não apenas enquanto símbolo da oposição ao colonialismo e às dimensões de violência que ele compraz, mas também enquanto desejo de um futuro próspero para a nação são-tomense, o que inclui, por exemplo, introduzir este patrimônio nos circuitos de turismo histórico de São Tomé e Príncipe, transformando-o em local de passagem obrigatória para quem visita as ilhas.

Em 2018, é junto a este monumento que o presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro chefe de Estado do país a visitar oficialmente Fernão Dias, depõe uma coroa de flores, reconhecendo o massacre como parte integrante do passado comum de Portugal e São Tomé e Príncipe “no que ele tem de bom e de mau” e afirmando que Portugal assume “aquilo que foi o sacrifício da vida e o desrespeito da dignidade de pessoas e comunidades. Assume essa responsabilidade olhando para o passado, mas ao mesmo tempo para o presente e o futuro” 29. Apesar da atenção mediática que a visita de Marcelo Rebelo de Sousa trouxe aos eventos de 1953, particularmente em Portugal, onde permanecem genericamente pouco conhecidos, o seu discurso, voltado para o desejo de fraternidade e para a importância das relações diplomáticas e de parceria entre os dois países, falhou em tornar esse momento num espaço de discussão pública e crítica que reconheça satisfatoriamente a persistente violência inerente ao colonialismo português e os seus contínuos legados no presente.

Para além do conjunto de práticas e de ações que acabei de descrever, as celebrações do 3 de fevereiro têm, em anos recentes, de acordo com vários/as são-tomenses, perdido a solenidade que as caracterizava e adquirido uma dimensão mais festiva e de diversão que, apesar de criticada por quem viveu o massacre, não tem de necessariamente ser entendida como negativa, pois apresenta o potencial de instilar um sentido de comunidade e de partilha entre os participantes, como argumenta Marschall noutro contexto, acrescentando que “o problema de negociar as duas dinâmicas em oposição, de lamentar os mortos e celebrar a alegria de ter ultrapassado o sofrimento, é fundamental em muitos feriados públicos” (2013, p. 16).

Considerações finais

Os espaços de negociação e contestação identificados no presente texto não significam que a importância simbólica do evento não continue a ser reivindicada como momento fundacional e traço identitário da nação. Efetivamente, muitos dos são-tomenses que nasceram e cresceram depois da independência convivem, desde muito jovens, com os acontecimentos de 1953: participam em marchas, palestras e cerimónias em honra dos defuntos de Batepá, leem sobre este assunto nos manuais escolares, caminham pela rua e bairro 3 de fevereiro e veem fotografias no museu nacional, onde existe uma sala inteiramente dedicada ao massacre, que recebe regularmente visitas de estudo. O que sucede é que estas práticas de memorialização são acompanhadas de uma pluralidade de processos mnemónicos, sociais, políticos e culturais que interferem e modelam, renovadas representações e interpretações do passado de Batepá. Assim se demonstra que, por mais que as políticas de memória de um evento histórico sejam instituídas e ritualizadas pelo Estado e deixem lastro ao longo de décadas e através de gerações, os seus significados nunca permanecem reificados, pois paralelamente a uma narrativa dominante, estão constantemente emergindo outras memórias e outras negociações simbólicas que com ela coexistem e mediante as quais os/as são-tomenses procuram inscrever o seu lugar nessa história.

Referências

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Notas

1 Este texto resulta do trabalho desenvolvido no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC), no âmbito do projeto CROME – Memórias Cruzadas, Políticas do Silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC) no contexto do Programa – Quadro Comunitário de Investigação e Inovação ‘Horizonte 2020’, da União Europeia, com a referência 715593. Foram, também, utilizados alguns dados recolhidos durante a pesquisa de doutoramento que desenvolvi através da bolsa SFRH/BD/81653/2011, cofinanciada pelo Fundo Social Europeu, através do Programa Operacional Potencial Humano e por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
2 Aquilo a que Assman (1997) chama de “mnemohistória” e que Feindt et al. (2014) designam de “significante mnemónico” e “mnemografia”. Para uma reflexão sobre os processos de ler determinados eventos históricos a partir dos seus modos de rememoração, ver também Tamm (2015) e a introdução de Cardina e Martins (2018).
3 Apesar disso, Conceição Lima identifica um gradual desinteresse e desprendimento em relação a esta data histórica, sobretudo entre as camadas mais jovens da população. Ver crónica na revista África 21, “O memorial, de novo” (2016).
4 Apesar de existirem forros de diferentes estatutos socio-económicos, a elite local das ilhas era composta, sobretudo, por homens e mulheres deste grupo, descendentes de uma “elite mestiça que, tendo herdado escravos e engenhos, de[tinha] também o comércio de escravos na zona e se dedica[va] a uma agricultura de subsistência” ( MATA, 1993, p. 49), situação que se alterou com a recolonização das ilhas no século XIX. Muitos dos membros desta elite, também conhecidos como “filhos da terra” por descenderem dos primeiros povoadores europeus e africanos das ilhas, viriam a ocupar posições sociais intermédias durante o colonialismo português, desempenhando funções na administração pública da colónia e/ou sendo proprietários de roças. Alguns tinham, inclusive, serviçais ao seu serviço. “Forros” e “filhos da terra”, entre outras, são categorias ainda hoje mobilizadas cultural e socialmente em São Tomé e Príncipe. Sobre este assunto, ver Tenreiro (1961), Eyzaguirre (1989), Nascimento (2000), Seibert (2002a), Keese (2011, 2012) e Berthet (2016).
6 A suspensão do recrutamento de trabalhadores em Angola, em abril de 1950, devido, entre outros, à sua grande carência e necessidade no território (nas culturas de algodão, na Diamang ou nas Obras Públicas, etc.), coincidindo com uma cotação mais alta do cacau nos mercados internacionais, agravou o problema da mão-de-obra em São Tomé e dificultava os propósitos de Gorgulho na execução do seu plano de construção de infraestruturas, forçando-o, em 1953 e nos anos imediatamente anteriores, a aumentar as rusgas para recrutar mão-de-obra entre os ilhéus mais pobres do arquipélago (Cf. SEIBERT, 2002a, p. 79-80; ROSAS, 2018a, 2018b). Esta era uma situação de trabalhos forçados de cuja existência a elite forra estava plenamente consciente e que, sobretudo depois de Batepá, veio acentuar a sua resistência em colaborar com o sistema colonial, de acordo com Keese (2012, p. 241-242).
7 Porque este texto se dedica principalmente à análise das políticas da memória e experiências de negociação dos significados do 3 de fevereiro, não irei deter-me aprofundadamente na discussão das circunstâncias históricas e políticas do massacre. Para esse efeito, consultar Pélissier (1972), Moreira (1974), Seibert (1996, 1997, 2002a, 2002b, 2008), Pacheco (1999), Espírito Santo (2003), Mata (2004), Andringa (2009), Keese (2012), Rosas (2018b) e Rodrigues (2018b). Por “políticas de memória”, neste caso, entendo aquilo que Miguel Cardina designa como os “mecanismos através dos quais se selecionam marcos históricos e se constituem narrativas, instituições e valorações que as dotam de sentido” (2016).
8 Convencidos pela propaganda colonial de que a sua precária situação se devia ao facto de os forros recusarem o trabalho nas roças e motivados, em parte, pela dupla discriminação que sentiam, alguns trabalhadores contratados associaram-se aos portugueses durante os acontecimentos de 1953, através, por exemplo, da integração no Corpo de Polícia Indígena, um dos maiores órgãos repressores durante o massacre ( MOREIRA, 1974, p. 24; CERVELLÓ, 1999, p. 30; SEIBERT, 2002a, p. 76-84). De acordo com Seibert (2015, p. 115), o massacre foi revelador das tensões existentes entre os vários grupos e segmentos populacionais no arquipélago: “poucos brancos opuseram-se explicitamente às arbitrariedades do governador. A maioria dos portugueses apoiou as suas ações, e muitos participaram nas atrocidades contra os forros. À ordem de Gorgulho, administradores das roças incitaram os serviçais a participar na onda de violência contra os forros”.
9 Cf. Relatório dos Acontecimentos ocorridos em S. Tomé nos dias 3 a 6 de fevereiro de 1953, AHM / FO / 39 / 11 / 585 / 259. Sobre a intervenção da PIDE, ver Moreira (1974: 25-26), Seibert (2002a: 88-89) e Relatório Final – Inquérito aos acontecimentos ocorridos em S. Tomé em fevereiro de 1953, elaborado pelo jurista Victor Pereira de Castro, entre 1974 e 1975.
10 O luso-tropicalismo é, genericamente, uma teoria do hibridismo sem violência, que partilha a suposição de uma relação gentil entre colonizador e colonizado e que apresenta o mulato como o troféu material dessa miscigenação ( SANTOS, 2010, p. 227). Para críticas à teoria de Gilberto Freyre e/ou às formas como o luso-tropicalismo foi sendo apropriado pelo regime autoritário do Estado Novo, destaco, entre outros, os textos de Andrade (1955), Alexandre (1973), Thomaz (1996), Bastos (1998), Castelo (1999), Almeida (2000) e Lourenço (2014). Este imaginário luso-tropicalista tem vindo a ser reatualizado, ao longo dos anos, em celebrações nacionais portuguesas, como o 25 de abril e o 10 de junho. Sobre isto, ver, por exemplo, Almeida (2000) e Cardina (2016).
11 Veja-se, a título de exemplo, No Altar da Lei (1962) e Vila Flogá (1963), de Sum Marky e A Estufa (1964), de Luís Cajão, entre outras obras.
12 O bairro e a rua mais importantes da capital designam-se, hoje, Bairro 3 de fevereiro (antigo Bairro Salazar) e Rua 3 de fevereiro (antiga Rua do Rosário).
13 Para além disso, o massacre é ainda evocado anualmente nas celebrações do Dia da Independência, a 12 de julho, através de uma corrida em que se transporta a tocha da “chama da pátria” desde o memorial da vila de Batepá até à Praça da Independência, percorrendo alegoricamente também o percurso histórico do país. Ver BARROS. “Corrida que evoca massacre assinala início das celebrações oficiais”, 12 de julho de 2015.
14 A este propósito, ver, por exemplo, comentários dos líderes políticos em Téla Nón, “61° aniversário do massacre de 1953 celebrado hoje com orações e cânticos litúrgicos”, 3 de fevereiro de 2014 e O Parvo, “Comemorações de mais um ‘Três de fevereiro’ dia dos Mártires da Liberdade de São Tomé e Príncipe”, 4 de fevereiro de 2014. A natureza agregadora deste evento foi-me também confirmada em entrevistas realizadas a produtores de memória do massacre durante o período de trabalho de campo em São Tomé, em 2014. Sobre a importância de analisar as dimensões performativas dos dias nacionais, como de resto já tinha sido demonstrado por Mbembe em On the Postcolony, consultar Becker e Lentz (2013, p. 5).
15 A renomeação do feriado em 1980 é referida por Seibert (2002a, p. 135). Não obstante esta mudança, é curioso notar que a designação original continua a ser reproduzida tanto nos meios de comunicação social como popularmente.
16 Publicação estatal que pertencia ao Ministério da Informação de São Tomé e Príncipe.
17 Processo que é apropriadamente designado por Melber (2005) e Marschall (2006) como um modo de “memorialismo de elite” e que é transversal a outros países que emergiram de experiências coloniais e de lutas de libertação.
18 Devo este modelo a Kansteiner (2002) e a Marschall (2013). Falar em “consumidores da memória”, como fazem estes autores, não significa que os indivíduos não sejam, simultaneamente, também agentes com potencial de ação sobre os processos de rememoração. Para uma pesquisa dos pressupostos teóricos de análise dos dias nacionais, ver ainda Ashplant et al. (2000) , Marschall (2006; 2012), Becker e Lentz (2013), Mpofu (2016), Qasmi (2017) e Cardina e Martins (2018), entre outros.
19 As comunidades locais têm-se juntado para, pelo menos desde 2014, dinamizar festividades análogas às promovidas pelo Governo em outros locais que não apenas Batepá e Fernão Dias, como Ubá Flor e Folha Fede, por exemplo.
20 A este propósito, recomendo a obra de Conceição Lima (2004; 2006; 2011), onde as memórias e experiências dos contratados, praticamente ausentes, até então, das narrativas públicas de Batepá e da nação, encontram finalmente lugar. Sobre este assunto, ver Mata (1998, 2006, 2010) e Ribeiro (2011).
21 “Massacre de Batepá”, “Guerra da Trindade”, “Guerra de Batepá”, “Revolta de Batepá”, “Massacre de Fevereiro de 1953” ou “Massacre de 1953” são designações que convocam distintas políticas da memória e que sobrelevam diferentes dimensões dos acontecimentos (a localização, a data, etc.).
22 Téla Nón, “Sobreviventes do Massacre de Batepá recebem apenas 300 mil dobras por ano cerca de 14 euros”, 4 de fevereiro de 2009. De acordo com Gerhard Seibert (1996, p. 25), a reforma atribuída pelo Estado aos sobreviventes do massacre teria sido instituída em 1993, altura em que se celebravam 40 anos do evento e o 18º aniversário da independência nacional.
23 O projeto, contudo, atribuído à empresa francesa Terminal Link, nunca chegou a concretizar-se por esta ter alegado falta de financiamento para o executar.
24 O excerto oral citado é parte de uma entrevista realizada a Fernanda Pontífice no dia 24 de janeiro de 2014, na cidade de São Tomé, São Tomé e Príncipe, no decorrer de trabalho de campo que realizei no país entre janeiro e fevereiro de 2014.
25 Nozado é o nome dado à cerimónia tradicional onde se comemora e honra os mortos.
26 Ver Téla Nón, “3 de fevereiro: Historiadores acusam o governo de irresponsabilidade e de tentativa de deturpação da história”, 3 de fevereiro de 2015 e “PR ausente por alegadamente ter sido ignorado pelo Governo”, 4 de fevereiro de 2015.
27 Cf. Veiga ([2015]), “3 de fevereiro: Tumultos na Praia de Fernão Dias provocaram intervenção militar”.
28 Cf. declarações dadas ao jornal O Parvo, “Fernão Dias tem um novo Memorial dos Mártires da Liberdade”, 2 de fevereiro de 2016. O novo memorial, desenhado pelo arquiteto são-tomense Alexandre d’Alva, custou 2 milhões de dobras (cerca de 200 mil euros) ao Estado. Ver, também, Téla Nón, “Dia dos heróis nacionais regressou a Fernão Dias”, 4 de fevereiro de 2016.
29 Esta postura não pode, contudo, como bem assinala Miguel Cardina (2018), ser dissociada das dinâmicas de memória em curso na sociedade portuguesa e do impacto negativo que as suas declarações na ilha de Gorée, no ano anterior, tinham alcançado. Cf. “Portugal reconheceu injustiça da escravatura quando a aboliu em 1761, diz Marcelo” (Lusa, 13 de abril de 2017) e o conteúdo da carta assinada por mais de 5 dezenas de signatários refutando as declarações de Marcelo, publicada no Diário de Notícias, “Um regresso ao passado em Gorée. Não em nosso nome”, a 19 de abril do mesmo ano. Na mesma ocasião, a 3 de fevereiro de 2018, foi também inaugurada uma placa nominal junto do monumento, onde se encontram inscritos mais de 450 nomes de santomenses, assim assinalados com o estatuto simbólico de mártires e heróis nacionais. A incorporação da placa no espaço memorial gerou controvérsia entre alguns indivíduos por se considerar que o número tinha sido exageradamente ampliado face à realidade.

Autor notes

* • Doutorada em Pós-colonialismos e Cidadania Global pelo CES/FEUC, onde desenvolveu uma investigação sobre as representações do Massacre de Batepá em São Tomé e Príncipe. Os seus atuais interesses de investigação centram-se nos estudos da memória, nas teorias pós-coloniais e nos debates sobre a representação e comemoração das guerras coloniais e de libertação. Investigadora em pós-doutoramento no projeto “CROME – Memórias Cruzadas, Políticas do Silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais”, coordenado por Miguel Cardina e financiado pelo Conselho Europeu de Investigação.

◦ Postdoctoral researcher at “CROME – Crossed Memories, Politics of Silence: The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times”, coordinated by Miguel Cardina and funded by the European Research Council. She holds a PhD in Postcolonialisms and Global Citizenship from CES/FEUC, in which she developed an analysis of the representations of the Batepá Massacre in São Tomé and Príncipe, published in book in 2018. Her current research interests include memory studies, postcolonial theories and the debates about the representation and commemoration of the Colonial-Liberation wars.

◦ Investigadora postdoctoral en el proyecto “CROME – Memorias Cruzadas, Políticas del Silencio: las guerras coloniales y de liberación en tiempos postcoloniales”, coordinado por Miguel Cardina y financiado por el Consejo Europeo de Investigación. Posee un doctorado en Post-colonialismos y Ciudadanía Global por el CES/FEUC, donde desarrolló una investigación sobre las representaciones de la Masacre de Batepá en Santo Tomé y Príncipe. Sus actuales intereses de investigación se centran en los estudios de la memoria, teorías postcoloniales y debates sobre la representación y conmemoración de las guerras coloniales y de liberación.

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