Resumo: O objetivo deste estudo foi identificar as percepções de adolescentes sobre as habilidades para a vida e a convivência familiar deles durante o período de distanciamento social devido à pandemia da COVID-19. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada com oito adolescentes, de ambos os sexos, com idades entre 12 e 14 anos, que foram selecionados de forma não probabilística, por conveniência. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e analisados por Análise de Conteúdo. Os resultados apresentaram a qualidade e os aspectos dificultadores do relacionamento familiar dos adolescentes durante o distanciamento social, bem como as propostas por eles sugeridas para a redução das dificuldades identificadas. Também apresentaram as habilidades para a vida que utilizaram durante o período de distanciamento social, destacando a importância dessas habilidades na convivência familiar. Conclui-se que é importante investigar as habilidades para a vida na adolescência, especialmente no contexto de distanciamento social, porque elas possibilitam às pessoas lidarem de maneira eficaz com as demandas, desafios e conflitos do dia a dia, proporcionando maior bem-estar e qualidade de vida.
Palavras-chave: Adolescentes, COVID-19, distanciamento social, habilidades para a vida.
Abstract: The objective of this study was to identify adolescents’ perceptions of their life skills and family life during the period of social distancing due to the COVID-19 pandemic. This is qualitative research carried out with eight adolescents of both genders, aged between 12 and 14 years old, who were selected in a non-probabilistic way, for convenience. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed by Content Analysis. The results showed the quality and the aspects that hinder the adolescents’ family relationships during social distancing, as well as the proposals suggested by them to mitigate the difficulties identified. They also presented the life skills they used during the period of social distancing, highlighting the importance of such skills in family life. It is concluded that it is important to investigate life skills in adolescence, especially in the context of social distancing, because they enable people to effectively deal with the demands, challenges and conflicts of everyday life, providing well-being.
Keywords: Adolescent, COVID-19, physical distancing, life skills.
Resumen: El objetivo de este estudio fue identificar las percepciones de los adolescentes con respecto a sus habilidades para la vida y la vida familiar durante el período de distanciamiento social debido a la pandemia de COVID-19. Se trata de una investigación cualitativa realizada con ocho adolescentes, de ambos géneros, con edades comprendidas entre 12 y 14 años, que fueron seleccionados de forma no probabilística, por conveniencia. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y analizados por Análisis de Contenido. Los resultados mostraron la calidad y los aspectos que dificultan las relaciones familiares de los adolescentes durante el distanciamiento social, así como las propuestas sugeridas por ellos para reducir las dificultades identificadas. También presentaron las habilidades para la vida que usaron durante el período de distanciamiento social, destacando la importancia de estas habilidades en la vida familiar. Se concluye que es importante investigar las habilidades para la vida en la adolescencia, especialmente en el contexto de distanciamiento social, porque posibilitan que las personas enfrenten de hecho las demandas, desafíos y conflictos de la vida cotidiana, proporcionando bienestar.
Palabras clave: Adolescente, COVID-19, distanciamiento físico, habilidades para la vida.
Pesquisa
Habilidades para a vida na melhoria da convivência familiar de adolescentes em situação de distanciamento social devido à pandemia da COVID-19
Life skills in improving the family life of adolescents in a situation of social distancing due to the COVID-19 pandemic
Habilidades para la vida en el mejoramiento de la vida familiar de los adolescentes en situación de distanciamiento social por la pandemia del COVID-19
Recepção: 02 Fevereiro 2022
Aprovação: 26 Setembro 2022
Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, foi anunciada a descoberta de um novo coronavírus denominado SARS-CoV-2, causador da Coronavirus Disease - COVID-19, considerada uma doença altamente transmissível. No Brasil, o primeiro caso foi identificado em 26 de fevereiro de 2020, sendo decretado estado de quarentena a partir de 6 de fevereiro de 2020, por meio da Lei 13.979/2020 (Vasconcelos et al., 2020). A organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 11 de março de 2020, declarou a COVID-19 uma pandemia (Medeiros et al., 2020).
No contexto de pandemia ocasionado pela disseminação do novo coronavírus, algumas estratégias foram apresentadas à população como plano de contingência para a redução da propagação da COVID-19, como o distanciamento social, suspensão de atividades sociais e eventos públicos, bem como o isolamento social. As famílias passaram a conviver mais intensamente no ambiente doméstico e, assim, a estarem mais vulneráveis ao surgimento de problemas de convivência, causadores de irritabilidade, estresse, sofrimento emocional, etc. (Costa et al., 2020).
Os adolescentes, ao vivenciarem essa nova situação, tiveram alguns desafios para o convívio mais intenso com os seus familiares, surtindo, por exemplo, irritabilidade e medo de uma possível contaminação dos membros da família, fatores estes associados às mudanças ocasionadas tanto pela puberdade quanto pela obrigatoriedade do distanciamento social (Oliveira et al., 2020).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe um modelo de habilidades para a vida que objetiva criar possibilidades de enfrentamento em situações difíceis e propensas a gerar danos à vida, bem como à saúde, que buscam a prevenção ou redução de condutas que possam ocasionar riscos (Paiva & Rodrigues, 2008). Essas habilidades proporcionam o desenvolvimento de comportamentos adaptativos e oferecem respostas favoráveis e socialmente coerentes para os adolescentes. As dez habilidades para a vida são: tomada de decisão, comunicação eficaz, autoconhecimento, empatia, lidar com sentimentos e emoções, lidar com o estresse, resolução de problemas, relacionamento interpessoal, pensamento criativo e pensamento crítico (Paiva & Rodrigues, 2008).
Assim sendo, é importante investigar as habilidades para a vida na adolescência, especialmente no contexto de isolamento social, porque elas possibilitam às pessoas lidarem de maneira eficaz com as demandas, desafios e conflitos do dia a dia, proporcionando-lhes maior qualidade de vida e bem-estar. O objetivo geral desse estudo foi identificar as percepções de adolescentes sobre as habilidades para a vida e a convivência familiar deles durante o período de distanciamento social devido à pandemia da COVID-19.
Trata-se de uma investigação exploratório-descritiva com abordagem qualitativa. O estudo foi realizado na cidade de Passos-MG, um município brasileiro localizado no interior do Estado de Minas Gerais. Os participantes do estudo foram adolescentes, de ambos os sexos, com idades entre 12 e 14 anos, selecionados de forma não probabilística, por conveniência. Eles foram definidos por meio da técnica conhecida como snowball sampling (bola de neve), na qual um participante inicial faz a indicação de outro e assim por diante (Vinuto, 2014). O número de participantes foi definido por meio da estratégia de saturação, quando as informações fornecidas nas entrevistas se tornaram repetitivas, não apresentando mais novidades (Fontanella et al., 2011).
A coleta de dados se iniciou após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca (UNIFRAN) e, de igual modo, pelos responsáveis pelos adolescentes. Tanto os participantes quanto os seus responsáveis receberam informações detalhadas sobre a pesquisa, por meio do Termo de Assentimento e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em todas as fases do estudo foram observadas as orientações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, que possibilitaram uma reflexão dos significados direcionados à experiência humana, viabilizando um diálogo no qual o protagonismo do participante aconteceu mediante um espaço criado pelo investigador, viabilizando que ele se expressasse de forma livre e o pesquisador guiasse o fluxo da mesma (Moré, 2015). As entrevistas foram realizadas on-line via Zoom ou Google Meet e buscaram conhecer a percepção dos participantes sobre como as habilidades para a vida poderiam ter facilitado a convivência familiar deles durante o período de isolamento social devido à pandemia da COVID-19. Assim, foi possível identificar as opiniões das adolescentes acerca dos temas investigados, suas motivações, seus significados e valores que sustentam essas postulações, de acordo com suas visões de mundo, dando voz a eles para a devida compreensão sobre sua perspectiva de fala (Fraser & Gondim, 2004).
Os dados das entrevistas foram analisados por Análise de Conteúdo, uma técnica que objetiva analisar o que foi captado nas entrevistas ou ainda observado pelo próprio pesquisador. Nesta análise do material, convém-se classificá-los em temas ou categorias que auxiliam na compreensão da ideia que está por detrás dos discursos (Silva et al., 2015). Inicialmente, as entrevistas foram transcritas. Em seguida, foi realizada uma leitura flutuante para familiarização com o conteúdo empírico. Posteriormente, foram identificadas unidades de registro, cujo agrupamento resultou em categorias iniciais de análise. Com base nas categorias iniciais, foram realizados novos agrupamentos que originaram as categorias finais: 1. Qualidade da convivência familiar durante o distanciamento social; 2. Aspectos dificultadores do relacionamento familiar na pandemia; 3. Propostas dos adolescentes para redução das dificuldades de relacionamento familiar; 4. Habilidades para a vida utilizadas durante o período de distanciamento social; e 5. Importância das habilidades para a vida na convivência familiar no distanciamento social.
Concluindo as etapas, os resultados foram interpretados, momento em que houve a busca por significados. As intepretações foram realizadas com base nos referenciais teóricos acerca da adolescência e das habilidades para a vida. Mediante esta análise, foi possível o conhecimento do processo e da qualidade das relações dos adolescentes entrevistados com as suas respectivas famílias no período de pandemia da COVID-19, favorecendo ainda a compreensão dos significados da experiência das relações vivenciadas entre os adolescentes e as suas famílias (Bardin, 2008).
A idade dos participantes variou entre 12 e 14 anos, sendo a maioria do sexo masculino (n = 5), estudantes do oitavo ano escolar (n = 5) em escolas particulares (n = 5). Na sequência, serão apresentadas as categorias temáticas referentes às percepções dos adolescentes sobre a convivência familiar durante o período de distanciamento social devido à pandemia da COVID-19. Igualmente, as suas percepções acerca das habilidades para a vida e como elas poderiam ter facilitado a convivência familiar durante o distanciamento social.
Uma nova realidade e desafio foi conviver com os integrantes da família durante todo o tempo. Assim, uma queixa apresentada pelos participantes foi a existência de brigas entre irmãos e ou familiares: “Tive problemas com meus irmãos. Eu perdi a minha liberdade, porque eu fico no meu quarto, mas eles ficam querendo entrar lá” (P5). Segundo Kiraly et al. (2020), constituir um ambiente que respeite a privacidade de seus membros, pode ser desafiador para algumas famílias, o que pode ocasionar insatisfações, problemas relacionais, conflitos ou violência, como relatado pelos adolescentes participantes deste estudo.
Fato é que cada familiar teve que se deparar com a própria realidade alterada de forma brusca, tendo ainda que enfrentar e harmonizar com a realidade do outro, o que pode ter colaborado também para movimentos de afastamento relacional, apesar da maior convivência em um mesmo ambiente, por exemplo: “A gente deu uma afastada, cada um no seu quarto, minha mãe trabalhando, meu pai viaja, meu irmão também, a gente deu uma afastada. Éramos mais próximos antes da pandemia” (P1). Como se pode depreender, o enfrentamento de uma situação pandêmica pode afetar a parentalidade, a dinâmica relacional entre os integrantes do núcleo familiar (Fiocruz, 2021). Segundo Silva et al. (2020), impactos sociais, econômicos e emocionais são estressores às famílias e geram vulnerabilidade e necessidade de reorganização estrutural. Esses impactos podem impedir que sejam realizados certos rituais familiares, que regulavam as interações entre os membros e contribuíam para a proteção familiar em situações de crise.
O distanciamento social também envolveu aspectos positivos como a aproximação entre os membros da família: “Eu acho que assim, para mim de certo ponto até melhorou. Antes da pandemia a gente até se via muito, mas eu não ficava tão junto da família, ficava mais afastado, mas agora com a pandemia a gente fica mais junto, porque a gente dá valor, né?” (P4). Aproximação essa que também refletiu no sentimento de que a permanência em casa resultou na melhora do relacionamento familiar. “Na pandemia eu fiquei mais próximo dos meus familiares, principalmente porque eu parei mais dentro de casa, mas não houve problema por causa da convivência” (P7).
De acordo com Linhares e Emuno (2020), com as medidas de distanciamento social, as famílias puderam retomar e fortalecer os relacionamentos. Uma pesquisa desenvolvida com 32 adolescentes no nordeste brasileiro identificou que a união foi o sentimento mais abordado e compreendido como momento afetuoso e feliz que resultou em aproximações e reaproximações na família, seguido de sentimentos de superação, que promoveu o enfrentamento pelos familiares diante de dificuldades ocasionadas pela pandemia da COVID-19 (Natividade et al., 2020). Essa realidade permite a compreensão de que houve ressignificação no convívio familiar, havendo uma valorização dos familiares, da boa convivência, inclusive por receio de perda desses membros pela COVID-19.
Os participantes também indicaram que o maior tempo de convivência diária revelou uma nova dinâmica relacional entre os familiares, indo desde um maior conhecimento até a observação com maior clareza dos hábitos rotineiros dos demais membros da família: “Com a pandemia ele começou a ficar mais em casa e eu comecei a conhecer mais meu pai e ele a mim, coisas que a gente não sabia um do outro ainda. Em partes foi bom, porque a gente se aproximou, fica mais junto” (P3). Assim, a maior permanência em casa e o aumento do convívio familiar pode possibilitar aos pais estarem mais tempo com seus filhos, aumentando a interação, que pode possibilitar que se conheçam melhor, reforçando o vínculo que é importante e indispensável para o desenvolvimento dos adolescentes (Fiocruz, 2020).
A permanência em casa, a convivência familiar e a maneira pela qual os pais administraram a situação vivida, bem como, a possibilidade dos filhos de desfrutarem dessa aproximação, demonstraram um reflexo positivo da pandemia, assim, o aumento do convívio familiar possibilitou a realidade de uma convivência positiva. Nesse sentido, a pandemia ajudou no compartilhamento de mais tempo junto e sugere que possamos refletir sobre o excesso de atividades nas quais os adolescentes se submetem e acabam por terem menos tempos com seus familiares, realidade essa, bastante presente antes da pandemia.
Alguns aspectos que dificultaram os relacionamentos familiares no período de pandemia foram o distanciamento social entre parentes e amigos, ocasionando assim uma ruptura no processo de socialização dos adolescentes, justamente em uma época relevante para a formação de sua personalidade e de vínculos afetivos e sociais com seus pares: “Ficar preso dentro de casa”. (P5). Este rompimento brusco e imposto pela pandemia, gerou momentos de estresse e solidão entre os adolescentes. “A maior dificuldade foi a gente se distanciar, é ver menos esse é o problema, ver menos as tias” (P4). Na adolescência é comum se passar menos tempo com a família porque os círculos sociais se expandem e os adolescentes começam a passar mais tempo com seus pares, o que lhes possibilita estabelecerem novas identidades, o que é considerado saudável no desenvolvimento (Mcneely & Blanchard, 2009). Entretanto, a pandemia dificultou essas relações.
Os participantes deste estudo também indicaram que o distanciamento social repentino fez com que em um primeiro momento eles reagissem de forma consciente, porém com o passar do tempo e sem uma perspectiva de retorno à normalidade, iniciou-se um distanciamento entre os próprios membros da família que, no intuito de buscarem uma interação social com o mundo externo às suas residências, se afastaram dos próprios familiares buscando refúgio e alento no uso da comunicação via instrumentos tecnológicos, conforme relata P8: “Agora a gente fica muito tempo nas redes sociais, tecnologia o dia inteiro, então acabava que a gente nem conversava, a gente ficava distante o dia inteiro, ou no celular. Um do lado do outro, mas cada um com um celular na mão e ninguém conversava”.
Para Siqueira e Freire (2019), o uso excessivo de aparelhos eletrônicos distancia as pessoas do mundo real e pode também reduzir o contato com os pais. Entretanto, a interação digital também representa vantagens, uma vez que tem constituído um importante recurso para interatividade durante o distanciamento social, contribuindo para a permanência dos laços afetivos e sociais. Mas, é necessário que o tempo de uso das tecnologias seja observado, assim como a qualidade e adequação dos conteúdos acessados, especialmente no contexto de pandemia, pois, em vez de ser um recurso favorecedor de contatos e interações à distância, ser um distanciador das relações presenciais (Orgilés et al., 2020; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2017).
Outros dificultadores também foram mencionados pelos adolescentes, como a impossibilidade de frequentarem a escola: “Não poder conviver com outras pessoas. Eu senti muita falta da escola” (P5). A falta da rotina escolar e ausência da convivência com os amigos contribuíram para a falta de entusiasmo e dificuldade no processo de aprendizagem: “Eu acho que foi a falta de contato, foi pior eu acho, mais a falta de contato com os colegas” (P6); “Ficar ausente da escola, as coisas ficaram mais difíceis com a aula online, ficou tudo mais difícil na escola em relação à pandemia” (P3).
Como se nota nos relatos, para os adolescentes, a escola é mais que um ambiente direcionada aos estudos, representa também um lugar para convivência com os pares. Entretanto, diante das estratégias para a contenção da propagação da COVID-19, as possibilidades dessa vivência passou a ser escassa, podendo essa privação social no período da adolescência desencadear consequências para o desenvolvimento social, uma vez que a interação é considerada um aspecto fundamental e que promove a construção de um possível adulto que se coloca frente a vida de forma independente, possibilitando-lhe a compreensão e estabelecimento de uma identidade social mais aprimorada e que permite, por meio das habilidades cognitivas estabelecidas nesse processo de troca entre pares, a possibilidade de reflexão sobre si e os outros. Quando essa vivência entre pares se faz ausente, junto a ela, pode ser ocasionado danos à saúde do adolescente (Orben et al., 2020).
É nesse contexto que a aprendizagem se desenvolve dentro de um tempo/espaço diferente do ambiente de casa e das atividades cotidianas (Vicent et al., 2001). A experiência fora da escola em tempos de pandemia apresentou consequências na aprendizagem dos estudantes (Vazquez et al., 2021). Segundo Neumann et al. (2020), o distanciamento social e o fechamento das escolas afastaram cerca de 90% dos estudantes da educação, gerando consequências no aprendizado. Embora existam poucos dados a respeito dos prejuízos educacionais ocasionados pela pandemia, o estudo de Rocha et al. (2021) identificou uma queda no rendimento escolar de 42,5%.
Os adolescentes propuseram algumas formas de se viabilizar uma redução das dificuldades de relacionamento familiar, de acordo com suas vivências e experiências durante a pandemia, como uma ressignificação deste momento, enxergando-o como uma oportunidade de se rever a convivência e os laços familiares. Uma das propostas foi a aproximação entre os membros da família: “Eu acho que é meu caso, eu não tive um problema. Eu acho que é só tentar se aproximar mais, porque era a única coisa que eu tinha. Então, é tipo só tentar aproximar, conversar mais e tentar se entender (P2). Segundo Wang et al. (2020) o confinamento domiciliar pode contribuir para o aperfeiçoamento do relacionamento entre pais e filhos. Também propuseram rever a forma de vivenciar as experiências de convivência familiar, de modo a se enxergar os bons momentos das vivências durante a pandemia: “Não tive dificuldades, eu acho que a gente pensar que cada vez que a gente está junto, dá muito valor por estar junto, né? Tentar enxergar os bons momentos das coisas” (P4).
As falas dos participantes estão em consonância com Nahas e Antunes (2020), que apresentam que a pandemia coloca à sociedade e famílias a necessidade de união e cooperação para que se possa enfrentar as dificuldades advindas desse contexto, como as emocionais, políticas, financeiras entre outras. Assim, a família precisa ser um núcleo de amparo e proteção aos indivíduos e para isso, é preciso uma mudança de paradigma compreendendo que por meio da unidade dos seus membros, há a possibilidade da promoção da paz.
Apesar de as tecnologias fazerem parte da realidade atual e terem facilitado muitos aspectos das relações educacionais, profissionais e de convivência social durante o período da pandemia, os participantes também consideraram a necessidade de diminuição de seu uso em benefício de uma melhor convivência familiar: “Eu acho que por causa da COVID a gente ter que ficar o tempo todo em casa, eu acho que a família, poderia cortar um pouco da tecnologia mesmo, televisão, celular, redes sociais e a família interagir mais uns com os outros dentro de casa” (P8).
A redução do uso das tecnologias, assim, pode contribuir para o estabelecimento de novas condutas rotineiras caseiras com o intuito de se maximizar os momentos juntos sem distrações externas. Entretanto, diante da realidade atual, as tecnologias digitais vêm transformando a maneira pela qual as pessoas interagem. Os adolescentes, no anseio de preencherem os espaços causados pelo distanciamento social, se voltaram às redes sociais, trazendo-lhes a sensação de que não estão sozinhos, por meio de amizades virtuais e compartilhamento de informações (Silva & Silva, 2017).
Para os adolescentes, a redução das dificuldades de relacionamento familiar perpassa pela comunicação e diálogo, além do conhecimento, respeito mútuo e entendimento entre os familiares: “Ter mais diálogo, respeitar mais o espaço um do outro” (P5). Assim, o diálogo também é considerado como um fator importante para a construção sólida de uma nova forma de comunicação e relação entre os familiares. Segundo Freire (1983), o diálogo é uma via significativa que alavanca o pensamento crítico no que se refere à condição humana no mundo, quando envolve escuta atenta, confiança no outro, respeito, amor e disponibilidade. Assim, nota-se o diálogo presente nas relações familiares aqui apresentadas, de forma a harmonizar as implicações de uma nova rotina em que se ausentam as redes de apoio de forma ampliada e intensificam a convivência parental no dia a dia.
Alguns problemas de relacionamento que ficavam em segundo plano devido à rotina dos familiares, neste momento, em que o ócio passou a fazer parte da agenda diária, exacerbaram os conflitos de relacionamentos advindos do maior tempo de convivência diária. Assim, algumas habilidades para a vida foram utilizadas como forma de aprendizado e superação dos conflitos durante o distanciamento social, mesmo os adolescentes relatando muitas vezes não saberem que estavam usando essas habilidades, por não conhecerem seus nomes e conceitos.
A tentativa de se ver no lugar do outro e vice-versa, processo este denominado de empatia, foi de fundamental importância para uma melhora na aceitação e qualidade dos relacionamentos durante a pandemia, como relatado pela maioria dos adolescentes entrevistados: “Eu tomo cuidado com o que eu vou falar porque às vezes machuca” (P1); “Autoconhecimento e empatia eu acho que eu tenho” (P4); “(...) Empatia, relacionamento interpessoal” (P5); “(...) Autoconhecimento, empatia com o outro, acho que utilizei bastante”.
O conceito de empatia é entendido como algo complexo e multidimensional que retrata a capacidade de um indivíduo imaginar-se no lugar do outro, ou seja, ser capaz de sentir o que o outro sente, como também a habilidade de depreender o ponto de vista do outro (Jeffrey & Downie, 2016; Ratka, 2018). Dessa forma, o exercício da empatia pelos adolescentes nas relações familiares talvez seja uma das causas para as relações familiares serem consideradas possuindo mais aspectos positivos do que negativos durante o isolamento social, uma vez que a ação empática contribui para que o próximo possa sentir-se acolhido (Cotta, 2020; Batista & Lessa, 2019) e, assim, haver melhor interação e menos desentendimentos ou conflitos.
Repentinamente, sem aviso prévio, os adolescentes se viram obrigados a lidarem com sentimentos e emoções gerados pelo ambiente externo e pela convivência familiar, tendo assim que buscarem o autoconhecimento de uma forma rápida e automática, tendo que lidar com momentos de estresse que, se não fosse o período de pandemia, possivelmente eles não passariam com a mesma intensidade. Isso fez com que as habilidades para a vida se tornassem importantes e até item de possibilidade para preservação da saúde mental, conforme identificado em seus relatos: “Autoconhecimento (...) eu acho que eu tenho” (P4); “(...) Acho que eu usei muito o autoconhecimento para saber tipo assim, como eu estava, se eu precisava de alguma coisa, meu psicológico” (P2); “O autoconhecimento e o pensamento criativo” (P3); “(...) Lidar com sentimentos e emoções e lidar com estresse, mais ou menos” (P5); “(...) Reduzir o estresse, lidar com as emoções e sentimentos e saber respeitar a opinião das pessoas” (P5).
Os pensamentos crítico e criativo foram elencados também como importantes para a superação deste momento de pandemia pelos adolescentes. Tanto um quanto outro foram indispensáveis para se manter um equilíbrio nas tomadas de decisões e no enfrentamento deste período: “Às vezes fica só para mim aquela reflexão, então eu reflito”; “(...) pensamento criativo, pensamento crítico” (P5).
Nota-se que os relatos acima indicam a consciência, por parte dos adolescentes, da importância da reflexão das situações vividas para que assim, possam realizar a tarefa de procurar soluções e decidirem por determinadas ações frente aos desafios trazidos pela pandemia. O pensamento crítico refere-se à habilidade de examinar as informações e ou situações pensamento de diversos pontos de vista. É uma habilidade de reflexão que permite reconhecer fatores positivos, negativos, externos e internos que fazem parte das nossas ações potencializando a nossa capacidade para solucionarmos as dificuldades de forma mais assertiva (World Health Organization, 1997; Castellanos, 2001).
De igual modo, verifica-se que a compreensão por parte dos adolescentes sobre o pensamento criativo ao ressaltar o fato de ficar pensando no que fazer diante de uma situação que requer ações que ofereçam melhorias para a condição vivida. O pensamento criativo destina-se a capacidade de buscar alternativas disponíveis. É a busca por alternativas viáveis, utilizando as experiências vividas e recursos próprios do ambiente para recriar de forma a otimizar as situações diversas (WHO, 1997; Castellanos, 2001).
As habilidades para a vida foram relevantes para a elaboração de estratégias para o enfrentamento e superação das dificuldades pelos adolescentes na pandemia. Após o conhecimento das mesmas e a percepção de que muitas delas foram utilizadas, os adolescentes ressaltaram o quanto elas necessitam serem mais abordadas como, por exemplo, em ambiente escolar, para que mediante o aprendizado das mesmas, eles possam utilizá-las na busca de uma vida mais saudável, na vivência de relações positivas que aumentem a qualidade de vida, não somente em circunstâncias de pandemia, mas para a vida. A escola é um espaço pertinente para a construção de ações que podem possibilitar a melhoria da qualidade de vida (Organización Panamericana de la Salud, 2001).
A busca por uma forma de se viver melhor tornou as habilidades para a vida essenciais para a convivência, por proporcionarem autoconhecimento, respeito às diferenças, reflexões sobre seus atos e escolhas, com segurança e condições de administração das relações de forma a se obter bem-estar: “É uma maneira de viver melhor né? Viver melhor com a família” (P1); “Eu acho que sim, que é essencial para você ter convivência com qualquer pessoa, não precisa ser só com os familiares, com qualquer pessoa você precisa saber iniciar uma conversa, ter conhecimento pra você saber o que falar, é isso” (P2).
As habilidades para a vida são salutares para se conseguir lidar com o que está acontecendo, minimizando assim os efeitos colaterais advindos da pandemia: “Importante para conseguirmos lidar com tudo o que está acontecendo, querendo ou não nessa fase de pandemia, você acaba que percebe as coisas, você não era para estar vivendo o momento que está” (P3). Assim, foi perceptível nas falas dos adolescentes a consciência de que essas habilidades foram instrumentos utilizados por eles para enfrentarem da melhor maneira possível as dificuldades de relacionamento e demais obstáculos.
A pandemia, atrelada às medidas de prevenção da disseminação da COVID-19 como o isolamento social e distanciamento social, provocou inúmeros impactos na vida das pessoas. Os adolescentes foram impactados de forma especial no que se refere a impossibilidade de convivência com familiares e amigos. No entanto, vale ressaltar a importância da convivência familiar quando essa promove intimidade, união e melhoria significativa nas relações, desenhada através de uma maior e melhor convivência nos lares.
As habilidades para a vida foram apontadas pelos adolescentes como uma estratégia positiva para o enfrentamento dos desafios ocasionados pela pandemia, bem como, fundamentais para a vida. É momento de reflexão para atender às necessidades fundamentais nos quais os adolescentes e familiares necessitaram para os ajustes referentes às demandas geradas pela pandemia em suas vidas e qualidade de relacionamento. Assim, as habilidades para a vida são fundamentais para o manejo dos efeitos e desafios ocasionados pelo enfrentamento da pandemia da COVID-19 uma vez que elas possibilitam o desenvolvimento de competências que podem promover habilidades pessoais em favor e defesa da saúde e da vida.