Atravessados pela pandemia de COVID-19, gerou uma necessidade sem precedentes de investigar rapidamente os possíveis impactos para a saúde mental, com recortes específicos para as consequências no desenvolvimento infantil e as relações afetivas entre os membros do grupo familiar e os diversos contextos em que estão inseridos. Concomitante, a busca de recursos e fundamentos teóricos para lidar com tais fenômenos tem desafiado os profissionais a encontrar caminhos e sustentação em suas práticas em diferentes contextos.

Este cenário está retratado no presente número da Vínculo ao apresentar um conjunto de estudos, de uma construção teórica e reflexiva que objetivam contribuir com as nossas ações em prol da saúde mental.

Primeiramente não podemos deixar de reconhecer o que muitos estudos têm apontado sobre como a saúde mental de mulheres grávidas e puérperas piorou durante a pandemia, independentemente da condição em que tenham sido infectadas, tais efeitos afetaram desproporcionalmente grupos da população mais carentes. ( Firestein, Dumitriu, Marsh, Monk, 2022)

Muito já foi escrito sobre a maternidade e o vínculo mãe-filho, mas muito mais ainda pode ser dito, pois sabemos que se trata de um fenômeno que vai além dos aspectos biológicos, agregando componentes psicológicos, sociais, culturais e afetivos, que compõem a construção e consolidação dos vínculos, no exercício da maternidade e na interação em outros espaços.

Neste número tal contexto está representado nos três primeiros artigos em que a maternidade é apresentada em suas diversas facetas.

O primeiro, Idealização da maternidade e herança psíquica: reflexões no contemporâneo, aborda a transgeracionalidade e seus reflexos sobre o espaço da maternidade e de como esta é vivenciada num mundo em transformação. Ressalta-se a velocidade em que as mudanças que, antes aconteciam de uma geração para outra, hoje invadem as gerações e desafiam as famílias na construção de suas relações.

O segundo artigo, O psicanalista e sua inserção em uma instituição de saúde da gestante, nos apresenta como a maternidade pode ser cuidada nos serviços públicos, numa perspectiva de promoção de saúde.

O terceiro, A Relação Materno-Infantil e suas Implicações na Queixa Psicossomática, apresenta outra faceta nos estudos da relação mãe-filho e os impactos em processos de adoecimento.

Este conjunto, nos aponta como as relações iniciais no grupo familiar refletem a ancestralidade, os desafios deste grupo com questões que, nas últimas décadas, sequer eram abordadas. O artigo, Composição de grupo de diálogo sobre o tema gênero e sexualidade nas escolas, apresenta os resultados de uma pesquisa sobre as questões de gênero e como estas vão sendo construídas e ampliadas, conforme acontece as inserções de seus membros em contextos outros, como na escola.

Na sequência, o artigo, Novas Pontes na Escuta: Laços e Territórios Virtuais no Cuidado dos Migrantes e Refugiados, aborda os desafios da transposição para o atendimento on-line, de um grupo muito afetado pelas questões sociais inerentes à própria condição, ampliadas pela pandemia de COVID-19. A proposta utilizou do grupo terapêutico para um grupo que vivenciava o desenraizamento de suas origens, como recurso potente na concretude de um processo para auxiliar na construção de um caminho de pertencimento.

Em outra ponte de cuidados, o artigo Intervisão como instrumento de pesquisa e produção de conhecimento em saúde, aborda estratégias de cuidado para um dos grupos mais afetados no enfrentamento da pandemia. Trata-se de uma pesquisa voltada aos cuidados dos trabalhadores da saúde, no auge do enfrentamento da Pandemia de COVID-19. O recorte proposto apresenta o recurso da Intervisão, como um potente analisador para a metodologia de pesquisa utilizada, como também com a função de um duplo cuidado, de um lado os profissionais que atuavam no enfrentamento direto da pandemia e de outro aquele que se propunha a cuidar.

Como afirmado no início deste editorial, os reflexos da Pandemia de COVID-19 têm mobilizado estudos e a contribuição de uma revisão de literatura apresentada no artigo, Os Impactos da Pandemia para a Elaboração do Luto Infantil: Uma Revisão de Literatura, aborda os reflexos no processo de vinculação a partir do recorte do impacto na saúde mental para as crianças no enfrentamento de perdas, num momento crítico para o seu desenvolvimento.

Seguindo rumo a finalização deste número, o artigo Considerações sobre a construção da noção de objeto em psicanálise: Freud, Klein e Pichon-Rivière, foi produzido a partir de reflexões e questões que o autor identificou ao longo de processo de formação, em curso sobre manejo e coordenação de grupo. As discussões do trabalho mobilizam-se em torno da temática sobre noção de objeto em psicanálise e tem como sustentação teórica Freud, Melanie Klein e Pichon-Rivière.

Esta edição da Vínculo reuniu trabalhos que abordam conceitos sobre grupo e psicanálise vincular associados a contexto histórico, social, cultural e político vigente. Nesse sentido, o último artigo titulado como As Relações Intersubjetivas e os espaços de Simbolização fecha essa edição convocando o leitor a refletir sobre a importância de estratégias de grupo direcionados ao cuidado aos profissionais que cuidam. O trabalho ainda ressalta que as ações desenvolvidas produziram resultados significativos e que estes podem ser utilizados para implementações de políticas públicas.

Finalmente, é com grande satisfação que apresentamos esse número da Vínculo. Uma edição que convoca os leitores a conhecer e discutir sobre a saúde mental coletiva, social, política e vincular, do contemporâneo.

Referências

Firestein MR, Dumitriu D, Marsh R, Monk C. (2022) Maternal Mental Health and Infant Development During the COVID-19 Pandemic. JAMA Psychiatry,;79(10):1040–1045. doi:10.1001/jamapsychiatry.2022.2591

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