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O anti-grupo como fenómeno. Reflexão sobre as resistências nos grupos comunitários de articulação (inter)institucional
Mafalda Guedes Silva
Mafalda Guedes Silva
O anti-grupo como fenómeno. Reflexão sobre as resistências nos grupos comunitários de articulação (inter)institucional
The antigoup as a phenomenon. Reflection on the resistance in community groups of (inter)institutional articulation
El antigrupo como fenómeno. Reflexión sobre la resistencia en grupos comunitarios de articulación (inter)institucional
Vínculo - Revista do NESME, vol. 20, núm. 2, pp. 149-155, 2023
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
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Resumo

Objetivo: Com esta reflexão a autora pretende contribuir para uma maior compreensão dos fenómenos grupais presentes no trabalho de articulação (inter)institucional dos vários profissionais que intervêm na área da saúde mental comunitária.

Metodologia: Partindo da sua experiência a autora reflete sobre as múltiplas formas de resistência que podemos encontrar nos grupos de profissionais que intervêm na área da saúde mental comunitária, nomeadamente as resistências que diretamente se manifestam na articulação de âmbito interinstitucional entre profissionais relacionando, de entre outros, o conceito de anti-grupo, cunhado por Morris Nitsun, com os entraves ao funcionamento destes grupos (inter)institucionais.

Resultados: São identificados os fenómenos agressivos e destrutivos que se podem constituir como resistências e proposta a sua origem nos mecanismos psíquicos como a transferência, clivagens, deslocamentos, projeções e identificações projetivas.

Conclusões: O pensamento e compreensão grupanalítica do funcionamento dos grupos de trabalho é fundamental para que o potencial agressivo e destrutivo dos grupos não seja desvalorizado, ignorado ou estimulado, contribuindo para o seu sucesso.

Palavras-chave: Resistências, forças destrutivas, anti-grupo, grupos, grupanálise.

Abstract

Objective: With this reflection, the author intends to contribute to a greater understanding of the group phenomena present in the work of inter-institutional articulation in the field of community mental health.

Metodology: Based on her experience, the author reflects on the multiple forms of resistance that we can find in groups of professionals who intervene in the area of community mental health, namely the resistance that directly manifests itself in the inter-institutional articulation between professionals relating, among others, the anti-group concept, coined by Morris Nitsun, with the obstacles to the functioning of these inter-institutional groups.

Results: Aggressive and destructive phenomena that can constitute resistances are identified and their origin is proposed in internal mechanisms such as transference, cleavages, projections and projective identifications.

Conclusions: A groupanalytic thinking and understanding of the functioning of inter-institutional work groups is essencial so that the aggressive and destructive potential of groups is not devalued, ignored or stimulated, contributing to their success.

Keywords: Resistances, destructive forces, anti-group, groups, group analysis.

Resumen

Objetivo: Con esta reflexión, el autor pretende contribuir a una mayor comprensión de los fenómenos grupales presentes en el trabajo de articulación interinstitucional en el campo de la salud mental comunitaria.

Metodología: A partir de su experiencia, la autora reflexiona sobre las múltiples formas de resistencia que podemos encontrar en los grupos de profesionales que intervienen en el área de la salud mental comunitaria, a saber, la resistencia que se manifiesta directamente en la articulación interinstitucional entre profesionales que se relacionan, entre otros, el concepto de antigrupo, acuñado por Morris Nitsun, con los obstáculos para el funcionamiento de estos grupos interinstitucionales.

Resultados: Se identifican fenómenos agressivos y destructivos que pueden constituir resistência y se propone su origen en mecanismos psíquicos como la transferência, escisiones, desplazamientos, proyecciones y identificaciones proyectivas.

Conclusiones: El pensamiento grupoanalítico y la comprensión del funcionamento de los grupos de trabajo es fundamental para que el potencial agressivo y destructivo de los grupos no sea devaluado, ignorado o estimulado, contribuyendo a su éxito.

Palabras clave: Resistencias, fuerzas destructivas, antigrupo, grupos, grupoanálisis.

Carátula del artículo

Artigo Teórico

O anti-grupo como fenómeno. Reflexão sobre as resistências nos grupos comunitários de articulação (inter)institucional

The antigoup as a phenomenon. Reflection on the resistance in community groups of (inter)institutional articulation

El antigrupo como fenómeno. Reflexión sobre la resistencia en grupos comunitarios de articulación (inter)institucional

Mafalda Guedes Silva
Sociedade Portuguesa de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo Lisboa, Portugal
Vínculo - Revista do NESME, vol. 20, núm. 2, pp. 149-155, 2023
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares

Recepção: 02 Junho 2023

Aprovação: 21 Setembro 2023

“Nos indivíduos, a loucura é algo raro - mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra.” riedrich Nietzsche (1886) in Para Além do Bem e do Mal

Ao longo das duas décadas do meu percurso profissional participei ativamente em diversos grupos de trabalho de articulação (inter)institucional na área da saúde mental comunitária. Estas experiências, que fui aprendendo a observar e pensar numa perspetiva grupanalítica, enriqueceram-me com os desafios que me ofereceram e contribuíram, certamente, em muito, para a formação da minha identidade profissional. É sobre a compreensão grupanalítica destes grupos de trabalho que me proponho partilhar algumas reflexões. Nome damente, a compreensão de fenómenos grupais que se repetem e que podem ser apontados como resistências que não sendo identificadas e superadas podem destruir o potencial criativo do grupo e conduzir à sua destruição.

Sendo imperativo fazer escolhas e assumindo que esta não é uma abordagem exaustiva e detalhada sobre o tema, opto, conscientemente, de uma forma necessariamente incompleta, por me socorrer, essencialmente, do conceito de anti-grupo de Morris Nitsun (1996; 2015) para a compreensão grupanalítica destas resistências, ficando por explorar contributos de S. Foulks (1968; 1978), Pichon-Rivière (1998), W. Bion (1961), A. Dellarossa (1979), K. Lewin (1978), de entre muitos outros.

Os grupos comunitários de articulação (inter)institucional, a que me refiro são vulgarmente conhecidos como grupos institucionais de trabalho, ou grupos operativos na terminologia de Pichón-Rivière (1998). São formados por profissionais de uma mesma área ou pelo contrário de áreas diferentes que se reúnem, periodicamente, com a tarefa de articular recursos, discutir casos e gerar propostas terapêuticas para os clientes. Muitas vezes têm também a tarefa de organizar ações de formação para a comunidade e profissionais. Os participantes estão em representação da entidade para a qual trabalham. Tipicamente, estão representadas entidades da área da saúde, justiça, educação, social, segurança.

Geralmente, são grupos abertos, sem fim delimitado.

O dinamizador ou condutor do grupo é formalmente reconhecido e, habitualmente, quem originalmente teve ideia de constituir o grupo.

Em termos de dimensão podem ser médios ou grandes grupos, de acordo com a terminologia proposta por De Maré (1992). Se recorrermos ao critério da finalidade podem ser classificados como grupos de trabalho de tipo institucional ou grupos operativos na terminologia de Pichón-Rivière (1998).

Fui constatando que, estes grupos que nascem com o propósito de facilitar a articulação entre as entidades no sentido de oferecer respostas mais adequadas às necessidades de cada cliente (os clientes representam, geralmente, casos de famílias multiproblemáticas e multiacompanhadas) se confrontam com muitos boicotes internos e externos, não se perpetuando no tempo com a longevidade que seria de esperar.

A título de exemplo, alguns destes fenómenos a que me refiro e que identifico como resistências, são:

  • Não realizar as tarefas fundamentais ao funcionamento do grupo;

  • Os pedidos consecutivos para alterar data e horário das reuniões previamente agendadas;

  • A não comparência às reuniões;

  • As frequentes faltas aos encontros, mas nos intervalos de tempo entre as reuniões, os profissionais (de forma mais ou menos consciente) contactam telefonicamente ou por email para tratar de assuntos que poderiam e deveriam ser trazidos para o grupo de trabalho, esvaziando o espaço de encontro primordial do grupo. Ou, o tempo das reuniões é ocupado com frivolidades e nas pausas ou no final do encontro, em subgrupos privados, os profissionais expõem, partilham, os assuntos efetivamente relevantes e que se enquadram nas tarefas do grupo.

  • Dispêndio de tempo, desproporcional aos resultados, durante os encontros a questionar constantemente o porquê de os membros faltarem e retirada do foco naqueles que estão presentes e participam ativamente contribuindo para o sucesso do grupo;

  • Críticas destrutivas constantes às propostas/ideias partilhadas e decisões no grupo;

  • Excesso de preocupação com detalhes desviando o foco da tarefa do grupo;

  • Focar nos problemas e não em encontrar as soluções/alternativas para os mesmos;

  • Demorar a responder às comunicações/solicitações.

Observando estes e outros fenómenos ao longo dos anos tenho experienciado diferentes emoções e sentimentos. Da irritação, à perplexidade, passando pela desilusão e desesperança, voltando ao entusiasmo baseado na crença de que a riqueza da diversidade das discussões em grupo supera os obstáculos.

Em diálogo interno ou em conversa com colegas muitas vezes aventamos possibilidades de entendimento destes fenómenos que se constituem como resistências aos grupos de trabalho. Serão devidos a inseguranças quanto à sua competência técnica o que leva a projeções negativas nos outros profissionais, serão devidos a rivalidades fraternas reativadas no grupo? O receio do grupo como uma ameaça à identidade individual?

Por exemplo, não raras vezes, estes grupos que têm a importante função de favorecer a comunicação (inter)institucional, estão minados por mal-entendidos, apelidados por Zimerman (2010) de o grande mal da humanidade. E que creio, tal como sugere I. Neto (2017) em algumas das suas comunicações públicas, advirem do emprego excessivo de identificações projetivas nas relações interpessoais (mecanismo de defesa em que cada pessoa deposita e atribui a outra tudo aquilo que detesta e não suporta em si própria). Um aprofundamento deste mecanismo de defesa, não é o objeto desta reflexão e conduzir-nos-ia, inevitavelmente, a outras temáticas complexas tais como a inveja, ciúme, rivalidades, ansiedades, identificações.

Do que tenho observado, o papel do dinamizador, condutor ou coordenador do grupo de articulação (inter)institucional é fundamental no seu desenvolvimento e evolução. Se o condutor do grupo não conhece os processos grupais e/ou não está consciente da relevância da sua função, nomeadamente, no manejo das resistências de modo a conduzir o grupo a atingir os seus objetivos, fenómenos como os que acima referi, vão intensificar-se e constituir-se como fortes resistências ao trabalho do grupo, podendo provocar impasses no seu funcionamento ou mesmo a sua destruição.

A busca por uma compreensão grupanalítica destes fenómenos tem-me sido fundamental neste percurso para uma posição de participação criativa e construtiva. Proponho um enquadramento destes fenómenos como manifestações do anti-grupo ( Nitsun, 1996; 2015).

Sobre os grupos

Os grupos operativos foram introduzidos na prática grupal por Pichon-Rivière, psicanalista argentino, que desde a década de 40 do século XX se dedicou à sua sistematização e divulgação. E que foi inspirar-se nos trabalhos de Kurt Lewin (1978) sobre a dinâmica dos grupos. Tubert-Oklander, citado por Osório (1997) salienta que o grupo operativo se refere a uma “forma de pensar e operar em grupos que se pode aplicar à coordenação de diversos tipos de grupos” p.87.

Zimerman (2010) alerta-nos para que a “atividade do coordenador dos grupos operativos deve ficar centralizada unicamente na tarefa proposta, sendo somente nas situações em que os fatores inconscientes inter-relacionais venham a ameaçar a integração ou a evolução exitosa do grupo que cabem eventuais intervenções de ordem interpretativa” p.91.

Bion (1961) expõe na sua perspetiva original, que os seres humanos são uma espécie profundamente ambivalente face aos grupos. Se por um lado o Homem se sente atraído pelo poder que os grupos podem conferir, por outro, receia a fusão e a perda de identidade. Nesta linha de pensamento, Nitsun (1996) destaca que a vida de um grupo é inerentemente paradoxal. As características dos grupos que mais assustam e afastam os indivíduos são também o que de melhor podemos retirar da experiência de estar em grupo. Os grupos só existem com as pessoas, não são uma entidade nem um organismo com existência própria.

Com esta ideia presente, Nitsun (1996; 2015) defende que não podemos compreender o futuro do grupo sem atendermos à noção de anti-grupo, argumentando que as resistências para com os grupos nos diversos contextos são uma expressão de uma ansiedade mais profunda acerca dos grupos na sociedade ocidental, que se reflete por exemplo nas políticas de gestão, na valorização ou mesmo na autorização para dinamizar e participar de grupos de articulação (inter)institucional.

Os grupos e o anti-grupo

O conceito de anti-grupo foi apresentado por Morris Nitsun pela primeira vez no início da década de 90 do século XX. Muito sucintamente podemos sintetizá-lo como o conjunto de fenómenos agressivos e destrutivos latentes e manifestos, potenciais e atuais de um grupo.

A descrição original do conceito apresentada pelo autor é a seguinte (1996, p.44-45):

O anti-grupo é um termo amplo que descreve os aspetos destrutivos dos grupos que ameaçam a integridade do grupo e o seu desenvolvimento terapêutico. Não descreve uma ‘coisa’ estática, que ocorre em todos os grupos da mesma forma, mas sim um conjunto de atitudes e impulsos, conscientes e inconscientes, que se manifestam de forma diferente em diferentes grupos. Eu [Morris Nitsun] acredito que, a maioria, se não todos os grupos contêm um anti-grupo, mas enquanto em alguns grupos ele é resolvido de forma relativamente fácil, noutros pode minar e destruir as fundações do grupo. Por causa disto é essencial percebermos as suas origens. Assim como creio, que o manejo bem-sucedido do anti-grupo representa um ponto de viragem no desenvolvimento do grupo. Ao ajudar o grupo a conter o seu próprio anti-grupo, não só reduzimos as possibilidades de atuação das forças destrutivas, como o grupo é fortalecido, a sua sobrevivência é fortalecida e o seu potencial criativo libertado. (tradução livre da autora).

O anti-grupo não é concebido como uma força monolítica que inevitavelmente destrói os grupos. Em vez disso, é perspetivado como uma relação complementar entre os processos criativos de grupo, mas que requer reconhecimento e manejo para que o desenvolvimento construtivo do grupo possa prosseguir sem obstruções relevantes. O conflito entre criatividade e destrutividade é visto em si mesmo como criador. Neste sentido o conceito de anti-grupo mantém-se fiel à tradição de Foulkes (1968; 1978), que valorizou o grupo e identificou o seu inerente potencial como recurso psicoterapêutico e difere de Bion (1961), que perspetivava a regressão que ocorre dentro dos grupos como um sistema destrutivo fechado.

O anti-grupo tende a evocar considerável desespero e sentimentos de fracasso no condutor do grupo. Rapidamente pode sentir culpa por o grupo não estar a trabalhar bem. Sentimentos de desesperança no condutor do grupo podem ser um importante sinal de identificação do anti-grupo em ação. E claro, esta situação, vai por sua vez despoletar as próprias tendências de anti-grupo do condutor. E assim, a sua capacidade de tolerar o anti-grupo e lidar com o fenómeno vão influenciar a sua resolução. A posição do condutor face ao anti-grupo é crucial na determinação dos resultados do grupo.

O anti-grupo não é um fenómeno unitário que ocorre em todos os grupos da mesma forma. É sim, uma parte de um processo cuja expressão varia consideravelmente de grupo para grupo, ou em diferentes momentos dentro de um mesmo grupo. Reconhecer e lidar com o anti-grupo requer um conhecimento dessas diferentes manifestações e de como são influenciadas pelas variáveis no processo de grupo.

Nitsun (1996), aplicou o conceito de anti-grupo a uma ampla variedade de perspetivas do grupo: como uma metáfora descritiva, como um paradigma explicativo e como um princípio crítico, o que pode parecer como excessivamente inclusivo.

Face às críticas que o conceito foi recebendo, argumentou que o anti-grupo é um constructo, uma preposição abstrata e metafórica que pretende descrever um processo, altamente, variável em diferentes grupos e dentro do próprio grupo, e não, uma entidade concreta e estática.

O conceito tem uma base psicológica e não religiosa e postula a noção de ambivalência saudável em vez de uma conceção moralista do bom e do mau.

O conceito não implica uma posição de anti-grupo no sentido desvalorativo. Mas sim, ambiciona elucidar sobre a natureza paradoxal dos grupos e o seu potencial destrutivo, essencialmente, com o propósito de maximizar o potencial criativo dos grupos.

Encontramos em Bion (1961), possivelmente, a teoria mais relevante e diretamente ligada ao anti-grupo. Nitsun (1996) sugere que os pressupostos básicos são fundamentalmente anti-grupos, minam a capacidade do grupo para atingir os seus objetivos. O grupo é preservado, mas à custa do desenvolvimento pessoal e do desenvolvimento do grupo. Os pressupostos básicos destroem a capacidade do grupo de gerar soluções realistas. No fundo a preservação do grupo é uma ilusão, o que é preservado é a concha, o invólucro do grupo. Paradoxalmente, a fantasia de preservar o grupo conduz ao seu enfraquecimento e possível destruição.

O anti-grupo está implícito na organização e estrutura dos grupos de pressupostos básicos, uma vez que revela a ausência de uma formação atual no sentido da coesão intra-grupal.

Grupos de pressupostos básicos não funcionam como grupos. No pressuposto da Dependência, o grupo encontra-se fortemente organizado em torno do líder, criando uma massa indiferenciada, uma relação dual virtual entre o líder e esta massa indiferenciada. No pressuposto da Luta-Fuga, o grupo pode dispersar ou mesmo desaparecer na fase da Fuga e dividir-se em sub-grupos durante a fase de Luta, mais uma vez desintegrando o grupo. No pressuposto do Emparelhamento, a enfase é no casal, numa relação dual fantasiada onde os restantes membros são espectadores. Todos estes grupos evitam as verdadeiras interações de grupo e neste sentido são anti-grupos.

O conceito de anti-grupo não pretende apresentar-se como uma exaustiva teoria do comportamento, mas almeja alcançar um equilíbrio entre as forças construtivas e destrutivas nos grupos. A precaução e pessimismo inerente ao conceito de anti-grupo tem uma afinidade com o trabalho de Bion (1961), mas tal é contrabalançado pela crença no potencial criador do grupo e na sua capacidade para lidar com a realidade, o que se enquadra na tradição Foulksiana.

Os fenómenos agressivos e destrutivos já eram conhecidos e reconhecidos pela grupanálise, Nitsun (1996) destacou-se por os valorizar e colocar conceptualmente a par dos fenómenos de vinculação positiva. Por exemplo, E. Cortesão (2008) cunhou o conceito de equilíbrio estético que, já na época de 80 do século XX, defendia este ponto de vista.

Também Zimerman (1997), no capítulo dedicado aos fundamentos técnicos refere a propósito do manejo das resistências que o melhor instrumento técnico que um coordenador de grupo pode possuir para enfrentar as resistências é o ter uma ideia clara da função que estas representam naquele momento do grupo. Acrescentando mais à frente que o condutor de um grupo operativo deve estar desperto para a possibilidade dos pressupostas básicos identificados por Bion (1961), emerjam interferindo com o cumprimento da finalidade da tarefa do grupo de trabalho.

Em síntese

O conceito de anti-grupo, cunhado por Nitsun (1996), refere-se ao conjunto de fenómenos agressivos e destrutivos latentes e manifestos, potenciais e atuais de um grupo.

Num grupo, quer este seja operativo ou psicoterapêutico devemos identificar os fenómenos destrutivos quando estes se tornam explícitos de forma mais ou menos clara e aparente. Como reforça I. Neto em muitas das suas comunicações orais a violência não deve ser evitada ou negada, mas sim compreendida para se poder transformar em atitudes mais criativas e adequadas em relação ao próprio e aos outros.

Na mesma linha, Garland (2010), no livro The Groups Book, destaca que os processos destrutivos são inerentes a todos os grupos, desde os pequenos grupos clínicos e de profissionais a organizações mais amplas e à sociedade como um todo. O potencial para atividades destrutivas ou criativas nos grupos está ligado à capacidade do grupo de agir como contentor e refletir sobre si mesmo e os seus limites.

Na origem destes fenómenos agressivos e destrutivos identificamos frequentemente mecanismos psíquicos como a transferência, clivagens, deslocamentos, projeções e identificações projetivas, Garland (2010) e Melo (2005). O pensamento e compreensão grupanalítica destes fenómenos é fundamental para que o potencial agressivo e destrutivo dos grupos não seja desvalorizado, ignorado ou estimulado.

Os desencadeantes destes fenómenos podem ser mais ou menos previsíveis, como nos alerta I. Neto (2017). Os mais previsíveis, tendem a ser comuns a todos os grupos. Por exemplo, a(s) tarefa(s) do grupo, saída de membros e entrada de novos membros. Os menos previsíveis encontram-se mais dependentes da organização mental de cada membro do grupo, o condutor incluído.

Os grupos tendem a reproduzir a dinâmica da fratria. I. Neto (2017), cita Franz Wallendorf, particularmente, no seu livro “Siblings”, onde refere que os irmãos, ao contrário dos pais, não fazem falta ao bebé para que possa sobreviver. Aprender a conviver com outros seres seus pares, e tirar disso até prazer e vantagens, é um dos resultados da saudável transformação do narcisismo primário. É um processo difícil, em que surgem necessariamente rivalidades e conflitos de que decorrem sentimentos difíceis de suportar e aceitar, a par de amizade e cumplicidade. Estes grupos de trabalho são um redondel ilustrativo desta dificuldade.

A grupanálise oferece um conhecimento único das relações que se estabelecem nos diversos grupos e dos processos de comunicação que ocorrem tanto nos pequenos, médios como nos grandes grupos.

Uma das grandes mais-valias de um grupo analisado e conduzido com uma atitude grupanalítica, é então a identificação, compreensão, e desejavelmente a resolução de mal-entendidos.

O conjunto de interações e relações que um grupo proporciona inclui também um conjunto de espelhos, mais ou menos realistas. O espelhar pode ser fortemente distorcido transferencialmente podendo atingir níveis de grande destrutividade. Este fenómeno verifica-se tanto em grupos de trabalho como em grupos psicoterapêuticos. Um grupo compreendido e conduzido com uma atitude grupanalítica pode ser corrigido nas suas distorções com consequências positivas nas diferentes dimensões da vida (pessoal e profissional).

Esta compreensão grupanalítica das resistências aos grupos comunitários de articulação (inter)institucional que partilhei tem-me sido fundamental para não desistir de acreditar e defender a importância dos grupos operativos na articulação (inter)institucional no trabalho em saúde mental comunitária. Tem-me permitido ressignificar muitas adversidades e sobretudo a não deixar de participar e de me envolver ativamente nestes grupos de trabalho. Espero contribuir com estas reflexões para incitar a resiliência nos diversos profissionais que intervêm no âmbito da saúde mental comunitária.

Material suplementar
Referências bibliográficas
Bion, W. (1961). Experiences in Groups and other papers. Tavistock.
Cortesão, E. L. (2008). Grupanálise Teoria e Técnica. 2ᵃ edição. SPGPAG.
Dellarossa, A. (1979), Grupos de Reflexión. Paidós.
De Maré, P.; Piper, P. et Thompson, S. (1991). Koinonia: From Hate, Through Dialogue, to Culture in the Large Group. 2 nd Edition. Karnac Books.
Foulks, S.; Anthony E. (1968). Group Psychotherapy. The Psychoanalytic Approach. reprinted. Penguin Books, Ltd.
Foulks, S. (1978). Group-Analytic Psychotherapy. Method and Principles. reprinted. Gordon and Breach.
Garland, C. (2010). The Groups Book. Psychoanalytic Group Therapy: Principles and Practice. Karnac Books.
Lewin, K. (1978). Problemas de dinâmica de grupo. Cultrix.
Melo, J. C. (2005) As faces do inconsciente. Perspectivas da Psicanálise e da Grupanálise. Climepsi Editores.
Neto, I. (2017). Quem tem medo dos grupos terapêuticos? Paradoxos e mais valias. Vínculo, 14(2), 01-17. Recuperado em 05 de maio de 2023, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902017000200002&lng=pt&tlng=pt.
Nitsun, M. (1996). The Anti-Group. Destructive forces in the group and their creative potential. Routledge.
Nitsun, M. (2015). Beyond the Anti-Group. Survival and Transformation. Routledge.
Pichon-Rivière, E. (1998). O processo grupal. reimpressão. Martins Fontes
Zimerman, D. (2010). Fundamentos Básicos das Grupoterapias. 2ᵃ edição – reimpressão. Artes Médicas.
Zimerman, D.; Osório, L. e col. (1997). Como Trabalhamos com Grupos. Artes Médicas.
Notas
Autor notes

Nota da autora: Este artigo é baseado na comunicação oral temática apresentada no XIV Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares. Intitulado “Dos escombros à reconstrução: os grupos, a Psicanálise Vincular e a produção de saúde”, realizado de 4 a 7 de maio de 2023 – Evento híbrido - Serra Negra – São Paulo, Brasil.

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