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Circuitos comunicacionais da imprensa no Brasil do século XIX: olhares sobre o momento iniciala
Communication Circuits of the Brazilian Press in the 19th Century: Perspectives About the New Moment
Matrizes, vol. 16, núm. 1, pp. 77-99, 2022
Universidade de São Paulo

DOSSIÊ


Recepción: 10 Agosto 2021

Aprobación: 26 Diciembre 2021

DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v16i1p77-99

Resumo: O artigo reflete sobre os momentos iniciais da imprensa no Brasil, abordando dois movimentos: o aparecimento do primeiro jornal diário do país, O Diário do Rio de Janeiro, e os circuitos comunicacionais da imprensa da capital do Império para as províncias do interior e destas para o Rio de Janeiro, na década de 1820, mostrando fluxos, contrafluxos e diálogos comunicacionais. Para exemplificar os circuitos comunicacionais em formação, tomamos como objeto de observação o primeiro ano de circulação do jornal mineiro O Universal (1825). Busca-se mostrar que cristalizações sobre a história da imprensa podem ser objetos de revisão historiográfica quando o olhar comunicacional se debruça sobre esse universo histórico.

Palavras-chave: Jornais, história, século XIX, Diário do Rio de Janeiro, O Universal.

Abstract: The article discusses about the first moments of the press in Brazil, pointing out two movements: the creation of the first daily newspaper of the country, O Diário do Rio de Janeiro; and the communicational circuits of the press from the Imperial capital to the inland provinces and the opposite, in the 1820s, revealing the communicational flows, counterflows and dialogues. To exemplify the forming communicational circuits, we use as object of observation the first year of circulation of the Minas Gerais newspaper O Universal (1825). We show the crystallizations about the story of the press that might be object of historiographic review when the perspective is on this historical universe.

Keywords: Newspapers, history, 19th century, Diário do Rio de Janeiro, O Universal.

AINDA QUE SEJA uma espécie de consenso reconhecer que a expansão dos jornais a partir de 1820 se insere no movimento de formação de uma opinião pública que fazia dos impressos a possibilidade de ecoar opiniões em torno do momento político em que se vivia, há recorrentemente nos estudos históricos sobre a imprensa do período a identificação de duas tipologias editoriais nos periódicos: as gazetas e os jornais. Entretanto, há que se acrescentar outros tipos, incluindo também os diários, que, como veremos no decorrer do artigo, possuem especificidades tanto em relação às gazetas como aos jornais.

Os que faziam da opinião virulenta, da tomada de posição política explícita, o sentido das próprias publicações, além de divulgar outras informações (diríamos hoje notícias) nacionais e estrangeiras, eram as gazetas. Já os que tomavam para si a missão de esclarecer, tendo como objetivo levar as luzes aos leitores, dividindo os assuntos entre temáticas científicas, literárias, artísticas, entre outras, com a clara tendência de difundir conhecimentos científicos, eram os jornais. Mas havia ainda os que se ocupavam prioritariamente de questões do cotidiano, publicando avisos, informações as mais variadas, sob demanda dos próprios leitores. Esse conteúdo diferenciado era veiculado, sobretudo, nos jornais diários, que passaram a circular na Corte em 1821. Portanto, mesmo no momento inicial da imprensa no Brasil, observamos pelo menos três modelos de difusão das letras impressas sob a forma periódica, sendo os mais correntes as gazetas e os jornais1.

A imprensa informativa e comercial só mudaria com os debates sobre a independência, fator decisivo também para a proliferação de periódicos, folhetos e panfletos, impressos múltiplos destinados à propagação das ideias políticas. Paulatinamente, a imprensa afastou-se do modelo das gazetas do antigo regime, e assistiu-se à proliferação dos jornais de opinião, que travariam disputas acirradas para conquistar a opinião pública, conseguindo adeptos que com eles se identificassem e que passassem a ser leitores sistemáticos da mesma publicação. Mas a organização editorial e o valor simbólico das antigas gazetas permaneceram como modelo de jornalismo nos jornais diários da Corte.

Neste artigo nos ocupamos dos momentos iniciais de explosão da palavra impressa no Rio de Janeiro (Barbosa, 2013), quando houve a formação de verdadeiras redes de comunicação na cidade, de 1820 a 1829, e da Corte pelo território brasileiro, produzindo-se a interligação dos círculos letrados (Morel & Barros, 2003, p. 47). Assim, procuramos refletir sobre dois processos: o início da circulação dos jornais diários no Rio de Janeiro, mostrando o que particularizava um diário em comparação aos outros periódicos de circulação mais alargada do ponto de vista temporal; e os circuitos de comunicação que se formavam nos jornais da Corte, observados a partir do primeiro diário a circular na cidade, o Diário do Rio de Janeiro, e também nos jornais das províncias em relação aos da capital e vice-versa, particularizados a partir da análise do primeiro ano de circulação do jornal mineiro O Universal (1825).

Enquanto na capital do Império as notícias dominantes eram da própria cidade ou do exterior (com base em fontes de informação que incluíam sistematicamente a republicação de notícias dos jornais europeus), nos periódicos das províncias a republicação de notícias que circularam anteriormente na Corte era mais frequente. O fluxo das informações, portanto, possuía uma singularidade: do exterior para a capital e da capital para o interior. Vê-se ainda que havia tanto nos jornais das províncias como nos da Corte referências e republicações de longos trechos já publicados nas cidades onde eram originalmente impressos. Havia, então, um diálogo expressivo entre a imprensa da Corte e as províncias, bem como dessas e a imprensa do Rio de Janeiro. Ainda que o fluxo das notícias fosse exponencialmente maior do centro político do Império em direção às províncias, havia também o redirecionamento das informações das províncias para os periódicos da cidade imperial.

Olhar para o início do século XIX pressupõe interpretar e imaginar cenários que trazem muitas surpresas. Em relação à publicação do primeiro diário do país, o Diário do Rio de Janeiro, verificamos a criação de uma teia de significações da palavra impressa todos os dias e que alcançava um público que incluía também aqueles que pertenciam às diversas classes e que passaram a construir um diálogo permanente com o periódico2. É um pouco desse processo, procurando desvendar os modos de produção e as práticas administrativas e editoriais da publicação, que descrevemos a seguir. Tomamos o Diário como exemplo, menos pelo fato de ter sido o primeiro jornal diário a circular no país, mas por ter estabelecido uma série de ações para se aproximar de seus possíveis leitores e que redundaram no imediato sucesso do periódico, como veremos na primeira parte do artigo.

O DIÁRIO: MUITAS VOZES NA CENA URBANA

Nos dias anteriores à publicação do Diário do Rio de Janeiro, foi deixada em lugar bem visível na loja de livros de Manuel Joaquim da Silva Porto, na Rua da Quitanda, esquina da Rua São Pedro, no centro mais movimentado da cidade imperial, o Rio de Janeiro, uma caixa para quem quisesse ali colocar anúncios e notícias.

A estratégia antecedeu a publicação do primeiro jornal diário que circulou no Brasil. Ao contrário das outras publicações já editadas na cidade3 e mesmo em outras províncias e de todas as que também apareceram em 1821, um ano em que se viu o início do que pode ser definido como explosão da palavra impressa, o periódico passaria a ser publicado todos os dias. Para isso, precisava de material para encher as suas quatro páginas de domingo a domingo, invariavelmente. A caixa que receberia as diversas colaborações dos leitores seria recolhida às 16h, e no dia seguinte se prometia que essas colaborações estariam inseridas no jornal, com “a maior prontidão possível, e com toda a razoável imparcialidade”, às 8h30 (Diário do Rio de Janeiro, 1821, para. 3).

O “plano para o estabelecimento de um util e curioso DIARIO nesta Cidade” (Diário do Rio de Janeiro, 1821), que anunciou a sua publicação a partir de 1º de junho de 1821, apresentava o planejamento para a distribuição dos assuntos por suas quatro páginas. Primeiramente, as “observações meteorológicas, feitas no dia antecedente às sete horas da manhã, ao meio-dia, e às cinco horas da tarde”, que correspondiam às “horas do nascimento, da passagem pelo meridiano e o ocaso do sol” e, na sequência, às horas das marés (“preamares e baixa-mares neste Porto”) (Diário do Rio de Janeiro, 1821, para. 2). Essas informações eram consideradas de “utilidade”. Em segundo lugar, os escritos do público: “Todos e quaisquer anúncios ou notícias particulares (que convenham e seja lícito imprimir) inclusive os dos divertimentos e espetáculos públicos, que houverem de ter lugar em cada um dos dias” (Diário do Rio de Janeiro, 1821, para. 4). Além disso, pedia-se a todas as pessoas que quisessem “coadjuvar neste utilíssimo trabalho e dele se quiserem servir” (Diário do Rio de Janeiro, 1821, para. 3), no caso do primeiro número, que entregassem seus anúncios desde 30 de maio na caixa da loja de livros, para cumprir a finalidade de recolher escritos. Não se cobraria nada por isso.

Observam-se nessa carta de intenções destinada aos possíveis leitores algumas pistas sobre o sentido de tempo predominantemente narrado. As horas do dia eram fundamentais para definir não apenas o cenário de luz e sombra da cidade, marcado pelo dia ou pela noite, mas as intempéries que sobre ela podiam se abater. O movimento das marés acrescentava mais uma informação do mundo da natureza essencial para regular a vida cotidiana. O nascer do dia, o seu meio e o seu fim marcavam o fluxo da vida, assim como o movimento das marés, numa cidade em que as atividades em torno do movimento nos portos tinham múltiplos significados: notícias, informações variadas, o mundo econômico e político, as idas para lugares distantes e as vindas desses.

No plano, as promessas em relação ao tempo preciso também sobressaíam. Para que o jornal pudesse sair impreterivelmente às 8h30, era necessário deixar os escritos na caixa da livraria até as 16h. A partir daí começava o processo produtivo, durante toda a noite. Depois de separar os escritos por temáticas, era preciso escolher os que figurariam no jornal e a sua ordem. No dia seguinte, as informações apareceriam nas suas páginas, divididas por rubricas: Correios, Notícias particulares, Obras publicadas, Achados, Vendas e, por último, os divertimentos e espetáculos públicos, normalmente informações sobre as representações no Real Theatro de São João. Os pequenos títulos que antecediam as informações variavam de edição para edição.

Ao anunciar o empreendimento, o tipógrafo Zeferino Vito de Meireles4, editor do periódico, destacava na primeira linha do plano que estava “convencido da utilidade que ao público resultará um diário” (Diário do Rio de Janeiro, 1821, para. 1).

A palavra diário do título do periódico aparece desde o primeiro número sobreposta à imagem de um anjo alado tocando trombeta, numa clara alusão à figura mitológica do Apocalipse, que anuncia a erupção de algo profundamente transformador e que resume a metáfora da difusão das letras impressas para o Diário: anunciar amplamente (como a sonoridade sugere) a chegada da voz pública, numa referência também à alegoria mitológica romana. As ideias e as informações que circulariam acrescentavam-se ao trânsito de mercadorias pela cidade. As informações cotidianas colocadas naquelas páginas pelos leitores tinham valor de troca e adquiriam novo sentido para a expansão comunicacional em outras teias de expressão, representadas pelos impressos.

O fato de dividirem os escritos que o público poderia encaminhar para o jornal entre anúncios e notícias particulares mostra que havia, não só por parte do redator, mas também do público, a percepção da diferença entre esses dois tipos de texto. Os anúncios diziam respeito às vendas de escravos, casas, chácaras e diversos outros produtos que os proprietários gostariam de negociar, além de achados e perdas das mais variadas naturezas, incluindo com destaque o desaparecimento de escravizados. Já as notícias particulares se referiam a informações sobre entrada e saída de navios, chegada de correspondências ou outras de inúmeros tipos e sobre as quais havia a percepção da necessidade de ampliação do seu circuito de leitura para o espaço público. Ou seja, enquanto os anúncios estavam relacionados diretamente à questão pecuniária, as notícias amplificavam um fato particular para um grupo mais amplo. Profissionais que desejavam ser conhecidos, obras que estavam sendo impressas, navios que iriam partir e estavam recebendo carregamentos, estabelecimentos e suas práticas comerciais estavam entre os muitos assuntos das notícias particulares, que eram sempre enunciadas pelas expressões verbais “faz público” ou “faz saber”5.

As pistas do século XIX deixam ver que o sucesso do Diário foi imediato. Um mês depois do seu aparecimento, já se editava cada número com oito páginas e, em 5 de julho, o redator anunciava a impossibilidade de imprimir regularmente mais de mil exemplares na Impressão Régia. Atingira, segundo informava, mais de 800 subscritores e, diante desse fato, não era possível ampliar o número de exemplares para novos “subscritores” nem “expor a venda pública” o diário. Ampliar o número de exemplares poderia levar a Impressão Regia a parar “sensivelmente o serviço próprio” (de Meirelles, 1821a, p. 31)6.

A limitação de espaço e a procura pela inserção de informações por parte do público obrigaram o redator a informar na edição do dia seguinte que deixara de inserir “muitos dos referidos Anúncios e Notícias” e que ele os incluiria segundo a ordem de chegada. Por razões de “imparcialidade”, iria, a partir daquele momento, numerar os textos recebidos, o que poderia facilitar também as justificativas da não publicação. No mesmo comunicado, dizia ainda que aumentaria o número de folhas do diário e o preço de cada assinatura, que passaria de 640 a 960 réis mensais. Anunciava também que a venda pública do Diário passaria de 40 para 60 réis (de Meirelles, 1821b, p. 39)7.

Apesar das dificuldades iniciais, o Diário anunciou na edição de 9 de julho que conseguira não apenas publicar mais exemplares, como também espalhar mais caixas por estabelecimentos comerciais, até mesmo em regiões distantes do centro nervoso da cidade, usando as boticas. Desde a edição de 4 de junho, Zeferino manifestara o desejo de “poder repartir a Cidade em diferentes Distritos de razoável extensão, onde houvesse as respectivas Caixas, e os criados indispensáveis para o pronto e regular serviço do Diário” (de Meirelles, 1821c, p. 55). Agora tinha a satisfação de informar que o periódico seria colocado à venda em sete novos pontos e que neles haveria também caixas para o depósito de anúncios e notícias: tudo isso em “boticas, na qual está constantemente exposta ao público uma Caixa do Diário, e onde se vendem também os Diários” (de Meirelles, 1821c, p. 56). A expansão da circulação do periódico deveu-se à “simplificação do trabalho”, o que teria permitido “a impressão de maior número de exemplares quotidianamente” (de Meirelles, 1821c, p. 56). A partir daquela data, o Diário e suas caixas de recolhimento de anúncios e notícias podiam ser encontrados em duas boticas da Rua da Quitanda, em uma da Rua dos Ferradores, outra da Rua dos Barbonis, uma no Largo das Laranjeiras, uma na Cidade Nova e uma na Rua do Mata Porcos. Ampliava-se, assim, consideravelmente a área de circulação do periódico pela cidade, tanto em direção ao norte como ao sul.

O Diário informava ainda aos leitores os limites dos sete distritos por onde circulava e detalhava o número de subscrições em cada um deles: 398, no primeiro; 295, no segundo; 152, no terceiro; 122, no quarto; 13, no quinto, que já saía da área central da cidade, uma vez que compreendia o espaço do Chafariz da Glória até Botafogo e o Largo das Laranjeiras; 40 subscrições, no sexto, na direção oposta, incluindo toda a Cidade Nova, a Gamboa e o Costão da Saúde; e, finalmente, quatro subscrições, no sétimo distrito, que compreendia São Cristóvão, o Engenho Novo e o Engenho Velho. Os proprietários das boticas recebiam mensalmente 5% de todas as subscrições dos seus distritos e dos diários avulsos que vendessem. Somando todas as subscrições, totalizava-se mais de mil exemplares de assinaturas (de Meirelles, 1821d). A estratégia do redator, o que explica também o número sempre crescente de assinaturas, era a prioridade que dava à publicação de anúncios e notícias particulares daqueles que fossem assinantes do periódico.

Assim, com pouco mais de um mês de circulação, o periódico alcançava a impressionante marca de mais de mil exemplares vendidos por dia. Além disso, a estratégia que Zeferino adotou de espalhar caixas para o recebimento de escritos do público indica a formação de um diálogo prolongado com o leitor, que inicialmente se vinculava ao diário pelo sentido prático de este lhe prestar um serviço que não poderia ser oferecido senão por um meio capaz de tornar públicas suas demandas. A solução do problema era frequentemente apregoada pelo próprio jornal como “resolução do anúncio”.

A ampliação da voz privada ao espaço público, tornando-a de conhecimento de ampla gama de pessoas, e os resultados positivos dessa ação – quando não tinham publicados os seus anúncios, os leitores reclamavam com intensidade – construíram os sentidos da palavra pública na cidade e, ao mesmo tempo, tornaram os periódicos imprescindíveis para os seus leitores. O valor da palavra impressa ganhava ainda contornos de ampliação dos territórios da fala para além do interlocutor imediato. As demandas do público, seus anúncios e as notícias expandiam-se pelos jornais nas ruas da cidade muito além do que a vista poderia alcançar. Construíram-se, portanto, múltiplos trânsitos da palavra impressa. Por esta, podia-se saber o preço das mercadorias, tomar contato com anúncios de compra e venda de coisas variadas, usadas ou novas, comprar, vender ou trocar escravos, bem como conhecer muitos outros assuntos relacionados ao comércio local. Por meio do periódico, era possível tomar conhecimento de publicações impressas na cidade, da entrada dos navios nos portos e de alguns atos oficiais do governo. Tratava-se de um mosaico de informações percebidas como úteis à vida cotidiana do público leitor.

ENTRE O VINTÉM E A MANTEIGA (E OS “MULEQUES”)

Cinco anos após o início da sua publicação, o Diário do Rio de Janeiro era qualificado como periódico da moda por outros jornais que circulavam pela cidade. Os apelidos pelos quais era conhecido, Diário de Vintém ou Diário da Manteiga, corriam muito além do Rio de Janeiro. Qualificado como “amigo de todo o povo desta cidade”, como “o jornal do rico e do pobre”, o “corretor de todos os negócios grandes e miúdos, de todas as transações diárias da vida” (“Revista dos Diários desta Corte”, 1827, pp. 26-27), o Diário despertava paixões, críticas e polêmicas. Para alguns, entretanto, os epítetos populares revelavam desrespeito ao jornal: “Ao ver a oposição que o sr. Ministro da Guerra principia a fazer aos anúncios do Diário do Rio de Janeiro, que com pouco decência [ênfase adicionada] alguns chamam de Diário de Vintém ou da Manteiga?” (Um do Brasil, 1828, p. 1449).

Não interessa aqui entrar na discussão etérea da razão de seus nomes populares. Se vintém advinha do seu preço barato ou se manteiga era por conta de anunciar repetidamente o produto na lista das mercadorias que frequentavam as suas páginas8, pouco importa. O que importa é que os nomes populares, que indicam jocosidade e, ao mesmo tempo, proximidade da população com o impresso, corriam à boca pequena. O vintém ou a manteiga não eram tão somente um amontoado de anúncios e notícias particulares. Seu significado público ia além desse serviço de que muitos se diziam devedores, chegando mesmo a considerar o jornal “o entretenimento indispensável ao chá da manhã” (“Revista dos Diários desta Corte”, 1827, p. 27)9.

Ao se referir ao hábito da leitura dos jornais na época, o periódico de língua francesa L’Echo de l’Amérique du Sud caracteriza a singularidade editorial dos múltiplos jornais que circulavam na cidade no fim dos anos de 1820 e a partilha dos públicos existentes. Uma leitura que começava bem cedo, com a disputa entre o Diário do Vintém e o Jornal do Commercio, ao serem depositados ainda no alvorecer do dia às portas dos assinantes.

Na madrugada, o Diário do Vintém e o Jornal do Commercio disputam o chão das portas e deslizam silenciosamente para a morada dos comerciantes que o amor pelo ganho desperta aos primeiros raios do dia. O café da manhã não será bom, nem verdadeiramente completo, se não for saboreada a leitura dos artigos variados e picantes do Diário dos moleques [ênfase adicionada], ou do Vintém, denominações que caracterizam o espírito, a substância e o preço do jornal10. (“Lecture des Journaux”, 1827, pp. 3-4)

Esta é a primeira vez que surge a referência ao seu nome como “diário dos muleques”. Seria uma alusão aos entregadores dos jornais11? Ou apenas o xingamento como Pierre Plancher, fundador do Spectador Brasileiro e de seu sucessor, o Jornal do Commercio, se referia ao periódico, como veremos mais adiante?

Na sequência, L’Echo de l’Amérique du Sud caracteriza os periódicos da cidade: Aurora Fluminense, “que deveria escolher um horário mais cedo para chegar ao público”; Diário Fluminense, “com seus decretos, suas diversas portarias e suas notícias estrangeiras”; Ástrea, que “é a leitura favorita dos políticos no jantar”; e Gazeta do Brasil, que chega aos seus assinantes “na hora habitual das trovoadas tropicais”. Ao entardecer, os leitores “divertem-se com as epigramas espirituais do Espelho Diamantino”, “o promotor do júri traduziu o alegre Macaco em justiça”, e, finalmente, o Écho de l’Amérique du Sud chega aos seus assinantes logo após o jantar, e “nós gostaríamos de pensar que então ele não fará a sesta”12 (“Lecture des Journaux”, 1827, p. 4).

Mais do que a marcação temporal da vida pela chegada dos periódicos com seus horários característicos (manhã, tarde e anoitecer), a descrição mostra as especificidades de cada uma daquelas publicações e o reconhecimento da multiplicidade textual oferecida ao público. As polêmicas entre os jornais também estão indicadas no texto. Afinal, o Diário do Vintém (ou da Manteiga) e o Jornal do Commercio disputavam mais do que as soleiras das portas, desde o tempo do Spectador Brasileiro.

Sendo constante a todos os cidadãos o irrecuperável prejuízo que causa geralmente o Diário da Manteiga em publicar os prêmios das Loterias, pelos muitos erros, servindo só de desgostos e desordens e não de utilidade; roga-se, portanto, a Mesa da Santa Casa de Misericórdia em lugar e os mandar diretamente no impostor Diário, publiquem só no fim da roda uma lista geral impressa, como se costuma em todas a Nações. (O Spectador Brasileiro, 1824, p. 4)

Assim, além de Diário de Vintém e Diário da Manteiga, o Diário do Rio de Janeiro também foi chamado de Diário dos Muleques, um nome que não foi transposto do passado para o presente. Era dessa forma que seu grande rival, Pierre Plancher, fundador e redator de O Spectador Brasileiro e, posteriormente, do Jornal do Commercio, a ele se referia.

A rivalidade, ao que tudo indica, decorria do fato de o Diário publicar os anúncios e as notícias do público gratuitamente, enquanto O Spectador cobrava 40 réis por linha publicada, como informa a reposta do redator do Diário às críticas do jornal concorrente:

O que o Sr. Plancher sente é que se publique aqui tudo gratuitamente, podendo-o ser no seu Spectador em nítidos caracteres, pela minudencia de 40 réis por cada linha; mas nós começamos esta tarefa muito antes do Sr. Plancher tomar, ou lhe fazerem tomar a resolução de ser nosso concidadão, e o povo desta cidade, que para ela nos animou, e que é mais judicioso do que o considera o sr. Francês Brasileiro, acha que é melhor fazer os seus anúncios grátis em nossos maus caracteres, do que por dinheiro na sua linda folha. (“Observações do Redator”, 1824, p. 92)

A carta de um leitor que, sob o pseudônimo de “Um Amigo da Verdade”, manifesta seu desapontamento por o Diário do Rio de Janeiro ter publicado uma notícia política, revela também a forma pouco educada como Plancher, concorrente de Zeferino Meireles e Antonio Jourdan, se referia ao periódico. “Foi com pena que li no Diário do Rio de Janeiro, ou como o grande PP Spectador [ênfase adicionada] diria, dos moleques [ênfase adicionada], (que apesar de tudo vale mil dos seus papeis mentirosos), uma notícia política que me desgostou por dois motivos” (Um Amigo da Verdade, 1825, p. 517). Na sequência, explicita as razões de ter se decepcionado com o fato de o periódico inserir a política em suas tramas narrativas. “Primeiro, porque senti ver aquele excelente e utilíssimo Jornal meter-se em política” e, em segundo lugar, “fiquei desgostoso da mesma notícia, por ela ser não só falsíssima, mas também por ser evidentemente inserida naquele jornal para que tivesse maior circulação entre o povo miúdo [ênfase adicionada]” (Um Amigo da Verdade, 1825, p. 517).

O que esse pequeno trecho permite concluir sobre duas questões-chave para o entendimento do Diário como palavra pública no Rio de Janeiro do início dos anos 1800? Em primeiro lugar, que as denominações que permanecem no tempo dizem respeito à forma como, de maneira geral, o “povo miúdo” ou o público se referia ao periódico. Os vulgos que recebeu demonstram a circulação de seu nome de maneira amplificada na sociedade por meio de um nome outro, mais fácil, corrente, próximo da vida vivida da maioria: vintém e manteiga são nomes emocionais, afetivos, metáforas que sintetizam maneiras de ver. Já diário dos muleques consiste em um qualificativo que era dirigido aos redatores da publicação, um xingamento (e que, provavelmente, não era o único) e que, assim, não designava o periódico.

A segunda questão refere-se ao conteúdo da publicação, também manifestado pelo leitor anônimo: editar notícias particulares e anúncios do público transformava o periódico em algo importante para os leitores, e desviar-se desse caminho, ao “meter-se na política”, significava deixar de ser um “utilíssimo jornal”. Por outro lado, incluir no jornal as polêmicas, os insultos verbais, as tomadas de posição pública na arena de debates que proliferavam por toda a cidade era a certeza de que eles chegariam ao “povo miúdo”. O Diário era, de fato, o “jornal da moda”, no Rio de Janeiro, dos anos de 1820.

Os circuitos comunicacionais, desenvolvidos na própria cidade, e que aparecem nas páginas do Diário, mostram a importância do diálogo constante do público com o periódico para a sua sobrevivência (e seu imediato sucesso), já que era através dos leitores que as informações (notícias e anúncios) chegavam às páginas da publicação. A aplicação de algumas fórmulas administrativas, tais como a de ser necessário ser assinante da folha para a publicação das notícias e anúncios, foi uma das razões da explosão dos números impressos. Mas não se pode atribuir apenas a esta razão prática o sucesso do Diário: a publicação de temas de interesse cotidiano para os leitores tornava-o indispensável para a vida vivida. O que não o livrava das polêmicas, em tomadas de posições explícitas, sempre em torno de uma palavra impressa ressignificada de múltiplas formas nos espaços das ruas.

CIRCUITOS COMUNICACIONAIS EM DIÁLOGOS DE TEIAS IMPRESSAS

Do ponto de vista do recorte feito, como já enfatizamos, interessa-nos também analisar os trânsitos, circuitos e diálogos comunicacionais dos jornais da Corte com os do interior, procurando desvendar não apenas os modos como eles se constituíam, mas também as significações que produziam. Para isso, tratamos especificamente do período de 1820, concentrando-nos nos anos de 1825 e 1826. Examinamos, de um lado, alguns jornais que circulavam na corte (Diário do Rio de Janeiro, O Spectador Brasileiro, Diário Fluminense, Ástrea e O Verdadeiro Liberal) e as referências que fizeram explicitamente ao jornal mineiro O Universal (1825-1842), o único periódico que circulou na Província de Minas Gerais em boa parte do ano de 182513. De outro lado, percorremos as edições de O Universal de 1825, para detectar alguns desses movimentos das notícias das províncias em direção à capital do Império e da capital em direção às províncias do interior.

No seu primeiro número, o periódico mineiro explicitava o seu propósito e a necessidade de escrever para “transmitir as notícias mais interessantes, que chegarem ao meu conhecimento” (O Universal, 1825a, p. 1):

Como o Companheiro do Conselho deve acabar em breve, e os ilustres redatores da Abelha não continuarão por ora a publicar o seu periódico, eu me vi na necessidade de escrever para transmitir as notícias mais interessantes, que chegarem ao meu conhecimento. Não terão lugar nele outras correspondências, senão as que tratarem dos objetos em geral e não contiverem personalidades, porque meu fim é a ilustração pública e não suscitar ódios entre os cidadãos. Preferirei sempre a publicação das Leis, Decretos e Portarias, pois apesar de que estes objetos não agradem tanto, como devem, sua vulgarização é de primeira necessidade, e todos os cidadãos devem procurar tão importante conhecimento. (O Universal, 1825a, p. 1)

No trecho de abertura do primeiro número, que embora não assinado era de autoria de Bernardo Pereira de Vasconcelos14, fundador e redator do periódico, fica claro que o público não aspirava às informações públicas oficiais que priorizariam na publicação, qualificadas como de primeira necessidade. Havia, portanto, a intenção, ainda que ficasse apenas na ordem do desejo, de não estimular polêmicas, já que a finalidade era “a ilustração pública e não suscitar o ódio entre os cidadãos” (O Universal, 1825a, p. 1).

Durante todo o ano, foram incontáveis as vezes que O Universal republicou as notícias que saíam anteriormente nos periódicos da capital do Império. Logo na segunda edição, de 20 de julho, publicou: “Ouro Preto 19 de julho. Ontem a tarde chegou o Correio do Rio de Janeiro, mui estéril de notícias [ênfase adicionada]. De algumas Gazetas que lemos apressadamente [ênfase adicionada], damos ao público o extrato do que nos pareceu mais interessante” (O Universal, 1825b, p. 6).

Na sequência, resumia algumas informações recolhidas nos periódicos da Corte: o reconhecimento da independência do Império do Brasil; um resumo de algumas informações sobre a chegada ao Rio de Janeiro, em 5 de julho, do paquete inglês que conduzia um dos comissários do Império em Londres; a chegada de tropas a Montevidéu, Uruguai; a expedição de ordens ministeriais para a realização de eleições de deputados e senadores nas províncias do norte; e o assassinato do ministro do governo de Lima, anunciado por “cartas respeitáveis de Santiago do Chile com referência a outras de Lima” (O Universal, 1825b, p. 6). Conclui: “Nada se adianta sobre os motivos que servirão de pretexto para cometer-se esta ação horrorosa, e só se diz nas cartas que os assassinos estavam presos” (O Universal, 1825b, p. 6). Nos extratos das informações, não há referências aos periódicos dos quais retirou as informações, ao contrário dos números subsequentes.

Nessas edições, além dos trânsitos que figuram explicitamente nas informações reproduzidas, observamos ainda o complexo circuito das informações no início do século XIX. Pelos navios que aportavam no Rio de Janeiro vinham, em malas postais, muitos impressos (incluindo as gazetas europeias) e as cartas portadoras da verdade, já que podiam ser qualificadas como respeitáveis. O conteúdo, com informações que transfiguravam normalidade, presumida em anormalidade – o assassinato de um ministro de um país vizinho, por exemplo –, chegava então ao conhecimento dos redatores dos periódicos da capital. A partir daí, transformava-se em letras impressas nos jornais, que, na sequência, eram transportados para outras localidades e às mãos dos gazeteiros dessas cidades.

De um dia para o outro, cumprindo, portanto, o ideal de urgência da informação, presente no gesto do redator de O Universal, ele tivera de ler “apressadamente” as gazetas da capital. Depois dessa leitura rápida, fizera também apressadamente um resumo daquilo que considerava mais interessante para seus leitores.

Vemos, portanto, emergir um tempo governado pela rapidez possível na produção jornalística do início do século XIX: de um dia para o outro, era preciso que os gazeteiros de diversas cidades lessem as gazetas da capital e compilassem, nas páginas dos periódicos, trechos de informações que consideravam de interesse para o público. Eram poucas, na avaliação do redator, as notícias interessantes daquelas gazetas recebidas por O Universal: afinal, o correio que chegara do Rio de Janeiro no dia anterior foi qualificado como “mui estéril de notícias”.

Evidentemente a temporalidade que fazia da urgência referência frequente não era apenas decorrente de ter pressa em divulgar fatos que já haviam ocorrido muitas vezes há semanas ou meses. A rapidez parece indicar um modo produtivo dos jornais desde esse momento inicial – mostrando uma temporalidade própria da dimensão noticiosa – bem como a necessidade de incluir uma pluralidade de informações. Daí a compilação de muitas gazetas, de muitos lugares, num mosaico de um mundo que deixava ver (ou antever) novos nexos temporais.

Esse circuito começava, muitas vezes, do outro lado do Oceano Atlântico, quando folhas periódicas eram embarcadas nos navios, aportavam no Rio de Janeiro e eram republicadas nos periódicos da Corte. Posteriormente, elas seguiam, via correios, para outras cidades, por caminhos difíceis e estradas intransitáveis, repletas de atoleiros e de perigos que rodeavam os pedestres, como eram chamados os que transportavam as cartas entre as vilas a pé, enquanto os estafetas conduziam as malas no lombo de animais.

As malas, que reuniam as cartas de toda a cidade e outros impressos destinados aos particulares, eram sacas com grande quantidade de correspondências. Levavam a marca do selo das armas imperiais e seguiam lacradas até o destino. Eram, então, entregues na casa do responsável pela distribuição do correio local, para que ali fossem retiradas, posteriormente, pelos destinatários. Em alguns núcleos urbanos, o tamanho da cidade, como era o caso de Ouro Preto, inviabilizava que os moradores percebessem a chegada das correspondências. Foguetes eram então lançados na agência, anunciando a chegada dos correios (Oliveira, 2010; Rodarte, 1999; Rosário, 1993).

As províncias que davam maior lucro à Coroa eram aquelas com o maior número de linhas de correios, como era o caso de Minas Gerais. Nos primeiros anos do século XIX, a forte interligação entre o Rio de Janeiro se fazia com Pernambuco, Bahia e Minas Gerais (Rosário, 1993, p. 68). Do Rio de Janeiro, as saídas dos correios para Minas se davam todas as terças-feiras, às 18h no verão e no inverno às 17h. Em relação à tipologia das correspondências que chegavam à cidade, em primeiro lugar estavam as cartas (52% do total); em segundo, os jornais e outros impressos (35% do total); e, por último, os ofícios (13%) (Rodarte, 1999).

Se todos os dias O Universal durante aquele ano de 1825 publicou notícias de vários periódicos da Corte, dos quais transcrevia longos trechos ou fazia pequenos extratos, também os periódicos da Corte publicaram notícias que foram originalmente impressas pelo jornal mineiro. Havia, portanto, fluxos e contrafluxos das informações de maneira bidirecional nesses circuitos comunicacionais.

O maior diálogo do jornal mineiro dava-se com O Spectador Brasileiro, de Pierre Plancher. Dele, transcrevia cartas, notícias do exterior, gazetas de localidades da América Latina e decretos imperiais que originalmente haviam sido publicados nos periódicos da Corte. O Universal divulgou também para os leitores, com entusiasmo, o fato de o fundador de O Spectador ter remetido para ele “gratuitamente o seu excelente periódico, de que tanto extratos tiro para o meu periódico” (O Universal, 1825c, p. 134).

O aparecimento de uma nova folha naquele ano de 1825, O Patriota Mineiro, que teve curta duração, foi saudado com entusiasmo, pois se alinhava politicamente às posições de Bernardo Pereira de Vasconcelos. Já os que se colocavam na trincheira oposta recebiam críticas. Assim, a O Patriota Mineiro era dispensado todos os elogios, reconhecendo “os relevantes serviços que está prestando a nossa Pátria. . . . Os vastos e profundos conhecimentos deste clássico escritor, sua imparcialidade, sua coragem e sua imutável eloquência o tem feito procurar nesta e nas províncias limítrofes com uma rara avidez” (“Patriota Mineiro”, 1825, p. 187). Quando, ainda em 1825, o jornal deixou de circular, O Universal assumiu publicamente o compromisso de lutar contra os opositores, porque naquele momento não havia outros:

Ressuscitou enfim o Paraopebano15, mas com a denominação de Amigo da Verdade; e os seus antagonistas, entre os quais tem o mais distinto lugar o Patriota Mineiro já não existem. Fará O Universal todos os esforços para cortar as cabeças desta Hidra da Paraopeba; quem lhe dera o braço hercúleo! Venha Sr. Amigo da Verdade; a bateria está disposta e eu entro animoso no combate. (“Ouro Preto, 9 de Dezembro de 1825”, 1825, p. 252)

A efervescência dos trabalhos da Tipografia Patrícia, que, em Ouro Preto, era responsável por transformar em letras impressas periódicos e outros produtos tipográficos, foi noticiada detalhadamente no fim daquele ano, produzindo uma síntese valiosa sobre a crescente atividade de impressão na cidade. Sob o título “Notícia tipográfica”, afirma-se que 1825 fora o ano em que a Tipografia mais tinha trabalhado e “o mais abundante de periódicos” (“Notícia Tipográfica”, 1825, p. 286). Listava-se ainda a impressão de 82 números da Abelha do Itacolomy; os 12 números do Companheiro do Conselho; os 13 números de O Patriota Mineiro; e os 22 números do Diário do Conselho do Governo. Além desses periódicos, imprimiram-se ainda o Tratado de Educação Física, do Comendador Gomide, e, por fim, os 72 números de O Universal, “único que resta de tantos escritores” (“Notícia Tipográfica”, 1825, p. 287).

Se o jornal mineiro se valia de muitos periódicos para publicar informações de várias partes do país e do mundo, também figurava, ainda que em volume menor, nas páginas dos jornais da Corte. Publicavam-se cartas de seu redator pedindo desmentidos, outras correspondências e extensos extratos das notícias, incluindo mesmo informações cotidianas, como as consequências do temporal que se abateu sobre Ouro Preto em 22 de dezembro daquele ano. A notícia, que fora publicada originalmente na edição de O Universal de 26 de dezembro, foi transcrita literalmente 20 dias depois por O Spectador:

No dia 22 do corrente aconteceu nesta cidade um caso raro. Tendo amanhecido um dia claro e aprazível, algum tanto quente a atmosfera, porém modificado o calor por um vento frio, quase a uma hora começou a mudar-se o tempo e a escurecer o dia, ameaçando alguma chuva; poucos minutos e intermediaram quando principiou a cair tanta chuva, acompanhada de horríveis e estrondosos trovões, que pareceria terem-se rompido as cataratas do céu, e que as nuvens se desfiam e grossos chuveiros; um vento impetuoso impelia com tanta força a chuva que um só telhado em toda a cidade não ficou isento de estrago, e esta horrível tempestade não sendo por espaço de um quarto de hora mais que de água e vento, começou de repente a cair tanta pedra, que os habitantes todos se consternaram e ficaram cheios de pavor . . . durou quase duas horas esta tempestade, a maior que aqui se tem visto, segundo dizem os mais antigos do país. (“Ouro Preto, 26 de Dezembro”, 1826, p. 4)

Assim, transcrevendo informações que tinham sido “extraídas do Universal” ou indicando ao final do texto o nome do periódico que originalmente a publicara, anotamos nos anos 1825 e 1826, nos jornais da Corte, a publicação de sete extratos/referências do jornal mineiro em O Spectador Brasileiro, cinco no Diário Fluminense, quatro na Ástrea, uma em O Verdadeiro Liberal e uma em Atalaia da Liberdade, conforme a Tabela 1.

Tabela 1
Extratos e referências a O Universal em outros periódicos

Nota. Elaboração da autora.

O CIRCUITO COMPLETA-SE: O ENCONTRO COM O PÚBLICO

Sob a rubrica Correspondência nos jornais do século XIX, é frequente o que podemos denominar diálogo explícito do público. No jornal mineiro O Universal, objeto das reflexões que com base em um periódico se pressupõem as lógicas e os processos de um complexo circuito de comunicação entre a capital imperial e as províncias do interior, não poderia ser diferente.

Encobertos por pseudônimos, com os quais se explicita algumas vezes a condição de constante e fiel leitor, se indica a posição ou juízo de valor que mantêm em relação ao periódico, podendo ser o amigo ou amante da verdade, ou se mostra ainda a disposição de ser crítico a proposições expressas (O mosquito pernilongo e O Aguilhão, por exemplo), são muitos os exemplos da presença do leitor e do diálogo do público nas páginas das publicações.

O redator, com frequência, dirige-se explicitamente aos leitores, reconhecendo como importante a rapidez com que comunicava as notícias que chegavam até o seu conhecimento: “Ouro Preto, 29 de julho. Não demorar-me um só instante comunicar aos meus leitores interessantíssima notícia [ênfase adicionada] da chegada do Exa. Sir Charles Stuart ao Rio de Janeiro. Ei-la-aqui extraída do Spectador de 20 do corrente e chegada ontem pelo Correio” (“Ouro Preto, 29 de Julho”, 1825, p. 23).

Na pequena nota que antecede a republicação da notícia anteriormente veiculada em O Spectador Brasileiro, que levara sete dias do Rio de Janeiro até Ouro Preto (já que fora publicada em O Spectador de 20 de julho, tendo chegado à cidade no dia 28 do mesmo mês)16, há também a percepção de um tempo dos jornais que deveria possuir dimensão aceleradora. Assim, precisava ele, como redator, não se demorar mais do que “um só instante” para comunicar aos seus leitores a “interessantíssima notícia”.

Os leitores, por sua vez, deixavam suas impressões do periódico, mas também do redator, tornando evidente que conheciam os processos de republicação das notícias de outros periódicos, que, por meio da leitura do redator, ganhavam (ou não) nova roupagem e eram novamente ofertadas aos leitores.

O Sr. Aguilhão, por exemplo, enviou a O Universal correspondência em que critica o fato de o redator ter se limitado no jornal, segundo ele, a “transcrever as notícias das folhas do Rio”.

Sr. Redator do Universal

Queira dizer-me aqui em segredo, que ninguém nos ouve: em que faz V. m. consistir na redação de um periódico? É transmitir, o que vê escrito em outras folhas: [ênfase adicionada] se assim é também vou redigir. Seja, porém, muito embora esse o principal ofício de um Redator; mas inculcando-se V. m. por Universal, não se deve circunscrever em tão limitada esfera: mas V. m. se tem limitado a transcrever as notícias das folhas do Rio [ênfase adicionada]. Logo V. m. merece a seguinte repreensão: o Universal não tem cumprido senão em parte o seu dever e por isso é preciso, quem o aguilhoe-os, e eu serei daqui em diante o seu Aguilhão. (Aguilhão, 1825, p. 46)

No texto, observa-se que era de pleno conhecimento do Aguilhão os processos de produção de um periódico, nos momentos iniciais da imprensa no Brasil, ainda que critique o fato de o redator ter se limitado “a transcrever notícias das folhas do Rio” (Aguilhão, 1825, p. 46). Isso, segundo ele, era apenas parte do dever de um redator. Devia ir além, incluindo outro tipo de informações, como, por exemplo, os Atos de Ofício e, sobretudo, textos ilustrativos sobre os mais variados temas, como, por exemplo, “Lições sobre a educação elementar”, publicado em série em vários números do jornal; “Reflexões sobre o Tratado de Educação Física”, “Reflexões sobre Economia”, entre outros. Todavia, esse tipo de conteúdo também recebia críticas:

Vá Sr. Redator, vá copiando essas lições de ensino mútuo, que V. m. diz, que muita gente de gravata chama mudo [ênfase adicionada] e veremos, se alguns leem, e vão ensinando por esse método a mocidade. Como tudo devo de dizer-lhe, que estando eu um dia deste com certo Sr., que se tem na conta de grande coisa, chegou o Universal, deu-se, e quando chegou a lição, disse Eis aí o Universal com suas lições sem nenhuma graça; tenho fastio só em que elas olhar [ênfase adicionada]; eu fiquei estupefato e disse comigo: triste condição de um redator, se escreve contra algumas pessoas, querem matá-lo, e pelo menos, o machucam nos jurados; se escrevem coisas interessantes, como V. m., diz-se, que é fastidioso [ênfase adicionada]; o que remédio é fechar os ouvidos, e continuar a fazer bem a sua Pátria. (Constante Leitor, 1825, pp. 18-19)

As longas lições sobre temas que deveriam ilustrar o leitor, podemos perceber na correspondência, tornavam para muitos o jornal “sem nenhuma graça”, enquanto a tomada de posição, a crítica explícita a determinadas pessoas, causava revolta. Para o leitor, esse desinteresse era, talvez, sinal de pouco conhecimento, conclamando-se, na sequência, que o redator não deixasse de publicar esse tipo de conteúdo:

Eu Sr. Redator, tenho a curiosidade de vir notar, quem são os que compram o Universal, e ainda não vi um mestre de primeiras letras comprá-lo [ênfase adicionada]; talvez ainda dele não tenham notícia, mas eu lhe darei parte, de quantos compram o seu interessante periódico. Não deixe de escrever, pois tem muitos apaixonados [ênfase adicionada]. (Constante Leitor, 1825, p. 19)

Assinando o texto como “seu constante leitor”, o autor da correspondência invocava a condição de fidelidade ao periódico para dar conselhos e, sobretudo, para mostrar que a crítica que se fazia era decorrente da falta de conhecimento de alguns leitores. Por fim, indicava que esse tipo de conteúdo tinha a aprovação de muitos. Ou seja, se havia críticos, havia também os que aprovavam a publicação, declarando serem muitos os “apaixonados” pelo periódico:

Muito me tem agradado o seu excelente periódico e com sinceridade digo, que o Universal e o Patriota são uns periódicos dignos de serem lidos não só em todas as Minas, mas em todo o Império do Brasil. . . . As matérias, que se tem neles inserido, tem sido tratadas com a maior clareza de maneira que as mesmas posições da economia política se fazem tão inteligíveis que todos as entendem e todos julgam, que para o bem da nossa Pátria não se deve suspender-se a publicação de tão interessantes folhas. (O Reconhecido, 1825, p. 227)

Assinando a carta com o pseudônimo de “O Reconhecido”, de fato, o leitor fazia amplo esforço de reconhecer o valor do periódico que fazia dele “digno de ser lido não só em todas as Minas, mas em todo o Império do Brasil”. Isso, na sua avaliação, decorria sobretudo da clareza com que o jornal era redigido, o que fazia essas informações se tornarem de fácil entendimento para o público. A tradução de questões que poderiam ser incompreensíveis para o público numa linguagem mais compreensiva era um valor altamente considerado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perceber através das fímbrias narrativas fixadas como memória documental17, diversos circuitos comunicacionais dos periódicos no século XIX, mostrando as diferenças entre as tramas tecidas dos leitores com os periódicos da Corte, num primeiro momento, e, num segundo, os trânsitos entre os próprios periódicos da capital imperial com as províncias e vice-versa (exemplificados com um periódico, O Universal de Minas Gerais) foi o que objetivamos no texto.

Nas tessituras discursivas inscritas no tempo emergem diferentes modos e práticas comunicacionais dos jornais do século XIX, em diferentes circuitos: o da cidade do Rio de Janeiro, com a criação de seu primeiro jornal diário, e as estratégias – diríamos hoje – adotadas pelo redator para transformar as informações (notícias e anúncios) encaminhadas pelo público em motor de sucesso da publicação; e os das províncias. No último caso, são múltiplos os circuitos: dos efetivos trânsitos entre os periódicos que da Corte saíam em direção às províncias; as notícias republicadas nas províncias e na corte, num movimento bidirecional; a forma como as publicações chegavam ao público; e, sobretudo, os trânsitos simbólicos que se deixam ver nos diálogos com os redatores das publicações.

As páginas sucedem-se com impressões e sentidos que os leitores atribuíam ao jornal, bem como os usos que dele faziam: pediam desmentidos, aguçavam polêmicas, criticavam outros periódicos, relatavam brigas e confusões presenciadas nas vias públicas, duvidavam do interesse que determinada informação poderia suscitar, comentavam correspondências anteriores e a elas ajuntavam ora a crítica exacerbada, ora os elogios grandiosos. O jornal despertava ações e reações do público. Muitas eram as apreensões de sentido produzidas, muitos eram os textos acrescentados. O jornal era mesmo, nesse momento inicial da imprensa brasileira, uma obra conjunta que fazia do público também autor desse tipo de publicação.

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Notas

a Este artigo faz parte de pesquisa mais ampla que produz novas interpretações sobre a história da imprensa no século XIX, com a colaboração de pesquisadores de diversas regiões do Brasil e o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), denominada História da Imprensa no Brasil do Século XIX: Uma Rede de Pesquisa.
1 Silva (2007), ao estudar a Gazeta do Rio de Janeiro, afirma que no início do século XIX os leitores sabiam diferenciar uma gazeta de um jornal: a gazeta tinha o papel de divulgar notícias, nacionais e estrangeiras, enquanto o jornal deveria ser mais erudito, exibindo o amplo conhecimento de seu redator. Morel (2009, p. 154) esclarece ainda que, no princípio da produção impressa no Brasil, a concepção de “imprensa de ilustração” seria predominante e se relacionava com a ideia de esclarecedora propagação das ciências, das artes do pensamento e do progresso humano. Assim, ao lado das gazetas e dos diários, publicavam-se ainda outros tipos de periódicos, de muitas páginas, com textos que chamaríamos hoje de vulgarização científica (O Patriota, que circulou entre 1813-1814, é um desses exemplos). Havia também o desejo de, com esse movimento, aprimorar as técnicas de impressão.
2 Analisando a lista dos assinantes da Gazeta do Brasil, num total de 693, classificados pelo próprio redator em categorias socioprofissionais, Morel e Barros (2003, pp. 41-44) mostram que 10% do público era constituído de um grupo qualificado pelo redator do jornal como das “diversas classes”, o que leva os autores a dividir o público dos periódicos entre os que eram almejados por eles e aqueles que de fato existiam. Houve, no entanto, crescimento do público leitor entre 1820-1830.
3 Em 1821, ano do aparecimento do Diário do Rio de Janeiro, eram editados na cidade os seguintes periódicos: Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822); O Amigo do Rei e da Nação (1821); O Bem da Ordem (1821); O Conciliador do Reino Unido (1821); Despertador Brasiliense (1821); O Espelho (1821-1823); O Jornal de Anúncios (1821); A Malagueta (1821-1822); Reverbero Constitucional Fluminense (1821-1822); e Sabatina Familiar dos Amigos do Bem-Comum (1821-1822). No ano seguinte apareceram ainda O Constitucional (1822); O Compilador Constitucional, Político e Literário Brasiliense (1822); Correio do Rio de Janeiro (1822-1823); O Regulador Brasileiro (1822-1823); O Papagaio (1822); Macaco Brasileiro (1822); A Verdade Constitucional (1822); e O Volantim (1822) (Biblioteca Nacional, 1965).
4 Português nascido em Lisboa, trabalhou na Tipografia da Impressão Régia desde a sua fundação. Segundo Blake (1883-1902), o primeiro cargo do fundador do Diário do Rio de Janeiro na Imprensa Régia foi de alçador (atividades braçais na oficina). Na sequência, foi apontador (uma espécie de controlador dos trabalhos gráficos, incluindo o apontamento dos “erros ortográficos”), tendo sido, por fim, vice-administrador da Impressão Régia. Pires (2008), ao recuperar o percurso do fundador do Diário, afirma que o exercício das inúmeras funções com que esteve envolvido durante sua atuação na Impressão Régia revela traços característicos do perfil intelectual, no alvorecer do século XIX, sendo um ativo produtor da relação cultura e sociedade. Ao morrer, em 1822, vítima de um atentado, foi substituído na redação do jornal pelo tipógrafo de origem francesa Antonio Maria Jourdan (Biblioteca Nacional, 1997).
5 Ainda que não tenha a preocupação de distinguir a tipologia dos textos publicados no periódico, Pires (2008, pp. 89-94) faz uma análise pormenorizada dos temas inseridos no Diário de 1821 a 1825, mostrando que os relativos à escravidão tinham supremacia e revelando igualmente o destaque que passaram a ter os avisos da Intendência da Polícia, do Senado e da Câmara e os editais do governo, bem como as falas públicas de D. Pedro I, logo após a independência. Havia também textos que cobravam resoluções dos mais diversos problemas cotidianos. A supremacia dos temas referentes aos escravizados leva a autora a qualificar o jornal como um “balcão de escravos”: havia sempre muitos anúncios de escravos fugidos (normalmente sob a rubrica Perdas); de vendas e compras de escravos; de escravos encontrados; de leilões de escravos; de oferecimento de amas de leite; e de aluguel de escravos.
6 Apenas a título de comparação, trazemos alguns dados sobre o número de assinantes de outros periódicos que circularam na década de 1820 na cidade do Rio de Janeiro: a Gazeta do Brasil, em 1827, anunciava o total de 693 assinantes; enquanto a Atalaia da Liberdade, no ano anterior, informava ter no seu terceiro número 180 assinantes (Morel & Barros, 2003, p. 35).
7 Apesar do anúncio, o número seguinte e os subsequentes do periódico continuaram ostentando o preço do exemplar a 40 réis, e o preço da assinatura continuaria a ser 640 réis mensais. Não sabemos as razões de o aumento não ter se efetivado, mas as transformações nos processos de produção e administrativos (“simplificação do trabalho” e ampliação dos pontos de recebimento de notícias e anúncios) talvez tenham sido decisivas para a permanência do preço do diário.
8 Sobre a construção do Diário do Rio de Janeiro na historiografia como meramente um jornal de anúncios e a crítica que faz a essa interpretação, bem como o fato de a denominação ter sido vinculada ao preço do jornal, como citado por Sodré (2011), e as polêmicas em torno da nominação, ver: Pires (2008). Sobre a referência a Diário da Manteiga estar relacionada ao produto mais frequente na lista corrente das mercadorias publicadas em suas páginas, o que não é consenso, ver: Marendino (2016). No nosso entendimento, a questão do nome enseja uma reflexão mais profunda do que saber as razões verdadeiras das denominações. Ressalta-se que o objetivo aqui é compreender o periódico como veículo de difusão do iluminismo nos trópicos, o que é uma percepção altamente relevante.
9 Em 1830, numa correspondência de um estudante do Curso Jurídico de Olinda, ao jornal assim se referia, num periódico de Pernambuco: “Escreverá somente os seus anunciozinhos (donde lhes resulta alguns vinténs) entradas e saídas, compra-se e vende-se (exceto manteiga, pois desde que lhe puseram o nome de Diário da Manteiga o editor nunca mais escreveu manteiga no Diário)” (Freire, 1830, p. 718). O Verdadeiro Liberal descreve-o: “Diário de vintém – é periódico de uma sã literatura, útil ao negociante, e ao literato, ao militar e ao sacerdote; é o periódico da moda” (“Espírito dos Periódicos”, 1826, p. 3).
10 No original: “Dès l’aube matinale, le Diario do Vintem et le Jornal do Commercio se disputent le dessous des portes, et se glissent sans bruit dans la demeure des commerçans que l’amour du gain éveille aux premiers rayons du jour. Le déjeûner n’est bon, il n’est vraiment complet, que lorsqu’on a savouré la lecture des articles variés et piquants du Diario des moleques, ou du Vingtain, dénominations qui caractérisent l’sprit, la substance et le prix du journal”. Esta e demais traduções, da autora.
11 Muleques era o nome utilizado para designar escravizados, normalmente entre 7 e 18 anos: “A quem lhe faltar dois muleques Nação Moçambique ainda pouco instruídos na língua de branco, dirija-se à Freguesia de Irajá na Fazenda de Luiz Manoel, que dando os sinais lhe serão entregues; esses muleques, são os mesmos que no Diário de terça feira 15 de janeiro de 1822, foram anunciados e como os ditos muleques estão soltos e no lugar não há prisão, poderão fugir ou morrerem com um tem estado bem doente, a nada se corre o risco, e estão fazendo gastos” (Diário do Rio de Janeiro, 1822, pp. 51-52).
12 No original: “dorénavant elle choisira, san doute, une heure plus matinale”; “avec ses articles d’office, ses décrets, ses diverses portarias et ses nouvelles étrangères”; “lecture favorite des politiques à l’issue de leur dîner”; “C’est à l’heure ordinaire des trevoadas du tropique”; “se divertissait naguère des plaisanteries et des épigrammes spirituelles de l’Espelho Diamantino”; “le promoteur du jury a traduit le joyeux macaco en justice” e “et nous aimons à penser qu’il ne les dispose pas à faire la sieste”.
13 O primeiro número de O Universal é de 18 de julho de 1825. Lá se explica a razão do aparecimento do periódico: preencher a lacuna deixada pelo fim de Abelha (1824-1825) e pelo término eminente do Diário do Conselho do Governo da Província de Minas Gerais, cuja edição final, de apenas uma página, circulou em 14 de novembro de 1825, informando a instalação do Conselho Geral da Província, no dia 1º de dezembro, o que fez que o órgão perdesse sua função (“Sessão Extraordinária do Dia 14 de Novembro”, 1825). No decorrer de 1825 foi criado O Patriota, que, entretanto, deixaria de circular naquele mesmo ano. Sobre a imprensa em Minas Gerais no período, ver, entre outros: Moreira (2011) e Silva (2011).
14 Importante político do Império, começou sua carreira política no Conselho do Governo da Província de Minas Gerais, combatendo a concessão de diamantes, incluindo a ferrenha campanha que fez por O Universal, em 1825. Foi deputado na primeira Câmara Legislativa do Império (1826). Foi ainda senador e ministro de diversas pastas no Império (Piñeiro, 2014).
15 Paraopebano era o pseudônimo de um mineiro que fazia críticas às posições do jornal O Universal em correspondências encaminhadas ao Diário Fluminense. Pela indicação fornecida pelo próprio jornal, ele passou, posteriormente, a assinar como Amigo da Verdade.
16 Anteriormente fizemos referência à notícia do temporal que se abatera sobre Ouro Preto e que foi transcrita pelo O Spectador, no Rio de Janeiro, 20 dias depois. Evidentemente, as razões para a decalagem de tempo podem ser de múltiplas ordens: as condições das estradas tendo em vista as intempéries; ou mesmo a informação de um temporal em Ouro Preto não ter sido considerada quando da sua chegada, de imediato, como digna de publicação. Jamais saberemos as razões e pouco importa. O que interessa é perceber que os trânsitos entre a capital e Ouro Preto se davam, normalmente, no decurso de uma semana e, sobretudo, as condições de transferência dessas informações (pedestres, estafetas e lombo de mula), revelando modos próprios dos circuitos comunicacionais do século XIX.
17 Ainda que o documento, fonte empírica privilegiada na abordagem, deva também ser considerado em sua monumentalidade, em sua intencionalidade ao transpor tempos e na sua previsibilidade (entre outras questões) quando se aborda a complexa questão da memória, a busca pela inscrição de um momento pretérito nas páginas dos periódicos reintroduz como possibilidade metodológica considerar – com ressalvas – que se está escavando uma abertura fundamental para aceder a uma possibilidade de passado. Estas questões não serão tratadas, pois fogem ao escopo do artigo.

Notas de autor

b Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da mesma universidade. Pesquisadora 1 do CNPq. Publicou, entre outros, História da Comunicação no Brasil (2013). Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8875-7128. E-mail: marialva153@gmail.com


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