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Pensar o popular a partir de um lugar outro: a proposta de Jesús Martín-Barbero e sua contribuição ao debate teórico sobre cultura popular
AMPARO MARROQUÍN PARDUCCI
AMPARO MARROQUÍN PARDUCCI
Pensar o popular a partir de um lugar outro: a proposta de Jesús Martín-Barbero e sua contribuição ao debate teórico sobre cultura popular
Pensar lo popular desde un lugar otro: La propuesta de Jesús Martín-Barbero y su aporte al debate teórico sobre la cultura popular
Matrizes, vol. 17, núm. 2, pp. 49-64, 2023
Universidade de São Paulo
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Resumo: Jesús Martín-Barbero é uma referência latino-americana para os estudos de comunicação e cultura. Seu trabalho permitiu colocar no debate um olhar histórico e um mapa conceitual das referências e disputas em torno do popular. A hipótese deste texto é que Martín-Barbero conseguiu, e esta foi sua maior contribuição, deslocar o lugar do popular desde o ancestral/nativo para um lugar mais plebeu, mais bastardo, mais desconfiado e mais ancorado na realidade latino-americana de seu tempo: colocou o popular próximo ao mundo das massas. Este texto retoma elementos discutidos na tese de doutorado e, a partir daí, recupera duas reflexões principais sobre a cultura popular no pensamento de Martín-Barbero: a visão histórico-genealógica do popular, que este autor aborda em Dos meios às mediações, e seu deslocamento para o lugar das massas e suas implicações, também abordadas nessa obra, a partir do qual são realizadas algumas conclusões.

Palavras-chave: cultura popular, cultura de massas, Jesús Martín-Barbero.

Resumen: Jesús Martín-Barbero ha sido un referente latinoamericano en los estudios de comunicación y cultura. Su trabajo permitió colocar en el debate una mirada histórica y un mapa conceptual de los referentes y disputas en torno a lo popular. La hipótesis de este trabajo es que Martín-Barbero consiguió, y ese fue su mayor aporte, desplazar el lugar de lo popular desde lo ancestral/originario hasta un lugar más plebeyo, más bastardo, más sospechoso y más anclado con la realidad latinoamericana de su momento: colocó lo popular cerca del mundo masivo. El presente texto retoma elementos elaborados en la tesis doctoral y, a partir de ello, recupera dos reflexiones centrales sobre la cultura popular en el pensamiento de Martín-Barbero: la mirada histórica y genealógica sobre lo popular, que este autor trabajó en su libro De los medios a las mediaciones, y su desplazamiento hacia el lugar de lo masivo y las implicaciones que esto tiene, que también se desarrolla con extensión en la misma publicación, a partir de lo cual se ofrecen algunas conclusiones.

Palabras clave: cultura popular, cultura masiva, Jesús Martín-Barbero.

Carátula del artículo

DÔSSIE

Pensar o popular a partir de um lugar outro: a proposta de Jesús Martín-Barbero e sua contribuição ao debate teórico sobre cultura popular

Pensar lo popular desde un lugar otro: La propuesta de Jesús Martín-Barbero y su aporte al debate teórico sobre la cultura popular

AMPARO MARROQUÍN PARDUCCIa
Universidad Centroamericana José Simeón Cañas., El Salvador
Matrizes, vol. 17, núm. 2, pp. 49-64, 2023
Universidade de São Paulo

Recepción: 26 Junio 2023

Aprobación: 06 Julio 2023

Acreditávamos saber o significado de popular, comunicação, cultura, miscigenação, mas então fomos lembrados que esses conceitos são históricos. Que os conceitos dos quais partimos, de repente deixavam "de ser conceitos para se tornarem problemas".

William Fernando Torres (1998)

ESTE ARTIGO FAZ parte de um longo diálogo com o colombiano-espanhol Jesús Martín-Barbero (1937, Espanha, 2021, Colômbia). Em 1987, a editora Gustavo Gili decidiu publicar seu livro Dos meios às mediações em uma coleção dirigida por Miquel de Moragas, e aumentou as referências para o pensamento de Martín-Barbero. A discussão acadêmica latino-americana já estava focada no papel da cultura, das mediações e da hegemonia, mas a publicação do livro de Martín-Barbero foi peça chave para deixar de lado agendas ligadas à natureza, especificidade e tecnologia dos meios, e trouxe novamente questionamentos sobre certas fronteiras que antes pareciam estar claramente definidos, como aponta William Fernando Torres (1998). A primeira versão desse texto foi publicada em 2019, na revista Encuentros Latinoamericanos.

O diálogo que Martín-Barbero realizou durante as décadas de 1980 e 1990 foi muito proveitoso para gerar uma visão histórica e recuperar um mapa conceitual das referências e disputas em torno do popular, mas a minha hipótese é que Martín-Barbero conseguiu, e esta foi sua maior contribuição, deslocar o lugar do popular desde o ancestral/nativo para um lugar mais plebeu, mais bastardo, mais desconfiado e mais ancorado na realidade latino-americana de seu tempo: colocou o popular próximo ao mundo das massas, “feito de barro e canas, mas com transistores e antenas de televisão” (Martín-Barbero, 1998, p. xiii).

Este texto retoma elementos da minha tese de doutorado (Marroquín, 2015) e, a partir daí, recupera duas reflexões principais sobre a cultura popular no pensamento de Martín-Barbero: primeiro, a visão histórico-genealógica do popular que este autor aborda em seu livro Dos meios às mediações e, segundo, seu deslocamento para o lugar das massas e suas implicações, também abordadas nessa obra, a partir do qual são realizadas algumas conclusões. Então, vou para o primeiro momento.

O DESLOCAMENTO HISTÓRICO: O POPULAR POSTO NA GENEALOGIA

A expressão “fósseis vivos” poderia ser adotada, mas principalmente, entendida, por aqueles que se dedicam a estudar o folclore. Porque, assim como as covas conservam uma fauna arcaica, muito importante para que se possa compreender os grupos zoomórficos primitivos, da mesma forma a memória popular conserva formas mentais primitivas que não deixaram marca na história, justamente porque não podiam ser expressas sob formas duráveis (documentos, monumentos, grafias, etc.). Ainda hoje podemos encontrar no folclore formas que pertencem a diferentes eras, formas que representam etapas mentais arcaicas. Ao lado de uma lenda com um substrato histórico relativamente recente ou de uma canção popular de inspiração contemporânea, podemos encontrar formas medievais, pré-cristãs ou, ainda, pré-históricas. É claro que os folcloristas conhecem esses fatos. Mas me atrevo a dizer que poucos os compreendem.

Mircea Eliade

Tal como aponta Eliade, o universo do popular e do folclore é uma espécie de fóssil vivo. Tem elementos ancestrais que se recusam a desaparecer e que estão vivos em vários gestos, na música, nos rituais religiosos, nas formas de diversão; são rituais de resistência às imposições culturais, mas também de cumplicidade com as formas hegemônicas da cultura. Para Jesús Martín-Barbero, a pré-modernidade arcaica, a modernidade e suas utopias, e a pós-modernidade cínica e desiludida sobrevivem ao mesmo tempo na cultura popular. Estas reflexões foram analisadas durante a década de 1970 e passaram a fazer parte do debate acadêmico quando Dos meios às mediações foi publicado.

A publicação desse livro foi feita em 1987 pela editora Gustavo Gili, no México, como parte da coleção Mass Media que se dedica a abordar temáticas de comunicação e foi dirigida pelo professor catalão Miquel de Moragas.

A recepção do livro superou todas as expectativas. O pesquisador colombiano, William Fernando Torres, lembra desse trabalho como “uma bomba de tempo” que “circulou entre os leitores mais experientes e os despreparados, também entre os colegas mais competitivos. Poucos dias depois e com a eficiência da clandestinidade, apareceu uma edição pirata nas mãos dos livreiros itinerantes das universidades” (Torres, 1998, p. 60).

Dos meios às mediações foi dividido em três partes. A primeira, com o título “Povo e massa na cultura: os marcos do debate”, trata da revisão de certas categorias e do modo como diferentes escolas de pensamento a colocaram.

No processo genealógico desenvolvido na primeira parte do seu livro, Martín-Barbero também dividiu sua reflexão em três momentos: primeiro, o povo, em que reflete sobre o popular a partir das categorias teóricas que já tinham sido discutidas na academia latino-americana; segundo, algo que na minha opinião configura a sua contribuição em relação ao pensamento sobre o popular, que essa categoria não pode ser pensada por fora das massas e do funcionalismo teórico que muitas vezes foi descartado muito rápido. Nesse momento, o autor revisa a constituição da sociedade de massas e dos fenômenos das massas e, finalmente, a construção histórica de uma matriz cultural popular massiva. Em um exercício benjaminiano que acaba constituindo o popular em uma constelação, percorre a história no sentido contrário para encontrar, com Walter Benjamin, que “a esperança nos foi dada pelos desesperados” (1996, p. 102) ou para descobrir “as formas populares da esperança”, como ele mesmo irá dizer, referindo-se às palavras do teólogo brasileiro Hugo Assman (1975, p. 263-268). Nessa primeira parte do texto, trato de recuperar sua genealogia sobre os termos povo e popular.

No Diccionario de uso del español, de María Moliner, popular é um adjetivo com cinco definições: “do povo (classe social); o que está ao alcance das pessoas com menos recursos econômicos; a pessoa que tem muitos partidários, admiradores ou simpatizantes entre o povo; por extensão também aqueles que estão em todas as classes sociais ou em um determinado círculo de pessoas; aplicado a coisas, muito difundido entre as pessoas” (Moliner, 2007, p. 2553) e, finalmente, faz referência ao Partido Popular na Espanha. Mas, então, como passamos a constituir o popular como um adjetivo que possui todas essas definições? Martín-Barbero coloca o debate a partir do século XVI:

Na sua “origem” o debate foi configurado por dois grandes movimentos: aquele que contraditoriamente coloca em movimento o mito do povo na política (iluministas) e na cultura (românticos); e aquele que, fundindo política e cultura, afirma a vigência moderna do popular (anarquistas) ou a nega por sua “superação” no proletariado (marxistas) (1998, p. 3).

O mapa é construído a partir da recuperação desses diálogos em que iluminismo e romantismo se contrapõem; da proposta intelectual dos anarquistas e marxistas e, finalmente, da análise mais contemporânea de historiadores e acadêmicos do século XX, que direcionam o seu olhar para os processos culturais da Idade Média e propõem uma nova leitura do popular a partir daí.

O percurso genealógico começa na busca de uma origem que, na verdade, não é origem. Martín-Barbero sugere que o primeiro debate que construiu a noção atual de povo está na discussão entre os iluministas e os românticos. Três pensadores começam o debate dos conceitos de povo e popular: Maquiavel (1469-1527), Hobbes (1578-1679) e Rousseau (1712-1778). Neles, o povo “importa enquanto vontade geral”, mas o que é produzido é um dispositivo de “inclusão abstrata e exclusão concreta” (1998, p. 7). A burguesia utiliza o povo como uma categoria que legitima um poder diferente ao dos soberanos. Se esses eram escolhidos por Deus, os novos governantes serão eleitos pelo povo. No entanto, o povo não será definido pelo que é, mas pelo que lhe falta, pelo que não tem: riqueza, cargo político e educação. A visão do popular e do povo começa sua construção de forma negativa.

Na opinião de Martín-Barbero, uma concepção um pouco menos pessimista sobre o povo pode ser encontrada no movimento romântico do século XVIII. De alguma forma, os românticos tentam desfazer essa visão negativa sobre o popular. Em termos genealógicos, os românticos irão colocar o popular como algo imoral ou esteticamente desprezível1. Os termos folclore . volkskunde são constituídos nesse momento para fazer alusão a um âmbito em que a reflexão acadêmica trate dessas discussões. O autor mostra que os românticos resgatam do popular aquilo que vem da sua originalidade, da sua pureza, da sua não contaminação, e então “ao negar a circulação cultural, o que se nega de fato é o processo histórico de criação do popular e o significado social das diferenças culturais” (Martín-Barbero, 1998, p. 11), ou seja, os românticos ao idealizar o popular e transformá-lo em arquivo, passado, patrimônio, folclore que está apenas nos museus, acabam negando também o popular vivo, real, cotidiano e nessa operação que relega o povo ao passado ancestral, os românticos acabam se aproximando dos iluministas.

Enquanto escrevia sua reflexão, esse filósofo tinha consciência de que uma visão de marxismo profundamente althusseriano se fortalecia em determinados países e propostas acadêmicas, a de reduzir os processos de comunicação de massa para aparelhos ideológicos do Estado. Martín-Barbero resgata outra visão do popular: a dos anarquistas. Particularmente a proposta dos anarquistas espanhóis do final do século XIX e começo do XX2. Deles, dirá que são capazes de se colocar entre a afirmação romântica e a negação marxista. Para Bakunin, por exemplo, o povo não é o proletariado, mas, sim, essa massa de deserdados, na qual a alienação e a utopia convivem ao mesmo tempo: “O povo é a parte sã da sociedade, aquela que em meio à miséria soube manter intacta a exigência de justiça e a capacidade de luta” (Martín-Barbero, 1998, p. 14-15). Isso permitiu que os anarquistas tivessem uma visão mais complexa do popular, não apenas como espaço de manipulação, mas também de conflito.

Diante da proposta anarquista, Martín-Barbero revisa como “o marxismo ortodoxo negará a validade [do povo] tanto teórica quanto política” (1998, p. 19). A análise de todos eles aponta que o marxismo contribui com um elemento para a análise: transforma o povo em um conceito ligado à classe social3, mas isso em si é reducionista, nessa medida, a estratégia de luta é colocada em um único plano, o econômico, e a proposta anarquista ligada à cultura é esquecida.

O povo aparece alienado, como um não-sujeito que se deixou ideologizar ao longo da história. Quais são as consequências dessa operação? Para a análise, o que surge é o popular não representado, ou seja, o que não cabe na classe trabalhadora: mulheres, jovens, aposentados, inválidos e indígenas. Essa negação do cultural traz à tona uma incapacidade para assumir a espessura simbólica da cultura e pensar a diferença, a alteridade.

Na década de 1980, de forma lenta mas contundente, uma discussão que tentava superar as dicotomias entre estruturas e agentes estava no centro do debate das ciências sociais. Disciplinas como a história “tinham começado a se distanciar dos princípios analíticos nos quais tinham consolidado sua supremacia, pelo menos intelectualmente, ou seja, a preferência pelas fontes de massa, o tratamento quantitativo delas e a constituição de séries, para beneficiar outras abordagens, que privilegiavam as representações coletivas sobre as classificações objetivas, as apropriações singulares sobre as distribuições estatísticas, e as estratégias conscientes sobre as determinações desconhecidas pelo indivíduo” (Chartier, 2011, p. 7-17).

Existe ainda uma abordagem central: para poder entender a maneira como as ciências sociais e, especialmente, a história estabeleciam a categoria do popular, Martín-Barbero aborda o momento “em que, para o Ocidente, o popular se constitui cultura: a Idade Média”. E para isso se baseia no historiador francês Jacques Le Goff cujo texto Tempo, trabalho e cultura no Ocidente4 tinha sido publicado em espanhol por Taurus em 1983 (Le Goff, 1983).

Le Goff aborda a Idade Média a partir de uma nova perspectiva. Já não é aquele tempo questionado pelo seu atraso, de silêncios, de inquisição, mas um tempo que, além da história dos vencedores, narra a profunda riqueza de uma vida cotidiana cheia de trocas e invenções. Uma época muito próxima daquela “modernidade perdida” da qual a América Latina faz parte, e nessa operação que implica, para Le Goff, fazer história cultural, está “a oposição entre cultura erudita e cultura popular” (Martín-Barbero, 1998, p. 85).

O historiador francês utiliza dois movimentos para a sua análise: o confronto e a troca. Na Idade Média estudada por Le Goff, o popular é constituído a partir do conflito e do diálogo5.

São mencionados mais dois estudiosos. Um deles é o russo Mijaíl Bajtín, quem em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais (1987) aborda o que a cultura popular tem de estranho, “de paralelo ao oficial, de outro” (Martín-Barbero, 1998, p. 87). De Bajtín, Martín-Barbero resgata a sua forma de colocar o popular como um plano cultural oposto ao oficial. Bajtín coloca um espaço particular, o da praça pública, que é o lugar onde o povo tem a voz principal. A praça é o espaço aberto onde todos cabem: os discursos, os pregões, o teatro, a vida cotidiana. Acrescenta à sua análise a categoria de um tempo, o do carnaval como reafirmação do corpo-povo e seus humores. O carnaval é o tempo mais importante da praça, é um tempo de exceção; depois do tempo de trabalho e da colheita, o carnaval é esse momento breve em que a dança e o prazer são permitidos. Dois dispositivos aparecem no texto: o riso e a máscara.

Enquanto nos trabalhos de Bajtín a cultura popular é colocada como diferente, outra, estranha, no trabalho do italiano Carlo Ginzburg encontramos as resistências da cultura popular e as capacidades que se constituíram a partir daí para assumir o conflito de forma ativa e intuitiva.

A genealogia que Martín-Barbero propõe considera as contribuições de outros cientistas sociais: Michel de Certeau que apontou o perigo de fazer pensar que a única inteligibilidade nas práticas é dada pelos processos de reprodução, e dois representantes dos estudos culturais britânicos, Richard Hoggart e Raymond Williams, e um francês, o sociólogo Pierre Bourdieu. São estes autores que o levarão a afirmar que a vida popular é familiar, grupal, comunitária, vicinal, com uma moral mista: cinismo contestatário, religiosidade elementar, viver um dia de cada vez, improviso e significado do prazer.

Baseando-se nesses autores, iluminando o itinerário que o mesmo Martín-Barbero constrói, está o italiano Antonio Gramsci (1891-1937)6. De acordo com a sua leitura, ao propor o conceito de hegemonia, Gramsci coloca a superestrutura no centro da discussão, ou seja, a esfera da dimensão cultural e, de alguma forma, da dimensão de classe da cultura popular.

O conceito de hegemonia [faz] possível pensar o processo de dominação social não como uma imposição desde um exterior e sem sujeitos, mas como um processo no qual a classe hegemoniza na medida em que representa interesses que também reconhecem de alguma forma como seus as classes subalternas. E “na medida” significa aqui que não existe hegemonia, na verdade ela se faz e se desfaz e se refaz de forma permanente em um “processo vivido”, feito não apenas de força mas também de significado, de apropriação do significado do poder, de sedução e de cumplicidade. O que implica em uma desfuncionalização da ideologia (Martín-Barbero, 1998, p. 99-100).

A ideologia não é algo que está fora e que se impõe por coerção, mas algo que está no interior do popular, talvez por isso Gramsci afirma que “a parte inorganizável da opinião pública (especialmente as mulheres, onde o voto feminino existe) é tão grande que sempre possibilita os booms e os golpes eleitorais onde a imprensa sensacionalista e o rádio estão amplamente difundidos” (Gramsci, 1981, p. 38). Martín-Barbero aponta que se Gramsci deixou alguma herança, foi a necessidade de prestar atenção à trama, ou seja, criar o popular “como um uso e não como uma origem, como um fato e não como uma essência, como uma posição relacional e não como uma substância” (Cirese apud Martín- Barbero, 1998, p. 100). Mas isto não é possível, por isso trato de revisar o outro conceito no qual a categoria que trato é construída: o massivo.

O DESLOCAMENTO ESTRUTURAL: DO ADJETIVO CULTURAL POPULAR AO SUBSTANTIVO DO POPULAR MASSIVO

Talvez a principal ousadia do pensador espanhol-colombiano foi insistir que o popular, a partir da constituição da indústria cultural, deslocou sua vida-fóssil – para usar o termo de Eliade – para esse lugar ambíguo e bastardo do mercado, para os meios de comunicação em massa.

No final do século XIX, novas e deslumbrantes tecnologias de reprodução estão ao alcance das sociedades ocidentais. A primeira delas é a fotografia. Mesmo que Louis Daguerre (1787-1851) considere que ela tenha sido inventada em 1839, a difusão em massa desse meio só se dará a partir de 1888, em plena era industrial, quando George Eastman inventa a câmera Kodak e começa a fabricação de rolos de filme que colocam a fotografia ao alcance de muitos. Alguns anos depois, em 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière surpreendem o mundo com uma nova proposta: o cinema. Os públicos sem rosto, as grandes multidões e as massas começaram a surgir, seduzidas pela proposta de novos consumos que acabariam apoiando movimentos políticos fascistas ou movimentos multitudinários exuberantes difíceis de controlar. Não é por acaso, como apontado por intelectuais como Eduardo Gruner, que o surgimento do cinema coincide com o surgimento do marxismo e da psicanálise (Pinto, 2007).

Foi exatamente nessa época que os termos “das massas” e da “cultura de massas” encontram sua maior difusão. Para entender esse conceito, o dicionário tradicional pouco serve, porque faz mais referência à magnitude física ligada à matéria ou à mistura de farinha com água e fermento do que à multidão, essa que menciona de forma pontual. No entanto, quero retomar o conceito mainstream que está disponível na Wikipédia:

Massas: Nas Ciências Políticas, Sociologia e Direito Constitucional, massas ou as massas faz referência a um sujeito coletivo em determinadas manifestações do comportamento social, principalmente para descrever formas de comportamento gregário, em oposição ao comportamento individual. É utilizado com frequência no plural (as massas), e em oposição ao conceito das elites. É comum não utilizá-lo de forma neutra, e sim com uma valoração semântica diferente de acordo com a intenção ideológica que o termo usa: tanto depreciativo quanto admirativo. Tem uma relação estreita com outros conceitos como povo, multidão, plebe, ralé ou escória; e com a expressão grega hoi polloi (οἱ πολλοί – “os muitos” ou “a maioria” –, a base da democracia ou poder do povo – sendo demos traduzido por povo) em oposição a hoi olligoi (οἱ ὀλίγοι – “os poucos” ou “a minoria” –, a base da oligarquia), ambas procedentes do discurso fúnebre de Péricles e, a primeira, muito utilizada como um tópico elitista na cultura anglo-saxônica desde o início do século XIX (“Massas”, 2013).

Em uma entrada ligada a anterior, a Wikipédia coloca que o conceito de “sociedade de massa” nasceu com a chegada da sociedade industrial (“Sociedade de massa”, 2013), e faz referência a grupos de indivíduos iguais entre si, um dos ideais das novas sociedades que se opunham ao Antigo Regime. No entanto, essa expressão passou a significar a preocupação das elites com essas multidões carentes de cultura e muito difíceis de controlar; e como é apontado na Wikipédia, não é usual utilizar esse termo de forma neutra.

Outro dicionário que apresenta uma definição bastante difundida é o Online Dictionary of the Social Sciences, que coloca o seguinte sobre “cultura de massas”:

Mass culture: A set of cultural values and ideas that arise from common exposure of a population to the same cultural activities, communications media, music and art, etc. Mass culture becomes possible only with modern communications and electronic media. A mass culture is transmitted to individuals, rather than arising from people's daily interactions, and therefore lacks the distinctive content of cultures rooted in community and region. Mass culture tends to reproduce the liberal value of individualism and to foster a view of the citizen as consumer (Drislane & Parkinson, 2002)7.

A cultura de massas, nessa definição, é produzida exclusivamente a partir dos meios de comunicação “modernos”, através das comunicações eletrônicas, e do fato de ser apontada como oposta ou substituta da vida cotidiana das pessoas. A genealogia de Martín-Barbero permite estabelecer o conceito das massas e do massivo em uma dimensão que engloba as contradições e complexidades do termo8.

A ideia da sociedade de massas é muito mais antiga do que os manuais para estudiosos da comunicação costumam informar. Com o objetivo de fazer da tecnologia a causa necessária e suficiente da nova sociedade, a maioria desses manuais coloca o surgimento da teoria da sociedade de massas entre os anos trinta ou quarenta, desconhecendo as matrizes históricas, sociais e políticas de um conceito que, em 1930, já tinha quase um século de vida. Talvez uma imagem seja adequada: o desenvolvimento da teoria da sociedade de massas durante o século XIX é o de um movimento que vai do medo à decepção e daí ao pessimismo, mas conservando o nojo (Martín-Barbero, 1998, p. 27).

Seguindo essa afirmação, é constatado que o conceito de sociedade de massas nasce com a modernidade, com a reprodução em série, com a industrialização, além de surgir do medo, da decepção, do pessimismo e do nojo, da urgência em pensar como a nova burguesia irá entender os processos hegemônicos para controlar qualquer revolução que aconteça após aquela que ela mesma começou. Se, como aponta Deleuze, “a genealogia não só interpreta, mas também valoriza” (Deleuze, 2016, p. 14), esse desmonte das origens permite que Martín-Barbero mostre os medos de uma academia formada a partir da escala de valores das elites e as razões que impedem descobrir nas massas gestos de bondade, inteligência e gosto.

Martín-Barbero divide sua revisão sobre “a massa” em cinco momentos. Primeiro, a abordagem mais sociológica que permite, com Alexis de Tocqueville, o descobrimento da multidão como lugar central para uma política que instaura um determinado tipo de regime democrático, como o dos Estados Unidos; segundo, o momento ligado à psicologia das multidões, muito influenciado pelos predecessores e teóricos da psicanálise, em que autores como Tarde ou Freud revisam um certo tipo de sentimento ligado às massas, sua histeria, seus sentimentos, a manipulação possível e a desconfiança das elites; terceiro, o momento mais filosófico em que alguns pensadores como Ortega e Gasset articulam uma metafísica do homem das massas e nomeiam o mal-estar que com sua visibilidade se instalou na sociedade moderna; quarto, uma revisão a partir das novas teorias funcionalistas da comunicação permitem que Martín-Barbero realize uma operação arriscada mas original, que consiste em traçar uma rota de união entre alguns gestos massivos e a sobrevivência do popular; quinto, dedicará um capítulo inteiro para pensar uma das teorias mais importantes ligadas à massa, a da Escola de Frankfurt, especialmente Adorno e Benjamin, mas também a partir de quatro pensadores posteriores: Edgar Morin, Michel Foucault, Jean Baudrillard e Jürgen Habermas.

A originalidade do pensamento desse autor está, portanto, nessa interseção, nessa constelação benjaminiana que lhe permite refletir sobre o popular acrescentando a esse conceito, de forma indissolúvel, uma categoria que antes tinha sido considerada oposta: o massivo. A constelação é o modelo que Benjamin propõe para o estudo dos fenômenos humanos, principalmente da história. O que ele pretende é que o estudioso se aproxime dos fenômenos, dos fatos, e que a partir deles, sem esquecê-los, sem diluí-los em um sistema, mostre uma configuração, um mosaico. O importante aqui é que o fenômeno mantenha a sua independência, que fique bem claro que não está em continuidade com outros, que não acabe distorcido pelo todo. O que Benjamin chamou de “salvação” ou de “redenção” do fenômeno consistente é mostrá-lo em um todo que não passe por cima dele e que possa, até mesmo, prescindir dele. Benjamin insiste que o fenômeno seja salvo, que continue sendo reconhecível, que não acabe perdido na maré do que é, porque se isso acontecer, teremos traído o processo de conhecimento. Esse é o caminho que percorre a história no sentido contrário, reflete sobre o apagamento, sobre essa rasura que tem sido a condenação dos intelectuais em relação à comunicação em massa como a destruidora da cultura popular e, a partir daí, revisa em que nos transformamos.

Como método, a genealogia mostra o saber/poder a partir do qual são construídas as categorias que utilizamos para nomear o mundo. No caso do popular massivo, a sua construção histórica obedeceu a interesses políticos e possibilitou muitas das confusões e intervenções culturais. O popular e o massivo foram concebidos através de dicotomias difíceis de ver; faltava a visão de um genealogista que nos fizesse refletir sobres as lutas internas que constituíram esses significados imutáveis com os quais trabalhamos por anos.

Pensamos dentro de determinadas tradições que nos pensam, não podemos escapar delas. Por isso, a contribuição de Martín-Barbero consiste em não se distanciar da sua tradição filosófica, nem de ficar apenas nessa tradição, mas, sim, de circular por alguns lugares-outros e assumir as diversas escolas de pensamento, colocando-as em diálogo, pensando de forma negativa, cometendo a heresia de unir o não-juntável e colocar a operação de miscigenação para explodir as categorias tradicionais. Assim, é possível contribuir com um novo e delimitado ponto de vista da realidade atual.

CONCLUSÕES INICIAIS: O DESLOCAMENTO DIALÓGICO

Atualmente, o popular massivo é uma categoria que já se separou do seu autor para contribuir com um pensamento social que reflete sobre os movimentos culturais contemporâneos e a influência dos fenômenos de massas como um âmbito constitutivo do popular. Além disso, o popular massivo começa a ter vários pais que atribuem a si o crédito de terem criado o termo, mas, como mostrei, todos eles são posteriores à abordagem inicial feita por Martín-Barbero. A influência dessa categoria de pesquisa é notável nos campos dos estudos culturais, da comunicação e começa a contribuir com a filosofia, ligada principalmente ao pensamento estético.

A academia da América Latina manteve uma discussão intensa sobre o popular na década de 1990. Após dois anos da publicação de Dos meios às mediações, em 1989, foi publicado um novo livro do antropólogo Néstor García Canclini, Culturas Híbridas. Estratégias Para Entrar e Sair da Modernidade. As abordagens dessa análise das formas de modernidade no México, Argentina e Brasil contribuíram com o debate sobre o popular massivo.

Esse trabalho tentou não só descrever a diversidade cultural cada vez mais evidente na América Latina, mas também avançar no campo explicativo e na capacidade hermenêutica, ou seja, tornar-se útil para entender o significado dessa diversidade cultural que foi constatada. Para Martín-Barbero, o livro de García Canclini “marca, sem dúvidas, um ponto de chegada nesse percurso e um marco nos estudos culturais da América Latina. E ele é principalmente porque nos ajuda a pensar a diferença não à margem, e sim a partir do debate com a modernidade, transformando esse debate em uma ocasião e em um modo para acessar as questões mais radicais e as nossas crises” (Martín-Barbero, 1991).

Em meados da década de 1990, o jornalista e sociólogo estadunidense James Lull usou a proposta de Martín-Barbero ao analisar o que chamou de “o capital cultural popular: o ouro negro”, no qual abordou a construção transnacional de estereótipos raciais ligados à cultura negra (1997, p. 115). Há mais um elemento nessas reflexões: o melodrama como dispositivo semiótico do popular, como dispositivo que configura e convoca.

A primeira década do século XXI (desde o início do século, quando estava em Guadalajara, até 2010, quando já estava na Colômbia) pode ser chamado de um período de balanço no pensamento de Martín-Barbero. Por um lado, já temos uma tradição constituída no campo da comunicação e, por outro, um autor que começa a ser revisitado por outros pesquisadores e analisado a partir de uma revisão conjunta. O número 41 da revista Signo y pensamiento da Universidade Javeriana, em 2002, teve o título “Dos meios às mediações? Antigos itinerários, novas discussões”. Na apresentação da monografia, os editores apontaram que havia questões que tinham uma persistência particular e que “hoje mantêm toda a sua carga e mantêm os itinerários da reflexão em vigor, em uma época de modernidade midiática […] nesse contexto de mudanças, frustrações e vigências queríamos que a edição se perguntasse se, diante da atual hegemonia midiática e tecnológica, o que nos resta fazer é o oposto do que Martín-Barbero vem propondo” ("Para nossos leitores", 2002, p. 5). As respostas, além de serem contraditórias com as propostas originais, são a continuação de um diálogo que continua em vigor.

Essa concepção também foi trabalhada na academia argentina pela equipe de pesquisadores liderada pelo sociólogo Pablo Alabarces, quem apontou em um trabalho de 2008 o seguinte:

A recepção do livro de Barbero [sic] foi dolorosa: rapidamente aliviada do ímpeto crítico dos anos sessenta e setenta, nossa academia latino-americana pareceu privilegiar uma leitura mais óbvia, que estava às margens de Barbero e com má vontade: o popular estava nas massas... e lá estava bem guardado. Quando o hibridismo cancliniano reconciliou todos os fragmentos da nossa pós-modernidade neoconservadora, os anos noventa se tornaram definitivamente neopopulistas, em uma celebração paradoxal: os anos noventa foram – puderam ser – neopopulistas porque o povo já não existia (Alabarces, 2008, p. 18).

A preocupação desse pensador argentino em resgatar a complexidade do pensamento sobre o povo e o popular insiste na necessidade de fugir de qualquer simplificação. Para isso propõe dois conceitos para guiar seu trabalho: o de mediações e o de resistências. O primeiro irá trabalhar a partir da contribuição de Martín-Barbero9. Embora Alabarces insistisse na necessidade de pensar sobre o popular, também recuperou a exigência que, desde Gramsci, tornou-se clara: suspeitar de atribuições automáticas de significado e de reducionismos fáceis relacionados ao popular.

O conceito de mediações como base de discussões a partir da antropologia e da comunicação também foi recuperado no trabalho de Lluís Duch e Albert Chillón, que revisou a discussão sobre a mediação a partir do cinema e da arte, até a filosofia. No texto, os autores mostraram a contribuição de Martín-Barbero na discussão das mediações a partir dos meios de comunicação (Duch & Chillón, 2012).

Em junho de 2008, a Revista Latinoamericana de Comunicación, Chasqui, do Equador, dedicou uma monografia a Martín-Barbero; na sua editora, ele foi apontado como “um dos pensadores latino-americanos mais ativos e prolíficos, de tempos em tempos nos entrega novos estudos e avanços do seu pensamento em forma de artigos, livros e palestras. Vimos que mesmo depois de mais de três décadas de pesquisa comunicativa, suas primeiras propostas não se esgotaram; aliás, elas se ajustaram e se adaptaram às transformações sociais” (“Carta para nossos leitores”, 2008, p. 1). Em 2008, a revista Anthropos, de Barcelona, também dedicou uma monografia, no qual apontaram que Martín-Barbero “viaja desde a filosofia – dos seus temas e autores – até as ciências sociais e da comunicação de acordo com a concepção peculiar da América Latina […] e nesse ir e vir da escuridão à luz, acontece a clareza intelectual e comunicativa. Descobre uma contribuição original da América Latina: uma nova teoria da comunicação e o processo de liberação como conscientização” (“Editora”, 2008, p. 5).

Boa parte do seu pensamento foi sistematizado em quatorze livros, oito coordenações, cerca de duzentos artigos em revistas acadêmicas, mais de cento e cinquenta palestras ao redor do mundo. Em 2022, devido a sua morte, as discussões, os congressos e os seminários se multiplicaram, o que mostra como suas discussões ainda são atuais.

Ainda que Martín-Barbero não tenha mencionado a palavra “reificação” nas suas reflexões sobre a cultura popular, é possível argumentar que esse conceito está no fundo da sua reflexão, principalmente por causa da sua insistência em mostrar esses esquecimentos que nos fizeram compreender o âmbito cultural como algo que separa o que deveria estar unido: ou seja, uma aposta metodológica para historicizar a constituição do popular10. Por isso, seu trabalho, em vários momentos, argumentou contra a razão dualista que “inevitavelmente transforma o massivo em processos de degradação cultural” (Martín-Barbero, 1998, p. xxix) e que torna homogêneo aquilo que, na verdade, tem muitos aspectos distintos, como as concepções sobre cultura, povo e massa. Esse é o deslocamento: de adjetivo para substantivo. Da comunicação à filosofia, para entender as reificações que vivem no popular ao nomeá-lo, mas também ao enfrentar o capitalismo tão voraz ao qual fomos jogados, como diria Heidegger.

Em março de 2014, um grupo de acadêmicos de El Salvador e da Colômbia propôs indicar Jesús Martín-Barbero como candidato para o prêmio Príncipe de Astúrias na área de comunicação e ciências humanas. Hoje o prêmio é chamado de Princesa de Astúrias, e é concedido, desde 1981, à pessoa, grupo de pessoas ou instituição cujo trabalho criativo ou de pesquisa represente uma contribuição relevante para a cultura universal nesses campos. A primeira premiada foi a filósofa espanhola María Zambrano.

Depois da deliberação, o júri concedeu o prêmio a Joaquín Lavado, conhecido como Quino, um cartunista argentino mundialmente conhecido por sua personagem Mafalda, a menina rebelde que mistura análise política e discurso existencial desde a década de 1970. Para além da anedota, gostaria de destacar que, como parte do apoio para a candidatura, a comissão conseguiu, em menos de um mês, 57 cartas de apoio que vieram de mais de cinquenta instituições entre universidades, intelectuais e organizações de comunicação e jornalismo na Ibero-América. Entre os países que apoiaram a candidatura estão México, Colômbia, Brasil, Espanha, Estados Unidos, El Salvador, Guatemala, Equador, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, Porto Rico e Venezuela. As instituições e os pesquisadores registravam nessas cartas a centralidade da obra Dos meios às mediações no debate epistêmico do campo da comunicação e sua contribuição para os estudos culturais a partir do pensamento sobre a cultura popular massiva. Ao mesmo tempo acredito que dar o prêmio a Quino, e portanto a Mafalda, essa personagem da cultura popular, massiva, mas também crítica, é uma boa homenagem à reflexão de Martín-Barbero.

A academia não pode ser compreendida sem os conflitos e disputas de poder que cada campo epistêmico produz e luta. Martín-Barbero percorreu três desses campos e utilizou a interdisciplinaridade para questionar antigas certezas e revisar sua permanência ao longo do tempo.

Material suplementario
BIBLIOGRAFIA
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Notas
Notas
1 Jesús Martín-Barbero continua a historização feita por Raymond Williams em Cultura e sociedade, 1780-1950. De Coleridge a Orwell, e resgata o texto de 1784 de Herder, no qual sugere que é necessário “aceitar a existência de uma pluralidade de culturas”.
2 Na biografia de Martín-Barbero, a Guerra Civil Espanhola tem uma importância particular. Ainda que o anarquismo exista na Espanha desde muito antes, desde a Primeira República (1873-1874), logo depois das discussões que aconteceram na Primeira Internacional (1864). O anarquismo espanhol tem uma forte influência de Bakunin. Diante da visão da história regida pelas leis do materialismo histórico e da luta de classes, proclamou a liberdade do sujeito, capaz de mudar as forças da história. Quero destacar dois elementos do anarquismo espanhol: o primeiro, o movimento cultural que os anarquistas desenvolveram na Espanha, cuja aposta era difundir não só os seus ideais políticos, mas também a instrução e a cultura nas classes populares trabalhadoras. Os trabalhos culturais do anarquismo foram apoiados por intelectuais como Pío Baroja, Azorín, Ramón del Valle-Inclán e Blasco Ibáñez; os anarquistas realizaram competições de literatura, filosofia, poesia e teatro, e estabeleceram Barcelona como o centro dessa efervescência cultural. O segundo elemento foi a importância da difusão dos ideais anarquistas através dos meios (de massas), como o uso de escolas, teatros e ateneus para difundir seus jornais, mas também utilizaram romances de folhetim, que fez muito sucesso entre os trabalhadores. (Litvak, 2001).
3 Ainda que Martín-Barbero não especifique as escolas marxistas, a partir dessa pesquisa é possível afirmar que, nesse caso, sua crítica à noção marxista do popular se refere essencialmente ao marxismo althusseriano, em voga durante aqueles anos. Por um lado, ele mesmo realizou sua tese de licenciatura sobre Althusser e Karel Kosik para poder entrar na Lovaina. Por outro, a interpretação de Althusser defendia o resgate de um marxismo científico, e em algum momento das suas abordagens, distanciou-se das leituras feitas por intelectuais como Gramsci e Lukács e questionou conceitos como alienação, sujeito e história, que são muito mais próximos da reflexão cultural do que Martín-Barbero coloca em Dos meios às mediações.
4 Para seu trabalho, Martín-Barbero utiliza a versão francesa do texto: J. Le Goff. Les Marginaux et les exclus dans l’histoire (Paris: UGE, 1979).
5 Mesmo que Martín-Barbero retome apenas alguns elementos das pesquisas desse historiador, na minha opinião ele ressalta um elemento comum no itinerário e na aposta desse acadêmico. Os principais livros em que Le Goff aborda esses temas são, na minha opinião: Mercadores e banqueiros da Idade Media, (Madri: Alianza, 2010); Os intelectuais na Idade Média (Barcelona: Gedisa, 2001); A bolsa e a vida. Economia e religião na Idade Média (Barcelona: Gedisa, 1986); Homens e mulheres da Idade Média (México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 2013); As Raízes Medievais da Europa (Barcelona: Crítica, 2003) e o trabalho escrito em parceria com Nicolás Truong, Uma história do corpo na Idade Média (Barcelona: Paidós Ibérica, 2005).
6 Teórico marxista, político e jornalista, Gramsci foi detido em novembro de 1926 e ficou preso até 1934, quando saiu com uma ordem de liberdade condicional, por causa das suas doenças. Morreu em 1937, e seus textos foram publicados dez anos depois, a partir de 1948, em edições que começaram a circular até que na década de 1970 se transformaram em um ponto fundamental das discussões da esquerda acadêmica (Rosengarten, s. d.).
7 “Cultura de massas: um conjunto de ideias e valores culturais que surgem a partir da exposição comum de uma população ao mesmo tipo de atividades culturais, meios de comunicação, música, arte, etc. A cultura de massas só é possível a partir dos meios eletrônicos e das comunicações modernas. A cultura de massas é transmitida às pessoas para substituir as interações do dia a dia e, por tanto, carece do conteúdo próprio das culturas enraizadas em uma comunidade ou região. A cultura de massas tende a reproduzir o valor liberal do individualismo e a estimular uma visão do cidadão como consumidor”. [tradução nossa].
8 Trabalhos posteriores analisam outras genealogias. Alguns fundamentais são: a leitura britânica desenvolvida por Francis Mulhern nos estúdios culturais ingleses. Em seu texto Culture/Metaculture, Mulhern estabelece o conceito da criação da kulturkritik, que provém principalmente da academia alemã, e ainda inclui importantes pensadores de outros países como Ortega e Gasset, Julien Benda e Virginia Woolf. A abordagem mais filosófica está em Peter Sloterdijk, O desprezo das massas. Ensaio sobre as lutas culturais na sociedade moderna (2001). Duas abordagens bastante políticas são as de Michael Hardt e Antonio Negri na obra Império (2005) publicada inicialmente em inglês no ano 2000, em que se propõe e analisa a categoria de multidão, um conceito para pensar uma ordem global atravessada por redes de comunicação, controle e migrações de diferentes índoles; e a obra A razão populista (2005), do grande teórico argentino, Ernesto Laclau, quem faz a sua própria revisão da difamação do conceito de massas e da construção da categoria de povo para pensar no populismo como prática política. Todos os textos são posteriores à genealogia inicial de Martín-Barbero e merecem um trabalho de revisão abrangente das novidades que propõem.
9 “A noção de mediações nos remete ao campo definido por Jesús Martín-Barbero há vinte anos, em 1987, parece impossível abordar estudos latino-americanos sobre cultura popular e cultura de massas sem essa referência. No entanto, a noção não perdeu nada da sua imprecisão original, pelo contrário, apenas a aumentou: contamos dezoito definições de mediação no texto original de Martín-Barbero, e qualquer revisão da literatura pós-barberiana só acrescenta imprecisões e metáforas. Nessa última instância, o conceito de mediação barberiana é outra dobra na série que tenta definir as relações entre estrutura e superestrutura evitando a determinação em última instância e, com ela, a tentação reflexa” (Albarces, 2008, p. 23-24).
10 Novamente aparece aqui uma insistência que não é nomeada, mas que está ligada às preocupações de outros filósofos, Nietzsche com a genealogia, Foucault com a arqueologia, Zea com a história das ideias ou Ellacuría com a historização como método.
Notas de autor
a Professora do Departamento de Comunicação e Cultura da Universidad Centroamericana José Simeón Cañas (UCA) desde 1997. Foi professora convidada em diferentes universidades da região. Atualmente é a reitora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3996-3974. E-mail: amarroquin@uca.edu.sv
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