EM PAUTA/ AGENDA

Recepción: 22 Marzo 2023
Aprobación: 12 Abril 2023
DOI: https://doi.org//10.11606/issn.1982-8160.v17i2p225-256
Resumo: Parte-se de uma teorização que permite localizar problemas relacionados à crise do jornalismo e pode ser aplicada às premiações. Por meio de análise discursiva localiza-se no Mapa relacional os temas dos 41 vencedores de premiações e realizam-se estudos de casos ilustrativos. Nos resultados, salienta-se que os projetos enfocam questões relacionadas à atualidade que, ao serem localizadas no Mapa, proporcionam uma visão de acontecimentos globais de 2020 a 2022 e podem ser relacionadas a desinformação, abuso de poder, desumanização, sensacionalismo, negativismo. Identificam-se características experimentais, experienciais, artísticas, de visualização e comunicação, que podem contribuir para reconfigurar o noticiário. Ao indicar relações comunicacionais abusivas, o mapeamento contribui com reflexões sobre o jornalismo e destaca práticas noticiosas.
Palavras-chave: Teorias comunicacionais, mapeamento, relações comunicativas, Mapa relacional, premiações.
Abstract: This study is based on a theorization that can locate problems related to the crisis of journalism and be applied to awards. Using discourse analysis, the themes of 41 award winners are located on a relational map and illustrative case studies are carried out. Results show that the projects focus on current issues that, when located on the map, provide an insight into the global events from 2020 to 2022, which may be related to misinformation, abuse of power, dehumanization, sensationalism, and negativism. We found experimental, experiential, artistic, visualization, and communication features that can contribute to reconfiguring the news. By indicating abusive communicational relations, our mapping contributes to reflections on journalism and highlights news practices.
Keywords: Communicational theories, mapping, communicative relations, relational map, awards.
PARTE-SE DE UMA concepção baseada nas matrizes culturais latino-americanas e nos regimes semióticos de interação na forma de um mapa relacional que, ao representar a comunicação, permite localizar visualmente problemas e pode ser aplicado às premiações, analisando-se em que se pode contribuir para esclarecer sobre premiações jornalísticas.
Isso se situa em um contexto em que, além das mudanças constantes decorrentes dos novos tempos tecnológicos (Uhry & Caetano, 2021), evidencia-se uma crise disruptiva do jornalismo em decorrência de aspectos como: gratuidade da informação na web; chegada de novos competidores não jornalistas (youtubers, influenciadores digital e outros amadores) que postam informações na Internet com mais agilidade; chegada das plataformas tecnológicas que se tornaram atravessadores e quebraram o domínio na distribuição das notícias; “afrouxamento da qualidade” da informação por não haver verificação do “teor, relevância e autenticidade” e por haver renúncia à “responsabilidade sobre o que se torna público”; “desvio da função pública e renúncia do papel social junto às comunidades” (Christofoletti, 2019, pp. 90-91), entre outras questões.
Analisando tal problemática, parte-se para a aplicação de um Mapa relacional construído por Uhry (2021) a partir de Martín-Barbero (2003; 2010) e Landowski (2014), que permitiu identificar questões como consumismo, sensacionalismo, negativismo e desinformação. O mapeamento de premiações jornalísticas pode permitir a visualização de práticas jornalísticas que permitam ir além dos problemas e da crise e, assim, de alguma forma contribuir para refletir sobre o futuro do jornalismo, preocupação de autores como Salaverría (2015).
Diante disso, a questão que se coloca é: “O mapeamento pode esclarecer a contribuição das premiações jornalísticas?” A hipótese é de que está em andamento uma reconfiguração do discurso noticioso que pode ser relacionada às premiações, que é o que se busca entender.
A configuração original das notícias tem uma origem antiga, da qual há o registro de uma tese de doutoramento, que data de 1690, de Peucer (2004), abordando “relatos noticiosos” (“Relationibus Novellis” em latim, no original) em que se evidenciam as seguintes características: 1) Atualidade. 2) Qualidade: exatidão, veracidade, interesse, credibilidade, clareza, utilidade, leveza. 3) Técnica: sujeito (quem?), objeto (o quê?), causa (por quê?), maneira (como?), local (onde?) e tempo (quando?). 4) Objetividade. 5) Lucratividade: distribuição (impresso) e publicidade. 6) Noticiabilidade (agência notícias, validação) (Peucer, 2004, pp. 16-26). Eis, em suma, que é possível considerar a configuração de origem do jornalismo. Na atualidade, constata-se reconfiguração do digital e da inteligência artificial.
METODOLOGIA
A abordagem metodológica é qualitativa: por meio de análise discursiva localizam-se no mapa relacional os temas dos 41 vencedores das premiações Sigma Awards, WAN-IFRA, ICFJ Knight e Prêmios Rei da Espanha e realizam-se quatro estudos de casos ilustrativos. Utiliza-se, como fonte de evidência, documentações na web: levantamento bibliográfico sobre os problemas e a crise do jornalismo; identificação de premiações internacionais das quais o Brasil possa participar: Sigma Awards, WAN-IFRA Digital Media Awards Worldwide, ICFJ Knight International Journalism Awards e Prêmios Rei da Espanha; realização de quatro estudo de caso como ilustração (Machado & Palacios, 2007), análise temática de discurso (van Dijk, 2009a), análise sociossemiótica (Landowski, 2014) e as categorias de análise a partir do próprio mapa relacional.
Propõe-se realizar análise do discurso noticioso em que se destaca o tema, que é a expressão do que é mais relevante de forma a combinar macro atos ou acontecimentos globais e chegar ao resumo do tema principal do discurso noticioso (adaptado de van Dijk, 2009a, p. 141), o que é complementado por estudos de casos ilustrativos (Machado & Palacios, 2007), sendo os achados localizados visualmente no Mapa relacional e ligados aos regimes de interação sociossemióticos, buscando-se identificar uma possível relação entre as premiações e a prática do jornalismo.
MAPA RELACIONAL E AS PREMIAÇÕES
Parte-se de um Mapa relacional que permite localizar visualmente problemas relacionados à crise do jornalismo e, ao mesmo tempo, pode ser aplicado às premiações. A origem está nas matrizes culturais latino-americana e dos regimes semióticos de interação em que se fundamenta a proposição teórica do mapa relacional.
O ponto de partida é o mapa das mediações (Martín-Barbero, 2003, pp. 11-21), em que se propõe uma reflexão sobre a hegemonia comunicacional do mercado na sociedade, situando-a de forma a abarcar não só aspectos tecnológicos, mas principalmente questões relacionadas com cultura e política, na forma de um mapa com dois eixos: um horizontal, diacrônico, histórico de longa duração, entre as Matrizes Culturais e os Formatos Industriais; outro vertical, sincrônico, entre Lógicas de Produção e Competências de Recepção (Consumo).
As relações entre Matrizes Culturais e Lógicas de Produção encontram-se mediadas por diferentes regimes de institucionalidade, enquanto as relações entre Matrizes Culturais e Competências de Recepção (Consumo) estão mediadas por diversas formas de socialidade. Entre Lógicas de Produção e Formatos Industriais medeiam as tecnicidades e entre os Formatos Industriais e as Competências de Recepção (Consumo), as ritualidades medeiam (Martín-Barbero, 2003, pp. 16-21). É o que pode ser representado graficamente a seguir:
Martín-Barbero (2010, pp. XIII-XIX) registra que as mudanças tecnológicas fizeram surgir uma nova configuração, que levaram a um novo mapa das mediações, ao qual denomina de “mutações comunicativas e culturais”, igualmente com eixos: um horizontal (migrações – fluxos); outro vertical (temporalidade – espacialidade). As mediações entre temporalidade e fluxos dão-se pela tecnicidade; fluxos e espacialidade igualmente são mediados pelas ritualidades; ao passo que entre migrações e espacialidade as mediações se dão pela cognitividade; e migrações e temporalidade são mediadas pela identidade. Para Martín-Barbero (2010), temporalidades destacam a experiência do tempo, o culto ao presente e a confusão dos tempos com a questão da simultaneidade atual; espacialidade refere-se aos espaços relacionados com proximidade e pertencimento, o espaço comunicacional tecido pelas redes digitais; mobilidade relaciona-se às migrações e navegações virtuais e novas formas de sensibilidade; fluxos são os de informações, imagens e escrituras digitais que desestabilizam a cultura letrada e escolar (Martín-Barbero, 2010, pp. VII-XX).
A propósito, Lopes (2014, pp. 72-73) opina que este último escrito de Martín-Barbero (2010) é “um notável esforço em oferecer pistas para elucidar” as relações entre meios e mediações, mas salienta que o mapa das mediações anterior (Martín-Barbero, 2003) é bastante rico e abrangente, a ponto de Lopes (2014, p. 71) destacar que possibilita “operacionalizar a análise de qualquer fenômeno social que relaciona comunicação, cultura e política” por articular “produtores, mídia, mensagens, receptores e cultura”. São essas as bases das matrizes culturais latino-americanas.
A seguir, passamos a expor aos regimes semióticos de interação que também estão na base da proposição. No tocante às formas de interação possíveis, Landowski (2014) propõe uma teorização em macro perspectiva sociossemiótica, que consta de quatro regimes de interação e lógicas respectivas: I. Acidente (risco), fundado na lógica da aleatoriedade, na probabilidade mítica ou matemática, relacionado à descontinuidade e ao “fazer sobrevir”. II. Manipulação (estratégia), fundada na lógica da intencionalidade, na motivação consensual ou decisória, relacionada à não descontinuidade e ao “fazer querer”. III. Programação (regularidade), fundada na lógica da regularidade causal ou simbólica, relacionada à continuidade e ao “fazer advir”. IV. Ajustamento (sensibilidade), fundado na lógica da sensibilidade perceptiva ou reativa, relacionado à não continuidade e ao “fazer sentir” (Landowski, 2014, p. 80). Eis sinteticamente a base sociossemiótica do Mapa.
Tendo sintetizado as teorizações das matrizes culturais latino-americanas e semióticas que embasam o Mapa relacional, são propostas quatro perspectivas de análise. A perspectiva Social é a trajetória sociocultural em que se desenvolveram os meios de comunicação, com foco em “o que” e “por que” se comunica ; nessa perspectiva apresenta-se a questão do espaço público e um percurso da comunicação de massa. A perspectiva Social/Mercadológica, em que se destaca a integração e a gestão estratégica da comunicação e o “como”. A perspectiva dos Comunicadores, a partir da qual a questão passa a ser quem faz a mediação, as lógicas de produção e de controle social. A perspectiva dos Públicos, que coloca a ênfase em “para quem” (consumidores, cidadãos, proconsumidores) e envolve questões de recepção e apropriação das ações de comunicação.
Assim, considerando como ponto de partida o mapa de Martín-Barbero (2003), as lógicas e regimes de interações de Landowski (2014) e uma visão geral dos interagentes das relações de comunicação, que indica os atores, as formas de atuação discursiva e demais relações, propõe-se a concepção das relações comunicativas na forma de um mapa relacional que permite formalizar visualmente diferentes territórios e relações, com dois eixos relacionais com contrafluxos:
Primeiro eixo: integrar de forma mediada: eixo horizontal, diacrônico, histórico de longa duração que permite relacionar o aspecto Social/Cultural (o quê e por quê?) com as mudanças sofridas em direção à predominância do Social/Mercadológico (como?), aquele relacionado à integração social cidadã, este mais ligado à perspectiva dos gestores da comunicação, o que envolve a gestão integrada da comunicação e a adequação dos formatos culturais e industriais às conveniências do mercado. No contrafluxo da integração mediada, há também uma postura contra-hegemônica que reafirma a cidadania e não a integração mercadológica, que é a função primordial de integração social da comunicação na sociedade, no sentido de contribuir para construir a identidade, formar a opinião pública etc.
Segundo eixo: mediar de forma a integrar: eixo vertical, sincrônico, que relaciona interativamente os atores sociais e os Públicos em um determinado momento, analisa as lógicas de produção dos Comunicadores (quem?) e as competências de recepção dos Públicos (a quem?). No contrafluxo da mediação integrativa, a relação comunicativa pode assumir também uma postura contra-hegemônica de reafirmação da cidadania e do papel social da comunicação.
Os eixos relacionais fazem referência aos sistemas de mediação como modelos integrativos, devido ao encontro dos eixos “Integração de forma a mediar” e “Mediação de forma a integrar”, e com quatro perspectivas compõem de tal forma o Mapa relacional. Assim, exatamente no quadrante central do Mapa, em que os eixos relacionais – que indicam as ações de integrar e de mediar – se entrecruzam, é que se localizam as forças macroambientais “político-legais, econômicas, tecnológicas e culturais” (Wright et al., 2000, pp. 47-59), conceitos da Administração, ao que se soma a dimensão simbólica, que também pode perpassar as demais dimensões. A tipologia clássica da Administração tem certa semelhança – e é complementada pela Sociologia – com o sistema social de Parsons na síntese de Habermas (2003, pp. 334-442) e de Münch (1999, pp. 184-187): político (fins), econômico (recursos), social/cultural (valores) e personalidade (simbólico). Ao que se inclui no modelo as lógicas e os regimes de interação semiótica de Landowski (2014): regularidade (programação), intencionalidade (manipulação), aleatoriedade (acidente) e sensibilidade (ajustamento), compondo as dimensões do Mapa relacional.
Político: envolve o subsistema de integração (normas) e o atingimento dos fins (Habermas, 2003, pp. 334-442) e “ação política controlada pelo poder regulador numa ordem de autoridade” concretizada na “consecução de fins” (Münch, 1999, pp. 184-187). Pode ser relacionado à lógica de regularidade e ao regime de interação de programação (Landowski, 2014), que tem proximidade com a concepção de “institucionalidade” (Martín-Barbero, 2010, p. XIII).
Econômico: engloba o subsistema de adaptação (meios tecnológicos) e comportamento (recursos), de acordo com Habermas (2003, pp. 334-442), e “é determinado por atos de concorrência e intercâmbio num mercado”, desempenhando “as funções de alocação de recursos e preferências” sob o viés da “utilidade” (Münch, 1999, pp. 184-187), e que é possível relacionar à lógica de aleatoriedade e ao regime de interação de risco (Landowski, 2014), e é uma releitura do conceito de “tecnicidade”, que seria a “espessura sociocultural das novas tecnologias” (Martín-Barbero, 2010, p. XIII).
Social/Cultural: abrange o sistema de manutenção de padrões culturais e estruturas (valores) (Habermas, 2003, pp. 334-442]) e “surge do discurso, conduzido por argumentos (compromisso de valor) regulados pela ordem do discurso” e “é a concretização da função de manutenção de padrões” (Münch, 1999, pp. 184-187), e é possível relacionar à lógica de intencionalidade e ao regime de interação de manipulação (Landowski, 2014), e à concepção de “socialidade cotidiana” (Martín-Barbero, 2010, p. XIII).
Simbólico: envolve “um subsistema de personalidade”, a vida simbolicamente estruturada para atingir fins, desempenhar papéis (Habermas, 2003, pp. 334-442), com “um máximo de complexidade simbólica” e em que “o esquema de significado é a internalização do significado relevante pela personalidade” (Münch, 1999, pp. 184-187). Está relacionado à lógica de sensibilidade e ao regime de interação de ajustamento (Landowski, 2014), e há proximidade com o conceito de “ritualidade”, o “nexo simbólico da cultura contemporânea com as memórias largas, seus ritmos mestiços e ritos” (Martín-Barbero, 2010, p. XIII).
De tal forma, propõe-se o Mapa relacional a partir das perspectivas apresentadas na Figura 2, a seguir, em que as relações comunicativas acontecem em todas as direções (e sugerem possibilidades de feedback e de contrafluxo) e podem ser visualizada na forma de um Mapa em que se indicam os dois eixos relacionais (mediar e integrar) com contrafluxos em sentido inverso (contra-hegemônicos), ligações, interfaces, articulações e confrontos entre atores sociais, categorias sociológicas, forças macroambientais, disciplinas, especialidades, formas de enunciar e outras conexões possíveis que sugerem a circularidade do modelo, que permite contrafluxo em mão-dupla para todos os lados e em todas as direções.
Com tal teorização, que se quer flexível, passa-se a examinar a comunicação e o noticiário sob as seguintes perspectivas de análise: a primeira, a Perspectiva Social/Cultural, com foco em “o que” atua no social e cultural (estratégia ou forma) e em “o porquê”, objetivo ou efeito a ser comunicado, em que, em seu eixo no sentido da perspectiva segunda, Social/Mercadológica (tipos e produtos culturais), está relacionado à adequação dos formatos culturais às conveniências sociais e comerciais, para fins de consumo dos Públicos, e o percurso da comunicação. A terceira, a Perspectiva dos Comunicadores: “quem” é que produz a enunciação, as competências discursivas, o controle social, as ideologias profissionais e rotinas produtivas, e está relacionado com a quarta, a Perspectiva dos Públicos, que são cidadãos, consumidores e todos os outros intervenientes.
Destaque-se que a Perspectiva dos Públicos envolve “para quem”: consumidores e/ou cidadãos e outros e abrange questões de recepção e, no sentido da perspectiva Social/Mercadológica, refere-se à vida simbólica em função de obtenção dos fins, desempenho de papéis e o subsistema personalidade, relacionando-se ao imaginário, ao sensível, e à “lógica da sensibilidade e às relações interativas de ajustamento”. A perspectiva Social/Mercadológica está relacionada ao “como” e abrange a gestão estratégica da comunicação integrada, as forças macroambientais econômicas e, em direção ao eixo Comunicadores, está relacionada às forças econômicas, aos recursos e à lógica de aleatoriedade e às relações de interação de risco e acidente (Landowski, 2014).
Do exposto, destaca-se que o Mapa relacional se baseia em Martín-Barbero (2003) e está imbricado na teorização de Landowski (2014), a qual também pode ser adaptada para auxiliar a analisar as notícias. A partir de tal concepção teórica, o presente artigo propõe-se a realizar um mapeamento das premiações jornalísticas internacionais, e, para tal, inicia a seguir as análises discursivas das 41 premiações (vencedores – projetos – temas) que estão sintetizadas nas planilhas reproduzidas parcialmente nas figuras seguintes e que serão comentadas adiante, nos resultados.

Dentre as 41 premiações jornalísticas que compõem o corpus, Sigma Awards teve 29 projetos vencedores em 2020, 2021 e 2022, um brasileiro; ICFJ Knight 2021 teve 2 projetos vencedores, um brasileiro; Rei de Espanha 2021 teve seis projetos vencedores, um brasileiro; WAN-IFRA Digital Media Awards 2021 teve quatro vencedores, dois brasileiros.
Para proceder uma análise dos discursos noticiosos, fez-se análise discursiva (van Dijk, 2009a, 2009b, 2020) em que se destacam os temas abordados, que são um resumo do ponto central, a expressão do que é mais relevante, de forma a combinar macroatos ou acontecimentos globais e chegar ao principal (van Dijk, 2009a, p. 141). O destaque ao tema constitui uma escolha do que é considerado mais relevante entre as possibilidades que oferece a análise do discurso. Trata-se de prática analítica discursiva interpretativa e explanatória que consiste em não só descrever, mas explicar como são representados, reproduzidos e/ou combatidos nos trabalhos premiados as relações abusivas, os problemas sociais, os abusos de poder, a dominação, as desigualdades sociais etc. (van Dijk, 2020, pp. 113-115), ou seja, a atualidade que está representada nas premiações e situada no contexto das relações comunicativas, o que é complementado por localização visual no Mapa relacional e relacionado aos regimes de interação sociossemióticos.
RESULTADOS
Nos resultados, salienta-se que os projetos enfocam temas relacionados à atualidade mediática que, ao serem localizados no Mapa, proporcionam uma visão de acontecimentos globais de 2020 a 2022 e podem ser também associados às questões: desinformação, abuso de poder, desumanização, sensacionalismo, negativismo.
Assim, a seguir, nos resultados das análises de discurso, destacamos nove grandes blocos de temas com a incidência indicada entre parênteses: saúde (15), direitos humanos (10), conflitos, mortes (9), política (8), verificação de dados, transparência (7), meio ambiente (5), corrupção, subfaturamento (4), experiencial, imaginário (4) e educação (3).
As temáticas dos projetos vencedores internacionais dão uma ideia das questões mais relevantes que, de 2020 a 2022, ocuparam o discurso noticioso internacional, o que se sugere que constituam a atualidade midiática, que pode ser considerada em sua dimensão virtual – conectividade, interatividade, simultaneidade – relacionada à diminuição da complexidade, a viabilizar a existência diante dos papeis sociais. Espaço, tempo: historicidade própria que altera nossa relação com a história. Interliga e unifica existências para compreensão do mundo e da realidade agora, permitindo o estabelecimento de novas relações sociais. Gera representação social e serve de base para a vida social, ajudando a se orientar no presente além de seu ambiente imediato. Expressa não o acontecimento em si, mas o interesse que devotamos. Gera valores que deslocam a tradição, fazendo com que o presente se torne o sistema de referência, o centro da vida social. Tecnologia de ação e tecnologia de representação que compõem a organização social (Martino, 2017, pp. 96-110).
Com relação a cada um dos vencedores, foram identificados até três temas relacionados ao ponto central, o aspecto de maior relevância em cada projeto que, por ser complexo, pode abranger mais de um tema e ser incluído em mais de um bloco temático, como se verá a seguir.
A temática de maior incidência foi aquela relacionada a “saúde” (15), devido principalmente à pandemia de covid-19, que teve destaque no noticiário com a busca de se apresentar informações precisas e esclarecer sobre covid-19, quanto às vacinas, aos cuidados etc (The Atlantic, InfoGlobo, Agência Lupa e Natalia Leal), uma vez que os sistemas de saúde não estavam preparados para enfrentar a pandemia e se evidencia que havia abuso de poder de certos governantes (Brasil, Estados Unidos) que privilegiavam a economia como se a pandemia fosse irrelevante, apesar das mortes em número cada vez maior. Essa situação também exigiu verificar desinformação em relação à vacinação e devida ao negacionismo (Pointer, OjoPúblico), e levou a denunciar excesso de mortes por covid-19 de um grupo étnico (India Spend). Também se evidenciou corrupção na compra, com abuso nas dispensas de licitações, em decorrência da pandemia, em que há desvio de recursos públicos para outra finalidade que não a saúde (Civio, Espanha). E há prejuízos à saúde pela lavagem de recursos públicos desviados (OCCRP e parceiros), e em decorrência de poluição no mundo (The New York Times) e na Índia, socialmente desigual (The New York Times), em decorrência de queimadas que causam problemas à saúde (InfoAmazônia, Palm Beach), de radiação em função dos testes atmosféricos (Disclose, França) e por falta de tratamento de saúde afetada por linfoma (VGTV, Noruega). O tema da saúde tem sido tratado de forma sensacionalista por alardear impactos globais: número de infectados, mortos, a abrangência da pandemia etc.
A segunda maior incidência temática refere-se aos “direitos humanos” (9)”, que envolvem questões como direitos das minorias com a detenção de muçulmanos abusivamente submetidos a trabalhos forçados na China (BuzzFeed), o direito ao voto dos ex-detentos norte-americanos (Weihua Li e outros), o direito à vida dos afro-americanos da etnia Tulsa (The New York Times) e das mulheres – femicídio (Kloop, Quirguizistão), violência sexual contra mulheres (ABC News, Australia), o direito à propriedade com apropriação de imóveis sob ocupação em guerra (Pointer, Holanda) e das terras indígenas (High Country News, Estados Unidos), o direito à aposentadoria (Prodavinci, Venezuela), o direito à democracia (101 East, Miamar) em uma ditadura militar e o direito à identidade referente a uma notícia sobre roubo de identidades holandesas por parte de golpistas digitais – scammers – dinamarqueses (Pointer, Holanda) que envolve a investigação e a denúncia de crimes digitais. Nos trabalhos destacados há a investigação, a denúncia do abuso dos direitos. É possível relacionar esse tema à desumanização pelo desrespeito ao bem mais sagrado, a vida. Evidenciam-se as questões do abuso dos direitos e a desumanização.
Outro tema com grande incidência foi “conflitos, mortes” (9) que abarca a violência, os conflitos e as mortes no mundo: a matança de jornalistas, com a dominação do crime organizado exigindo silêncio (El Universal, México), o abuso de poder autoritário militar que estabelece um estado de terror (101 East, Miamar), a reconstituição do racismo do massacre de etnia Tulsa afro-americana (The New York Times), as mortes abusivas em decorrência da falta de segurança nas rodovias (Arab Reporters, Egito), a morte de jornalistas investigativos (Pavla Holcová, Eslováquia), as mortes no Iemen com armas francesas (Disclose, França), um consenso de abuso contra a mulher com femicídios “aceitos” como se fossem normais (Kloop, Quirguizistão), agressões sexuais desconsideradas pela polícia (ABC News, Australia) e o assassinato do presidente do Haiti por políticos e mercenários em meio à disputa pelo poder (Noticias Caracol). Em todos os projetos premiados evidenciam-se a investigação, a denúncia, o combate aos abusos dos direitos e à desumanização, que constituem graves problemas de desrespeito ao ser humano.
O processo de noticiar também envolve a “verificação de dados e transparência” (7), relacionada ao combate da desinformação disseminada por um exército digital de extrema direita (Pointer, Holanda; Correctiv, Alemanha), e a outras questões problemáticas, como os projetos noticiosos que enfrentam dificuldade em conseguir os dados sobre a previdência, o que está prejudicando os venezuelanos que envelhecem (Prodavinci, Venezuela), e a visualização de informações e sua comunicação com precisão e transparência (Civio, Espanha); muitos projetos são reconhecidos internacionalmente por apontarem, por exemplo, a desinformação proveniente da Rússia (Texty, Ucrania); ou por tratarem da desinformação relacionada à pandemia, que pode ser verificada e noticiada nas próprias línguas indígenas (OjoPúblico, Peru), além das referências à desinformação na pandemia, anteriormente mencionadas (classificadas no tema “saúde”). Pode, ainda, ser citado um aplicativo para facilitar o trabalho noticioso de jornalistas (Associated Press), que se trata sobre o fazer noticioso e a busca de eficácia. O abuso da desinformação e da manipulação têm sido combatidos e premiados.
Também tem destaque a incidência de trabalhos jornalísticos sobre o “meio ambiente” (5), que envolvem projetos que mostram a poluição do ar em todo o mundo (The New York Times) e projeto sobre o impacto social da poluição do ar em Nova Deli (The New York Times); igualmente, trabalhos que mostram os problemas sociais decorrentes de testes atmosféricos na Polinésia Francesa (Disclose), as queimadas da cana-de-açúcar (Palm Beach Estados Unidos) e, da mesma forma, as queimadas na Amazônia (InfoAmazônia) e seus efeitos sobre o meio ambiente, que acabam afetando a todos com mudanças climáticas, calor excessivo, descongelamento de geleiras etc. As denúncias noticiosas têm sido frequentes, mas as soluções são ainda lentas. Esse tema tem sido tratado de forma sensacionalista para destacar o impacto do problema e exigir encaminhamento de possibilidades de solução política.
O tema “política (8)” refere-se a assuntos políticos internacionais: relações abusivas e ilegais, como lavagem de dinheiro da corrupção russa na Europa (OCCRP e 23 parceiros); envio de armas de país europeu (França) a outro país intermediário para uma guerra no Iemen (Disclose); desinformação na Rússia (Texty, Ucrânia); criação de consenso político-legal de tolerância às mortes do crime organizado (El Universal, México); notícias sobre atentados políticos internacionais, o que envolve disputa pelo poder com uso de mercenários de outros países (Noticias Caracol); problemas sociais ignorados que levam ao mapeamento de pequena comunidade negligenciada em que há desigualdade social (Code for Africa, Nigéria); projeto investigativo sobre indústrias extrativistas (Convoca, Peru); representação dos interesses econômicos em que se denunciam relações de trabalho abusivas, uma questão política. Além de que optamos por deixar de fora os projetos que envolvem assuntos de política doméstica, que acabaram refletidos nos demais temas referidos, devido à política estar presente na maior parte dos trabalhos. As relações abusivas têm sido combatidas por meio de associação de meios de comunicação de vários países e outras formas.
Entre os premiados do corpus, ainda se destacam projetos relacionados com o “experiencial e imaginário” (4), ou seja, com o ato de experienciar, relacionado ao imaginário simbólico. Podem ser destacados os projetos sobre reimaginar a experiência do leitor (The Washington Post), mais voltado ao leitor do Post e ao empenho do jornal em aprimorar a experiência noticiosa de reprodução do status quo e do noticiário; a valorização da imaginação literária representando a cultura hispânica na América (Gatopardo, México), em que se constrói em reportagem uma representação positiva da minoria mexicana na América; além da própria experiência compartilhada on-line do enfrentamento de linfoma sem tratamento médico (VGTV, Noruega), um problema de saúde representado sob a ótica midiática como um show. E, finalmente, pode-se destacar a ação noticiosa mais relacionada ao imaginário de “resistir” por meio do fotojornalismo (Melgarejo em El Tempo, Colombia), o que envolve a representação dos protestos contra o abuso de poder político com repressão às manifestações, destacando-se esteticamente a fotografia que representa o lado dos oprimidos que resistem à opressão política e faz uma denúncia muito forte da repressão. Esse tema pode ser relacionado ao negativismo, por destacar aspectos como protestos, repressão, negacionismo de enfermidade, discriminação por etnia etc.
“Corrupção, subfaturamento” (4) envolve relações sociais abusivas e ilegais de lavagem de capitais da corrupção da Rússia para a Europa (OCCRP e 23 parceiros noticiosos), subfaturamento com abusos de contratações emergenciais e desvio de recursos (Civio, Espanha), contratações públicas suspeitas de corrupção e ou subfaturamento (OjoPúblico, Peru; Poder, México), questões que são combatidas por meio da investigação, das denúncias de ilegalidades e desvios. Este tema pode ser relacionado à desumanização, pela prática desumana de desvio de recursos públicos que seriam destinados a combater as desigualdades sociais, minorar problemas sociais etc., além do abuso do poder político e econômico.
Há também temas relacionados à “educação” (3): projetos educativos que apresentam questões relacionadas aos temas “poluição do ar”, uma questão muito relevante (The New York Times); ao impacto da covid-19 (Agência Lupa; Natália Leal) no lugar em que se encontra o leitor ou internauta; a verificação e divulgação de áudios sobre covid-19 em línguas indígenas (OjoPúblico, Peru). Os aplicativos premiados têm função educativa de eficácia no esclarecimento dos problemas sociais apontados. Esse tema pode ser relacionado ao negativismo por destacar os aspectos mais negativos da atualidade midiática das sociedades representadas nas premiações.
Assim os dados analíticos sintetizados acima sugerem que o discurso noticioso internacional pode ser considerado aderente a alguns dos principais problemas da “atualidade mediática”, por se poder identificar “tempo presente, informação, novidade e notícia” (Martino, 2017, p. 97), com destaque para a pandemia e a saúde (15), direitos humanos (10), conflitos, mortes, violência (9), política internacional (8), a desinformação que desafia e exige verificações e transparência (7), o meio ambiente (4), experiencial e imaginário (4), a corrupção e o subfaturamento (4) e a educação (3).
DISCUSSÃO
A propósito, há de se refletir inicialmente sobre a adequação das questões problemáticas – desinformação, negativismo, sensacionalismo, consumismo – inicialmente propostas por Uhry (2021). Pode-se sugerir que, em sua maioria, os problemas referidos aparecem nas temáticas, exceto consumismo, não localizado nas premiações analisadas. E, da análise dos empíricos, ao se destacar os blocos de temas, evidenciam-se novas questões: a desumanização e o abuso de poder, que se destacam nos noticiários e estão relacionados aos conflitos, à violência, às mortes, aos desrespeitos aos direitos humanos, aos desmandos de poder (abuso, corrupção, subfaturamento etc.), o que sugere relações comunicacionais abusivas.
Também se sugere que haja interrelações entre as dimensões do Mapa, da mesma forma que houve enquadramento de um projeto em mais de um tema, pois os temas se sobrepõem e podem ser consideradas multifacetários, como já referido. Sugere-se que os temas identificados possam ser localizados visualmente no Mapa relacional com base nas questões essenciais de cada uma das dimensões: fins (político-legal), valores (sociocultural), imaginário (simbólico) e recursos (econômico), como proposto a seguir na figura 3, indicando-se os problemas com o símbolo “#”.

Analisando a localização visual no Mapa relacional, com relação à temática do discurso noticioso internacional, identificamos que a maior parte dos trabalhos premiados (23) estão relacionados aos valores socioculturais: direitos humanos (10), conflitos, mortes (9), corrupção e subfaturamento (4), que se localizam entre as perspectivas Social/cultural e Públicos na dimensão sociocultural, sugerindo que essas são as questões mais problemáticas. O problema da violência, dos conflitos e das mortes se reflete em mortes no Iemen, em Miamar, no Cairo, de jornalistas no México e na Eslováquia, femicídios, violência sexual, massacre de afro-americanos da etnia Tulsa; e no desrespeito aos direitos humanos das minorias, das mulheres, dos afro-americanos, dos detentos e desrespeito aos direitos à propriedade dos judeus e dos indígenas, no roubo de identidade, que são questões problemáticas, como se a vida não fosse culturalmente o maior valor. Também está relacionado a um aspecto sociocultural desviante, a corrupção e o subfaturamento (4), que envolve a corrupção, o subfaturamento e o desvio de recursos públicos na Rússia, no Peru, no México e na Espanha, questões que são graves em todo mundo, refletem a atualidade e nos desafiam. Alternativas noticiosas investigativas e de denúncia são eficazes. Como já exposto, não se evidencia a problemática preliminar do consumismo em nenhum trabalho premiado, destacando-se os problemas da desumanização e do abuso de poder, além da confirmação de questões de desinformação, de sensacionalismo e de negativismo.
Também identificamos, no discurso noticioso internacional, temas que podem ser localizados visualmente no Mapa e estão relacionados às temáticas de saúde (15) e meio ambiente (5), que podem sugerir algo de sensacionalismo na abordagem noticiosa das temáticas pandemia e ecologia, que causam impacto com o catastrofismo das mortes por covid-19 e pela destruição do meio ambiente, e que estão relacionadas com as perspectivas dos Comunicadores e Social/Mercadológico. As temáticas podem ser localizadas na dimensão econômica, relacionada aos recursos, sugerindo que a área é também muito problemática, devido aos custos e investimentos envolvidos nos problemas da saúde e em seu preciso noticiar, e que com a pandemia de covid-19 ceifou muitas vidas, o que decorre, muitas vezes, de falhas na gestão da saúde e mesmo de desvios de recursos públicos na emergência sanitária, o que se refletiu nos trabalhos. Também se evidencia o descuido com o meio ambiente, especialmente a poluição do ar no mundo, as queimadas, os testes atmosféricos ou outras formas que sinalizam o predomínio da dimensão econômica em detrimento do ser humano. São temas que ganharam atenção no discurso noticioso como denúncias investigadas que apontam questões em aberto.
Os temas política internacional (8) e verificação de dados, transparência (7) podem ser localizados na perspectiva dos Comunicadores e na Social/Cultural, na dimensão político-legal, relacionada aos fins, sugerindo que é uma área problemática, com 15 trabalhos. Sugerido preliminarmente, o problema da desinformação é confirmado e as alternativas são os projetos que trabalham com a verificação de dados e transparência, e um aplicativo para otimizar o trabalho noticioso, que destacamos; mas podemos considerar que há ainda outros projetos relacionados a covid-19 e que foram localizados na saúde. O problema dos assuntos políticos internacionais (8) traz projetos que envolvem a corrupção russa fazendo lavagem de capitais na Europa, a França vendendo armas que matam civis no Iemen, a Rússia desinformando, uma comunidade na Nigéria negligenciada, o assassinato do presidente do Haiti por mercenários a mando de um político, o crime organizado mexicano constrangendo o aparato político-legal e exigindo silêncio quanto às suas atrocidades – questões abordadas nos projetos premiados que evidenciam o problema de abuso do poder, muito relevante na atualidade.
Finalmente, analisando as perspectivas Públicos e Social/Mercadológico na dimensão simbólica e localizando visualmente os projetos premiados no Mapa relacional, com relação à temática do discurso noticioso internacional, identificamos sete trabalhos jornalísticos reconhecidos como vencedores: trabalhos educativos em relação à poluição do ar e à localização da extensão da covid-19; um projeto destacando a imaginação da literatura hispânica, outro reimaginando a experiência do leitor, e um noticiando “resistir” por meio do fotojornalismo e que sugere o imaginário de resistência frente à opressão em manifestações nacionais. Tais trabalhos sugerem que a área é promissora, com menos problemas noticiados, dentre o conjunto das premiações do corpus. O imaginário também se reflete em outros projetos e se destaca pelos trabalhos que comunicam com precisão e transparência a visualização e comunicação, foco principal do Sigma Awards, que constitui a maior parte do corpus (29 de 41 trabalhos), e de outras premiações.
Quanto ao problema do negativismo, sugerido preliminarmente, também pode ser mais associado à violência, às mortes, à corrupção, à politicagem, questões que foram situadas visualmente em outras dimensões. A dimensão simbólica pode ser relacionada ao negativismo por destacar aspectos como protestos, repressão, negacionismo de enfermidade, discriminação por etnia etc. Por outro lado, há certo otimismo com as possibilidades sensíveis de visualização, estéticas, artísticas, experienciais e experimentais que envolvem o imaginário. O experiencial não pode ser, no entanto, considerado como só ver as coisas pelo lado bom e belo, pois envolve também o modo de fazer sentir os problemas sociais.
Na dimensão simbólica destacam-se a visualização, o imaginário e a educação que se projetam pelo noticiário. No entanto, não podemos negar o viés do negativismo no noticiário, que visualmente pode ser incluído na dimensão político-legal, ao lado da desinformação e do abuso de poder. Isso sugere que as dimensões se interpenetram e têm ligações entre si. Assim, pode-se evidenciar que o simbólico tem também uma valência negativa muito presente no jornalismo.
Finalmente, quanto aos locais de referência dos projetos, o que se reflete no discurso noticioso, a maior parte dos trabalhos referem-se aos Estados Unidos da América (10), o país com maior número de vencedores; depois, com 3 trabalhos cada um, há notícias vencedoras referentes aos seguintes países: Holanda, México, Peru e Brasil (um dos quais com três premiações, aqui consideramos uma só); há também 2 projetos que têm como referência de local os seguintes países: Espanha, França, Colômbia e Rússia. As notícias vencedoras igualmente se referem a Europa, Iemen, Ucrânia, China, Alemanha, Quirquizistão, Austrália, Índia, Nigéria, Miamar, Polinésia, Egito, Eslováquia e Venezuela, caracterizando uma abordagem, em termos de localizações, que pode ser considerada mundial e abrangente. O que sugere que os problemas elencados como temas nos trabalhos referidos refletem muito do que podem ser consideradas as questões mais relevantes de cada um dos países e blocos, podendo-se sugerir que refletem a atualidade.
Ao examinar e refletir criticamente sobre as relações comunicacionais que se estabelecem entre os diferentes interagentes representados nas notícias premiadas, constata-se que são em sua maioria – 58 entre 65 temas – relações desiguais, ilegais ou abusivas em que se desrespeitam direitos ou leis, um deixa o outro desconfortável, sem que se exerça o diálogo, ou ainda são relações comunicacionais de risco, em que um coloca o outro em perigo de vida, desrespeitando seus direitos humanos, a saúde, discriminando, excluindo, corrompendo ou subfaturando, destruindo a natureza. As relações comunicativas iguais em que há ligação simétrica de um interagente com outro, em que se respeitam os direitos, a identidade pessoal, cultural são as que envolvem educação, imaginário e experiencial (7 de 65 temas identificados).
Procedeu-se assim a um levantamento e uma sistematização das temáticas por meio de análise de discurso dos 41 vencedores de quatro eventos de premiação, o que permitiu as localizar visualmente no Mapa relacional e elaborar algumas inferências interpretativas e relação com a concepção de atualidade.
Também se sugere que nas práticas vencedoras é possível identificar características experimentais, experienciais, artísticas, visualização e comunicação – identificadas nos estudos de casos ilustrativos – que podem ser associadas à reconfigurar o noticiário. Assim, do corpus de premiados, selecionamos, para enriquecer o artigo, alguns projetos para compor os estudos de casos ilustrativos a seguir. Assim apresentamos a seguir premiados na forma de estudos de casos ilustrativos (Machado & Palacios, 2007) de empíricos relacionados com ações noticiosas, indicando-se as relações comunicativas a partir principalmente das teorizações do Mapa relacional e de Landowski (2014):
Primeiro estudo de caso ilustrativo
El Universal (México) foi premiado no Sigma Awards 2020, na categoria inovação, pelo o projeto “Zonas de Silêncio” (El Universal, 2020). Quanto às possíveis relações comunicacionais que se estabelecem, os indivíduos Esteban Román, Gilberto Leon, Elsa Hernandez, Miguel Garnica, Edson Arroyo, César Saavedra, Jenny Lee, Dale Markowitz e Alberto Cairo, que compõem o coletivo de atores sociais “Comunicadores” do El Universal, mantêm uma relação com indivíduos que compõem o coletivo de atores sociais “Públicos”, especificamente consumidores leitores e internautas. Divulgam o projeto “Zonas de Silêncio”, prática jornalística inovadora em visualização e comunicação estética, colocada à disposição no mercado consumidor de El Universal em uma determinada sociedade (mexicana) com os valores artísticos visuais informativos e humanitários para denunciar as mortes e a falta de divulgação da violência.
Os “Comunicadores” têm amparo legal no “Social/Cultural” para desencadear uma relação mediada de comunicação visando atingir os “Públicos” para divulgar notícias a respeito do silêncio dos jornais mexicanos sobre as mortes provocadas pelo crime organizado. Trata-se de aspectos da dimensão cultural, procurando estabelecer relações interativas com os leitores e as autoridades em busca de apoiar o experimental de visualização noticioso situado na perspectiva “Social/Cultural” e gerar alternativas de solução para a violência denunciada, com o propósito de que se reestabeleça o direito sagrado à vida, o maior valor a ser preservado. Há ainda o próprio valor estético dos gráficos de visualização “graus de silêncio” e “código de silêncio” do noticiário, que se constituem alternativas artísticas de mensuração de mortes silenciadas, ou não, de forma que tais graus e códigos sugerem viés estético. O silenciamento diante das mortes de mexicanos permite um olhar estético pelos “graus de silêncio” e “código de silêncio”, alternativas de mensuração criadas artisticamente a partir da visualização e comunicação de tais graus e códigos de silêncio, sugerindo formulação artística mesmo ao noticiar (ou não) as mortes, que caracterizam a desumanização. Ao silenciar sobre os assassinatos, o que por si só sugere uma interrelação com a dimensão sociocultural, por se ter criado um consenso político com o crime organizado, caberia também relacionar à dimensão política.
A ação em princípio parece envolver propósito comercial, sendo uma forma implícita de relacionamento comercial, de forma a virem os leitores e internautas a se integrarem (relação comercial) aos “Públicos” leitores do jornal, podendo os indivíduos que compõem o coletivo de atores do “Social/Cultural” integrarem-se ao “Social/Mercadológico” como consumidores de El Universal. Analisado criticamente, o projeto vai além do propósito de formar novos leitores e denunciar a situação e sinaliza uma prática contra-hegemônica de defesa dos valores maiores: a vida, a coletividade e os interesses públicos da cidadania, a preservação da vida e o direito à divulgação pública das mortes. É o que pode ser relacionado com o “regime de interação de manipulação” de estabelecer relações interativas noticiosas para denunciar a motivação consensual decisória de não divulgação da violência pelo crime organizado, de forma que se restabeleça o direito à vida e à notícia. Isso é predominantemente baseado na lógica de intencionalidade de se divulgar as relações interacionais desviantes, que, por um lado, pode estar associadas à aquisição e fidelização de leitores de El Universal e, por outro lado, relacionadas ao “fazer querer” (Landowski, 2014, p. 80) a divulgação de interações desviantes que envolvem a violência das mortes, defendendo-se valores estéticos (visuais) e a vida, o maior valor. Caracteriza-se desumanização uma vez que o crime organizado conseguiu calar os jornalistas diante do desumano ato de matar, o que é tornado visual e comunicado interativamente, a partir de notícia denúncia investigativa com características artísticas, por meio do projeto Zonas de Silêncio.
Segundo estudo de caso ilustrativo
OjoPúblico (Peru) foi premiado no Sigma Awards 2020 na categoria inovação (pequenas redações) com o projeto “Funes: um algoritmo de combate à corrupção” (OjoPúblico, 2020a) e também foi vencedor no Digital Media Awards Worldwide 2021 na categoria Melhor projeto para formação em notícias (Best Project for News Literacy) com o projeto “Chequeos en lenguas” (OjoPúblico, 2020b). Quanto às possíveis relações comunicacionais que se estabelecem, os indivíduos Gianfranco Rossi, Nelly Luna Amancio, Gianfranco Huamán, Ernesto Cabral e Óscar Castilla, que compõem o coletivo de atores sociais “Comunicadores” de OjoPúblico, mantêm uma relação com indivíduos que compõem o coletivo de atores sociais “Públicos”, e divulgam o projeto “Funes”, uma prática noticiosa inovadora de visualização e comunicação a partir de algoritmos com fins relacionados à cidadania e ao controle do poder, sobre o possível abuso e a eficácia do uso dos recursos públicos.
O projeto foi colocado à disposição no mercado consumidor em uma determinada sociedade (peruana), uma vez que os “Comunicadores” têm amparo legal, o que os autoriza a desencadear uma relação mediada de comunicação visando atingir os “Públicos” para divulgar a notícia da corrupção a partir do uso do algoritmo e de parceria com mídias locais após investigar os contratos públicos, noticiando sobre abuso de poder em forma de corrupção nas licitações e em órgãos públicos. O objetivo, da perspectiva “Social/Cultural”, é que se venha a “fazer advir” providências para evitar a corrupção nos contratos públicos. Isso, no fundo, envolve propósito social relacionado à cidadania e ao bom uso dos recursos públicos, com base em notícias e informações disponibilizadas pelo projeto “Funes”. Trata-se de uma forma implícita de relacionamento comercial, de forma a virem os leitores do projeto a se integrar (relação comercial) aos leitores do jornal, podendo os indivíduos que compõem o coletivo de atores do “Social/Cultural” de tal forma integrarem-se ao “Social/Mercadológico” como consumidores de OjoPúblico.
Analisando os interesses, trata-se de prática hegemônica de produção de discursos públicos que se encontra do lado dos interesses públicos, em defesa da cidadania no sentido do papel social do jornalismo de investigação e de denúncia de corrupção e comunicação aos leitores. O discurso noticioso do caso pode se ligar ao “fazer advir” relações interativas voltadas aos fins, à eficácia no uso dos recursos públicos, como estabelece a lei, o que está predominantemente relacionado ao “regime de interação de programação” (Landowski, 2014, p. 80) de aceitação da legislação que prevê o bom uso dos recursos públicos e minimiza o risco da corrupção. Isso se baseia na “lógica da regularidade” de noticiar as relações ilícitas de corrupção. Busca-se noticiar e esclarecer os leitores, o que pode contribuir para ajudar os “Públicos” a aceitar as operações regulares e “fazer advir” a preservação dos recursos públicos e a divulgar possíveis interações desviantes, de corrupção e abuso de poder na área pública, zelando-se pelos recursos públicos e evitando o abuso do poder. Ainda, pela verificação e apresentação do noticiário em línguas indígenas, “Chequeos en lenguas”, projeto em que os direitos humanos e a cultura indígena são respeitados ao apresentar-lhes as informações sobre covid-19 em suas próprias línguas, combate-se o problema da desinformação.
Terceiro estudo de caso ilustrativo
OCCRP, Guardian, Süddeutsche Zeitung, Newstapa, El Periodico, Global Witness e outros 17 parceiros foram os vencedores na categoria melhor reportagem do Sigma Awards 2020 com o projeto noticioso “A Troika lavanderia de capitais” (OCCRP et al., 2020). Quanto às possíveis relações comunicacionais que se estabelecem, os indivíduos Paul Radu, Sarunas Cerniauskas, Olesya Shmagun, Dmitry Velikovsky, Alesya Marohovskaya, Jason Shea, Jonny Wrate, Atanas Tchobanov, Ani Hovhannisyan, Irina Dolinina, Roman Shleynov, Alisa Kustikova, Edik Baghdasaryan e Vlad Lavrov, que compõem o coletivo de atores sociais “Comunicadores” do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), The Guardian, Süddeutsche Zeitung, Newstapa, El Periodico, Global Witness e outros 17 parceiros, mantêm uma relação cidadã com indivíduos que compõem o coletivo de atores sociais “Públicos”, e divulgam o projeto noticioso Troika Laundromat com viés investigativo a partir de recursos de visualização e comunicação, alta tecnologia e informativo sobre a corrupção na Rússia e suas práticas de lavagem de dinheiro na Europa. Isso é colocado à disposição dos cidadãos em uma determinada sociedade (europeia), uma vez que, embora sejam proibidos de divulgar na Rússia, os “Comunicadores” têm amparo legal, fruto de relação que mantêm com os governos europeus e de outros países, que os autorizam a desencadear uma relação mediada de comunicação visando a atingir os “Públicos” para divulgar notícias e alertas sobre a corrupção na Rússia e suas conexões de lavagem de dinheiro na Europa. Com o projeto, procuram, da perspectiva “Social/Cultural”, que os “Públicos” venham a “fazer sobrevir” sanções contra o sistema de lavagem de dinheiro da corrupção da Rússia com a cumplicidade de bancos europeus. Isso se constitui iniciativa contra-hegemônica, sem propósito comercial, o que foi proposto pelos indivíduos que compõem o coletivo de atores sociais comunicadores do “Mercadológico institucional” das instituições que compõem o coletivo investigativo coordenado pelo projeto OCCRP com muitas parcerias. Apesar de ser um projeto com viés sensacionalista, que foi premiado como “melhor reportagem do Sigma Awards 2020”, no entanto não se evidencia intenção mercadológica. O projeto constitui-se uma forma de atuação cidadã, de forma a virem os internautas a se tornar conscientes ou conscientizados sobre os possíveis riscos de o sistema bancário europeu se tornar uma imensa lavanderia de dinheiro da corrupção russa, sem que, no entanto, venham a integrar o “Mercadológico”, prevalecendo cidadania no “Social/Cultural”. Analisando os interesses, trata-se de prática contra-hegemônica de produção de discursos cuja hegemonia encontra-se do lado dos interesses coletivos, com o propósito de informar o “Público” sobre a corrupção russa e a lavagem de dinheiro pelos bancos europeus. O projeto está relacionado de forma predominante ao “regime de interação de risco” (Landowski, 2014, p. 80), baseado na aleatoriedade e no risco de possível “descontinuidade” de relações interativas voltadas à lavagem de dinheiro da corrupção, o que está relacionado ao “risco” de as interações ilegais dos corruptos e de suas conexões para lavagem de dinheiro serem descobertas, o que constitui um problema relacional entre as sociedades russa e europeia. É algo que exige ações cidadãs para denunciar e conter as relações comunicacionais desviantes e que envolve riscos de descoberta do fluxo de lavagem do dinheiro da corrupção russa.
Quarto estudo de caso ilustrativo
The New York Times foi premiado no Sigma Awards 2020 na categoria melhor visualização pelo projeto noticioso experiencial “See How the World’s Most Polluted Air Compares With Your City’s” – Veja como o ar mais poluído do mundo se compara com o da sua cidade – (The New York Times, 2019). Quanto às possíveis relações comunicacionais que se estabelecem, os indivíduos Nadja Popovich, Blacki Migliozzi, Karthik Patanjali, Anjali Singhvi e Jon Huang, que compõem o coletivo de atores sociais “Comunicadores” do Times, podem estabelecer uma relação sensível relacionada ao imaginário experiencial visual informativo e educativo com os indivíduos que compõem o coletivo de atores sociais “Públicos” ao divulgar pela web o experiencial que está à disposição no “Social/Cultural” e igualmente no “Mercado” de determinadas sociedades (norte-americana e outras).
Os “Comunicadores” têm amparo legal para desencadear uma relação mediada de comunicação experiencial, visando atingir os indivíduos que compõem o coletivo de atores sociais “Públicos” para divulgar informações e proporcionar a experiência de como está a poluição mundial do ar em comparação com a de sua cidade. A ação encontra-se relacionada ao status quo hegemônico, procurando esclarecer, sob a perspectiva “Social/Cultural”, para que os “Públicos” venham a ter uma vivência relacionada à poluição do ar, mesmo sem utilização de óculos 3D, mas com Realidade Virtual simulada a partir do celular. Isso se dá sem maior impacto para a coletividade, caracterizando-se mais como ação mercadológica de sensibilização e fidelização dos leitores. Analisando os interesses, trata-se de prática hegemônica de produção de discursos cuja hegemonia encontra-se do lado dos interesses privados, com o propósito de levar o “Público” a experienciar reflexão sobre poluição do ar. Evidencia-se de forma predominante o “regime de interação de ajustamento” por se estabelecer uma relação mediada interativa que contrapõe a percepção do ar em sua localidade e a realidade sugerida pelo projeto, o que está relacionado ao sensibilizar e ao “fazer sentir” (Landowski, 2014, p. 80), quase vivenciando uma experiência que envolve uma questão essencial, o ar poluído. É algo que evidencia negativismo ao mostrar os piores índices de poluição do ar, por destacar a poluição do ar e suas consequências para a saúde, e por relatar o descaso político quanto à questão do ar que respiramos, o que é voltado ao nos sensibilizar com a questão.
Os estudos de casos ilustrativos permitem estabelecer relações comunicativas. Assim, apresentam-se sinteticamente análises que sugerem relações que podem ser estabelecidas e localizadas visualmente nas seguintes dimensões do Mapa relacional:

Primeira Dimensão, Social: El Universal orienta seu discurso noticioso pelos valores de visualização e comunicação estética informativa para contribuir de forma relacional interativa arriscada ao divulgar o silêncio do noticiário mexicano com relação às mortes do crime organizado, com o projeto “Zonas de silêncio”, que tem propósito humanista de defesa da vida, com ênfase na dimensão sociocultural, caracterizando-se um discurso noticioso voltado à preservação da vida e ao direito à informação, o que, em princípio, pode ser em proveito do mercadológico para a formação de futuros leitores, mas que se caracteriza como prática contra-hegemônica em defesa da cidadania que tem direito à informação. Evidencia-se o “fazer querer” as notícias sobre violência e a “lógica de intencionalidade” de se divulgar o que acontece que envolve uma relação interacional desumana, relacionada ao desrespeito aos valores sagrados – vida, divulgação –, sugerindo-se que o El Universal defende interesses públicos nos quais prevalece o “regime de interação de manipulação” e a lógica de intencionalidade (Landowski, 2014, p. 80), o que é possível relacionar ao problema da desumanização.
Segunda Dimensão, Político-legal: OjoPúblico com o projeto “Funes: um algoritmo de combate à corrupção” faz uso de visualização e comunicação com “fins” de denunciar irregularidades (corrupções) na área pública e defender a regularidade do emprego dos recursos públicos, demonstrando a lógica da regularidade de expor a situação distorcida de corrupção em contratos, o que demonstra que o discurso noticioso do caso possa ser relacionado ao interesse público de “fazer advir” a programação no uso dos recursos públicos na forma estabelecida em lei, o que, de maneira indireta, pode trazer mais leitores, e se encontra “fundado na lógica de regularidade” de investigar e de controlar o uso de recursos públicos para evitar corrupção em contratos, sugerindo-se que no caso prevalece o “regime de interação programação” (Landowski, 2014, p. 80) voltado ao uso regular de recursos públicos, a evitar o abuso de poder e a desinformação (“Chequeos en lenguas”).
Terceira Dimensão, Econômica: OCCRP, Guardian, Süddeutsche Zeitung, Newstapa, El Periodico, Global Witness e outros 17 parceiros utilizam, de forma cooperativa, “recursos” tecnológicos experimentais de alta tecnologia com propósitos de vasculhar as empresas e bancos europeus que funcionam como lavanderia de dinheiro desviado pela corrupção russa, o que foi desvendado por “The Troika Laundromat”, e está relacionado aos acontecimentos “catastróficos” da corrupção na Rússia e à lavagem de capitais na Europa, o que sugere uma postura de “fazer sobrevir” ações quanto ao crime da corrupção e está “fundado na aleatoriedade” das ações de lavagem de capitais e corrupção, sugerindo-se que as práticas discursivas noticiosas são contra-hegemônicas, com viés ecológico planetário em vez de econômicas e que, no caso, prevalecem os interesses coletivos e evidencia-se o “regime de interação acidente” (Landowski, 2014, p. 80) da descoberta da lavagem de capitais e da corrupção, o que se constitui uma notícia sensacionalista de grande impacto mundial.
Quarta Dimensão, Simbólica: The New York Times orienta seu discurso jornalístico de forma que prevaleçam interesses privados e o projeto pode ser associado ao imaginário experiencial. Ao mesmo tempo, há um viés visual educacional, no caso do projeto “See How the World’s Most Polluted Air Compares With Your City’s”, com ênfase na dimensão simbólica do imaginário experiencial e tentativa de fomento à experienciação do internauta, o que envolve “relações e ajustamento gratificante” no sentido de gerar “valor numa mútua realização em si” (Landowski, 2014, p. 51), o que está relacionado ao “fazer sentir” dos internautas e “fundado na sensibilidade” do internauta diante da poluição do ar, sugerindo-se a “lógica de sensibilidade” e de que possa ser associado ao “regime de interação ajustamento” (Landowski, 2014, p. 80.
Além das correlações feitas com a teoria de Landowski (2014) e as localizações visuais no mapa relacional, destaca-se que os casos empíricos apresentados podem ser considerados práticas jornalísticas premiadas internacionalmente relacionadas ao experiencial (Longhi & Caetano, 2019), com valores estéticos visuais noticiosos, visualização e comunicação educativa, alta tecnologia a partir da perspectiva contra-hegemônica e experimental educativo com vieses políticos na relação discursiva noticiosa. Correlacionando com as análises de discurso temáticas, a dimensão simbólica escolhida para localizar visualmente o trabalho sobre a poluição do ar (New York Times), pela ênfase no viés experiencial educativo, também tem interrelação com a dimensão econômica, dos recursos, por poderem ser também mencionados os danos à saúde e ao meio ambiente. O experiencial do Times pode ser relacionado ao negativismo, por o fato noticiado ser desfavorável à saúde, mas, por outro lado, é possível considerar um destaque positivo pela bela realização de visualização e comunicação, destacada em termos de credibilidade, de qualidade noticiosa, tão bem concebida e comunicada, ao permitir experienciar a questão da poluição – o que não deixa a notícia menos impactante e negativa. Da mesma forma, o enquadramento na dimensão econômica, em decorrência dos recursos de alta tecnologia (OCCRP e parceiros), é escolha que apresenta laços com as perspectivas político-legal e sociocultural em decorrência da política e da corrupção, também podendo ser considerado um caso de sensacionalismo noticioso. Na visualização e comunicação a partir do algoritmo Funes (OjoPúblico), caracteriza-se abuso do poder político, o que também poderia ter ligação com a dimensão sociocultural em função do valor corrupção impregnado no âmbito social. Disso se salienta que as dimensões do Mapa relacional não são estanques, mas se interrelacionam, o que ficou mais evidente nas análises de discurso, em que se identificaram mais de um tema em alguns trabalhos, sugerindo complexidade que se reflete em mais de uma das possíveis localizações no Mapa relacional.
Assim, do exame dos empíricos, destacou-se que as dimensões se interrelacionam: a simbólico (imaginário) também se reflete nos valores culturais, nos recursos experimentais educativos e humanísticos e no experiencial, além de que todos os casos de alguma forma têm relação com práticas educativas e que envolvem informações, o que sugere que as dimensões se interpenetram e se comunicam.
CONCLUSÕES
Partiu-se de um Mapa relacional, teorização que permitiu localizar visualmente problemas relacionados à crise do jornalismo e, ao mesmo tempo, pode ser aplicada às premiações. Nos resultados, salientou-se que os projetos enfocam temas relacionados à atualidade mediática que, ao serem localizados no mapa, proporcionam uma visão de acontecimentos globais de 2020 a 2022 e podem ser também associados às questões: desinformação, abuso de poder, desumanização, sensacionalismo, negativismo. Conclui-se que as práticas vencedoras têm características experimentais, experienciais, artísticas, visualização e comunicação que são relevantes e podem contribuir para reconfigurar o noticiário.
Com relação à questão: “O mapeamento pode esclarecer a contribuição de premiações jornalísticas?”, que envolveu a hipótese de que estaria em andamento uma reconfiguração do discurso noticioso que poderia ser associada às premiações. Sobre a questão, devem ser considerados elementos da reconfiguração digital do jornalismo os seguintes: 1) Atualidade, conectividade, interatividade pela web para compreensão do mundo e da realidade. 2) Qualidade: afrouxamento da verificação de autenticidade; desinformação (fake news); credibilidade abalada pelas autoridades; confiança em erosão; rapidez. 3) Técnica desconhecida pelos amadores (agregadores de conteúdo, blogueiros, influenciadores); renúncia à responsabilidade. 4) Objetividade: excesso de informação. 5) Lucratividade: distribuição digital atravessada pelas plataformas, publicidade em crise; novo modelo de negócios – gratuidade. Sem agências de notícias. Novos entrantes. 6) Noticiabilidade sem validação, sem edição; sem agência de notícias. 7) Função das notícias. 8) Ética. 9) Dependência de grupos. 10) Relações interativas com públicos com prestação de serviços, entre outros.
Assim, poder-se-ia dizer que se evidencia uma reconfiguração digital do jornalismo. Do sintetizado, constata-se uma tendência de reconfiguração noticiosa em decorrência do digital, o que contribui para a reconfiguração do jornalismo e pode ser constatado nas práticas experimentais, experienciais, artísticas, de visualização e comunicação. Sugere-se que problemas e crises estão mais relacionados à configuração tradicional do jornalismo, que se defronta com uma reconfiguração acelerada que envolve principalmente o noticiário digital e exige novas concepções, novos modelos de negócio, tecnologias inovadoras etc. As novas configurações noticiosas estão mais relacionadas às premiações.
Ao indicar relações comunicacionais ilegítimas e abusivas, o mapeamento das premiações contribui com reflexões críticas sobre a função do jornalismo, além de destacar práticas que refletem os problemas de relevância na atualidade.
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Notas de autor