Resumo: No contexto da web, os spammers são sujeitos e ou procedimentos automáticos que engajam práticas de atribuição de metadados e comportamento linguageiro disseminando spams acoplados aos conteúdos de maior popularidade, com o propósito de ampliar a visibilidade de seus conteúdos. O estudo realizado partiu do pressuposto de que, a prática spammer, carrega aspectos que ensejam uma articulação semiósica entre o vídeo principal e a ideia que os spammers intentam transmitir. Buscou-se, com o aporte teórico da Semiótica Peirceana, estabelecer uma aproximação entre a prática spammer e o conceito de semiose, procurando compreender a lógica informacional e sociocomunicacional que caracteriza os spammers no YouTube. Como resultados obtiveram-se uma descrição e uma tipologia da prática spammer e a análise da sua repercussão na organização e recuperação de informação em ambientes colaborativos digitais de compartilhamento de vídeos.
Palavras-chave:Representação e Organização da InformaçãoRepresentação e Organização da Informação,IndexaçãoIndexação,Web ColaborativaWeb Colaborativa,Prática SpammerPrática Spammer,SemioseSemiose.
Abstract: In the web context, spammers are subjects and or automatic procedures that engage metadata assignment practices and linguistic behavior. When coupled to a content of greater popularity, the spam is spread out in order to increase the visibility of content. From the assumption that the spammer practice carries aspects that tend to a semiosis link between the main video from YouTube and the idea that spammers attempt to convey, this study, based on Peircean Semiotics, try to establish a connection between the spammer practice and the concept of semiosis, in order to understand the informational and socio- communicational logic that characterizes the spammers on YouTube. As a result it was produced a description, a characterization of the type of spammer practice and an analysis of the impact on the organization and information retrieval in digital collaborative environments of video sharing.
Keywords: Representation and Organization of Information, Indexing, Collaborative Web, Spammer Practice, Semiosis.
Artigos
Prática spammer e semiose : implicações nos processos de organização e circulaçã o da informação em ambientes colaborativos
Spamming practice and semiosis: implications for organizational processes and information flow in collaborative environments

Recepção: 11 Março 2016
Aprovação: 10 Abril 2017
Com a implementação dos processos colaborativos na web, em virtude do uso cada vez mais constante das tecnologias da informação e comunicação, o usuário passou a assumir o papel de produser, termo cunhado por Bruns (2008) para definir este novo usuário que, ao mesmo tempo assume as tarefas de produção, publicação, seleção e mediação. O atual ambiente sociocomunicacional da internet é caracterizado pelas novas configurações midiáticas e seus infinitos desdobramentos, tendo em vista principalmente as possibilidades de participação e interação. Neste sentido, surgiram novas lógicas comunicacionais em que qualquer indivíduo pode produzir, selecionar e disseminar conteúdo, possibilitando maior intercâmbio de informações bem como o surgimento de mediações sígnicas cada vez mais complexas.
A diversificação dos processos de mediação social é uma característica marcante da contemporaneidade e sugere um olhar cuidadoso para os processos colaborativos característicos da rede hipermídia. Segundo Alzamora (2007) tais processos diferenciados e complementares, se traduzem em mediações sociais diversificadas, sígnicas e potencialmente dialógicas, revelando assim operações semióticas variadas.
A participação, a interação e a colaboração que perpassam os agenciamentos ocasionados pela revolução digital (ZILLER, MOURA, 2010) são, características da web atual, onde usuários comuns são responsáveis concomitantemente pela produção, organização e difusão das informações que circulam na rede. Essas características são evidenciadas principalmente nas redes sociais onde os usuários trocam informações a todo instante, fazendo do ciberespaço um ambiente mais dinâmico, atualizado e potencialmente favorável ao estreitamento das relações sociais.
A organização e representação de conteúdo em sites de compartilhamento de vídeos são feitas com base nos metadados gerados pelos próprios usuários. Na página dos vídeos, as etiquetas usadas para descrever o conteúdo são links que levam a outros vídeos que receberam a mesma etiqueta, formando assim, o que Aquino (2007) chamou de hipertexto 2.0, o hipertexto surgido pelos linksformados pelas tags atribuídas pelos usuários na web.
Nesses ambientes, o uso da linguagem natural é uma realidade na qual se acrescenta a complexidade do objeto e a dificuldade de representar o seu conteúdo. No entanto, a relativa ausência de controle de vocabulário na descrição dos vídeos, permitiu aos spammersengajarem certo comportamento linguageiro em suas práticas comunicacionais que oportuniza a disseminação eficiente de spams.Este fato sugere uma possível mudança dos hábitos que delineiam os processos de representação da informação no site.
No contexto da web colaborativa, os spammerssão sujeitos e ou procedimentos automáticos que se beneficiam dos sistemas interativos e relativamente abertos que utilizam a linguagem natural como forma de gerenciamento da informação para disseminarem spams acoplados aos conteúdos de maior popularidade, como nos sites de compartilhamento de vídeos. Se por um lado eles comprometem a qualidade na recuperação da informação nesses sistemas, por outro, efetivam a recuperação de spams ao mesmo tempo que legitimam um novo modo de transmitir mensagens, aliada à possibilidade de conectar grandes audiências.
Diante disso, partindo-se do pressuposto de que a prática spammer, carrega aspectos que ensejam uma função sígnica mediadora entre o vídeo principal e a ideia que os spammers intentam transmitir, o presente artigo busca fazer uma aproximação entre a prática spammer e as noções de mediação no sentido peirceano de semiose, buscando compreender a lógica comunicacional e informacional que caracteriza os spammers.
No estudo realizado adotou-se como marco teórico a Semiótica Peirciana. Adotou-se a também a triangulação de métodos que “leva em conta o comportamento dos atores no que tange à compreensão, inteligibilidade dos fenômenos sociais e o significado e intencionalidade que lhe atribuem os atores.” (MINAYO, 2005, p.82). A triangulação surge da necessidade de se combinar abordagens qualitativas e quantitativas assim como teorias e métodos em virtude das especificidades dos universos a serem estudados.
Desse modo, buscou-se compreender a ação deliberada de atribuir metadados que estão em evidência aos conteúdos, com o intuito de atrair audiência, obter maior engajamento e ganhar visibilidade dentro da rede. A Netnografia foi utilizada para apoiar todo o monitoramento, a observação, a identificação, a descrição dos registros de atividades (KOZINETS, 2002) e o comportamento informacional dos usuários. Para a descrição, interpretação, realização de inferências e categorização das práticas spammers adotou-se Análise de Conteúdo. (BARDIN, 2011).
Durante um período de seis meses (novembro de 2014 a abril de 2015), foram acompanhados e descritos os vídeos mais populares do YouTube e os spammers a eles associados. O universo da pesquisa foi assim definido com um total de dez vídeos hits, considerados populares e que estiveram em evidência em algum momento, com um número significativo de visualizações, que os levaram a figurarem em listas de vídeos mais vistos. Para cada hit, foram analisados dez vídeos spams relacionados a eles, totalizando-se um universo de cento e dez vídeos. Na pesquisa, consideramos apenas os vídeos spammers com mais de cinquenta mil visualizações.
O mundo é repleto de significações. Toda e qualquer produção, realização e expressão humana pode ser considerada uma questão semiótica (SANTAELLA, 1985). Neste sentido, as ideias e até mesmo o homem são fenômenos semióticos cercados de signos (BARROS, 2012). Os fenômenos estão presentes em todo lugar e em todo momento e podem ser entendidos como qualquer coisa que esteja de algum modo e em qualquer sentido presente à mente, correspondendo a algo real ou não (SANTAELLA, 1985).
Historicamente, a Semiótica tem sido muito utilizada como alternativa metodológica para os estudos que buscam compreender os fenômenos existentes nas interações entre os sujeitos. Desta forma, como lembra Santaella, a Semiótica “é a ciência que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todos e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significado e de sentido.” (SANTAELLA, 1985, p.15).
O cientista-lógico-filosófico Charles Sanders Peirce dedicou-se grande parte de sua vida aos estudos da Semiótica, considerada ser antes de tudo, uma Filosofia científica da Linguagem (SANTAELLA, 2004). Peirce, a partir da análise dos fenômenos mentais, da forma como eles se apresentam à mente, criou as três categorias fundamentais encontradas no pensamento, denominadas Firstness (Primeiridade) que diz respeito à qualidade, abstração pura; Secondness(Secundidade) considerada aquilo que se manifesta e Thirdness (Terceiridade) entendida como a relação entre a qualidade e o fato, entre o primeiro e o segundo, é a representação, a mediação, o hábito, a memória, a comunicação, a semiose, a categoria dos signos. Mais tarde foi comprovada, pelo próprio autor a universalidade de aplicação destas categorias. Desta forma as categorias de Peirce conseguiriam explicar qualquer fenômeno que aparecesse à consciência, se constituindo nas modalidades universais e mais gerais através das quais se opera da apreensão- tradução dos fenômenos (SANTAELLA, 1985).
Quando nos referimos a signo, automaticamente estamos nos referindo a objeto e interpretante. De acordo com Peirce, signo ou representamen é tudo aquilo que de alguma forma representa alguma coisa, criando na mente de alguém um signo equivalente, ou um interpretante. Desta forma, ele é um primeiro que representa algo para alguém que se coloca numa relação triádica genuína tal com um segundo denominado seu objeto, que é capaz de determinar um terceiro denominado seu interpretante que assuma a mesma relação triádica com seu objeto, na qual ele próprio está em relação ao mesmo objeto. Importante lembrar que interpretante aqui não é sinônimo de intérprete e nem de intepretação. Bem como o poder de significar do signo independe da existência do intérprete.
O signo é, portanto, a união inseparável das três entidades: objeto, signo e interpretante (ALMEIDA; GUIMARÃES, 2007). O signo produz na mente interpretante um efeito que em algum aspecto está relacionado ao efeito que seria produzido pelo objeto original. Desta forma, o signo não é o objeto, mas para funcionar como signo, ele precisa de alguma maneira, passar adiante ao interpretante algum aspecto do objeto que ele representa.
Interpretante é o efeito que o signo está apto a produzir (interpretante imediato) ou que efetivamente produz (interpretante dinâmico) numa mente interpretadora. O interpretante final é terceiridade, uma regra ou padrão para o entendimento do signo. Porém, como lembra Santaella (2000), não pode-se confundir o termo final com um significado empírico, estático e definitivo do signo. O interpretante é o pensamento ou a representação mental que serve de mediação entre o signo e objeto. O objeto pode ser considerado a coisa representada.
O próprio contexto semiósico em que a ação do signo apresenta um crescimento contínuo, induz a um entendimento no sentido de limite ideal, aproximável, mas inatingível para o qual os interpretantes tendem. Portanto, o efeito do interpretante vai ter sempre a natureza de um signo inteiramente desenvolvido.
Hábito, de acordo com Peirce, é uma regra ou princípio geral, conjunto de tendências adquiridas a serem usadas em situações similares futuras. A habilidade de seguir de uma nova maneira, de agir de uma maneira habitual e ao mesmo tempo inovadora (COLAPIETRO, 2004). Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Queiroz (1999) aponta para uma tendência geral que os fenômenos apresentam para formar padrões que seguem um princípio geral. Desta maneira, a continuidade das ações assegura a possibilidade de inovação. Importante lembrar que o hábito aqui não se restringe apenas ao homem, mas diz respeito também à natureza e a todas as coisas. Neste ponto, Santaella (1992) lembra que “onde quer que haja tendência para aprender, processos autocorretivos, mudanças de hábito, onde quer que haja ação guiada por um propósito, aí haverá inteligência” (SANTAELLA, 1992, p.79)
Portanto, os hábitos são ações que tendem a se repetir de acordo com uma certa regularidade e situações específicas. Deste modo, no caso da linguagem verbal “as convenções linguísticas só operam porque os indivíduos de uma comunidade inteira internalizaram hábitos de interpretação. São esses hábitos ou regras que Peirce chamou de interpretantes lógicos.” (QUEIROZ; LOULA; GUDWIN, 2007, p. 135)
Tendo em vista que todo sistema de signos tem a capacidade de fomentar novos hábitos, Peirce, ao tentar caracterizar um interpretante lógico último (SANTAELLA, 2004), chegou a conclusão de que o único efeito mental produzido que não é um signo mas que é de uma aplicação geral é a mudança de hábito. Neste sentido, o interpretante lógico final entendido como uma mudança de hábito entra em sintonia com a tendência característica do caráter evolutivo do interpretante final.
Todo esse processo evolutivo e continuo do signo culmina no que Peirce definiu de semiose. A semiose pode ser entendida como a ação do signo. Um processo em que há uma produção constante de signos a serem interpretados. De acordo com Eco (1991) é o processo no qual o signo leva outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto a que ele próprio se refere e da mesma forma, o interpretante torna-se por sua vez um signo, caracterizando um processo de semiose infinita. Desta maneira, a semiose é um processo evolutivo em que o signo está em um movimento constante e dinâmico.
Lançado em oficialmente em junho de 2005, por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, tornou-se rapidamente um grande sucesso da internet, tendo em vista a sua interface amigável e integrada que possibilitava aos usuários carregarem, publicarem e compartilharem vídeos sem a necessidade de ter um conhecimento técnico. Neste sentido, de acordo com Burguess, Green (2009), além de publicar, compartilhar e assistir vídeos, qualquer pessoa comum poderia também se conectar a outros usuários como amigos, possibilitando o compartilhamento de conteúdo através das URLS geradas pelo próprio site.
Com funcionalidades que são inerentes às redes sociais, como compartilhamento, comentários, recomendações de vídeos através da lista de vídeos relacionados e participação dos usuários na publicação e disseminação de conteúdo, o You Tube tornou-se uma plataforma em que os usuários têm a possibilidade de se expressarem através de vídeos que podem ser compartilhados em outros sites. Por essas e outras razões, não demorou para o You Tube se tornar um grande sucesso na internet, vindo a se transformar em objeto de estudo em várias áreas de conhecimento.
O You Tube é um ambiente em que observa-se um dos fenômenos mais característicos do modelo colaborativo da web atual: a produsage. Criado por Bruns (2008), este termo designa os processos atuais de produção de conteúdo onde mescla-se as instancias de consumo e produção, potencializando assim a publicação de conteúdos por sujeitos comuns que até então eram considerados apenas consumidores. Neste sentido, é comum verificarmos no You Tube a prática da apropriação, recriação, remixagem e republicação de vídeos (ZILLER, 2012), reforçando assim a ideia de descentralização e de autonomia dos sujeitos no que diz respeito ao uso e a publicação e republicação de conteúdo.
A popularidade de determinados vídeos criados pelos usuários, bem como a adoção do You Tube pelas empresas como meio de distribuição de conteúdo, fez com que a ferramenta ganhasse cada vez mais importância e notoriedade.
O You Tube hospeda uma grande quantidade de conteúdo dos mais variados tipos como filmes, documentários, debates políticos, cenas do cotidiano, de guerra, de manifestações, videoclipes musicais, vídeos caseiros além de transmissão ao vivo de eventos. Alguns vídeos caseiros ganham enorme popularidade levando pessoas desconhecidas a se tornarem famosas, sendo consideradas “celebridades instantâneas”.
Recentemente, por meio do You Tube o mundo pôde ter acesso, em primeira mão, a movimentos populares globais e conhecer a real dimensão dessas manifestações, fortalecendo assim a relevância da plataforma como importante meio de disseminação da informação. Eventos como a Primavera Árabe, no Oriente Médio e as Jornadas de Junho, no Brasil foram intensamente divulgados, muitas vezes em tempo real em canais na internet. Por meio de redes sociais como o Facebook, Twitter e o You Tube, a juventude se organizou e espalhou informações sobre os protestos. O You Tube serviu muitas vezes como espelho para a grande mídia, uma vez que revelava, através dos vídeos postados pelos usuários, vários detalhes dos acontecimentos, que alimentavam diariamente a mídia de massa.
Como forma de gerenciamento da informação, a plataforma também possibilita que seus usuários possam descrever seus vídeos através do uso de metadados, facilitando assim a sua recuperação em seu sistema de buscas. Desta forma, o uso de tags na descrição dos vídeos torna- se um importante recurso de visibilidade e recuperação da informação.
Acredita-se que o uso de metadados além de ter o papel de descrever, também organiza e fomenta novos comportamentos em relação a determinado dado. Nos últimos tempos, um comportamento que tem chamado atenção no You Tube em virtude da atribuição de metadados por parte dos usuários que disponibilizam seus vídeos, é a atribuição de tags sem relação alguma com o conteúdo que está sendo descrito. Denominada aqui de prática spammer, esta ação tem transformado, distorcido e modificado os processos comunicacionais no site, a partir do momento em que o usuário passa a descrever seus vídeos com metadados que serviram para descrever vídeos que estão em evidência no You Tube. Mais adiante discutiremos com mais detalhes essa prática.
Em uma cultura caracterizada pela convergência, atributo do ecossistema midiático contemporâneo, o You Tube tem se tornado importante ferramenta de mobilização política da sociedade. A plataforma vem impulsionando a cultura participativa uma vez que naquele ambiente coabitam a mídia de massa e a mídia caseira, possibilitando assim a apropriação, a reconfiguração, bem como a disseminação de todo tipo de informação.
O termo Spam é adotado do ponto de vista tecnológico e computacional para conceituar o fenômeno que surgiu em simultaneidade ao desenvolvimento e popularização da internet. É a mensagem de email enviada para vários destinatários diferentes que não tenham solicitado o conteúdo (Fazzion et al., 2014). Essa mensagem é disseminada em larga escala na rede e as motivações para os que realizam essa prática, os spammers, são diversas e vão desde a venda de produtos à disseminação de malware e ataques de phishing (Crocker, 2006). Além disso, eles também podem ter motivações políticas, religiosas ou mesmo criminosa. Importante destacar que esta definição diz respeito a uma perspectiva tecnológica, não levando em consideração as apropriações sociais e culturais e as novas configurações que a prática spammer tem adquirido nos ambientes colaborativos digitais.
Com relação à origem do termo spam, a hipótese mais aceita remonta à década de 1970. Durante um quadro de um programa de televisão, o grupo de comediantes britânicos Monty Python[1] apresentou uma cena em um restaurante que possuía SPAM em todos os pratos que eram servidos. A sigla faz referência à marca de presunto picante enlatado “Spieced Ham”, produzido desde 1937 pela Hormel Foods, tradicional empresa norte-americana de alimentos. Na cena, a garçonete descrevia para um casal de clientes os pratos repetindo a palavra "spam" para sinalizar a quantidade de presunto que era servida em cada prato. Enquanto ela repetia "spam" várias vezes, um grupo que estava em outra mesa começava a cantarolar "Spam, spam, spam, spam, spam, spam, spam, spam, lovely spam! Wonderful spam!", impossibilitando qualquer conversa. O quadro foi criado como ironia ao racionamento de comida ocorrido na Inglaterra durante e após a Segunda Guerra Mundial. O Spieced Ham foi um dos poucos alimentos excluídos desse racionamento, o que eventualmente levou às pessoas a enjoarem da marca.
Após o sucesso do episódio alguns usuários da internet começaram a associar o incômodo hábito de enviar mensagens em massa sem a autorização dos Importar imagen Importar tabla destinatários aos irritantes jingles do presunto SPAM e ao deboche do grupo inglês à marca. A partir de então, o termo consolidou-se mundialmente na web.
Desde os primeiros registros de mensagem eletrônica não solicitada enviada em massa, como o que ocorreu em 1971, no Compatible Time-Sharing System (CTSS- Mail) do Massachusetts Institute of Technology[2] e em 1978 através do correio eletrônico da ARPANet[3] até os dias atuais, muita coisa mudou em relação aos tipos e às motivações que levam os spammers a disseminarem spams na rede.
Entre os diferentes tipos de spams disseminados através de e-mails, podemos destacar os anúncios de produtos, as mensagens que escondem por trás de links golpes financeiros e estelionato, correntes (chain letters), boatos (hoaxes) e mensagens de cunho racista ou religioso (TAVEIRA, 2006). As mensagens comerciais geralmente trazem anúncios de venda de medicamentos sem prescrição médica, tratamentos estéticos, oportunidades de enriquecimento rápido e sites de conteúdo pornográfico. Os boatos e as correntes têm o objetivo de divulgar para um grande número de destinatários, em um curto período de tempo, alguma história falsa ou promessa de algum tipo de benefício como dinheiro e saúde.
O surgimento e intensificação da participação dos usuários nos novos ambientes virtuais semânticos que caracterizam a web colaborativa tornaram-se propícios para a disseminação de um novo tipo de spam denominado de spam social. De acordo com Heymann, Koutrika e Garcia-Molina (2007), plataformas sociais como Twitter, Delicious, Flickr e YouTube, Vimeo contam com conteúdos gerados pelo próprio usuário, o que torna esses sites alvos potencialmente dinâmicos e atrativos para os spammers.
De acordo com estudo realizado pela Nexgate[4], durante primeiro o semestre de 2013 houve um crescimento de 355% dos spams em redes sociais. Segundo relatório da pesquisa, os spammers estão migrando para as plataformas sociais, numa tentativa de driblar a infraestrutura de segurança criada para detectar spams tradicionais de email e, ao mesmo tempo, aproveitando-se das facilidades oferecidas pelas redes sociais.
O motivo desse crescimento ocorre em virtude do fato de que o spam social é disseminado para centenas, milhares e até milhões de pessoas com um único post. Já o spam disseminado por email consegue atingir apenas uma pessoa por vez, exigindo mais esforço dos spammers.
Ainda de acordo com a pesquisa, o Facebook e o YouTube são os recordistas em quantidade de spams. Essas plataformas oferecem aos usuários recursos como a possibilidade de edição e compartilhamento de conteúdo que de certa forma fomentam a prática spammer nesses ambientes.
Em diversas redes sociais, podem ser encontrados vários tipos de spams e diferentes motivações para sua disseminação. É muito comum os usuários se depararem com o chamado “link spam”, que, quase sempre ao ser clicado pode instalar um malware ou mesmo direcionar o usuário para um site que pode conter anúncios publicitários ou mesmo conteúdos impróprios. Outro tipo é o “text spam”, aquele em que o spammer dissemina seu spam através de um texto envolvente, solicitando ao usuário que o compartilhe para o maior número de seguidores possíveis com a intenção de disseminar determinada mensagem na rede.
A criação de diversos aplicativos em redes sociais tornou propício o surgimento de um outro tipo de spam conhecido como “spammy apps”. Com a promessa de tarefas especiais que uma plataforma típica de mídia social não é capaz Importar imagen Importar tabla de fazer, como determinar o número de visualizações de perfil por outros usuários ou mudar a cor do tema do perfil em determinada rede social, o aplicativo, uma vez instalado, pode acessar dados pessoais do usuário. O “like-jacking” é um outro tipo de spam que consiste em fazer com que o usuário clique em algo diferente daquilo que está visível para ele. Desta forma, o “like-jacking”, com um script embutido e que pode ser executado sem o consentimento do usuário, faz com que ele seja levado para um site hospedado por um spammer onde estará divulgando algum tipo de informação.
Portanto o spam social pode ser considerado uma evolução do spam baseado em texto e link, disseminados através de emails. Nesse sentido, as inúmeras possibilidades trazidas pelas redes sociais, como a existência de ferramentas para criação de aplicativos, a atribuição de metadados aos conteúdos pelos próprios usuários e facilidade de criação de perfis fizeram com que os spams crescessem significativamente nas redes sociais.
Os sistemas que utilizam a etiquetagem social em linguagem natural como ferramenta de organização e recuperação da informação tornaram-se um novo alvo para os spammers. Como lembra Krause et al. (2008), a estrutura de tais sistemas caracterizada pela atualização constante, por postagens recentes e pela existência de tags populares e muito comentadas, atraem cada vez mais usuários que utilizam o sistema para disseminarem spams, com o intuito de aumentarem o tráfico para seus sites para se promoverem dentro da comunidade ou mesmo para divulgarem alguma marca ou produto.
A existência de spams em um sistema de etiquetagem compromete a atinência nas informações recuperadas no sistema, tendo em vista que terá como conteúdo relacionado às tags, informações sem relação alguma o termo recuperado. Por outro lado, é importante destacar que a prática spammer vem legitimar um comportamento linguageiro e polifônico por parte dos sujeitos que engajam esse tipo de ação. Neste sentido, é imprescindível levar em consideração que essas práticas estão sujeitas a ações constantes e a partir do uso que se faz do You Tube, elas vão sendo reposicionadas e ganhando cada vez mais espaço dentro da rede.
De acordo com Krause et al. (2008), os spammers têm desenvolvido várias técnicas para disseminarem spams nos sistemas de indexação social. Eles geralmente criam várias contas e utilizam as tags mais populares para indexar o conteúdo que estão tentando disseminar, quase sempre um site comercial. Sendo assim, ao realizar uma busca pela tag popular, a possibilidade de recuperar um conteúdo spam será muito grande. Outra técnica de proliferação de spams muito utilizada é a atribuição de tags diferentes para o mesmo marcador ou usar várias tags populares.
A possibilidade de conectar audiência por meio da prática spammer pode ser um dos fatores que estão levando os usuários do You Tube à atribuírem a seus vídeos metadados que estão em evidência. Neste sentido, com o intuito de transmitir determinada mensagem, os usuários utilizam-se dessa prática e reforçando assim o caráter polifônico e dialógico da ação.
Os espaços colaborativos digitais tornaram-se ambientes propícios para o estreitamento das relações sociais, intensificando a participação dos sujeitos em todas as esferas de produção de conteúdo, favorecendo assim o desenvolvimento da prática spammer. A horizontalização nos processos de produção, compartilhamento e gerenciamento da informação por parte dos sujeitos informacionais, aliada às novas dinâmicas de visibilidade social e audiência em sites de redes sociais, levou à intensificação de comportamentos linguageiros com possibilidades múltiplas de novas mediações no contexto de colaboração da web.
Ao tornar possível a participação dos atores sociais em todas as etapas da produção de conteúdo, potencializando a sua publicação e o tornando acessível a uma grande quantidade de pessoas, verifica-se uma intensificação dos fluxos informacionais no ambiente digital, onde as fronteiras entre produção e uso tornam- se cada vez mais porosas. (ZILLER; MOURA, 2011). Nos espaços colaborativos digitais, conteúdos são facilmente compartilhados, modificados e recombinados gerando novas possibilidades de mediações em uma profusão de signos que compõem o vasto universo digital atual.
Neste sentido, buscou-se compreender a prática spammer pelo seu viés de mediação signica. De acordo com Santaella (2004) a mediação é sinônimo de semiose que é a ação transformadora de um signo ema outro. Desta forma, ao mesmo tempo que é uma ação transformadora, é uma ação autocorretiva e em melhoramento constante pela ação do interpretante, que de acordo com seus hábitos, vai adicionando novos signos tornando o processo cada vez mais complexo. Ainda de acordo com a autora, a semiose é sempre um processo criativo e infinito em virtude da ação diversificada dos interpretantes.
A prática spammer pode ser compreendida como uma mediação, tendo em vista seu caráter signico e dialógico. O novo conteúdo cultural gerado pelo spammer pode ser considerado tanto um meio como uma mensagem, ou seja, um novo signo. Este fato vai de encontro com as ideias de McLuhan que diz que o conteúdo de um meio é um outro ambiente midiático. E a única maneira de se chegar nesse outro meio é através da mensagem, que nada mais é que a tradução de um signo em outro, ou seja, semiose.
As principais evidências da prática spammer articulam-se nos campos título, tags, descrição e conteúdo, sintetizadas no quadro abaixo:

A ação de representar conteúdo por meio da atribuição de metadados é um processo semiósico e, no caso da prática spammer atua como elemento mediador que altera a noção de representação e organização da informação por parte dos usuários e do sistema.
No caso específico do vídeo “Para nosso alegria” que se tornou hit no YouTube, por exemplo, as evidências de prática spammer estão no campo conteúdo que ocorre através da inclusão de links que direcionam para outros vídeos do Canal. Há também o decalque da cena do vídeo hit (versão Chaves[5], versão Simpsons[6], versão Alvim e os Esquilos[7], versão Bob Esponja[8]); no campo descrição os spammers inserem links direcionando para o seu canal e engaja divulgação de novos conteúdos e a divulgação de show, por exemplo.

Segundo Alzamora e Ziller (2013), a semiose é um processo reticular em que a medida que ele vai se desenvolvendo, o interpretante vai associando novos signos que estão relacionados aos hábitos que delineiam a ação. Assim, sob esse prisma, a prática spammer sugere também uma mudança de hábito. A mediação, conforme Bergman (2000) pode ser entendida como um processo comunicativo. Esse processo envolve duas operações semióticas: de determinação e de representação. A operação de determinação está relacionada ao fato do objeto determinar um interpretante pela mediação do signo. Nesta operação, é possível encontrar mais rastro do objeto no signo, facilitando assim o controle. Um exemplo é pensar o vídeo original, que foi descrito com termos que tem uma relação exata com o seu conteúdo, ou seja, os termos que descrevem o vídeo (tags, título) são os signos que vão mediar a determinação do objeto (vídeo) pelo interpretante (mente interpretadora).
Por outro lado, a operação semiótica de representação está relacionada com a ideia do interpretante representar o objeto pela mediação do signo. Nesta operação, bem mais complexa que a de determinação, com a associação de novos signos no processo de representação, o interpretante terna-se objeto de um novo signo. A prática spammer, portanto, pode ser vista sob a ótica desta operação uma vez que a partir da descrição do vídeo com termos que não tem nenhuma ralação com o conteúdo sugere a associação pelo interpretante de novos signos que irão agir no processo de semiose. Desta forma, o interpretante (mente interpretadora) vai representar o objeto (vídeo spammer) pela mediação do signo (termos descritores que não tem relação com o conteúdo). No entanto, novos interpretantes lógicos agirão nessa semiose em um processo de aprimoramento constante em virtude dos hábitos (ou mudanças deles) que estão delineando essa prática.
A semiose tem a intenção de ser interpretada em um novo signo. Neste sentido a prática spammer enseja uma intencionalidade, onde o signo tenta determinar um interpretante futuro. Neste sentido, os spammers agem no sistema com a intensão de transmitir determinada mensagem a ser interpretada em um novo signo, numa tentativa angariar audiência para o seu conteúdo.
Finalmente, de acordo com Johansen (1993), a comunicação é um processo dialógico resultante da semiose. Neste sentido, a prática spammer relaciona-se com a noção dialógica de semiose a partir do momento em que os spammers buscam transmitir determinada mensagem, pela mediação, através de signos. Portanto, a prática spammer pode ser considerada essencialmente dialógica e ideológica, uma vez que os spammers tem a intenção de transmitir determinada ideia para um interprete futuro.
Os ambientes colaborativos digitais instauram uma nova lógica comunicacional onde qualquer indivíduo pode produzir, selecionar e disseminar conteúdo possibilitando a diversificação dos processos de mediação social. Neste contexto, as redes sociais online ganham destaque entre os mais variados públicos em virtude do seu dinamismo e principalmente pela sua capacidade impulsionar a cultura da participação. Desta forma, plataformas como o You Tube não só ao ampliarem o acesso à informação mas também ao possibilitarem a produção de conteúdo pelos usuários, tem adquirido grande importância na atualidade tornando- se um terreno fértil para a atuação dos spammers.
A possibilidade dos usuários atribuírem metadados na descrição de seus vídeos no You Tube favoreceu o surgimento da prática spammer. O caráter linguageiro e polifônico desta prática pode ser evidenciado no momento em que ao descrever seu vídeo, o usuário adiciona tags que estão em evidência e que não tem relação alguma com o conteúdo do vídeo postado. Neste sentido, ao mesmo tempo que reforça a ideia do vídeo principal que recebeu aquelas tags, os spammers conseguem, através desta prática, transmitirem alguma mensagem que almejam disseminar, seja ela uma propaganda, uma opinião ou qualquer outro conteúdo.
Embora ainda pouco abordada em estudos comunicacionais e informacionais, a prática spammer suscita um olhar atento, tendo em vista os efeitos e os movimentos que essa ação tem causado em redes como o You Tube. Um olhar que mostre o dinamismo das relações entre os sujeitos que engajam essas práticas linguageiras, a fim de compreender melhor os processos comunicacionais que evolvem ações.
As aproximações aqui propostas, entre a prática spammer e a noção de mediação no sentido peirceano de semiose, buscou auxiliar na compreensão dos processos comunicacionais e informacionais desenvolvidos pelos spammers no You Tube. Os metadados atribuídos aos vídeos spams além de servirem para organizar conteúdos dentro da rede, distorcem, modificam e ressignificam o conteúdo dos elementos que descrevem, criando assim novas associações que irão resultar também em novas mediações.
Tendo em vista o movimento dessas práticas no sites de compartilhamento de vídeo, a configuração das novas associações ocasionadas pelo vídeo spam e o caráter coletivo que a ação engendra é possível compreendê-la como potencializadora de novas formas de produção, organização, circulação e recuperação da informação, demarcada pela mediação dos ambientes colaborativos e o apelo à visibilidade.
Editores do Artigo:: Adilson Luiz Pinto, Enrique Muriel-Torrado

