Resumo:
Objetivo: Elucidar o papel da representação da informação na curadoria digital.
Método: Pesquisa de natureza teórica, com abordagem qualitativa e exploratória, abordando como tema principal os metadados na curadoria digital e tendo como base o Curation Lifecycle Model proposto pelo Digital Curation Centre (DCC).
Resultado: Apresenta-se um panorama da importância da representação da informação para a curadoria digital, bem como as principais implicações do emprego de metadados e padrões de metadados para o gerenciamento de dados.
Conclusões: Conclui-se que diante da busca por métodos mais efetivos de organizar e representar a informação em meio digital, a curadoria digital tem ganhado destaque como uma prática interdisciplinar que busca estabelecer diretrizes para a gestão e a manutenção de dados, se valendo para isso, dos metadados e dos padrões de metadados para a construção de representações, permitindo que os dados e os metadados sejam compreendidos e processados pelos sistemas e também pelos próprios usuários humanos, viabilizando o acesso, o uso e o reuso futuro.
Palavras-chave:Curadoria DigitalCuradoria Digital,MetadadosMetadados,Representação da InformaçãoRepresentação da Informação.
Abstract:
Objective: Aims to elucidate the role of information representation in digital curation.
Methods: A theoretical research with a qualitative and exploratory approach, addressing as the main theme of metadata in digital curation and based on the Curator Life Cycle Model, proposed by the Digital Curation Center (DCC).
Results: Provides an overview of the importance of representing information for digital curation, as well as the key implications of employing metadata and metadata standards for data management.
Conclusions: It conclude that the search for more effective methods of organizing and displaying information in the digital environment, a digital curation, has gained prominence as an interdisciplinary search practice that uses data management and maintenance tools, making use of metadata and standards. metadata to build representations, allowing data and metadata to be understood and processed by systems as well as by single human users, enabling access, use and the future future.
Keywords: Digital Curation, Metadata, Information Representation.
Artigos
Aspectos da representação da informação na curadoria digital
Aspects of information representation in digital curation
Recepção: 06 Novembro 2019
Aprovação: 28 Março 2020
Publicado: 20 Maio 2020
O rápido desenvolvimento e a ampliação do acesso às tecnologias, principalmente por meio da interface Web, tem impulsionado o ambiente digital como um dos principais meios para a disseminação e para a busca de informações. Nesse cenário, a intensa geração de dados, tanto digitalizados como criados digitalmente, tem mudado as perspectivas de estudo e de tratamento relativos à informação. Os dados, onipresentes tanto na produção, quanto na gestão dos diferentes tipos de recursos informacionais, passaram a ser uma das grandes preocupações para a Ciência da Informação.
A intensa produção e a disseminação de dados estão ligadas às diversas possibilidades que o meio digital passou a proporcionar aos mais variados setores da sociedade, trazendo inúmeros benefícios no que diz respeito a maior democratização do acesso à informação, na medida em que ampliam-se as formas de disponibilização e de disseminação dos recursos informacionais. No entanto, a publicação ou a criação de dados em ambientes digitais implica em ações e estratégias para o planejamento e a gestão desses dados ao longo de todo o seu ciclo de vida.
Os estudos e o tratamento dessa crescente quantidade de dados têm se voltado no sentido de assegurar a sobrevivência e o acesso contínuo ao material digital (HIGGINS, 2011), conduzindo os estudos relativos à Organização e Representação da Informação para o viés da manutenção do contexto digital, denominado como curadoria digital (GLUSHKO, 2010).
A curadoria digital apresenta-se como uma prática interdisciplinar abrangente que busca estabelecer diretrizes e um conjunto de ações inter-relacionadas para a manutenção do material com valor informacional, se valendo para isso, dos metadados para garantir todo o ciclo de gerenciamento dos dados, visando o acesso, o uso e o reuso a longo prazo.
Higgins (2008) conceitua que os metadados constituem a base da curadoria digital, configurando-se como informações descritivas ou contextuais que se referem ou estão associadas aos objetos digitais, possibilitando que os dados sejam passíveis de identificação e, consequentemente, de recuperação. Nessa perspectiva, discute-se a relação da curadoria digital com a representação proveniente dos metadados, tendo em vista que “uma parte fundamental do processo de curadoria é garantir que os metadados estejam disponíveis para descrever os conjuntos de dados para uso futuro” (CHAO, 2014, não paginado, tradução nossa).
Desse modo, busca-se o enfoque nas ações da curadoria digital e sua relação com a representação da informação, advindas principalmente do campo da Biblioteconomia e da Ciência da Informação. A pesquisa configura-se como exploratória, tendo como método de coleta de dados, a pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa. A partir da revisão de literatura acerca da curadoria digital sob a ótica da Ciência da Informação e da análise do Modelo de Ciclo de Vida de Curadoria (Curation Lifecycle Model) proposto pelo Digital Curation Centre (DCC), objetiva-se identificar o papel da representação da informação na curadoria digital.
Por meio da análise do conteúdo da revisão da literatura especializada tanto sobre a curadoria digital, quanto sobre a representação da informação, foram identificados e analisados um conjunto de publicações que viabilizaram a construção de um conhecimento teórico sobre o objetivo proposto.
Para o levantamento dos dados, foram consultadas, sistematizadas e analisadas fontes primárias, secundárias e terciárias nas bases de dados da Ciência da Informação, tais como Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), bem como periódicos da área de Ciência da Informação no Portal de Periódicos da CAPES. Além disso, foram consultadas as bases Web of Science e Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Scholar.
O termo curadoria digital vem sendo usado para designar um campo de atuação tanto prático como teórico, que abarca em seu conjunto de ações, diversas habilidades e competências, muitas delas que em sua essência não são novas.
Por meio da literatura revisada, o conceito ainda se encontra em construção e pode ser compreendido de diferentes formas dependendo da área de aplicação ou de estudo. Sendo uma prática abrangente, a atividade de curadoria digital é aplicável a uma grande variedade de situações e pode ser considerada como termo que abarca “[...] definições correlatas voltadas à seleção, enriquecimento, tratamento e preservação da informação para o acesso e uso futuro, seja ela de natureza científica, administrativa ou pessoal” (SANTOS, 2014, p. 130). Além disso, ‘curadoria digital’ vem se constituindo como “[...] um termo guarda-chuva que contém diversas nomenclaturas e níveis de atuação: ‘curadoria de informação’, ‘curadoria de conteúdo’, ‘curadoria de conhecimento’ e ‘curadoria de dados’” (JORENTE; SILVA; PIMENTA, 2015, p. 130).
Devido às origens remotas, o termo ‘curadoria’ tem diversos ramos de desenvolvimento e pode ser encontrado em distintas áreas, se referindo a diferentes atividades. No entanto, pode-se identificar uma natureza comum a todas as atividades que são vinculadas ao termo ‘curadoria’. Essa natureza está diretamente relacionada ao significado da palavra, que tem sua origem etimológica no radical ‘cur-’ do termo latino ‘cura.ae)’. Segundo o Dicionário Houaiss (2009), tal termo remete à substantivos como cuidado e preocupação, direção e administração, curatela (jurídico), cuidado e tratamento (médico), guarda e vigia, objeto ou causa de cuidados ou preocupações e ainda, amor ou objeto amado. Também, do mesmo radical, origina-se o termo ‘curator(óris)’, que significa aquele que exerce a curadoria, o que está encarregado de algo.
Diante disso, é possível concluir que a palavra ‘curadoria’ tem sido empregada pela humanidade para designar um conjunto de atividades ou ações que envolve o cuidado com algo de valor estimável. Isso colabora para explicar a crescente popularização do termo e a sua capacidade de transposição para distintos campos de atuação.
No ambiente digital, o termo ‘curadoria’ passou a ser utilizado no início do século XXI com o intuito de designar uma nova abordagem em relação ao material digital que pudesse compreender e incorporar aspectos dos conceitos existentes, como preservação digital e arquivamento digital (BEAGRIE, 2006).
Dessa forma, o termo curadoria digital passou a denominar um conjunto de ações que se dedicam a criar estratégias e procedimentos para o tratamento e a organização do material digital, visando sua preservação e acesso contínuo.
Santos (2014, p. 29) corrobora que,
Os conceitos de "curadoria" digital começaram a aparecer depois que a preservação digital e os seus desafios e limitações eram conhecidas e a Internet como meio global para comunicação e divulgação da informação (inclusive a científica) já estava consolidada. A curadoria digital evoluiu das noções de preservação digital e da necessidade da informação ser divulgada em meio aberto, principalmente a informação científica produzida em rede e de forma distribuída.
Percebe-se assim, que as práticas de curadoria em meio digital surgem atreladas às necessidades de se disponibilizar recursos informacionais em novos ambientes informacionais, de modo que a informação pudesse ser acessada de forma abrangente, o que como resultado exigia um sistema de arquivamento compartilhado e preservação de dados.
Beagrie (2006, p.4, tradução nossa) explica que
O novo termo beneficiou-se do uso já existente do termo “curadoria” pelos setores de bibliotecas e museus e pelas ciências biológicas. Em todos os três setores, o termo implica não apenas a preservação e manutenção de uma coleção ou banco de dados, mas algum grau de valor agregado e conhecimento.
Dessa forma, retoma-se que mesmo ‘curadoria digital’ sendo considerado um termo relativamente novo, ele carrega consigo o significado da palavra ‘curadoria’ já utilizado por diversos setores da sociedade. Além disso, verifica-se que a curadoria digital tem suas atividades fundamentadas no uso já dado ao termo curadoria em setores tradicionais, como bibliotecas e museus, acrescentando às suas habilidades e competências, outros processos que compreendem a complexidade do meio digital. Assim, é possível identificar que as atividades que implicam o uso do termo ‘curadoria’ envolvem uma série de ações que vão propiciar o zelo com o item ou conjunto de itens de valor estimável, independente do âmbito aplicação.
Destaca-se, portanto, que a curadoria digital apresenta-se como uma campo interdisciplinar que herda os aspectos tecnológicos, comunicacionais, gerenciais, cognitivos, de geração de conhecimento e informacionais, característicos da atividade de curadoria em ambientes tradicionais (SIEBRA; BORBA; MIRANDA, 2016).
Tal perspectiva vai ao encontro de Glushko (2014), que entende que a atividade de curadoria ocorre em todos os sistemas de organização e pode ser realizada por qualquer pessoa que tome decisões e emprega tecnologia para manter o conteúdo com qualidade e caráter ao longo do tempo. Por isso, exercer a curadoria, na visão de Glushko (2014, p. 194, tradução nossa), nada mais é do que definir
[...] políticas claras para coletar recursos e mantê-los ao longo do tempo, permitindo que as pessoas e os processos automatizados garantam que os dados dos recursos e suas representações sejam confiáveis, precisos, completos, consistentes e não redundantes”.
Nesse sentido, pode-se destacar a sinergia da curadoria digital com a Ciência da Informação, por ter como seu objeto de preocupação central os recursos com valor informacional que estão expressos por meio dos dados. Com o constante crescimento do volume e da variedade dos dados, cresce também a preocupação em assegurar a sobrevivência e o acesso contínuo ao material digital, ou seja, ao conteúdo expresso em código binário, denominado também como objetos digitais (HIGGINS, 2011).
Como explica Araújo (2017) a curadoria digital nasce como um campo prático e profissional, que tem, no entanto, desdobramentos ou consequências teóricas, dada a preocupação em estabelecer princípios norteadores para suas ações. Esses desdobramentos teóricos, tem sido de grande interesse para a Ciência da Informação, sendo a principal contribuição da curadoria digital nessa área “[...] a sua preocupação com o todo, isto é, com a ligação e interdependência entre os vários aspectos, momentos e instâncias relacionados com a informação” (ARAÚJO, 2017, p.15).
O Digital Curation Centre (DCC), centro de estudos de referência internacional, propõe um modelo de ciclo de vida de curadoria digital, conforme exposto na Figura 1, que oferece um conjunto de ações que levam em consideração todas as instâncias que relacionam-se com a manutenção do valor informacional de um recurso digital.

As ações que compõem o Modelo de Ciclo de Vida de Curadoria Digital do DCC são divididas em Ações para Todo o Ciclo de Vida; Ações Sequenciais; e Ações Ocasionais, para abranger as necessidades de gestão do material digital. Com base no estudo de Higgins (2008) apresentam-se as ações e a descrição dos seus respectivos processos no quadro 1.
Cada um dos processos é detalhadamente descrito para orientar a tomada de decisão em relação ao fluxo de dados e em relação às próprias ações. A partir do modelo, é possível visualizar as ações que são, ou que deixam de ser, aplicadas em cada estágio do ciclo de vida dos dados, influenciando diretamente na eficácia com que as informações podem ser gerenciadas e preservadas nos estágios seguintes do ciclo de vida (HARVEY, 2010).

Nessa perspectiva, percebe-se que o objetivo da curadoria digital não é algo simples, mas sim que se ramifica em diversos objetivos para atingir um objetivo total. Por isso sua abordagem, em geral, não é linear, e sim, cíclica, levando em consideração todos os estágios e as relações de um recurso informacional.
Portanto, percebe-se que sua direta relação com o tratamento dos materiais digitais que possuem valor informacional é o que faz com que a curadoria digital seja um tema de grande interesse para a Ciência da Informação, e consequentemente sua relação com a representação da informação.
A Ciência da Informação tem sua origem e desenvolvimento ligados à explosão informacional, estabelecendo-se como uma ciência que tem seus estudos direcionados às forças que agem sobre os seus meios de processamento para otimizar o acesso, a localização, o uso e o reuso dos registros e dos recursos informacionais (BORKO, 1968).
Para tanto, as formas de representação da informação destacam-se como parte fundamental na tarefa de garantir a recuperação da informação, estando relacionadas ao estabelecimento de identificação, ordem e registro unívoco de um recurso informacional (ALVES, 2010). Por isso, para a Ciência da Informação, o processo de representação da informação se destaca por ser um campo fundamental do tratamento informacional, levando em consideração os aspectos de forma e de conteúdo dos recursos informacionais.
Como salienta Marcondes (2001, p. 61) “De nada adianta a informação existir, se quem dela necessita não sabe da sua existência, ou se ela não puder ser encontrada”. Há tempos essa questão já é levada em consideração por setores tradicionais como as bibliotecas, arquivos, museus e demais unidades de informação. No entanto, ela toma proporções ainda maiores, diante do crescente volume de informações e do constante desenvolvimento das tecnologias no âmbito digital.
Diante disso, verifica-se que para que haja a identificação e a recuperação da informação são necessários que os aspectos elementares dessa informação e de sua estrutura de armazenamento sejam explicitados de alguma forma. Por isso a representação da informação é uma atividade fundamental para o tratamento informacional, pois é a partir dela que se dá condições para identificar e recuperar um recurso informacional.
Como explicam Mey e Silveira (2010, p. 126) os conceitos para a representação são “[...] oriundos de diferentes linhas filosóficas como de diferentes áreas do conhecimento: da Arte ao Direito, ou seja, da criação à regulamentação. O sentido intencional da catalografia refere-se à representação como ‘algo no lugar de’”.
A representação pode ser entendida como um processo cognitivo que é primeiramente inerente à natureza humana, e que em um segundo momento passa a ser social, implicando além da concretização e fixação do conhecimento em determinada estrutura, também à necessidade de comunicação e compartilhamento de ideias. (BAPTISTA, 2007). Baptista (2007) aponta que a representação pode ser categorizada em diferentes níveis, sendo a representação primária aquela que vai do pensamento para o objeto; a representação secundária, a que vai do objeto para o registro; e por fim, a representação terciária, que vai do primeiro registro para o segundo registro.
Essa categorização permite vislumbrar a estreita relação do processo de representação da informação com a Ciência da Informação, “[...] na medida em que o objeto precisa ser não somente representado como também transformado em recurso informacional, como elemento constitutivo básico do conhecimento”. (BAPTISTA, 2007, p. 180). Ou seja, criar representações é algo fundamental e inerente à natureza humana e que, portanto, tem grande interesse para a Ciência da Informação, na medida em que possibilita comunicar, registrar e perpetuar a atividade humana.
A Representação da Informação, como campo da Ciência da Informação tem sido dividida para fins didáticos em representação descritiva, a qual lida com os aspectos específicos para a individualização do recurso informacional e a representação temática, voltada para os aspectos de assunto. Ambas, porém, são fundamentais para possibilitar uma eficiente recuperação de informações e ocorrem na prática de modo integrado (MAIMONE; SILVEIRA; TÁLAMO, 2011). Principalmente no âmbito digital, ambos os processos tendem a ser executados de modo associado, em uma única plataforma, por meio dos metadados.
Na curadoria digital, o tratamento informacional está ligado à contínua gestão dos dados, visando reduzir as ameaças ao valor informacional e também o risco de obsolescência, se valendo para isso dos metadados.
O termo ‘metadados’, que significa literalmente ‘dados sobre dados’ e foi cunhado no final da década de 1960 para se referir a um conjunto de declarações sobre os dados (POMERANTZ, 2015). Os dados podem ser definidos como expressão mínima de conteúdo, estando presentes em todas possibilidades de produção de recursos informacionais, bem como nas características dos diversos tipos de recursos existentes.
Na curadoria digital, os dados são o objeto central de aplicação de suas ações, que por sua vez, buscam garantir a manutenção de características como autenticidade, confiabilidade, integridade e usabilidade desses dados (HIGGINS, 2008). Tais características tornam-se fundamentais frente à necessidade de garantir a identificação, a recuperação, o acesso e o uso de informações relevantes, em meio a uma crescente quantidade de dados heterogêneos.
Logo, é possível perceber que junto ao movimento de disponibilização de informações que se intensificou com as possibilidades de produção e de compartilhamento de dados nos ambientes digitais, houve a necessidade de se pensar nas formas de tratamento dessas informações em um ambiente diversificado, dinâmico e pouco estruturado.
É nessa direção que se desenvolve as práticas de curadoria digital, levando em consideração questões de arquivamento e de preservação dos dados (SANTOS, 2014), mas principalmente, considerando as formas de garantir a manutenção e a qualidade dos dados. Desse modo, a curadoria digital busca [...] atenuar a obsolescência digital, mantendo a informação confiável, acessível aos usuários por tempo indeterminado (SANTOS, 2014, p. 30).
Por isso, para a curadoria digital, os metadados são parte fundamental de sua prática, pois estabelecem relação direta com os dados. Os metadados configuram-se como elementos descritivos ou contextuais de suma importância dentro de todos os sistemas de informação, por intensificarem a identificação do item para sua recuperação e acesso por meio da construção de representações para um recurso informacional (ALVES, 2010).
Para os setores tradicionais como bibliotecas, arquivos e museus, os metadados são há tempos considerados importantes como elementos que permitem a construção de representações. No entanto, sua produção e uso tomam proporções ainda maiores diante do crescente volume de informações e do constante desenvolvimento das tecnologias no âmbito digital.
Do mesmo modo, a necessidade de metadados para apoiar atividades tradicionais de curadoria não é algo novo para os profissionais da Biblioteconomia e da Ciência da Informação. Contudo, para curadoria no âmbito digital, uma ampla gama de aspectos deve ser considerada.
Como destaca Harvey (2010, p. 80, tradução nossa):
Os bibliotecários e arquivistas estão muito familiarizados com a necessidade de metadados para apoiar atividades de curadoria, mas para curadoria de objetos digitais os requisitos são mais extensos, especialmente aqueles para metadados de preservação. Para os indivíduos que criam objetos digitais, os metadados são igualmente importantes.
Nesse sentido, pode-se fazer um paralelo com os papéis ou funções que os metadados vêm assumindo no cenário atual. Além dos papéis tradicionais já desempenhados por esses elementos de representação, como: identificação e descrição da informação; busca e recuperação; e localização dos documentos, eles ainda passam a ter papéis emergentes originados pelas necessidades do atual cenário informacional, como: autoria e propriedade intelectual; formas de acesso; atualização da informação; preservação e conservação; restrição de uso; valoração do conteúdo; visibilidade da informação; acessibilidade dos conteúdos (MÉNDEZ RODRÍGUEZ, 2002).
Para a comunidade de patrimônios culturais, o termo metadados é comumente aplicado “[...] às informações de valor agregado que criam para organizar, descrever, rastrear e melhorar o acesso a objetos de informação e itens físicos e coleções, relacionados a esses objetos” (GILLILAND, 2016, p. 2, tradução nossa). No entanto, Gilliland (2016, p. 2, tradução nossa) destaca o fato de que “Todos os objetos carregam consigo determinados metadados que resultam inatamente das circunstâncias de sua criação, gerenciamento e uso”, o que acarreta a geração de diferentes tipos de metadados.
Os metadados podem ser distinguidos por suas funções. O quadro 2 sintetiza uma possível divisão, segundo a publicação da National Information Standards Organization (NISO), em 2017.
Esses vários tipos de metadados auxiliam nos diferentes casos de uso em sistemas de informação, seja para a descoberta, identificação ou compreensão de recursos informacionais, bem como para a interoperabilidade entre os sistemas (RILEY, 2017).
Para serem mais efetivos em cada função, os metadados assumem uma estrutura padronizada, compondo um padrão de metadados. Esses padrões suportam uma série de funções definidas que permitem especificar elementos descritivos ou contextuais que tornam a representação possível, descrevendo o recurso informacional e permitindo a identificação, a localização e a recuperação, ao mesmo tempo facilitando o gerenciamento e acesso (HIGGINS, 2007a).
Os metadados padronizados permitem a recuperação automática da informação, o que promove a consistência dos bancos de dados e viabiliza o compartilhamento de informações entre eles, ou seja, a interoperabilidade e o intercâmbio de dados (CASTRO; SIMIONATO; ZAFALON, 2016).
Destaca-se que nos sistemas de informação, são os padrões de metadados que definem a interoperabilidade, os quais podem ser entendidos como:
[...] padrões que estabelecem regras para a definição de atributos (metadados) de recursos de informacionais, para a) obter coerência interna entre os elementos por meio de semântica e sintaxe; b) promover necessária facilidade para esses recursos serem recuperados pelos usuários; c) permitir a interoperabilidade dos recursos de informação. (ALVES, 2010, p. 47).
Cada comunidade desenvolve um padrão de metadados mediante as suas necessidades visando a melhor descrição possível do tipo de recurso trabalhado. Como explica Higgins (2007a, não paginado, tradução nossa) “Os padrões de metadados se desenvolvem em resposta a uma necessidade da comunidade e geralmente ganham ampla aceitação, ou são amplamente utilizados enquanto ainda estão em desenvolvimento”.
O estabelecimento de um padrão de metadados exige a construção padronizada dos seus elementos para que os metadados possam ser úteis e válidos em um sistema de informação. Os padrões de metadados são caracterizados por apresentarem definições semânticas dos seus elementos descritivos e as formas padronizadas para representá-los. (HIGGINS, 2007a).
Por isso, a padronização é considerada a chave para o gerenciamento de dados, pois “[...] o compartilhamento e a reutilização de dados, que estão no centro da curadoria digital, exigem interoperabilidade, o que, por sua vez, exige aderência aos padrões”. (HARVEY, 2010, p. 68, tradução nossa).
A interoperabilidade é entendida como a capacidade de vários sistemas trocarem dados com a mínima perda de conteúdo e de funcionalidade (RILEY, 2017). Para isso, é necessário ter metadados de boa qualidade que possam suportar os processos de mapeamento e de busca de dados em diferentes sistemas, o que é potencializado pelo uso de padrões de metadados.
Higgins (2007a, não paginado, tradução nossa) destaca que “O uso de padrões de metadados, desde o início de um projeto, garante metadados ricos e consistentes que suportarão a descoberta, o uso e a integridade de recursos digitais em longo prazo”. Harvey (2010) reforça que “[...] o uso de padrões para os metadados garante que as informações de descrição criadas sejam consistentes e indiquem os elementos necessários para gerenciar e organizar os objetos digitais que descrevem”.
Desse modo, existe um grande número de padrões de metadados para atender às necessidades específicas de cada comunidade de usuários, buscando fornecer metadados adequados para cada finalidade. Gilliland (2016) faz uma assimilação para a diversidade de padrões de metadados existentes para a comunidade de patrimônios culturais e organiza esses padrões em categorias.
A divisão é feita por padrões em estrutura de dados, que contemplam os conjuntos de elementos de metadados e de esquemas que compõem um registro ou outras informações sobre o objeto. Os padrões de valor de dados são os vocabulários controlados, os tesauros, as listas de controle (terminológico, por exemplo), ou seja, são os termos e outros valores utilizados para preencher os conjuntos de elementos de metadados. Já os padrões de conteúdo de dados são orientações para o formato e a sintaxe dos valores de dados que são utilizados para preencher elementos de metadados. São consideradas também as regras e os códigos para a descrição de recursos. Por fim, os padrões de intercâmbio são uma forma de codificação e de estrutura que permitem expressar os dados em uma linguagem de marcação processável por máquina (GILLILAND, 2016).
Cada padrão de metadados é metodologicamente construído para que gere uma representação unívoca e padronizada para determinado recurso informacional (ALVES, 2010), o que permite tratar de forma única um item ou um conjunto de itens e ao mesmo tempo permite a utilização ou a reutilização dos dados e dos metadados pela comunidade interessada.
Por isso, para a curadoria digital, os
[...] tipos de metadados precisam ser construídos de acordo com padrões definidos e aceitos, com o objetivo de garantir que haja descrições adequadas dos dados ou objetos digitais para permitir que eles sejam localizados e controlados durante o período em que são curados (HARVEY, 2010, p. 66, tradução nossa).
As ações da curadoria digital têm início mesmo antes dos dados serem criados ou agregados, por meio do planejamento e do estabelecimento de padrões para coleta e tratamento de dados visando assim a melhor condição possível para garantir que eles possam ser mantidos e usados no futuro. Isso revela a importância do encadeamento de todas as ações para o sucesso da curadoria e a necessidade de atribuir informações descritivas e contextuais aos dados possibilitando que eles sejam identificados e usados ao longo dos processos (HARVEY, 2010).
Desse modo, o planejamento é fundamental para que todas as etapas sejam realizadas de forma correta. Na curadoria digital, determinados padrões são essenciais para que as ações possam ser planejadas e implementadas e a escolha desses padrões estará condicionada às necessidades de representação e de descrição de cada comunidade de domínio.
Higgins (2007b) salienta que para uma efetiva implementação dos padrões de metadados é importante considerar os tipos de padrões existentes em relação à estrutura, ao conteúdo e à funcionalidade, pois diferentes tipos de padrões de metadados podem ser usados de forma interdependente para atingir diversos objetivos.
Existem diferentes tipos de padrões de metadados disponíveis que podem usados em combinação com as ações de curadoria digital. Um padrão de metadados mais comum aplicado à curadoria digital é o Preservation Metadata: Implementation Strategies (PREMIS), desenvolvido mais especificamente para apoiar atividades de preservação digital, oferecendo um conjunto central de elementos de metadados de preservação (HIGGINS, 2007a, HARVEY, 2010).
Os metadados de preservação tem grande importância para a atividade de curadoria, pois garantem o acesso a longo prazo de recursos digitais, fornecendo mecanismos para registrar os dados sobre os requisitos que devem ser atendidos para usá-los e identificá-los, bem como registrar as ações de preservação que foram aplicadas aos recursos digitais ao longo do tempo (HARVEY, 2010).
Outro padrão de metadados amplamente utilizado no âmbito digital é o Dublin Core, um padrão que pode ser facilmente entendido e implementado, e por isso tem ampla aceitação. Foi desenvolvido originalmente em 1995, para suportar um conjunto básico de elementos para a localização de recursos na Web e possibilitar sua busca e recuperação. Contemporaneamente, sua utilização é direcionada para apoiar a descoberta e a descrição de recursos em diferentes domínios, fornecendo uma estrutura de metadados de qualidade para suportar os processos de mapeamento e de busca de dados em diferentes sistemas.
O padrão Dublin Core inclui dois níveis: Simples e Qualificado. O Dublin Core Simples é composto por quinze elementos; O Dublin Core qualificado inclui três elementos adicionais (Audience, Provenance e RightsHolder), bem como um grupo de elementos (também chamados de qualificadores) que refinam a semântica dos elementos de maneira que possam ser úteis na descoberta de recursos (HILLMANN, 2007, não paginado, tradução nossa). A vantagem do uso do Dublin Core é o fato de que grande parte dos padrões de metadados pode ser mapeado por ele, “[...] permitindo a pesquisa federada básica entre metadados criados usando diversos padrões diferentes, sem prejudicar os metadados mais ricos” (HIGGINS, 2007a, não paginado, tradução nossa). Esse fato é de grande interesse para a curadoria digital na medida em que seu objetivo é manter e agregar valor a informação de modo que os recursos possam atender aos propósitos informacionais e fomentar novos conhecimentos ao longo do tempo.
Entende-se que o processo de agregar valor na curadoria digital se destina representar os dados com base em metadados do contexto a que um recurso informacional pertence ou está relacionado. Esse processo destina-se a assegurar a validade e utilidade dos recursos, isto é, a autenticidade, a confiabilidade, a integridade e a usabilidade dos dados para adequação a qualquer que seja seu propósito informacional ao longo do tempo.
De acordo com o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis (online), esses termos podem ser definidos da seguinte forma: Autenticidade é a natureza, propriedade ou condição do que é autêntico, legítimo; Confiabilidade, é a qualidade de algo que é confiável, fiável; Integridade, é relativo ao estado ou característica de algo que está inteiro, completo; Usabilidade, é a capacidade de facilitar e otimizar o uso de algo (MICHAELIS, 2020). Todas essas características são complementares e se unem para dar caráter de qualidade aos dados. A partir dessas definições e tendo como base o modelo do Digital Curation Centre (DCC) é possível estabelecer a relação entre essas características e as ações pertencentes à curadoria digital.
A autenticidade e a confiabilidade podem ser garantidas pelos processos que certificam a proveniência dos dados, como na Ação Sequencial de ‘Avaliação e seleção’, que vai analisar se os dados são aderentes às orientações documentadas, bem como às políticas e às exigências legais. Outras Ações Sequenciais que vão influenciar nos aspectos de autenticidade e a confiabilidade são as ações de ‘Admissão’ e ‘Armazenamento’, que levam em consideração formatos e estruturas de dados aderentes a padrões.
Já a integridade, que tem direta influência no grau de autenticidade e a confiabilidade de um recurso - portanto também sendo influenciada pelas ações de ‘Avaliação e seleção’, .Admissão’ e ‘Armazenamento’ – será impactada principalmente pela Ação Sequencial de ‘Conceptualização’, na qual ocorre o planejamento de quais dados farão parte da curadoria digital, e pela Ação Sequencial de ‘Criação e/ou Recepção’, na qual os dados que foram julgados necessários para o gerenciamento serão criados ou recebido de fontes externas (agregadores, repositórios ou data centers), levando em consideração os tipos de metadados. Por isso, a Ação Sequencial de ‘Transformação’, também exercerá influência na integridade, pois ela tem a finalidade de criar novos dados a partir dos originais, seja para adequá-los a uma determinada aplicação ou para mantê-los sustentáveis ao longo do tempo de modo a contemplar as necessidades de gerenciamento e manutenção.
Em relação a usabilidade, a Ação Sequencial que mais pode afetar essa característica é principalmente a de ‘Acesso, uso e reuso’, que considera a qualidade dos dados para viabilizar acesso, tanto pela publicação de forma aberta, levando em conta direitos e licenças, como a partir do controle de acesso por procedimentos de autenticação.
Percebe-se assim, que devido a complementariedade desses conceitos e da própria interdependência das ações da curadoria digital, mais de uma ação pode influenciar cada característica. O que fica bastante claro devido ao fato de que as quatro características são influenciadas pela ‘Ação de preservação’, que tem como intuito garantir que os dados permaneçam autênticos, confiáveis e utilizáveis, mantendo a respectiva integridade. Para isso, tal ação inclui procedimentos de limpeza de dados, validação, atribuição de metadados padronizados e de estruturas ou formatos de dados correspondentes.
Nesse sentido, reitera-se que a importância dos metadados para a curadoria digital pode ser percebida não só como um fator essencial para garantir o planejamento e a execução de suas ações, mas principalmente para garantir que os recursos digitais tenham seu propósito informacional assegurado, garantido sua qualidade e utilidade para o acesso, uso e reuso a longo prazo.
Portanto, percebe-se que a curadoria digital é uma atividade que é direcionada a garantir o valor informacional dos recursos, o que implica não só em ações de arquivamento e de preservação digital, mas principalmente em manter e agregar valor por meio da representação da informação, de modo que os recursos informacionais possam não só se manter acessíveis, mas com qualidade e confiabilidade para serem reaproveitados e reutilizados em diversos contextos.
A curadoria digital tem ganhado destaque nos últimos anos, construindo-se como uma prática interdisciplinar abrangente que busca estabelecer diretrizes e um conjunto de ações inter-relacionadas para o tratamento e a manutenção do material com valor informacional. Sendo assim, percebe-se que seu objetivo alinha-se com a Organização e a Representação da informação demonstrando sua aproximação com a Ciência da Informação.
Por essa razão, no modelo do Digital Curation Centre (DCC) é possível destacar diversas ações que implicam o tratamento informacional dos recursos digitais, se valendo para isso, dos metadados para a construção de representações. Essas representações, por sua vez, são fundamentais para o planejamento e a interdependência das etapas no ciclo de vida de curadoria, pois são elas que possibilitam que os dados sejam compreendidos e processados pelos sistemas e também pelos próprios usuários humanos, viabilizando o acesso, o uso e o reuso futuro dos objetos digitais.
Assim, é importante lembrar que a curadoria digital é uma atividade que recai não somente sobre os dados dos recursos informacionais, mas implica também que as informações geradas e atribuídas para eles também sejam incluídas no tratamento. Isso requer padrões definidos e aceitos internacionalmente pela comunidade de domínio e pelos sistemas informacionais que estejam em consonância com os propósitos da curadoria, refletindo diretamente na garantia de localização e de controle dos dados para as comunidades de domínio.
Além disso, percebe-se que a própria atividade de curadoria em setores de informação tradicionais sempre esteve relacionada ao tratamento dos materiais com valor informacional, o que, portanto, reafirma a necessidade de representação da informação para o tratamento de coleções. Desse modo, percebe-se que a curadoria digital, mesmo orientada às questões emergentes de representação em meio digital, traz consigo fundamentos e princípios norteadores já realizados em setores tradicionais de informação, como em bibliotecas, arquivos e museus, o que não a torna algo inédito, mas sim complementar às novas demandas e às mudanças do comportamento informacional.
Portanto, é possível elucidar a importância da relação entre as formas de representação e a curadoria digital, uma vez que, a curadoria tem como finalidade manter e agregar valor à informação para viabilizar o acesso, o uso e o reuso a longo prazo, objetivos que não se efetivariam sem o tratamento informacional proveniente da representação da informação.
CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA: Concepção e elaboração do manuscrito: M. L. Triques, A. C. S. Arakaki, F. F. Castro Coleta de dados: M. L. Triques, A. C. S. Arakaki, F. F. Castro Análise de dados: M. L. Triques, A. C. S. Arakaki, F. F. Castro Discussão dos resultados: M. L. Triques, A. C. S. Arakaki, F. F. Castro Revisão e aprovação: M. L. Triques, A. C. S. Arakaki, F. F. Castro
CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA: Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
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PUBLISHER: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
EDITORES: Enrique Muriel-Torrado, Edgar Bisset Alvarez, Camila Barros
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

